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8.11.11

Dançando com ciganos, parte 2

Conto pessoal, da série “Festa estranha”, com depoimentos de Rafael Arrais acerca de suas experiências espiritualistas. Baseado (ou não) em fatos reais. Os nomes usados são fictícios (exceto para pessoas públicas).

« continuando da parte 1

Outro amigo nosso da faculdade, o Caio, também foi convidado para a tal “festa dos ciganos”. Então viajamos no carro eu, Caio, Amanda e os pais dela, com Jânio no volante. Estranho de se pensar, mas eu hoje mal me lembro desse percurso ou até mesmo para qual região do interior do Rio nos locomovemos (lembro apenas, claro, que não era região de praia) – acho que isso ocorreu porque os registros de minha memória na festa em si foram tão mais interessantes e relevantes, que esses outros detalhes acabaram esquecidos, apesar de eu usualmente me recordar bem de qualquer lugar novo para o qual viajo, principalmente de carro.

Apesar de bastante curiosos acerca dos “assuntos espiritualistas”, meus colegas de faculdade na verdade ainda tinham aquele certo receio, até mesmo natural, do desconhecido... Chegando na chácara, ficou muito claro para quase todos quem eram os médiuns a incorporar, e quem eram apenas os “observadores”, ou seja, gente “normal”. Ficou claro, isto é, para quase todos, mas aparentemente não para mim: somente dias depois que meus colegas me contaram como eu agia tão naturalmente com os médiuns incorporados, e como chegaram até a pensar que eu mesmo poderia estar incorporado também. Será que eles tinham razão?

Um dos eventos que me lembro muito bem desta festa noturna é a da chegada de um sujeito chamado Pablo: chegara sozinho e bastante “desconfiado”, tinha um físico de lutador de artes marciais e aparência típica de playboy da zona sul carioca, com seu semblante carrancudo era a definição mais perfeita de “peixe fora d’água” que se poderia imaginar... Além disso, era o tipo de pessoa com a qual eu raramente me sentiria a vontade para dialogar, pois provavelmente não tínhamos quase nenhum interesse em comum, aquela coisa de “cada um na sua tribo” própria da juventude mesmo...

Mesmo assim, eu fui a primeira pessoa para a qual ele dirigiu a palavra, não faço ideia do por que:

“Você acredita nessas paradas aí?”

“Não sei, estou vindo à primeira vez, estou só observando...”

“Eu também. Não era nem para eu estar aqui... Eu não sei por que eu vim, eu não queria vir... Mas esse pessoal ali, parece que fica me chamando, parecem familiares... Eu não entendo o que acontece comigo...”

A essa altura ele parecia transtornado, como alguém “impelido” a estar em um lugar que jamais gostaria de adentrar, quase como um fugitivo passando ao lado da cadeia... Mesmo assim, Pablo se dirigiu lentamente a uma espécie de “roda de ciganos” numa área mais afastada da festa, bem em meio ao mato mesmo. Na verdade, eram umas 7 ou 8 médiuns (todas mulheres) incorporadas, que ficavam girando lentamente em círculo enquanto conversavam sabe-se lá o que umas com as outras. Eu fiquei observando Pablo se dirigir cada vez mais lentamente até lá, até que cambaleou, ajoelhou e se prostrou com a cabeça no solo... Fiquei preocupado, ele não parecia estar nada bem!

Então, o que ocorreu à seguir faz parte da minha própria experiência religiosa naquele evento singular. Até hoje eu não sei por onde aquela vontade de ajudar tomou conta de mim, mas fato é que eu agi tão naturalmente que naquele momento era como se fosse à única coisa que eu poderia pensar em fazer – me dirigi até o círculo de ciganas e bradei, até mesmo algo irritado, para uma delas:

Vocês não vão ajudá-lo?

“Ele nos deve. Tomou o que era do grupo somente para ele, e até hoje não devolveu... Mas agora é tarde para ele, vai ter de merecer voltar para nós...” [1]

Há essa altura, eu já havia percebido que se tratava de uma questão de vidas passadas, e que, de alguma estranha forma, aquelas almas estavam se reencontrando para resolver antigas pendências, em uma chácara do interior do estado do Rio de Janeiro, muito distante das terras natais dos ciganos na Europa [2]...

“Mas vocês não o querem de volta? Ele não está arrependido? Você não quer ajudá-lo?” – repeti.

“E você acha que eu preciso estar ali do lado dele para poder ajudar?”

Com essa resposta seca e enigmática, acabei me afastando da médium... Por um momento achei que elas estavam ali realmente o auxiliando “a uma certa distância”, mas depois me dei conta que, independente de estarem perto ou longe, não estavam nem aí para o aparente sofrimento de Pablo. E foi então que eu me ajoelhei próximo a ele e dirigi a palma da minha mão direita a sua cabeça – e o mais interessante é que eu não tinha nenhuma ideia consciente do que estava realmente realizando ali.

Mas imaginei, imaginei uma luz peculiar e “poderosa” descendo dos céus e envolvendo Pablo. Em minha mente (pois já estava de olhos fechados), imaginei que eu estava tentando erguê-lo, para que se apresentasse de pé, sem medo, sem vergonhas, diante do seu grupo de antigos amigos (ou nem tão amigos assim)... Essa foi a primeira vez que auxiliei “não fisicamente” um espírito nesta vida; E, por mais estranho que pareça, era um espírito encarnado, e eu o estava auxiliando por pura intuição, realizando automaticamente, e mentalmente, certas coisas, certos rituais, que só iria “aprender” muitos anos depois... Obviamente que as palavras não são suficientes para descrever propriamente o que eu experienciei naquele momento.

Quando voltou a si, Pablo estava um tanto aliviado, mas ainda assim prontamente se levantou e se afastou para bem longe daquela roda de ciganos. Somente no decorrer da festa que pude confirmar que aquilo tudo que imaginei não foi mera fantasia da minha mente, ou pelo menos foi algo que Pablo imaginou junto comigo. Na verdade, ele me pareceu imensamente agradecido, quase como se eu tivesse salvo sua vida – mas talvez ele tenha exagerado um pouco, pois nem mesmo eu sei se fui eu quem o ajudou, ou um outro alguém oculto, através de mim...

Mas o que mais me afetou a memória naquele dia ocorreu assim que Pablo se afastou do círculo. Uma das ciganas, a mesma com a qual havia conversado anteriormente, veio até bem próximo de mim e disse algo como... “Você é cigano? Você vai deixar eu entrar em você também...

Então, de repente, senti uma sensação “intrusiva” no topo da cabeça, quase como se uma imensa garra de águia estivesse prendendo minha cabeça no lugar, e alguma coisa estivesse tentando se apossar de mim... Essa experiência foi tão drástica que até hoje eu tenho imensa dificuldade em incorporar espíritos, mesmo que parcialmente ou de forma plenamente consciente (que, em todo caso, provavelmente será a única forma que eu nalgum dia irei incorporar) – A sensação que eu tinha era a de perda de consciência, e prontamente imaginei uma espécie de “escudo mental” a me proteger, e algo dentro de mim ficou furioso, e expulsou aquela garra de águia para bem longe!

Quando eu abri os olhos, a médium na minha frente estava assustada, e claramente tinha “voltado ao corpo” de forma abrupta, de modo que o espírito que a incorporava (e que talvez tenha tentado “pular para dentro de mim”) tinha sumido de uma hora para a outra. Tudo que pude fazer foi me desculpar:

“Me desculpe, é que não estou acostumado com essas coisas...”

“Está tudo bem, meu filho. Eles só entram onde têm condições de entrar... Acho que aí dentro de você, tão cedo nenhum cigano vai querer entrar...” [3]

» Na continuação, minha consulta atemporal com Madalena.

***

[1] Uma das características mais conhecidas das comunidades ciganas, que mesmo eu sabia ainda naquela época, era a de compartilhar todos os objetos e utensílios, que não eram “pessoais”, mas “de quem está usando”, ou por vezes “de todo o grupo”. Um cigano que se desinteressava pelo uso de algum objeto, automaticamente o “perdia” para quem quer que encontrasse uso para ele.

[2] Em realidade os ciganos se originam de migrações de nômades da Índia entre os séculos IV e IX, mas o que conhecemos hoje como povo cigano se refere principalmente as comunidades que ainda vivem relativamente isoladas na Europa, principalmente na Romênia e na Bulgária, muito embora existam pequenas comunidades genuinamente ciganas em diversos países, incluindo o Brasil. Que eu saiba, de todos os presentes na festa, nenhum era cigano.

[3] Que fique bem claro: não estou sugerindo que ciganos são “espíritos inferiores”, até mesmo porque existem espíritos nas mais variadas gradações morais, nas mais variadas frequências vibratórias, encarnados ou não, em todos os povos e etnias da Terra. Certamente não me deparei com os melhores exemplos de sabedoria cigana naquela roda, mas a festa tampouco havia acabado, e ainda haveria tempo para encontrar seres um tanto mais elevados.

***

Crédito da foto: Clã Cigana Zoraya

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2 comentários:

Blogger Juliano disse...

Que sorte do Pablo que você refletiu e agiu rapidamente :-)

Tudo é muito interessante :-)
Já havia lido ou escutado que você não havia permitido acontecer uma tentativa de incorporação, legal saber em detalhes.

Abraço

7/1/14 08:10  
Blogger raph disse...

Sim foi esta mesma :)

Hoje em dia eu "digo" (penso) para eles mais ou menos assim: "se quiserem ajudar podem ajudar daí onde estão, não é necessário incorporar pois o amor vai além do corpo".

Mas nada contra quem incorpora, provavelmente são úteis onde eu não sou...

Abs!
raph

7/1/14 12:12  

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