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1.12.09

De onde vem o sol

Em latim, temos uma curiosa semelhança entre as palavras casu e occasu. A primeira significa acaso, e a última, ocaso. A palavra ocaso hoje significa, dentre outras coisas, “o momento do dia em que o sol se põe”, e também “o ponto cardeal que indica o local onde ele se põe”. Já a palavra acaso nos chega com um significado bem diverso a primeira vista: “algo que ocorre sem causa aparente, um evento de causa desconhecida”.

Ora, sabemos que na natureza todo efeito tem causa. Se esta máxima não fosse verdadeira, dificilmente nossa ciência e mesmo nossa filosofia teriam chegado aonde chegaram. Imaginar um efeito sem causa é imaginar a fantasia na realidade, e o aniquilamento das leis naturais: nesse caso, passes de mágica e milagres deveriam ocorrer à todo momento em nossa volta. Evidentemente a realidade não é bem assim – por mais que ainda nos falte compreender a maior parte dos mecanismos da natureza, sabemos que tanto aqui na terra quanto em galáxias a milhões de anos-luz de distância, todo efeito tem causa, e as leis naturais continuam sendo válidas. Uma das características do universo que permitem que a ciência e, particularmente, a cosmologia, se desenvolvam, é exatamente essa: a simetria da natureza.

Simetria não necessariamente significa design, mas significa organização. Organização de acordo com sutis e elegantes leis que englobam todo o Cosmos. Os povos antigos, no entanto, talvez não conhecessem tão bem a tais leis como temos a felicidade de conhecer na era atual. O sol, que possibilitava a vida e a colheita, e afastava as sombras da noite, vinha de algum ponto distante além do horizonte, nascendo de sabe lá onde e se pondo do outro lado da terra. Lindo, demasiadamente maravilhoso – porém estranho, demasiadamente misterioso. Talvez, para os povos antigos, o nascer do sol e o por do sol fossem eventos tão extraordinários, embora inexplicáveis, que eles achavam que sua causa exata permaneceria oculta por todos os tempos. O acaso e ocaso do sol era um baile diário, sagrado, incomensurável, desconhecido...

No Egito antigo, porém, Eratóstenes precisou apenas de duas estacas de madeira, alguns ajudantes disciplinados, e uma mente curiosa, para descobrir o mistério das sombras que se moviam com o tempo. Eratóstenes, através das sombras de meras estacas, descobriu não só que a terra era esférica, como calculou sua circunferência com a precisão de algumas centenas de metros. Dizem que alguns livros da grande biblioteca Alexandria, que se perderam, já mencionavam que a terra era um esfera que girava ao redor de um sol fixo. Infelizmente os bárbaros e os dogmas venceram o brilho de Alexandria, e a humanidade só pôde comprovar tais previsões muitos séculos depois.

Hoje sabemos que o sol também se move, juntamente com a galáxia, juntamente com o restante do universo em expansão. Somos poeira a girar em vórtices pelo turbilhão do Cosmos. Nossa ciência percorreu um longo caminho desde que os antigos ainda olhavam para o sol com um misto de assombro e desconfiança... porém, ainda temos muito mais a avançar.

Na ânsia por explicações fáceis, que não resolvem as grandes questões da existência, muitos preferem relegar todo o Cosmos, tudo o que ocorre e ocorreu, ao acaso. Eles se esquecem que o acaso não existe enquanto explicação, mas apenas enquanto não-explicação. Dizer que o universo surgiu do acaso é o mesmo que dizer “o universo surgiu de alguma causa que nos é desconhecida” – não muito distante de dizer que a origem do universo é um “mistério divino”, não muito distante dos antigos que olhavam para o sol e fantasiavam sobre terras além do horizonte inalcansável.

Mesmo na mecânica quântica, onde tudo parece aleatório, as previsões teóricas sempre se comprovaram com acuidade quase inacreditável frente á tamanha bizarrice da natureza. Dizer que a aleatoriedade quântica poderia explicar como um universo surgiu do nada é o mesmo que dizer que um unicórnio rosa pode surgir nesse momento, em meio aos átomos que se agitam no ar a sua volta. Até que um unicórnio nos ameace com seu chifre, tudo o que poderemos afirmar com honestidade é que não fazemos a menor idéia do porque as partículas se comportam como se comportam no mundo do muito pequeno... Mas, ainda que flutuações quânticas pudessem explicar como partículas podem surgir do vácuo, ainda assim não explicaria como poderiam surgir do nada, visto que o vácuo está muito distante de ser o nada.

Enquanto andamos por esse Cosmos seguindo a luz do ocaso, não deixemos que a noção do acaso sem causa nos contamine a mente e nos faça desistir de prosseguir nessa infinita jornada de conhecimento. Do real conhecimento da causa de todo esse mecanismo elegante do sistema-natureza, e não apenas das respostas fáceis que pairam sobre aqueles que continuam a temer o desconhecido – tal qual aos antigos, temendo que o sol se pusesse para nunca mais voltar.

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Crédito da foto: Joseph Umbro

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