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30.7.12

O cristianismo na balança

Texto de Geoffrey Blainey em "Uma breve história do cristianismo” (Ed. Fundamento) – trechos das pgs. 328 a 332. Tradução de Capelo Traduções. As notas ao final são minhas.

No curso de 20 séculos, [o cristianismo] já entrou em declínio e se recuperou várias vezes. No ano 300, ele estava mais fraco na Europa e na Ásia Menor do que hoje. Em 1600, estava mais fraco no mundo como um todo. [...] O cristianismo se reinventou repetidas vezes. Todo renascimento religioso é o reflexo de um estado de declínio anterior [1]. Mas nenhum renascimento – e talvez nenhum declínio – é permanente.

Mesmo quando o cristianismo atravessava uma boa fase, muita gente permanecia indiferente ou pouco interessada, e sua influência em muitos setores da sociedade era fraca ou irregular. [...] Em essência, o mundo ocidental não deve ser comparado com muito rigor à supostamente mais cristã civilização que o precedeu. O cristianismo, mesmo no apogeu, para muita gente foi, em parte, só aparência [2].

No mundo ocidental, ao iniciar-se o século 21, a doutrina cristã frequentemente parece um tanto irrelevante. Pela primeira vez na história, várias doenças que tornavam a religião útil ou indispensável são tratáveis ou foram erradicadas. As enfermidades incuráveis, a morte de jovens, a fome e a pobreza extremas não são vistas tão frequentemente. Houve um tempo em que as pessoas morriam aos 50 anos, muito envelhecidas. Hoje, máquinas de várias espécies reduziram a necessidade do trabalho pesado que antes sustentava a economia. Por tudo isso, há menos incentivo para que se recorra à Bíblia nos momentos de dor ou desespero – embora o sucesso material traga novas preocupações [3].

[...] Há 300 anos, as pessoas se satisfaziam com explicações baseadas no sobrenatural; hoje, elas se deixam convencer mais facilmente por explicações que apelem – ou pareçam apelar – à ciência, à lógica e à razão. Ciência e tecnologia carregam uma mensagem simples e persuasiva: os problemas do mundo são solucionáveis com o emprego de engenhosidade e inovações materiais; os enigmas do mundo – as origens do universo, por exemplo – podem ser desvendados pela mente científica. No entanto, embora as realizações da ciência tenham sido notáveis, não se pode considerá-las revolucionárias no estudo da natureza humana. De certo modo, os problemas mensuráveis estudados pela ciência e pela tecnologia são mais facilmente analisados do que os problemas humanos. É mais fácil explorar a lua do que explorar o coração e a mente do ser humano [4].

O conhecimento ocupa um dos primeiros lugares na hierarquia das virtudes mentais. A palavra “sabedoria” é pouco empregada em um século que valoriza mais do que nunca o conhecimento. [...] Sabedoria se refere, em primeiro lugar, aos seres humanos e suas dificuldades. O indivíduo tem o direito de dizer que não acredita em Deus. Mas calar-se e fugir à discussão sobre a natureza humana que cerca todo o conceito de “Deus” é não perceber por que o cristianismo faz tanta gente pensar há tanto tempo [5].

[...] Não é fácil avaliar uma religião tão antiga e disseminada, cujos seguidores discordam entre si. O cristianismo moldou – e às vezes desmanchou – muita coisa no mundo moderno. Não somente a moral e a ética receberam influência, mas também o calendário, os feriados, a assistência social, os eventos esportivos, arquitetura, idioma e literatura, além das denominações do mapa-múndi. Talvez nenhuma outra instituição – a não ser os governos modernos – tenha cuidado tão diligentemente dos enfermos, dos pobres, dos órfãos e dos velhos. Por muito tempo a Igreja representou a predecessora da assistência oficial, além de assumir o papel na educação de boa parte da Europa e de fundar a maioria das primeiras universidades. O cristianismo influenciou o papel social da mulher, o status da família e – dizem alguns historiadores – a ascensão do socialismo e do capitalismo [6]. Além disso, tanto favoreceu como prejudicou o avanço da Ciência e das Ciências Sociais.

A moderna democracia, muito diferente da versão praticada na antiga Atenas, muito deve à declaração feita por Paulo, garantindo que todas as almas têm o mesmo valor aos olhos de Deus [7]. A democracia também deve muito àquela ala do protestantismo que, desobedecendo ao papa e ao bispo, conferiu poder à congregação reunida aos domingos.

Desde seu surgimento, o cristianismo participou de muitos eventos lamentáveis e cometeu muito mais erros do que os primeiros apóstolos poderiam imaginar. Boa parte desses erros foi praticada por quem falava em nome de Cristo, mas sem sinceridade. Trata-se de uma difícil e angustiante profissão de fé. Entre os bilhões de indivíduos, hoje mortos, que entenderam e tentaram seguir os preceitos de Cristo, a maioria provavelmente teria admitido falhas em algumas fases da vida – ou em todas.

[...] O cristianismo provavelmente foi a instituição mais importante do mundo nesses 2 mil anos. Muito do que nos parece admirável hoje resulta inteiramente ou em parte do cristianismo e de seus seguidores. Por outro lado, pode ser que, no ano 2200, estudiosos e analistas que tenham outros valores cheguem a uma conclusão diferente. A análise de importantes mudanças ocorridas no passado, para saber se foram benéficas ou não, raramente leva a um veredito unânime.

É notável que um homem que viveu há 2 mil anos, não ocupou cargo público nem era rico, e nunca visitou um lugar que ficasse a mais de dois dias a pé de distância do local onde nasceu, possa ter exercido tanta influência, com seus ensinamentos, profecias, conselhos e parábolas. “Eu sou o caminho, a verdade e a vida”, ele declarou. “Pois onde dois ou três se reunirem em meu nome, lá estarei”.

***

[1] Se por um lado os conservadores, tradicionalistas e ortodoxos sempre lutaram para manter a doutrina cristã inalterada, foi precisamente graças aos heterodoxos, os reformadores, os questionadores, que o cristianismo conseguiu manter-se vivo, renovando-se sempre, ainda que lentamente. Mas talvez a era moderna exija uma rapidez de mudança que está além de suas capacidades. Claro que a tradição e o dogma foram também importantes para a doutrina cristã, mas amparada somente na estagnação das tradições antigas, qualquer doutrina estará com os dias contados.

[2] Mesmo nos dias atuais, quando ninguém mais é “obrigado” pela tradição a ser um cristão praticante, talvez a grande maioria apenas se intitule cristã para se conformar aos “padrões sociais”... Ou você acha que ir na missa alguns domingos do ano para ouvir e recitar orações decoradas, sentar e levantar quando solicitado, é “ser cristão”?

[3] Infelizmente este tipo de “barganha” sempre foi muito comum nos ditos religiosos, e não é diferente com os cristãos: “Eu sofro e por isso venho até Teu altar pedir benção”... Quão melhor seria o mundo se parte desses cristãos pudessem aprender com o Oriente, e reconhecer a Benção Divina como algo permanente, inclusive quando não passam por nenhum tipo de dificuldade – e oram somente para agradecer.

[4] É óbvio que a racionalidade e os avanços científicos nos ajudaram em muito a solucionar nossos problemas materiais, mas quanto mais tempo livre o homem moderno tem para desfrutar a vida, mais lhe falta a profundidade espiritual, a sabedoria, para lidar com a própria alma que (embora muitos cientistas gostariam que fosse) não é uma máquina cujo ânimo pode ser inteiramente regulado a base de comprimidos. No fundo, sabemos que a ciência não está aqui para substituir a espiritualidade, mas pode ser uma grande aliada.

[5] Há muitos anti-teístas que creem que todo o cristianismo é apenas uma “fantasia consoladora para seres infantis”, e que Deus é “somente um mito”. Mas se esquecem (ou, mais provavelmente, ignoram) que toda nossa cultura nasceu da mitologia, e que, como bem disse Schiller, “em deus algum faltava à humanidade inteira”.

[6] Devemos lembrar que nem todos os cristãos foram conservadores, e há muitos grandes reformadores cristãos que estabeleceram revoluções em nossa filosofia e espiritualidade. Há mesmo muitos grandes cientistas que foram cristãos.

[7] Infelizmente, no entanto, por muitos séculos tanto escravos quanto mulheres não eram reconhecidos como “tendo alma”.

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Crédito da imagem: RF Pictures/Corbis

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