Reflexões sobre o ceticismo, parte 1
Ceticismo: é a doutrina que afirma que não se pode obter nenhuma certeza a respeito da verdade, o que implica numa condição intelectual de dúvida permanente e na admissão da incapacidade de compreensão de fenômenos metafísicos, religiosos ou mesmo da realidade. O termo originou-se a partir do nome comumente dado a uma corrente filosófica originada na Grécia Antiga.
Quando o ceticismo é bom?
A primeira vista o ceticismo nos parece algo cinzento e sem brilho: "não podemos obter nenhuma certeza a respeito da verdade, somos incapazes de compreender a realidade". Ora, mas que tipo de afirmação é essa? Será que tudo o que conhecemos, e mesmo a realidade, é algo falso e incompreendido? Esse tipo de pergunta ocorre para todos aqueles que, geralmente, de tão apegados a sua noção de realidade, tratam qualquer tipo de "afronta a sua realidade" mais ou menos como a loba que protege seus filhotes de estranhos, mostrando os dentes afiados.
Esse pensamento precipitado, quando extendido ao ceticismo científico, nos leva a crer que "como os próprios cientistas afirmam que não conhecem a verdade, então não devemos dar ouvidos a eles. Daremos ouvidos a quem afirma que a conhece, como a Bíblia." - obviamente que esse tipo de pensamento é bem arcaico e não se aplica a maioria dos religiosos dos dias atuais (será mesmo? espero que não se aplique), mas considerando nossa história religiosa, e de como foram necessários séculos de ciência para que modificássemos finalmente algumas de nossas noções mais básicas da realidade (como por exemplo, a de que a Terra gira em torno do Sol, e não o oposto, como acreditamos na maior parte de nossa história), poderemos entender como um cético hoje tende a ser "mau-visto" por aquelas pessoas que "tem certeza de que compreendem a realidade".
Felizmente, a Natureza nos mostra que não precisamos compreender a realidade para viver nela. Ou melhor: não precisamos compreender cada aspecto e detalhe das leis naturais, para que estas funcionem, e para que vivamos conscientes da maravilha que é a Natureza, ainda que talvez nunca a compreendamos devidamente. Vale então um outro pensamento: "mais vale avançar a passos curtos e cortando grama e galhos de ilusão, na trilha da Verdade, do que permanecermos alegres e felizes com o que já conseguimos, no vilarejo da Ignorância" - ou seja, tudo bem que não compreendamos toda a verdade ou toda a realidade, isso não nos impede, de forma alguma, de prosseguir nessa trilha de descobertas.
Será que só deveríamos nos sentir "seguros o suficiente para caminhar adiante" quando trazemos conosco, abaixo do braço, um Manual da Verdade Absoluta? Ou será que é perfeitamente possível seguir adiante, observando e desvendando a natureza, sem que tenhamos a "segurança aparente" de uma ou inúmeras Verdades? - o problema com essas perguntas é que que elas envolvem uma certa dose de risco: se vamos seguir adiante no ceticismo, é possível que muito do que consideramos a Verdade hoje esteja errado lá na frente, é possível que todo nosso trabalho de reflexão e análise dessa "verdade aparente" se perca, pois no futuro pode ser provado como falso; Por outro lado, se abraçarmos as verdades de algum Manual, e também essas se provarem falsas, teremos nos enganado duplamente - uma, em relação a nossa "verdade aparente" que se provou falsa, e outra em relação a crer que algum livro poderia ter nos trazido a Verdade Absoluta de mão-beijada.
O ceticismo não é inimigo da religião. Religião é apenas a forma que os homens encontraram para alcançar alguma forma de compreensão da Natureza de forma mais sentimental do que racional, mais no sentido do Amor do que da Razão. Não significa que um religioso não possa ser cético, não possa ser cientista, não possa unir todas as potencialidades humanas em prol de um conhecimento mais abrangente da Natureza. Significa apenas que um religioso precisa aprender a deixar de se apegar a este ou aquele dogma. Pois um dogma, enquanto "verdade já encerrada em si mesma", é a antítese da busca por conhecimento, busca essa que ocorre na religião (porque não?) tanto quanto em qualquer outra área de conhecimento humana. Talvez a busca religiosa seja mais interna do que externa, mais sentimental do que racional, mas continua sendo válida: não existe espaço na Natureza em que possamos "estar fora dela", portanto mesmo a busca interna não deixa de ser uma busca "dentro da Natureza".
Também podemos dizer que nem todo cientista será necessariamente cético (ainda que acredite piamente que o seja): ciência é conhecimento, é observação e compreensão racional das leis naturias. Ciência não é materialista nem espiritualista, ateista ou teista, ciência é apenas ciência, se baseia em fatos comprovados experimentalmente, e novas teorias que surgiram através deles, a ciência nunca teve a pretensão de "validar" ou explicar toda a realidade (nisso ela se assemelha ao ceticismo). O cientista que baseia toda a sua visão de realidade apenas na ciência, está no mínimo "vivendo pela metade", esquecendo-se de tantas outras coisas que a realidade nos traz, e que não podem ser medidas ou equacionadas... para não extender muito a lista, fiquemos apenas no Amor.
Como físico, Max Planck observou em seu livro "The Philosophy of Physics" [A Filosofia da Física], de 1936: "uma importante inovação científica raramente faz seu caminho vencendo gradualmente e convertendo seus oponentes: raramente acontece que 'Saulo' se torne 'Paulo'. O que realmente acontece é que os seus oponentes morrem gradualmente e a geração que cresce está familiarizada com a idéia desde o início". O ceticismo pode, portanto, tornar-se vicioso e sua prática deve ser balanceada. É importante que o cético mantenha-se neutro, tenha consciência de sua posição e evite um ceticismo descontrolado que possa vir a transformar-se num fanatismo tecnologico ou numa espécie de fundamentalismo onde se pretende "evangelizar o ceticismo científico" como úncia compreensão válida da realidade (quando o próprio ceticismo exatamente nos afirma que não podemos compreender a realidade por completo).
Quando o ceticismo é bom? A resposta é: quando ele é usado como ferramenta e não como fim. O ceticismo não é um fim em si mesmo, não é uma ideologia. O ceticismo é uma ferramenta para auxiliar na racionalização da realidade, e que leva em consideração a falibilidade humana acima de tudo. Ou, como nos diz R.T.Carrol sobre "em que os céticos acreditam":
"O ceticismo não é um conjunto de crenças, assim pode não haver muitas convicções mantidas por todos os céticos. Até mesmo se houvesse, tais convicções poderiam não revelar nada sobre o ceticismo, já que estas mesmas crenças podem ser mantidas por muitos que não sejam céticos."
Na continuação a relação do ceticismo com física quântica e algumas teorias espiritualistas...
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Crédito da foto: GarotosHorriveis
Marcadores: artigos, artigos (1-20), ceticismo, ciência, religião
3 comentários:
Só acho difícil "caminhar" sem saber exatamente onde ir. Portanto, o ceticismo - ou simplesmente a dúvida, como preferir - parece-me mais plausível, racional e lógico do que qualquer outra religião.
Acho que a dúvida e o religare (que não é o mesmo que ekklesia ou igreja) podem andar juntos. O religare não precisa de dogmas, de fato o próprio dogma já parte de uma doutrina, de uma linguagem, e o religare em essência está além das doutrinas e das linguagens.
Eu falei sobre isso (indiretamente) no último artigo aqui do blog:
http://textosparareflexao.blogspot.com/2016/02/tudo-ou-nada.html
Abs
raph
Sou cético em respeito a tudo que dizem as religiões,no entanto entendo que elas são um mal necessário, pois um grande percentual da população precisa acreditar em algo invisível, não palpável, para nortearem suas vidas.
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