Estranho
» Conto pessoal, da série “Cotidianos”, com breves reflexões acerca dos eventos do dia a dia...
Há um tempo em que refletimos tanto sobre a existência que nos tornamos estranhos.
Eu mesmo sou mais estranho do que pensam. É preciso conviver comigo por longos períodos para perceber. Como Raulzito, não falo de amor quase nada – mas penso no amor a toda hora. Como Raulzito, não fico sorrindo ao seu lado – mas posso muito bem estar te amando, de maneira até mesmo muito séria! E tudo isto é mesmo muito estranho.
As vezes assisto ao Pânico na TV, as vezes ouço música no rádio, as vezes até mesmo como um quarteirão com queijo no McDonald’s... Não quero me distanciar tanto deste mundo, pois sei que sempre serei parte dele, e me distanciar seria me iludir; e deixar de ser estranho para ser apenas esquisito.
Ó Bernardo Soares, sou estranho, mas não esquisito!
Esquisito seria apenas me deleitar com as exibições espontâneas de bundas na TV, ouvir as rimas fáceis da rádio e me contentar apenas com elas, comer sanduíche todo santo dia... Estranho é reconhecer o machismo do mundo e procurar modificá-lo sem me alistar numa guerra; aceitar que existem gostos musicais os mais variados e que isto se desenvolve ao tempo de cada um; e admitir que há pessoas suficientemente sedentárias não somente em seu estômago, mas principalmente em seu pensamento.
Como mudar isso tudo? Sei lá como mudar isso tudo! Eu estou mais interessado nos 96% do universo que não interagem com a luz, na dualidade mente-corpo, em entender o que diabos é a consciência e como é possível que os hindus tenham imaginado esta quantidade exorbitante de deuses... Depois, se sobrar um tempo, procuro utilizar o que descobri de tanto mistério para melhorar a vizinhança.
Mas se eu estiver pensando em como Álvaro de Campos pôde compor poemas tão ruins ao lado das maiores pérolas da pátria da língua portuguesa, enquanto como uma batata frita caprichada no óleo, e uma garota na mesa ao lado me paquera imaginando que eu seja somente um pouco mais velho que ela, eu retorno o olhar... Porque isto devemos saber: todos os olhares de amor devem ser retornados, é por isso que o homo sapiens povoou o globo inteiro!
E não quer dizer que eu deva esquecer a poesia e ir dar em cima da garota da mesa ao lado, pois tudo tem o seu momento e não me arrependo nem lamento a minha juventude...
Outro dia Stephen Hawking comparou o corpo ao hardware e a mente ao software. Como cientista acadêmico, Hawking optou por ignorar a hipótese espiritualista, da mesma forma que até hoje ignoram Wallace e se lembram somente de Darwin. Já eu, como espiritualista estranho, não preciso ignorar a ciência nem sou forçado a isso pelo julgamento alheio – dentre outras coisas porque quero mais que o julgamento alheio se foda (mas curtam minha página no Facebook, ok).
Se a mente é o software, é de se supor por analogia que um dia construiremos finalmente uma máquina autoconsciente, capaz de interpretar e não somente computar. Acaso isto ocorra enquanto ainda estiver habitando este meu corpo de trinta e poucos anos, posso até mudar de ideia, mas ainda que meu corpo seja mumificado vivo, dificilmente estarei ainda nele se e quando uma máquina for capaz de interpretar a poesia de Pessoa.
Mas eu também gosto de analogias. Se a mente é o software, precisamos ir atrás dos sistemas operacionais... Preso em sua cadeira de rodas, a mente de Hawking, como sugere o nome, voa como um falcão por todo o Cosmos. Ainda assim, ela usa alguma espécie de sistema operacional não compatível com os aplicativos místicos – do tipo que não travam com números infinitos.
Vejam bem: se construirmos uma nave espacial capaz de viajar a velocidade da luz, a maior velocidade possível segundo o manual da Academia, ainda que voássemos em linha reta, quem sabe, mirando a galáxia mais próxima, haveriam galáxias tão distantes, tão distantes, que jamais alcançaríamos. Mesmo voando junto a luz, jamais! Pois há partes deste universo que se expandiram em velocidades maiores que a da luz, quando ele era ainda um minúsculo recém-nascido menor do que uma batatinha frita...
Então, meus caros acadêmicos, eu lhes pergunto: “Qual parte do Infinito ainda não entenderam?”.
Eu não entendi nenhuma parte, por isso parei de pensar sobre o assunto, e passei a sentir o assunto!
E assim, como Raulzito mitológico, como um legítimo místico, passei a considerar que todos nós, todos nós, compartilhamos e compartilharemos os mesmos sorrisos dos encontros e as mesmas lágrimas das despedidas.
E que o assassino compartilha sua existência com a vítima, e o juiz com o acusado, o vitorioso com o derrotado, o cientista com o espiritualista, o ateu com o religioso, o jovem com o velho, o homem com a mulher, a mãe com os filhos e os amantes com todos, todos os amados.
E a vida com todas as vidas, todas as formas do Cosmos conhecer a si mesmo, ontem e hoje e enquanto existir luz em meio ao vácuo do espaço-tempo...
É isto que todos os místicos sabem, e calam. Finjam que eu não disse nada disso. Finjam que sou somente mais um desses estranhos delirantes.
Mas finjam com convicção!
***
Crédito da imagem: Joel "Boy Wonder" Robinson
Marcadores: contos, contos (91-100), Cotidianos, existência, Fernando Pessoa, filosofia, infinito, Raul Seixas, Stephen Hawking
6 comentários:
Caramba, Raph. Foi tu mesmo quem escreveu isso? Haha. Muito massa.
É esta série é assim estranha; a misturar um monte de ideias inesperadas :)
Valeu!
Cara, encontrei seu blog em uma busca rápida que fiz no google por "blogs com textos fantásticos", sério, mas acho que isso não bastaria para definir o seu blog, por enquanto li só esse texto e me identifiquei muito, já salvei nos favoritos e posteriormente irei continuar as leituras dos outros textos.
Também tenho um blog, o Blog de Várzea Se puder, dê uma passadinha lá, e se quiser fazer um troca de links eu não ficaria chateado... rs
Abraços e sucesso!
Oi Adriano, obrigado, acredito que você vá gostar deste texto aqui, onde também falo sobre futebol:
http://textosparareflexao.blogspot.com/2012/06/todas-as-guerras-do-mundo-parte-2.html
Abs!
raph
Bela reflexão!... A propósito, feliz dia de Odin! :D
Wotansday!
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