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4.3.13

Pássaros

» Conto pessoal, da série “Cotidianos”, com breves reflexões acerca dos eventos do dia a dia...


Aqui perto de casa existe uma rua cheia de árvores de copas esféricas, embora nenhuma esfera viva seja ou precise ser perfeita... Todos os dias eu atravesso ela para poder ir tomar café. Eu a chamo de Rua dos Pensadores, embora a prefeitura tenha lhe dado outro nome.

Uma vez tomei um baita susto: um pássaro enfurecido veio bicar minha cabeça. Acho que nunca vi um pássaro voar na minha direção, geralmente eles fogem da gente... Aquele não, aquele tinha alguma razão para arriscar a vida e dar bicadas na cabeça de um gigante. Se algum dia eu tive vontade de esganar um pássaro, ela passou rapidamente.

Ainda bem, porque depois acabei compreendendo: era um pássaro defendendo o seu ninho. A Natureza, em sua guerra da fome e da morte, privilegia a vida acima de tudo. Não fosse assim, o pássaro iria abandonar seu ninho ao primeiro sinal de perigo, e só voltar se fosse perfeitamente seguro. No entanto, existem animais, como uma espécie de polvo, que dão a vida por sua cria. Existem ainda outros animais, como uma espécie de inseto, que dão a vida ainda no ato da cópula. “Sexo mortal”? Ou “criação da vida”?

Não é a toa que o Abujamra sempre pergunta duas vezes aos entrevistados do seu programa (Provocações, na TV Cultura): “O que é a vida?”. Eu acho que ele tem esperança de que um dia alguém responda. Na primeira ou na segunda pergunta? Em nenhuma das duas. Quem quer que saiba responder isso, não precisará de palavras.

A vida é uma deusa alada que anseia por si mesma, ad infinitum. Seu combustível é o amor, e ele nunca se esgota. Sua vontade é o mistério: inefável, inalcançável... Há muitos eclesiásticos e cientistas que tentaram trepar pela árvore que cresce na Rua dos Pensadores e roubar um ou outro ovo do ninho deste pássaro. Mas não viram ovo algum!

Não sabemos quem ou o que criou a vida. Não sabemos criar vida, apenas copiar uma ou outra pequena parte daquilo que é chamado “orgânico”. E há muitos eclesiásticos que bradam assim, ainda trepados no tronco colossal: “Nós já vimos o que está no ninho. Temos agora todas as respostas!”; Enquanto há céticos que dizem isto: “Não há ninho algum. Larguem esta infantilidade! Trepar em árvores é coisa de criança.”

Dizia o poeta libanês que “nossos filhos são os filhos da ânsia da vida por si mesma”... É isto: as crianças quem sabem o que havia no ninho, na Mansão do Amanhã, e por isso elas gostam tanto de trepar em árvores. Mas depois nós as ensinamos a serem “sérias”, e elas se esquecem de tudo, ou quase tudo.

Tenho uma certa dificuldade em seguir doutrinas. Algumas delas são bem profundas, e isto está muito bom. Mas eu posso simplesmente reconhecer sua profundidade, e aprender o que há para se aprender dela. O que não posso é ficar ancorado nesta ou naquela doutrina.

Há algumas coisas que somente os pássaros e as crianças sabem, e todos estes seguidores de doutrinas, todos estes que acreditam que alguma palavra infalível resolverá a questão da vida para eles, jamais saberão de toda esta brincadeira.

O ninho que eu defendo, incondicionalmente, como o pássaro louco que vai bicar o gigante, é o ninho da liberdade!

No topo de todas as árvores do mundo há um ninho semelhante. Mas somente as crianças os viram, de relance, em meio ao pique esconde. Há pássaros que vêm e vão, de vez em quando, entre eras, para semear a Terra com as sementes de cada ninho desses...

Na Rua dos Pensadores os ninhos não têm ovos, mas sementes de um novo pensamento. Se um pássaro louco vier lhe bicar, não fique revoltado: às vezes, ele pode estar apenas lhe trazendo uma nova experiência.

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Crédito da foto: Templer/Corbis

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