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7.12.16

Avistando tribos, parte 2

Conto pessoal, da série “Festa estranha”, com depoimentos de Rafael Arrais acerca de suas experiências espiritualistas. Baseado (ou não) em fatos reais. Os nomes usados são fictícios (exceto para pessoas públicas).


« continuando da parte 1

A Águia aterrissou numa rocha mais elevada bem próxima a entrada da gruta, e me olhou fundo nos olhos. Não havia comunicação por palavras, apenas processos de pura intuição – e, afinal de contas, é preciso sempre lembrar que ela mesma era parte de mim.

Não sei exatamente como corre o tempo em tais experiências místicas, é certo que o que se passou jamais caberia nos 10 minutos em que Maiorino permaneceu tocando o seu tambor mágico, mas ainda assim boa parte da jornada já havia sido gasta em encontrar meu animal de poder, então não restava muito tempo, e talvez por isso o que senti a seguir se parecesse mais com um chamamento para um último voo, antes que aquele portal ancestral se fechasse.

Sim, um voo! Não foi como nos filmes do Senhor dos Anéis, devo deixar claro. Não havia ali nenhuma águia gigante em que pudesse pular no cangote. Era o voo da Águia e o meu voo, ao mesmo tempo, como se fôssemos um, ou ao menos como se eu pudesse ver através dela, com a sua peculiar acuidade visual... Assim voamos por extensos territórios, e pude ver que o meu Templo, afinal, parecia ser tão vasto quanto um país inteiro!

Não me entendam mal: muito pouca coisa do que vi era criação minha. Ocorre que, de alguma forma, quando caminhamos muito tempo na via espiritual, cruzamos com outros caminhantes, outras doutrinas, outras formas de enxergar este Cosmos. E, se nosso coração é aberto e interessado o suficiente nessa exploração toda, é claro que ganhamos algo em troca, ganhamos um mundo inteiro por ser explorado, lá dentro (ou lá fora, no próprio Plano Astral? a verdade é que não importa, o que importa é o que foi visto).

Nas extensas matas abaixo a Águia avistou muitas e muitas tribos, tribos que viviam em montanhas, próximas aos rios, em planícies de caça, e na profundeza das florestas. Nada disso era novidade para mim, tudo isso era apenas a própria jornada de nossos ancestrais por este vasto mundo ao qual chamamos Terra, ou Gaia.

Talvez seja mais fácil explicar com um breve relato de um outro dia, quando pude conversar com um caboclo, ou espírito de indígena, incorporado num médium num centro espírita ecumênico. Vocês já devem saber que os meus questionamentos nesses casos passam longe do trivial, “como vai meu emprego?” ou “será que minha mulher está me traindo?” etc., eu prefiro perguntar coisas que realmente me interessam, e naquele dia eu perguntei:

Vocês que foram perseguidos e exterminados por nossos ancestrais, que chegaram de barcos vindos de outras terras, porque continuam voltando aqui para nos ajudar?

E o caboclo, com o sorriso mais triste do mundo, me respondeu assim:

Meu filho, todos nós somos da mesma Tribo, nós voltamos para ajudá-los a relembrar. A doença da tribo daqui é esse grande esquecimento!

E quando se carrega esse entendimento, essa compreensão, marcada a ferro e a fogo na própria alma, não é difícil avistar tribos no horizonte de si mesmo. Desde que saímos da África, nós, os homo sapiens, temos montado muitos acampamentos e muitas fogueiras pelo mundo todo. O próprio termo xamã tem origem nos povos indígenas da Sibéria, e significa “aquele que enxerga no escuro”. Talvez as fogueiras tenham auxiliado nisso.

Em meu voo, foi chegando à tardinha, e as fogueiras começaram a ser acesas. Que espetáculo belíssimo! O tipo de cena que compensa todas as dificuldades e percalços neste caminho espiritual, e todo o sangue que foi deixado nos espinhos...

Mas então, naquele prédio em plena Avenida Paulista (lembram dele?), o toque do tambor começava a variar seu ritmo, era o momento de se preparar para voltar ao mundo do grande esquecimento.

A Águia pousou no topo de uma montanha, e um pouco antes de retornar, por um brevíssimo instante, eu pude me ver ali, metamorfoseado, meio homem, meio águia. Um homem com cabeça de águia. Nada que já não tenhamos visto na arte mais antiga do mundo...

***

“Sim, mas e de que adianta tudo isso?”, você pode me perguntar... A ideia, é claro, não é encerrar essa jornada após haver encontrado nosso animal de poder. De fato, este encontro é somente o seu início!

Uma das coisas que o Maiorino disse na sua palestra, antes da prática com o tambor, e que achei muito interessante, é que deveríamos iniciar o estudo de nosso animal de poder pelo seu comportamento na Natureza. Ou seja, nada de livros de simbologia ou mitologia, o estudo deveria começar pelos livros de biologia.

Como veterinário (dentre muitas outras especialidades), Maiorino sabia exatamente do que estava falando: é claro que a simbologia também importa, mas é o comportamento do animal em si que poderá nos dar mais pistas sobre nós mesmos, afinal a prática do xamanismo é indissociável da Natureza, como já foi dito.

Assim, por exemplo, posso me reconhecer de cara em duas características muito conhecidas das águias: caçar de forma solitária ou em pares; planar por longos períodos nas correntes de vento do alto, observando tudo o que se passa lá embaixo, para atacar com precisão qualquer presa desavisada.

Ora, não é isso o que tenho feito por tantos anos em meu blog? Planado pelas doutrinas, pelas filosofias, pelas religiões e teorias científicas, na maior parte do tempo só, às vezes com a ajuda de poucos amigos interessados, para de vez em quando descer e apanhar com minhas garras um ou outro pensamento, uma ou outra ideia, uma ou outra reflexão, que achei que dariam uma refeição apetitosa?

Voltando ao O Espírito do Xamã, Mike Williams também conta uma história que tem a ver com águias: “Os xamãs buryat do lago Baical, no sul da Sibéria, receberam seu poder dos deuses, ou tenger. Num esforço para dar fim ao sofrimento na Terra, o deus dos céus, Tengri, enviou uma águia para ensinar o xamanismo às pessoas. Mas elas não entenderam a língua da águia, então a uniram a uma mulher e a esta deram seu poder. Ela se tornou o primeiro xamã dos buryat.”

E assim, desde a primeira xamã até hoje, tudo o que as tribos do Alto têm tentado fazer é ensinar as tribos aqui de baixo a acender as suas próprias fogueiras, e sinalizar:

Ei! Nós estamos aqui! Nós nos lembramos de porque estamos aqui!


***

Nota: Encontrei um trechinho em vídeo da palestra do Fernando Maiorino, que entrou ao vivo no Facebook do pessoal da página Conhecimentos da Humanidade.

Crédito das imagens: [topo] Google Image Search; [ao longo] Susan Seddon Boulet (Shadow Play)

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1 comentários:

Anonymous Anônimo disse...

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12/12/16 12:34  

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