Aristóteles e Higgs: uma parábola etérea
Texto de Marcelo Gleiser para a coluna Ciência da Folha de São Paulo (29/07/12). O comentário final é meu.
Aristóteles e Peter Higgs entram num bar. Higgs, como sempre, pede o seu uísque de puro malte. Aristóteles, fiel às suas raízes, fica com um copo de vinho.
"Então, ouvi dizer que finalmente encontraram," diz Aristóteles, animado.
"É, demorou, mas parece que sim," responde Higgs, todo sorridente. "Você acha que 40 anos é muito tempo? Eu esperei 23 séculos!" "Como é?", pergunta Higgs, atônito. "Você não acha que..."
"Claro que acho!", corta Aristóteles. "Você chama de campo, eu de éter. No final dá no mesmo, não?"
"De jeito nenhum!", responde Higgs, furioso. "O seu éter é inventado. Eu calculei, entende? Fiz previsões concretas."
"Vocês cientistas e suas previsões...", diz Aristóteles. "Basta ter imaginação e um bom olho. Você não acha que o meu éter é uma excelente explicação para o que ocorre nos céus?"
"Talvez tenha sido há 2.000 anos. Mas tudo mudou após Galileu e Kepler", diz Higgs.
Aristóteles olha para Higgs com desprezo. "Você está se referindo a esse 'método' de vocês, certo?"
"O método científico, para ser preciso", responde Higgs, orgulhoso. "É a noção de que uma hipótese precisa ser validada por experimentos para que seja aceita como explicação significativa de como funciona o mundo."
"Significativa? A minha filosofia foi muito mais significativa para mais gente e por muito mais tempo do que sua ciência e o seu método."
"É verdade, Aristóteles, suas ideias inspiraram muita gente por muitos séculos. Mas ser significativo não significa estar correto."
"E como você sabe o que é certo ou errado?", rebate Aristóteles. "O que você acha que está certo hoje pode ser considerado errado amanhã."
"Tem razão, a ciência não é infalível. Mas é o melhor método que temos para aprender como o mundo funciona", responde Higgs.
"Nos meus tempos bastava ser convincente", reflete Aristóteles com nostalgia. "Se tinha um bom argumento e sabia defendê-lo, dava tudo certo", continuou.
"As pessoas acreditavam em você, mas não era fácil. A competição era intensa!" "Posso imaginar", responde Higgs.
"Ainda é difícil. A diferença é que argumentos não são suficientes. Ideias têm que ser testadas. Por isso a descoberta do bóson de Higgs é tão importante."
"É, pode ser. Mas no fundo é só um outro éter", provoca Aristóteles.
"Um éter bem diferente do seu", responde Higgs. "E por quê?", pergunta Aristóteles. "Pra começar, o campo de Higgs interage com a matéria comum. O seu éter não interage com nada."
"Claro que não! Era perfeito e eterno", diz Aristóteles.
"Nada é eterno", rebate Higgs.
"Pelo seu método, a menos que você tenha um experimento que dure uma eternidade, é impossível provar isso!" afirma Aristóteles.
"Touché, você me pegou", admite Higgs. "Não podemos saber tudo." "Exato", diz Aristóteles. "E é aí que fica divertido, quando a certeza acaba."
"Parabéns pela descoberta do seu éter", diz Aristóteles.
"Existem muitos tipos de éter", afirma Higgs. "E muitos tipos de bósons de Higgs", retruca Aristóteles.
"É, vamos ter que continuar a busca." "E o que há de melhor?", completa Aristóteles, tomando um gole.
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Comentário
Em meu último artigo, O frescobol cósmico, trouxe uma curiosa comparação conceitual entre a descrição científica do Campo de Higgs e um trecho do Livro dos Espíritos que detalha o conceito espiritualista do chamado Fluido Universal (algo análogo ao Éter ou a Quintessência de Aristóteles). Se alguns céticos se "incomodaram" com a comparação vinda de um espiritualista que, afinal, "só escreve um blog e nada entende de ciência", fico curioso para saber sua opinião acerca deste artigo do renomado cientista brasileiro, Marcelo Gleiser, que em essência aponta exatamente para a mesma comparação conceitual.
» Veja o post original, no site da Folha
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Crédito da foto: Site oficial de Marcelo Gleiser
Marcadores: Aristóteles, autores selecionados, autores selecionados (121-130), Bóson de Higgs, ceticismo, ciência, espiritualidade, física, fluido cósmico universal, Marcelo Gleiser, Peter Higgs
8 comentários:
Sensacional. Mais uma vez repito que o mito e a visão poética não estão errados, são só olhares diferentes, usando de ferramentas diferentes, para enxergar o mesmo Universo.
O mito e a poesia são intuições, o que se espera é que a ciência defina o que se aplica a realidade dos mecanismos naturais, e o que se aplica somente ao campo de mente e da imaginação.
Há muito tempo um sujeito fez uma aposta, disse que "tudo vibra, nada está parado"... Como ele poderia saber disso naquela época, senão pela intuição? Somente no século XX a física de partículas comprovou experimentalmente que, contra todas as expectativas da nossa realidade conforme interpretada por nossa consciência humana, nada, NADA, de fato, está parado.
Somos poeira de estrelas a levitar pelo Cosmos, e quando por acaso um átomo realmente toca outro átomo, ocorrem explosões nucleares. Mas tudo vibra, nada está parado: apertamos a mão um do outro, e na realidade nenhum átomo de nossa mão toca a mão de quem cumprimentamos, e nenhum deles está parado.
Abs
raph
Não se pode confundir o mapa com o território. Há diferenças muito mais profundas, e fascinantes, inclusive conceituais, entre o campo de Higgs e o éter como conceito desde a Grécia Antiga.
Gleiser contrapõs um diálogo imaginário entre Higgs e Aristóteles. É evidente que a posição da ciência contemporânea é representada, na breve coluna do diálogo imaginário, por Higgs.
Em sua comparação, Raph, você se aproximou, e aqui inclusive destacou, a posição de Aristóteles.
A depender de Aristóteles, mulheres têm menos dentes que homens. Respostas do Livro dos Espíritos continuam mais próximas de Aristóteles, no qual outras religiões se basearam, do que de Higgs.
Isso me incomodou, que um avanço da ciência empírica que é justamente contrário à filosofia de Aristóteles -- porque, aos entendidos, o mecanismo de Higgs seria um mecanismo físico-matemático pouco elegante -- seja entendido como um triunfo de Aristóteles.
Gleiser retratou essa contraposição, de certa forma, embora pela brevidade da coluna e para provocar os leitores a tenha deixado em aberto. Mas definitivamente, o que o maior e mais caro experimento científico da história demonstrou é que o nosso senso estético, do que é "convincente", não é um bom parâmetro do que é a realidade.
Raphael, sobre seu último comentário, na verdade nada vibra, porque em escala subatômica o conceito de "vibrar" não faz sentido. Mas como *analogia* pode-se dizer que supercordas "vibram" ou que elétrons possuem "órbitas". São, contudo, apenas analogias.
Nosso senso do que é esteticamente belo, de como as coisas funcionam, estão atrelados a nossa experiência limitada do mundo. POr isso criamos analogias para entender coisas fora de nossa experiência e mesmo compreensão.
É preciso tomar assim cuidado para não confundir mapa com território. Apenas porque seja poético dizer, por exemplo, que a Teoria de Supercordas fala de uma vibração universal de tons e semitons em uma melodia cósmica, essa é apenas uma analogia, uma licença poética.
Oi Kentaro,
Primeiramente gostaria de dizer que meus comentários no Twitter, assim como o comentário ao final deste artigo do Gleiser, não se referiam especificamente a você (se for verificar as datas verá que publiquei antes do seu comentário no artigo anterior). Se referiam a céticos muito mais "exaltados" do que você, digamos assim (para quem me conhece, se referia a discussão de um grupo fechado no Facebook).
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Acerca das analogias do Gleiser, eu tendo a concordar contigo. Em todo caso, eu acho interessante que ele tenha se manifestado sobre o assunto, o que eu queria dizer é que não acho "um absurdo lógico" tal comparação...
Se formos considerar aqui o Éter de Aristóteles, não faria mesmo muito sentido a comparação com o Higgs, exceto, quem sabe, com o uso de muitas "licenças poéticas". Porém, eu não acho que o conceito de Éter tenha permanecido o mesmo desde Aristóteles.
Me pareceu curioso que no Livro dos Espíritos, no trecho da pergunta #27, tivéssemos uma descrição tão mais próxima do que ocorre no Higgs. Vou citar novamente um pequeno trecho aqui:
"Ao elemento material é preciso juntar o fluido universal, que desempenha o papel de intermediário entre a luz e a matéria propriamente dita, muito densa para que a luz possa exercer alguma ação sobre ela. [...] Esse fluido universal, sendo o agente de que a luz se utiliza, é o princípio sem o qual a matéria estaria em perpétuo estado de divisão e jamais adquiriria as propriedades que a gravidade lhe dá. (*)"
Acho isso MUITO distante, mesmo conceitualmente, da ideia um tanto quanto vaga que Aristóteles nos trouxe do Éter. E, sabe-se lá como, através de intuições fortuitas das adolescentes que ditaram as respostas a Kardec, sejam informações que vagam por sonhos ou por um "inconsciente coletivo", sejam porque espíritos existam, me pareceram realmente próximas do Higgs. Da mesma forma como um escritor de ficção científica as vezes "antecipa" avanços tecnológicos futuros (embora esta seja uma comparação pobre).
Não estou dizendo que "porque o Higgs existe, existe algo como o Fluido", mas pelo contrário: acredito que tais intuições de outrora hoje tem se comprovado na ciência experimental, e eu sigo a ciência experimental, e não as intuições, a partir do momento que se comprovam. As intuições são como apostas, esboços, mas eu não vejo razão para desacreditá-las "somente porque supostamente vieram de psicografias" ou algum motivo do tipo.
Eu analiso a informação pelo que ela traz de concreto - seja sua profundidade espiritual, ética, humanista ou poética, seja sua profundidade lógica, filosófica ou conceitual. Se um mendigo houvesse dito isso a alguém em 1880, seria para mim tão relevante quanto o trecho do Livro dos Espíritos, contanto que fosse plausível que houvesse sido dito realmente naquela época, e não após Higgs ter divulgado sua teoria.
A intenção do meu post de "associações" não era dizer que algo está mais correto (e, se fosse, deveria ser a ciência e não as intuições), mas sim demonstrar como as vezes ciência e intuição, e inspiração, e poesia, e mitologia, e espiritualidade, e filosofia, e lógica, podem andar juntas, ou jogar juntas num jogo de Frescobol, que não é nenhuma disputa e sim uma colaboração.
Não quer dizer que ache que os cientistas devam se basear em mitologia para suas pesquisas (pois isto seria uma tragédia), mas sim que, por vezes, sabe-se lá como ou porque, espiritualistas e cientistas se deparam com os mesmos problemas de concepção da Natureza, e, por vezes, chegam a conceitos parecidos.
Embora a comprovação venha pela ciência, toda teoria nasce da imaginação - a imaginação conectada a Natureza, claro.
(continua)
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No caso do "vibrar" do hermetismo, acredito que seja uma imagem extensivamente demonstrada nos livros e nos vídeos de divulgação científica, que é o que tenho acesso (afinal não sou cientista). Se são apenas analogias, em todo caso a parte do "nada está parado" continua sendo válida. Nem que ele se referisse apenas ao mundo ("o mundo não está parado, se move pelo Cosmos"), já seria uma intuição extraordinária para a época. E, claro, devemos lembrar que o sol tampouco está parado, nem a Via Láctea, e provavelmente nem o próprio tecido do espaço-tempo.
(*) Lembrando que substituí "espírito" por "luz", e que essa é para mim a diferença fundamental, que no Livro dos Espíritos este tipo de "densificação" da matéria (ganhando massa ao interagir com um "campo") se dê de forma intencional, enquanto no Higgs é algo natural (sem uma intencionalidade, pelo menos uma intencionalidade evidente ou detectada). Mesmo assim, acho os conceitos próximos, acho uma curiosidade interessante (claro que provavelmente muito mais para espiritualistas do que para céticos).
Abs
raph
Campo de Higgs = Fluido Cósmico: Éter Universal é o Campo de Higgs
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é possivel comparar este texto e tomar como base as ideias de Karl Popper e de Thomas Kuhn,no qual Karl Popper determinou o critério da falseabilidade ou seja para que uma teoria se torne ciênfica ela deve ter a possibilidadde de ser refutada.
Já thomas kuhn vai buscar a compreensão da palavra paradgma. Determinando que paradgma é o consenso dentro da comuniddae ciêntifica que determina uma teoria, considerada a ciência normal.Desta forma tudo que for descoberto dentro da comunidade ciêntifica vai derivar desse paradgma, até ao ponto de acontecer a ciência extraordinária na qual é gerada por uma crise, pois o paradgma não sustenta mais as perguntas realizadas, ocorrendo a revolução ciênfica, consequentemente surgindo outro paradgma e assim sucessivamente.
desta forma podemos tomar como uma reflexão como Popper e Kuhn observariam a descoberta do Éter de aristóteles e do campo de Higgs.
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