Visão
Uma noite, meu Deus, que noite aquela!
Por entre as galas, no fervor da dança,
Vi passar, qual num sonho vaporoso,
O rosto virginal duma criança.
Sorri-me - era o sonho de minh'alma
Esse riso infantil que o lábio tinha:
- Talvez que essa alma dos amores puros
Pudesse um dia conversar co'a minha!
Eu olhei, ela olhou... doce mistério!
Minh'alma despertou-se à luz da vida,
E as vozes duma lira e dum piano
Juntas se uniram na canção querida.
Depois eu indolente descuidei-me
Da planta nova dos gentis amores,
E a criança, correndo pela vida,
Foi colher nos jardins mais lindas flores.
Não voltou; - talvez ela adormecesse
Junto à fonte, deitada na verdura,
E - sonhando - a criança se recorde
Do moço que ela viu e que a procura!
Corri pelas campinas noite e dia
Atrás do berço d'ouro dessa fada;
Rasguei-me nos espinhos do caminho...
Cansei-me a procurar e não vi nada!
Agora como um louco eu fito as turbas
Sempre a ver se descubro a face linda...
- Os outros a sorrir passam cantando,
Só eu a suspirar procuro ainda!...
Onde foste, visão dos meus amores!
Minh'alma sem te ver louca suspira!
- Nunca mais unirás, sombra encantada,
O som do teu piano à voz da lira?!...
Casemiro de Abreu - 1858
***
Ao poeta Casemiro de Abreu
A você que se foi jovem, que viveu sempre jovem, e que amou como quem vislumbra ao mundo pela primeira encarnação, digo-te o que decerto já sabes: nesse imenso oceano de vida, não há espaço para se lamentar; Ah que se abrir os olhos, ver o mar, correr para o mar e o sentir... Sua mãe era quem tinha razão!
***
Crédito da foto: Ju!
Marcadores: amor, Casemiro de Abreu, natureza, poesia, poesia (21-40)
2 comentários:
Raph:
Excelente escolha. Adoro os poemas do Casemiro, são simples e profundos.
Esse, então, é delicioso.
Abs.
Obrigado... Mas deixa eu ser sincero, na verdade conheci ele a pouco tempo, que bom que minha escolha de poema foi boa :)
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