O frescobol cósmico
No Frescobol não existe rivalidade, não há vencidos e nem vencedores. Como se joga cooperativamente, não há adversários, e sim parceiros. É um jogo em que cultiva-se a amizade e o comprometimento nas jogadas... Recomenda-se jogar em praias ensolaradas, junto ao mar:
Antes de o oceano existir, ou a terra, ou o firmamento, a Natureza era toda igual, sem forma. Até que a Natureza generosa separou o Céu da Terra, e as coisas evoluíram, encontrando seus lugares... (Metamorfoses, Ovídio)
O Caminho é vazio e inesgotável, profundo como um abismo. Não sei de quem possa ser filho, pois parece ser anterior ao Soberano do Céu... (Tao Te Ching, Lao Tsé)
No início o Senhor criou os céus e a terra. A terra era sem forma e vazia, e a escuridão vagava sobre a face do abismo... (Gênesis)
No início havia apenas escuridão por toda parte, escuridão e água. E a escuridão se adensava em certos lugares, e depois se dissipava. Adensava e dissipava... (A Canção do Mundo, Índios Pima [1])
E os elohim se moveram sobre a face das águas. E o Senhor disse: “Faça-se a luz”, e a luz se fez... (Gênesis)
No início, havia apenas o Grande Uno refletido na forma de um ser. Ao refletir, não encontrou nada além de si mesmo. Então, sua primeira palavra foi: “Isto sou eu”... (Upanixades)
Viemos da Luz, de onde a Luz se originou dela mesma. Ela permaneceu e revelou-se a si mesma em sua imagem... (O Evangelho de Tomé)
Como poderia o Ser perecer? Como poderia gerar-se? Pois, se era, não é, nem poderia vir a ser. E assim a gênese se extingue e da destruição não se fala... (Da Natureza, Parmênides)
Tudo o que existe, existe em Deus, e sem Deus, nada pode existir nem ser concebido... (Ética, Espinosa)
O Cosmos é tudo o que é, ou foi, ou nalgum dia será... (Cosmos, Carl Sagan)
Como é que a matéria, corpo do Todo, que está em permanente devir, pode servir à imortalidade do Cosmos? Diríamos que é porque ela flui em si mesma e não para fora de si. Permanece a mesma, não cresce nem diminuí, e não envelhece... (Enéadas II, Plotino)
No início houve uma explosão que ocorreu simultaneamente em toda a parte, enchendo o espaço desde o início, cada partícula de matéria fugindo de todas as outras. Pouco importa, neste momento da história, que o espaço fosse finito ou infinito... (Os 3 primeiros minutos do universo, Steven Weinberg)
No início Deus criou a radiação e o ylem. E o ylem não tinha forma ou número, e os núcleos moviam-se livremente sobre a face das profundezas... (George Gamow [2])
Então o Senhor criou seres à sua própria imagem e semelhança, e lhes disse: “Crescei e multiplicai-vos”... (Gênesis)
Unumbotte fez um ser humano e seu nome era Homem, e depois fez muitos outros seres. Então, deu-lhes sementes de todos os tipos e lhes disse: “Plantem todas essas sementes”... (Mitos do Povo Bassari [3])
Então, ele percebeu – “na verdade eu sou essa criação, pois eu a expeli de mim mesmo”. Dessa forma, ele se tornou essa criação, e aquele que sabe disso se torna, nesta criação, um criador... (Upanixades)
Alguma parte de nosso ser nos diz que essa é a nossa origem. Desejamos muito retornar, e podemos fazê-lo, pois o Cosmos também está dentro de nós. Somos feitos de matéria estelar, somos uma forma do Cosmos conhecer a si mesmo... (Cosmos, Carl Sagan)
Se vos perguntarem quem sois vós, dizei-lhes: somos seus filhos e somos eleitos do Pai Vivo. Se vos perguntarem qual é o sinal do vosso Pai em vós, respondei-lhes: é o movimento e o repouso... (O Evangelho de Tomé)
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Agora uma última partida, antes do pôr do sol:
Pode haver este campo de energia que permeia todo o universo. Ele foi inicialmente proposto porque ninguém entendia como as partículas subatômicas ganhavam suas respectivas massas. O campo proposto deve interagir com tais partículas e lhes conferir massa. As partículas massivas devem interagir mais diretamente com tal campo, enquanto partículas sem massa alguma provavelmente sequer interagiriam com ele.
Para compreender melhor esta ideia podemos usar uma analogia com o oceano e os nadadores. A água faz o papel do campo proposto: Um peixe barracuda, por ser esguio e pontiagudo, pouco interage com o campo e pode se deslocar facilmente por ele. A barracuda seria similar a uma partícula com pouca ou nenhuma massa; Em contraste, um sujeito obeso, amante das rosquinhas, se moverá muito lentamente pela água. Em nossa analogia, ele seria uma partícula massiva, pois interagiria bastante com a água.
Se tal campo fluido não existisse, nenhuma partícula teria massa, e veríamos apenas luz e energia por aí. Chamamos a este campo hipotético de Campo de Higgs, em homenagem a Peter Higgs, criador da teoria. O Bóson de Higgs [4] nada mais seria do que a partícula que forma tal campo, da mesma forma que as moléculas de H2O formam a água do oceano.
(adaptado do vídeo de divulgação científica de Don Lincoln, do Fermilab)
Ao elemento material é preciso juntar o fluido universal, que desempenha o papel de intermediário entre a luz e a matéria propriamente dita, muito densa para que a luz possa exercer alguma ação sobre ela. Embora, sob certo ponto de vista, se possa classificar o fluido universal como um elemento material, ele se distingue deste por propriedades especiais. Se fosse realmente matéria, não haveria razão para que a luz também não fosse. Está colocado entre a luz e a matéria; é fluido, como a matéria é matéria, e suscetível, pelas suas inúmeras combinações com esta e sob a ação da luz, de produzir a infinita variedade das coisas das quais os homens não conhecem senão uma ínfima parte.
Esse fluido universal, ou primitivo, ou elementar, sendo o agente de que a luz se utiliza, é o princípio sem o qual a matéria estaria em perpétuo estado de divisão e jamais adquiriria as propriedades que a gravidade lhe dá.
(trecho final da resposta à pergunta #27 de O Livro dos Espíritos, Allan Kardec [5])
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[1] Do estado do Arizona, nos EUA.
[2] Conforme citado em A dança do universo, de Marcelo Gleiser (pg. 380). O ylem foi um termo criado por Gamow e seus colegas para descrever uma hipotética “substância primordial”.
[3] Da África Ocidental.
[4] Também conhecido como “partícula de Deus”; muito embora caso exista um Criador todas as partículas devam ser, obviamente, “de Deus”.
[5] Onde, para criar “mais clima”, substituí o termo “espírito” pelo termo “luz”, e esta foi à única coisa que alterei no trecho. Talvez, quem sabe, o conceito de fluido universal (que remonta, em realidade, ao conceito de quintessência da Antiguidade) tenha alguma similaridade com o conceito do Campo de Higgs? Talvez, quem vai saber?
» Vejam também o que o cientista Marcelo Gleiser teve a dizer sobre a similaridade conceitual do Campo de Higgs com o Éter (ou quintessência, ou fluido universal) de Aristóteles: Aristóteles e Higgs: uma parábola etérea
Crédito da imagem: Google Image Search
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13 comentários:
A analogia com o FCU é perfeita! D: Parabéns pelo post
http://eumaior.com.br
Já viu? Extremamente pertinente. Principalmente o segundo vídeo, de Ari Raynsford.
Já conhecia sim, mas vou ver este que indicou e também os do Cortella e da Marina Silva, que da última vez que entrei no site ainda não existiam..
Abs
raph
Vocês podem fazer uma experiência, copiar aquele trecho do Fluido Universal e substituir apenas as palavras "Fluido Universal" por "Campo de Higgs", e "luz" por "energia", e mostrar para algum conhecedor de Ciência e lhe perguntar: "Isto descreve bem o Campo de Higgs?". Ele provavelmente vai apontar uma ou outra incoerência (o que é totalmente esperado), mas não acredito que ele vá perceber que está lendo um trecho do Livro dos Espíritos, há menos que o conheça a fundo :)
Algo como:
"A matéria é preciso juntar o Campo de Higgs, que desempenha o papel de intermediário entre a energia e a matéria propriamente dita, muito densa para que a energia possa exercer alguma ação sobre ela. Embora, sob certo ponto de vista, se possa classificar o Campo de Higgs como um elemento material, ele se distingue deste por propriedades especiais. Se fosse realmente matéria, não haveria razão para que a energia também não fosse. Está colocado entre a energia e a matéria; é fluido, como a matéria é matéria, e suscetível, pelas suas inúmeras combinações com esta e sob a ação da energia, de produzir a infinita variedade das coisas das quais ainda não conhecemos senão uma ínfima parte.
Esse Campo de Higgs, sendo o agente de que a energia se utiliza, é o princípio sem o qual a matéria estaria em perpétuo estado de divisão e jamais adquiriria as propriedades que a gravidade lhe dá."
A analogia entre o campo de Higgs e a resposta do Livro dos Espíritos é um tanto enganosa -- não que isso seja deliberado, Rafael, mas sugere ao leitor uma associação indevida.
Porque a resposta do Livro dos Espíritos sem dúvida está mais relacionada com o éter luminífero do que com o mecanismo de Higgs -- cujos conceitos e diferenças com o éter luminífero são tão grandes que à época de Kardec ninguém nem fazia ideia.
Não há nada que tenha supostamente vindo dos espíritos que não é melhor e mais simplesmente entendido como resultado do espírito dos muito vivos.
Ou pelo menos se há, eu desconheço.
abs
Bem eu me interesso particularmente por trechos das respostas #27 e #82 do Livro dos Espíritos.
Na #82 é dito que o espírito não é imaterial, mas formado por matéria "quintessenciada", ou seja, já relacionando ao conceito de matéria fluida e indetectada.
Já a #27 traz este trecho que citei acima, que parece falar de um mecanismo conceitual pelo qual o espírito (supostamente um ser fluido) se vale do fluido universal (supostamente um campo fluido que preenche todo o Cosmos) para interagir com a matéria "densa". É precisamente a descrição desta interação que lembra o Campo de Higgs.
Ou seja, ao contrário do que muitos imaginam, muitos espiritualistas não creem na dualidade de substância, mas sim na dualidade de propriedade (física/mental):
"Note que o dualista de propriedade, embora concorde com o materialista que há apenas um tipo de substância - substância material (o que faz dele um materialista[1]) -, concorda com o dualista substancial que os fatos relativos as nossas mentes conscientes estão além de todos os fatos físicos relativos a nós" (Stephen Law, Guia Zahar de Filosofia, p.127)
Com a diferença, é claro, que os espiritualistas creem que esta dualidade de propriedade da filosofia da mente se estende mesmo após a morte do corpo.
E como isso ocorreria? Somente, é claro, se o espírito fosse formado por algum tipo de matéria não detectada, fluida e que, muito provavelmente, não interaja com a luz. Mas claro que isto é uma crença, apenas acredito que a crença em matéria não detectada seja muito mais lógica do que a crença numa "substância indefinida que sequer sabemos como abriga informação".
A minha analogia, portanto, faz sentido para espiritualistas que creem na dualidade de propriedade, e talvez não faça tanto sentido aos demais... Por outro lado, como vemos no outro artigo de hoje, até mesmo Marcelo Gleiser encontrou algo a dizer acerca desses "conceitos parecidos".
Eu não estou dizendo que o Livro dos Espíritos traz uma definição "melhor" do Campo de Higgs, mas o oposto disso: estou postulando que talvez o Campo de Higgs seja uma descrição mais exata do mecanismo pelo qual a matéria ou energia fluida interage com a matéria detectada. Ao menos para os espiritualistas que creem nisso, este avanço científico é de grande interesse.
***
Dito isso, a grande diferença entre os conceitos, e isso sou o primeiro a admitir, é que no Livro dos Espíritos há a ideia de que é o espírito quem "manipula" o fluido universal, enquanto que no Campo de Higgs esta interação é natural e não parece seguir um "desígnio" ou "vontade". Acredito que aqui sim, eles são completamente diferentes. Mas no mecanismo da "densificação" da matéria, acho que são próximos.
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[1] Não deixa de ser uma grande ironia que a resposta #82 diga que os espíritas devam ser materialistas. Mas não sei se muitos espíritas (ou espiritualistas) prestaram a devida atenção.
Abs
raph
Ou seja (queria só destacar isso que não sei se ficou claro): vejo os avanços na compreensão e detecção do Campo de Higgs como um enorme avanço em relação a descrição puramente filosófica do Fluido Universal.
Mas claro que, ao menos para mim, existem muitas similaridades entre os conceitos, de modo que me interessa muito esta compreensão do mecanismo de "densificação" da energia, ou simplesmente de como partículas ganham massa e não operam mais como luz (fótons sem massa).
Claro que também penso que posso estar compreendendo o Campo de Higgs de forma errada, e neste aspecto fiquei muito feliz do Marcelo Gleiser ter pensado na mesma associação, ainda que no caso dele por uma visão puramente materialista científica (e não conforme o "materialismo espiritual" da dualidade de propriedade).
***
Na ordem do post, pode ter dado a impressão que o Fluido "complementa" o Higgs, mas é o oposto ao meu ver... Só que tive de manter esta ordem, pois senão perderia a graça da brincadeira :)
Abs
raph
Achei esta citação de Fritjof Capra nos comentários do post do blog Saindo da Matrix, que se referiu a proximidade dos conceitos entre o Higgs e o Fluido Universal. Acredito que defina bem o pensamento espiritualista:
"... Considero a ciência e o misticismo como manifestações complementares da mente humana, de suas faculdades intelectuais e intuitivas. O físico moderno experimenta o mundo através de uma extrema especialização da mente racional; o místico, através de uma extrema especialização de sua mente intuitiva. As duas abordagens são inteiramente diferentes e envolvem muito mais que uma determinada visão de mundo físico. Entrentanto, são complementares, como aprendemos a dizer em Física. Nenhuma pode ser realmente compreendida sem a outra; nenhuma pode ser reduzida à outra. Ambas são necessárias, suplementando-se mutuamente para uma compreensão mais abrangente do mundo.
Parafraseando um antigo provérbio chinês, os místicos compreendem as raízes do Tao mas não os seus ramos; os cientistas compreendem seus ramos, mas não as suas raízes. A ciência não necessita do misticismo e este não necessita daquela; o homem, contudo, necessita de ambos! A experiência profunda da mística é necessária para a compreensão da natureza mais profunda das coisas, e a ciência é essencial para a vida moderna. Necessitamos, na verdade, não de uma síntese, mas de uma interação dinâmica entre intuição mística e a análise científica"
(Fritjof Capra)
Campo de Higgs = Éter Universal
Vídeo: Campo de Higgs = Éter Universal
ou
Slide: Campo de Higgs = Éter Universal
Este comentário foi removido pelo autor.
Correção para o artigo:
Está escrito o seguinte neste artigo: "Esse fluido universal, ou primitivo, ou elementar, sendo o agente de que A LUZ se utiliza, é o princípio sem o qual a matéria estaria em perpétuo estado de divisão e jamais adquiriria as propriedades que a gravidade lhe dá".
Está escrito o seguinte no "O Livro dos Espíritos": "Esse fluido universal, ou primitivo, ou elementar, sendo o agente de que O ESPÍRITO se utiliza, é o princípio sem o qual a matéria estaria em perpétuo estado de divisão e nunca adquiriria as qualidades que a gravidade lhe dá".
O Livro dos Espíritos: http://www.febnet.org.br/wp-content/uploads/2012/07/135.pdf
Olá Nestor, a troca de termos foi proposital mesmo, conforme explico na nota #5 ao final do artigo.
Abs
raph
Ok, Raph. Ficou esclarecido. O erro foi meu, me desculpe!
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