Onde estarão os memes, parte 1
Decifrando a empatia
Uma das descobertas mais recentes e importantes da neurologia foi a dos neurônios-espelho. Eles foram descobertos inicialmente na área de planejamento motor do cérebro de macacos, e estudos subseqüentes de imageamento cerebral sugeriram que também existem nos humanos. Esse sistema aparenta ser mais amplo nos humanos do que nos macacos, por não se restringir às áreas do movimento, mas abranger locais relacionados às emoções, sensações e intenções. Propiciam um conhecimento imediato do que se passa na mente de outra pessoa; acredita-se que essa capacidade de saber o que o outro está sentindo ou fazendo seja a base da imitação.
Ao vermos outra pessoa emocionar-se, as áreas cerebrais associadas a essa sensação são ativadas, tornando as emoções transmissíveis. Em um estudo, voluntários cheiravam algo repulsivo e mais tarde observavam outra pessoa cheirando alguma coisa e expressando asco. Os dois produziram atividade neuronal na área do cérebro associada com a sensação de repugnância. Acredita-se que o espelhamento das emoções seja a base da empatia. Descobriu-se que autistas, que tendem à falta de empatia, apresentam menor atividade nos neurônios-espelho [1].
Segundo a antropologia moderna, a empatia e a imitação talvez tenham sido a base do mecanismo que nos tornou humanos. Ao observarem outras pessoas em seu grupo social, nossos ancestrais começaram a tentar desvendar o que se passava em suas mentes – e, para tal, tiveram que imaginar cada qual como um indivíduo em separado. Segundo a teoria da mente, pela primeira vez nossos ancestrais adquiriram a capacidade de julgar a intencionalidade de outro indivíduo, passando a “pensar como se fossem outra pessoa”, na tentativa de antever suas ações.
Ainda hoje, através do teste de Sally e Anne, psicólogos evolutivos são capazes de identificar a partir de qual idade as crianças geralmente se tornam capazes de atribuir crenças falsas a outros indivíduos. Geralmente, somente a partir dos quatro anos as crianças conseguem identificar que uma boneca, Anne, propositalmente muda uma bola de uma cesta para outra, enquanto sua amiga, Sally, não está vendo – quando Sally retorna, deve procurar na cesta em que acha que a bola estaria, quando não está mais. Talvez, seja a partir dessa idade que “perdemos a inocência” e passamos a compreender o conceito de mentira e manipulação. Mas, da mesma forma, é a partir da mesma idade que começamos a compreender que cada ser humano tem sua própria mente e suas próprias intenções – algo que nos será absolutamente essencial para o restante de nossas vidas.
Segundo Steven Mithen em seu célebre livro, “A pré-história da mente”, os hominídeos pré-humanos apresentaram variadas gradações de módulos de inteligência – a inteligência geral, a naturalista, a técnica e a social. Porém, somente nos homo sapiens esses módulos da mente se unificaram em um único grande conjunto, de modo a possibilitar o surgimento da cultura, da arte e da religião humanas. No entanto, observando outras espécies ainda próximas em nosso galho evolutivo, como bonobos e chimpanzés, sabemos que de todos esses módulos, o que mais contribuiu na evolução cognitiva da mente humana foi, sem dúvida, o social.
Estima-se que, ainda na época atual, as pessoas passem em torno de 2/3 de seu tempo de interação com outras pessoas falando sobre assuntos de cunho social – ou, em outras palavras, fofocando [2]. Isso surpreendeu até mesmo os maiores entusiastas da psicologia evolutiva. E a explicação para isso é simples: foi através de nossas interações sociais ancestrais, desde as pequenas tribos africanas de onde viemos, que desenvolvemos a linguagem. E a linguagem sim, é o grande catalisador de tudo o que veio depois. Sem a linguagem, toda nossa arte, religião e ciência seriam resumidos ao que cada geração conseguiu desenvolver em sua época, pois quase nada seria passado adiante as gerações seguintes. Em suma, como os hominídeos ancestrais, seríamos capazes de produzir machados de pedra no exato mesmo formato por mais de um milhão de anos, sem nenhuma inovação, sem nenhuma criatividade. Pois estes são próprios de uma mente onde os módulos de inteligência se conectaram, e também da linguagem que pôde passar tais descobertas adiante.
No entanto, essa não é toda a história até aqui. Segundo Richard Dawkins, na era atual a nossa evolução não é mais comandada somente pelos genes, que determinam apenas as características físicas de uma espécie, e dependem do lento processo de seleção natural, de milhares e milhares de anos, para que alguma mudança efetiva seja efetuada... Hoje, estamos na era da evolução memética, onde os memes tomaram o controle de nossa evolução cultural. Desse modo, não dependeríamos apenas da linguagem para passarmos nossa cultura adiante, pois os memes fariam isso por nós, sendo passados de geração em geração, transmitindo características culturais, e não apenas físicas, adiante.
Interessante? Sem dúvida. No entanto, falta-nos descobrir onde diabos estão esses memes. É isso que tentaremos fazer a seguir...
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[1] Segundo “O Livro do Cérebro”, da DK, publicado no Brasil pela editora Duetto.
[2] Segundo a série de documentários “Evolução”, da NOVA, lançada no Brasil também pela editora Duetto.
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Crédito da imagem: Beau Lark/Corbis
Marcadores: antropologia, artigos, artigos (41-60), ciência, Dawkins, empatia, evolução, memes, neurologia, psicologia, Steven Mithen
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