Alumínio
» Conto pessoal, da série “Cotidianos”, com breves reflexões acerca dos eventos do dia a dia...
Há algum tempo atrás li num livro que Napoleão, o imperador da França, tinha uma pequena coleção de talheres de alumínio, e que os guardava somente para si e os seus convidados mais ilustres. Os demais usavam talheres de ouro mesmo.
Isto porque, na sua época, a produção de alumínio em larga escala havia sido recém-descoberta, e ainda era tão cara que os talheres ou joias feitos de alumínio tinham muito mais valor do que os mesmos forjados em ouro. Somente algumas décadas depois, ao final do século XIX, é que novas descobertas científicas permitiram que a produção de alumínio se tornasse bem mais barata [1].
Mas não consta que durante o reinado de Napoleão os alquimistas franceses tenham substituído o ouro pelo alumínio. Que eu saiba, eles continuaram tentando transformar o seu chumbo em ouro, como antes.
Ocorre que o ouro dos alquimistas nada tinha a ver com o ouro dos talheres comuns de Napoleão. Se tratava de um ouro mais etéreo, mais espiritual, mais simbólico. Um ouro, de fato, muito mais difícil de produzir do que aquele ouro mais comum. No entanto, um ouro que não se sujeitava as leis de escassez, da oferta e procura – enfim, um ouro que nunca esteve à venda.
Outra importante consideração a fazer sobre os alquimistas é que eles não valorizavam seus mestres pelo seu peso em ouro, mas sim pela sua luminosidade.
Na antiga Atenas um grande mestre das ideias também se tornou puro ouro. Mas ele fazia questão de ressaltar que nada sabia. As ideias tinham valor por si mesmas, ele provavelmente pensava, e o fato de orbitá-las não o fazia seu dono, apenas o seu divulgador. Ele era apenas um espelho devidamente polido, tudo o que fazia era refletir alguma luz vinda sabe-se lá de onde...
E se ele repetia há todo momento que tudo o que sabia era que nada sabia, é porque era sábio o suficiente para compreender a grande e vil armadilha que se arma para aqueles que julgam que o seu ouro é sua propriedade, e não a propriedade de toda a humanidade.
Pois que se a fonte dourada é represada pelas alucinações do ego, ela perde a sua pureza, e se torna fétida.
Afinal, aquele que se torna imperador de si mesmo produz não talheres, mas o próprio alimento para todos aqueles que vagam por este mundo, esfomeados e desamparados. São eles quem precisam ser alimentados, e não o ego!
Assim, o sábio que conquistou os seus próprios países, que marchou sobre a própria sombra e a trouxe para o seu exército, dispõe de riqueza inimaginável.
Mas como isso valeria mais do que ouro?
Ora, se os pretensos alquimistas tivessem sucesso, e se todo o chumbo do mundo se transmutasse em ouro, os talheres mais valiosos passariam a ser de prata. Isso já não diz muito sobre o valor que damos ao ouro?
No entanto, o outro ouro, o ouro dos verdadeiros alquimistas, será sempre o bem mais valioso! E no dia em que ele deixar de ser tão raro, no dia em que for tão comum quanto o alumínio de Napoleão, então esta terra estará cheia de imperadores sem súditos, e um céu dourado terá sido derramado sobre o mundo...
Há uma batalha diária, feroz e violenta, para que cada pensamento se livre do seu chumbo, e se eleve e se doure e se torne sublime!
Para aqueles que creem que o céu está lá fora, cheio de deuses misteriosos, esta é uma guerra sem sentido.
Mas para aqueles que trouxeram seus deuses para dentro, esta é a única guerra que merece ser travada, a grande guerra alquímica.
raph’15
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[1] Essa história também é contada neste artigo: Você sabia que o alumínio chegou a valer mais do que o ouro?
Crédito da imagem: Google Image Search/todayifoundout.com
Marcadores: alquimia, contos, contos (111-120), Cotidianos, espiritualidade, ouro, Sócrates
2 comentários:
muito bom Raph! um texto inspirador logo pela manhã.
Valeu. Bom dia :)
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