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22.5.10

Vida 2.0

continuando de Vida 1.0

“Viver, errar, cair, triunfar, recriar a vida a partir da vida” – James Joyce

Essa é uma três das frases “impressas” em trechos do código genético da primeira célula sintética “criada” pelo homem. Além disso, essa espécie tem “dentro de si” o endereço de um website e diversas instruções para interpretação do novo código lingüístico desenvolvido pela equipe de Craig Venter para poder inserir tais “marcas d’água” no código genético da nova criatura (“o código dentro do código dentro do código”).

Em 20/05/2010 Craig Venter anunciou a nova era da “ciência da criação”, e surgiu a Vida 2.0 – customizada por ela mesma... Quais os requisitos mínimos para um micróbio funcionar? Com essa pergunta originalmente na cabeça e US$ 40 milhões para gastar, a equipe de Venter foi capaz de “criar vida” a partir de informações armazenadas num computador.

O potencial biotecnológico é enorme mas os riscos associados à nova tecnologia não podem ser menosprezados. Ao montar o genoma do novo micro-organismo, a equipe eliminou os genes originais da bactéria Mycoplasma mycoides que as tornam nocivas às cabras. Eliminaram também as seqüências de DNA que permitiriam sua eventual reprodução fora de um laboratório de pesquisa. Só depois inseriram o material genético sintético numa versão “oca” de outra bactéria, a Mycoplasma capricolum.

Basicamente, eles “seqüestraram” uma célula e “assumiram o comando”, injetando nela um genoma essencialmente sintético. As questões técnicas não serão avaliadas a fundo aqui, mas a questão primordial é que nada aqui foi feito do nada - parafraseando Carl Sagan, “para se criar uma célula a partir do zero, você precisará primeiro inventar o universo”.

Mesmo assim, mesmo que os cientistas não tenham criado nada, eles deram um passo enorme na compreensão do mecanismo da vida. Tão grande foi este passo, nos ombros de gigantes, que podemos hoje não somente decifrar uma parte do “código da vida”, como interagir com ele, e customizá-lo! É como se tivéssemos uma Pedra de Roseta para a linguagem que informa a vida como ela deve se comportar... Ao invés de interpretarmos e redigirmos línguas esquecidas, estaremos agora interpretando e redigindo pequenos princípios de vida, pequenas bactérias talvez tão complexas quanto as que primeiro surgiram em nosso planeta.

Venter afirma que “criou” a primeira forma de vida cujos pais são um computador. Isso dá o que pensar... Código de computador, código genético, código – será que o código gera a si mesmo? Ou necessita de uma inteligência para construí-lo?

Carl Sagan passou boa parte da vida considerando a possibilidade do contato de inteligência alienígena com a Terra. Em sua célebre ficção “Contato”, esse contato se dá através do envio de ondas de rádios em intervalos que ditam os números primos. Os números primos são um código não natural, no sentido que não se encontram aleatoriamente na natureza. Ou seja, em sua ficção os cientistas do SETI tem aí uma confirmação do contato de inteligências alienígenas... Mas, e se o nosso próprio código genético não for também uma linguagem, um código que denota alguma inteligência por parte de quem o criou?

A física contém alguns números persistentes e importantes – a massa do próton, a massa do elétron, a carga elétrica das partículas subatômicas, a energia das forças fundamentais da natureza e assim por diante. Se muitos desses números fossem ligeiramente diferentes, não estaríamos aqui. Em outras palavras, torça a base fundamental e a física ainda seria funcional, mas as conseqüências dessas leis agindo sobre o universo não incluiriam formas de vida baseadas no carbono como nós.

As condições necessárias para se produzir carbono são tão “especiais” que o astrofísico Fred Hoyle chegou a especular, em um artigo intitulado “O universo: reflexões passadas e presentes”, que “um superintelecto está brincando com as leis da física”. Não é muito diferente da idéia básica dos deístas e panteístas.

Mas eu não quero aqui diminuir a conquista de Venter e sua equipe. Muito pelo contrário, quero exatamente demonstrar que independentemente do que nos criou – um ser divino, um superintelecto, uma equipe de cientistas alienígenas ou elementos vindos de algum outro lugar obscuro “na cauda dos cometas” –, e ainda que talvez nunca possamos ter uma ciência exata da causa, estamos caminhando a passos largos para decifrar seu efeito e seus sutis e elegantes mecanismos.

Apesar de não terem realmente criado nada, Venter e sua equipe sintetizaram vida a partir de vida pré-existente, e uma vida que poderá agora se auto-replicar. É preciso muito cuidado, já que não sabemos até onde essa vida irá chegar, e se será usada apenas para fins medicinais e ecológicos, ou também como instrumento de morte e destruição.

Mas com grande conhecimento vem grande responsabilidade. Não adianta pestanejar: a evolução não anda para trás... Teremos de lidar com novas questões éticas e tentar sobreviver a nossa própria ignorância.

Entretanto, se tudo mais der errado, se nosso futuro é realmente a extinção devido às mudanças climáticas ou as guerras nucleares – e biológicas –, ao menos agora temos uma nova chance de sobrevivência. É que se o apocalipse da vida terrestre realmente chegar, bastará enviarmos satélites com nossas bactérias sintéticas para o infinito do Cosmos. Enviar e torcer para que caiam nalgum dia em algum outro planeta em formação, de modo que a vida se reinicie, e se façam novas todas as coisas.

***

Crédito da foto: Treehugger.com (Craig Venter palestrando no TED)

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5 comentários:

Blogger Júnior disse...

Ficaram ótimas as matérias!

23/5/10 08:48  
Anonymous Pedro disse...

meeeeedo... rs...

muito bom post!

23/5/10 10:08  
Blogger raph disse...

O desconhecido sempre dá algum medo, mas contanto que não entremos em pânico, podemos conhecer mais - daí o desconhecido vira conhecido, e o medo dá lugar a um certo contentamento!

(mas admito que eu também estou na fase do medo, hehe, acho que até mesmo os biólogos da equipe do Criag Venter estão, visto que ninguém sabe para onde a evolução irá levar essas novas bactérias)

23/5/10 15:10  
Anonymous lucas disse...

Eu postei alguns textos seus em uma comunuidade de agnosticos(espero que não me processe por direitos autorais).

http://www.orkut.com.br/Main#Community?cmm=2032587

26/5/10 16:12  
Blogger raph disse...

Heh que isso, fico feliz que tenham originado debates, eu tb já participei muito de debates do orkut, como por exemplo os das comunidades "Fé e Razão" e "Física Quântica, a Revolução" (aliás tb sou moderador em ambas) - só peço que coloque um link pro blog ou o site http://dndworld.com/tpr/ para quem se interessar ter onde achar mais textos meus :)

Abs
raph

26/5/10 18:19  

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