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17.2.13

Como peixes presos no vento

Alguns leitores do meu livro (Ad infinitum) me disseram que ele lembra, ao menos na estrutura (um diálogo entre quatro personagens acerca "de quase tudo"), a um filme de 1990, que aparentemente nunca foi lançado em DVD: O ponto de mutação (Mindwalk), dirigido por Bernt Capra, e baseado na obra homônima do seu irmão, Fritjof Capra, também escritor de outro livro bastante conhecido, O Tao da física.

Até pouco tempo atrás, nunca tinha ouvido falar do filme, e havia apenas folheado os livros de Capra em livrarias, sempre os deixando para ler nalgum outro momento (talvez agora venha a lê-los mais em breve)... Hoje, finalmente, vi o filme de que falavam, e me senti imensamente honrado por haverem associado meu livro a ele. No filme há uma conversa entre três personagens: uma cientista norueguesa, Sonia Hoffman (interpretada por Liv Ullmann); um político americano e ex-candidato presidencial , Jack Edwards (interpretado por Sam Waterston); e o poeta Thomas Harriman (interpretado por John Heard), também um ex-redator de discursos políticos. Todo o filme gira em torno do diálogo desses três personagens, enquanto caminham ao redor de Mont Saint Michel, na França (um cenário belíssimo).

O filme serve como uma introdução à teoria de sistemas e pensamento sistêmico [1], enquanto alguns insights sobre modernas teorias físicas, tais como a mecânica quântica e física de partículas também são dados. O que o torna ainda mais extraordinário para os contempladores em geral é, no entanto, o uso que o filme faz da poesia, principalmente através de Thomas, que chega a recitar um poema inteiro de Pablo Neruda [2], num dos grandes momentos da narrativa. No fim, quem sabe (esta foi apenas minha interpretação), não somos como os relógios do cartesianismo, mas tampouco podemos ser reduzidos as teorias de sistemas - somos, enfim, transcendentes: somos poemas vivos!

Com vocês, o filme completo, no YouTube:

***

[1] Conforme Sonia explica ao longo do filme: "Um pensador de sistemas veria a vida da árvore somente em relação à vida de toda a floresta. Ele veria a árvore como o habitat de pássaros, o lar de insetos. Já se você tentar entender a árvore como algo isolado, ficaria intrigado com os milhões de frutos que produz na vida, pois só uma ou duas árvores resultarão deles. Mas se você vir a árvore como um membro de um sistema vivo maior, tal abundância de frutos fará sentido, pois centenas de animais e aves sobreviverão graças a eles. Interdependência. E a árvore também não sobrevive sozinha. Para tirar água do solo, precisa dos fungos que crescem na raiz e o fungo precisa da raiz e a raiz precisa do fungo. Se um morrer, o outro morre também. Há milhões de relações como esta no mundo, cada uma envolvendo uma interdependência. A teoria dos sistemas reconhece esta teoria das relações como a essência de todas as coisas vivas". Isto é, uma defesa profunda da ecologia, ainda em 1990...

[2] Peixe Preso Dentro do Vento:

Tu perguntas
o que uma lagosta tece lá embaixo com seus pés dourados?
Respondo que o oceano sabe.
E por quem a medusa espera em sua veste transparente?
Está esperando pelo tempo, como tu.
'Quem as algas apertam em seu abraço...', perguntas
'mais firme que uma hora e um mar certos?' Eu sei.
Perguntas sobre a presa branca do narval
e eu respondo contando como o unicórnio do mar,
arpoado, morre.
Perguntas sobre as plumas do rei-pescador
que vibram nas puras primaveras dos mares do sul.
Quero te contar que o oceano sabe isto:
que a vida, em seus estojos de jóias,
é infinita como a areia incontável, pura;
e o tempo, entre uvas cor de sangue
tornou a pedra dura e lisa, encheu a água-viva de luz,
desfez o seu nó, soltou seus fios musicais
de uma cornicópia feita de infinita madrepérola.
Sou só a rede vazia diante dos olhos humanos na escuridão
e de dedos habituados à longitude
do tímido globo de uma laranja.
Caminho como tu, investigando a estrela sem fim
e em minha rede, durante a noite, acordo nu.
A única coisa capturada é um peixe preso dentro do vento.

(Pablo Neruda)

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Vejam também:

» Reflexões sobre o materialismo

» Monismos e dualismos

» Onde está o seu deus?

Crédito da imagem: Divulgação

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1 comentários:

Anonymous Anônimo disse...

Olá

Há muito tempo procuro esse poema de Neruda, fico feliz de poder ler ele completo aqui. Mas você poderia me informar em que livro posso encontrá-lo?

8/9/23 09:37  

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