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4.5.12

Comentário: que é o efeito placebo?

Comentário das respostas da pergunta “que é o efeito placebo?”, parte da série "Reflexões sobre a espiritualidade e a ciência", onde o ocultista Marcelo Del Debbio e o cético Kentaro Mori responderam a 7 perguntas sobre o tema. Para saber mais, leia a premissa da série.

[Raph] Há muitos anos, diariamente, dezenas de pessoas chegam a outrora desconhecida cidade de Abadiânia, uma pequena cidade com cerca de 13mil habitantes, fincada bem no meio do Brasil, no interior de Goiás. Já seria interessante saber o que tantos brasileiros vão fazer nesse “fim de mundo”, mas a grande maioria dos que chegam vêm na realidade de outras partes do mundo – principalmente dos EUA e Europa. Abadiânia é a cidade onde o médium brasileiro João de Deus realiza seus atendimentos com cirurgias espirituais (e, nalguns casos, físicas) que visam o auxílio na cura de doenças variadas, muitas das quais não têm tratamento conhecido na medicina convencional.

Discovery Channel, National Geographic e BBC foram alguns dos canais de TV estrangeiros, bastante conceituados, que já realizaram filmagens e documentários acerca de João de Deus. Apesar de ser relativamente conhecido no próprio país, ao ponto de ter sido chamado para auxiliar no tratamento de câncer do ex-presidente Lula, e também do ator Reynaldo Gianecchini, o médium é muito mais famoso fora do país, tanto que mereceu uma visita exclusiva de Oprah Winfrey, provavelmente a apresentadora de TV mais famosa do mundo.

Filmadas por todos os ângulos, as cirurgias físicas de João de Deus causam um misto de espanto e certa repudia. Certamente não é todo dia que vemos uma pessoa sem qualquer formação médica fazer incisões profundas na pele das pessoas com facas de cozinha, “raspagem” de catarata em olhos abertos (com o mesmo instrumento, tudo filmado), e inserções de tesouras pelo orifício nasal. Em estudo da Associação Médica Brasileira, ficou comprovado que tais cirurgias são reais, e que os tecidos extraídos e “raspados” dos olhos são inteiramente compatíveis com a fisiologia dos pacientes. Mas, a pergunta que fica é: tais cirurgias curam alguma coisa?

Um dos espíritos que supostamente incorpora o médium, parte da “equipe de médicos espirituais” que o auxilia nas cirurgias, já respondeu que “as cirurgias físicas não servem para mais nada que não para que o paciente efetivamente creia que está sendo tratado”. Para os pacientes que já tinham fé no tratamento, nenhuma cirurgia física era necessária [1]... Ou seja: o próprio espírito admite que se trata de uma “encenação” criada para que a mente tenha fé no tratamento. A mente, sem dúvida, parece ser o agente que mais importa, o catalisador dos efeitos placebo – e, dessa forma, da cura.

E esta parece ser a questão chave para nosso entendimento do que vem a ser o efeito placebo. Não adiante associá-lo a processos inconscientes do cérebro que terminam por auxiliar e efetivar a cura de doenças: isso é apenas o processo de cura natural, não o efeito placebo. O efeito placebo, exatamente por se tratar de um efeito, tem de ter uma causa, e acredito que quase todos concordem que essa causa passa pela mente quando esta possui a crença consciente de que um tratamento lhe fará bem. Mas, ainda neste caso, o mistério permanece: se é a mente que catalisa o efeito placebo de acordo com sua crença na própria melhora, o que exatamente catalisa a crença?

Essa última pergunta pode ter uma resposta um tanto quanto óbvia para os espiritualistas, mas para muitos materialistas (alguns dos quais que sequer creem que exista a mente) ela é uma questão muito estranha. Mas isso não os impede de continuar estudando objetivamente a questão...

Na UFRJ, a bióloga Rafaela Campagnolli, doutora em neurofisiologia, concluiu um estudo de como o cérebro processa imagens de interações sociais positivas. Na pesquisa, um grupo de 36 universitários saudáveis observou 60 fotos, sendo 30 de adultos e crianças interagindo e 30 de pessoas alheias umas as outras, embora estivessem próximas. Enquanto observavam, suas reações cerebrais e faciais eram medidas por eletroencefalograma (mede atividade elétrica neuronal) e eletromiograma (mede a atividade elétrica dos músculos):

“É fato que os cérebros dos voluntários reagiram diferentemente às imagens de cada grupo. Diante das fotografias com interações sociais positivas, ocorreu aumento da atividade neuronal associada às emoções, e do músculo do sorriso espontâneo (zigomático). Isso quer dizer que elas impactaram mais os voluntários, foram mais relevantes emocionalmente” – explicou Rafaela [2].

Esse tipo de estudo visa reforçar uma crença já ancestral: a de que as emoções positivas auxiliam na cura de doenças e reestabelecimento da saúde, ao passo que as emoções negativas podem facilitar enormemente a morte, mesmo que de forma indireta. Gilberto Ururahy, diretor-médico da Med Rio Check Up, do alto de sua experiência de mais de 60mil check ups de saúde, declara: “A prática demonstra que um quadro de emoções negativas conduz à depressão e a outros males. Um dos grandes avanços da psiquiatria foi identificar que o cortisol (hormônio relacionado ao estresse) elevado e crônico é um caminho natural para a morte. Por outro lado, a emoção positiva é a mola da vida” [3].

Portanto, nossa ciência, moderna a objetiva, têm somente demonstrado o que já sabíamos, subjetivamente e filosoficamente, ao menos desde que Hipócrates fundou a medicina, milênios atrás. São mesmo as nossas forças naturais que curam nossas doenças, e até mesmo por isso nenhum médico sério jamais pôde prometer a cura, apenas o tratamento. É apenas a nossa mente, auxiliada pelos diversos tratamentos, quem poderá se livrar da doença, e retornar a saúde. Mas, há algo de subjetivo em nossa mente que incomoda profundamente os materialistas objetivos: algo que não pode ser devidamente catalogado de forma exata, tal qual se cataloga a porcentagem de sucesso dos tratamentos da última droga contra a depressão [4]... O que seria esse espírito, essa alma, esse “eu” que parece ter um ânimo próprio, essa vontade de melhora?

Tim Cridland, também conhecido como Zamora, o Rei da Tortura, é um americano com pinta de roqueiro que parece ter uma boa resposta para tal questão. Desde pequeno, Tim era fascinado pelas histórias de faquires e homens santos da Índia, que podiam se deitar em tábuas de pregos sem sentir dor alguma, e sem causar sangramentos na pele. Sabe-se lá onde ele encontrou “cursos de faquir”, mas o que se sabe é que hoje, após décadas de prática e disciplina inimagináveis para um ocidental, Tim se tornou provavelmente o maior faquir do Ocidente, com um controle da própria mente que beira o sobrenatural. Num episódio dos Superhumanos de Stan Lee, uma série do canal a cabo History que explora pessoas com “poderes sobre-humanos”, vemos Tim perfurar o braço de ponta a ponta com espetos de metal, um dos quais ele enfia através da boca aberta, saindo pelo pescoço [5]. O mais incrível não é nem o fato de ele não sentir dor (o que é comprovado por análise neuronal ao longo do programa), mas sim o fato de ele não sangrar, nem uma gota, nem mesmo na gengiva que, todos devem saber, é uma das partes do corpo que sangram mais facilmente.

O que isso tudo quer dizer? Que devemos abandonar a objetividade da medicina moderna, junto com nosso ceticismo, e admitir que existem homens santos, espíritos e deuses? Não exatamente. Uma coisa não necessariamente leva a outra, e as crenças e descrenças não deveriam vir em “pacotes fechados” – ou cremos em todo tipo de espírito e na eficácia dos tratamentos espirituais e alternativos, ou não cremos em nada disso. Não! Você pode muito bem continuar ateu ou agnóstico em relação ao chamado mundo espiritual, e ainda assim admitir que certas coisas estranhas que provêm dele são, de fato, reais.

Na conclusão final do estudo da AMB sobre João de Deus, é dito que “nem a crença entusiasmada ou a descrença renitente ajudarão os pacientes ou o desenvolvimento da medicina”, e eu acredito que devemos refletir com muita seriedade sobre isso. Que importa se céticos como James Randi oferecem milhões para qualquer um que prove que é efetivamente um paranormal? Gente como Tim Cridland e João de Deus parece não conhecer ou não estar interessada no dinheiro dos “céticos a priori”, que fazem esse tipo de “show” exatamente por já crer que não existam paranormais [6]. Randi foi certamente útil em desmascarar dezenas de charlatões pelo mundo todo, mas há que se ter em mente que nem todos são charlatões, por mais estanho que isso possa parecer para uma mente racional.

Você pode achar que os fenômenos realizados por tais paranormais – o cirurgião espiritual e o homem imune à dor – é suficientemente raro e extraordinário, e que dificilmente acharemos coisa parecida no resto do mundo, de modo que a “raridade” não permite um estudo objetivo... Mas, não, eles não são assim tão raros quanto possa parecer a priori: para cada cirurgia realizada por João de Deus, milhares de outras são realizadas com igual ou maior eficácia (independentemente de serem cirurgias físicas, e a maioria não é), somente no Brasil, por médiuns que não se interessaram em se tornar fenômenos de mídia; para cada “agulhada” que Tim Cridland dá no próprio corpo, há centenas de faquires indianos praticando algo muito parecido, todo santo dia, e ainda não se viu sangue algum.

E, ainda assim, perto dos fenômenos da mente, tais fenômenos físicos são como a brisa que antecede a tempestade. No fundo, talvez tudo se origine de alguma mente, afinal: jamais poderemos conhecer a realidade ignorando tudo aquilo o que se passa, se passou, e que poderá passar, bem atrás de nossos olhos abertos... O efeito placebo, que diabo seria ele senão um efeito da mente, esta grande desconhecida?

***

[1] A imensa maioria dos pacientes de João de Deus não passam por cirurgias físicas, e espera-se que elas sejam cada vez mais raras, já que apenas alguns dos espíritos que supostamente o incorporam defendem sua continuidade. Entretanto, não deixa de ser um fenômeno bastante estranho.

[2] O depoimento da Dra. Campagnolli foi retirado de uma matéria do O Globo de 25/12/2011 (O poder das emoções positivas – Caderno Saúde).

[3] Depoimento também retirado da matéria citada na nota acima.

[4] O que, em muitos casos, não nos traz resultados muito diferentes do tratamento com placebos.

[5] Não é tão horrível quanto parece, principalmente por não haver sangue, nem dor. Infelizmente só achei o episódio com áudio em inglês:

Poderíamos, quem sabe, inserir a legenda: Tim Cridland catalisando um efeito placebo em si mesmo, de modo que não sangre nem sinta dor. É óbvio que existem limites para a "magia" de Tim: uma agulha através do seu coração provavelmente o mataria na hora; Mas isso de forma alguma deveria diminuir nosso espanto em relação ao fenômeno, assim como nossa curiosidade genuína em procurar compreendê-lo.

[6] Neste meu artigo já relativamente conhecido, faço um contraponto entre as alegações de James Randi acerca do suposto “charlatanismo” do médium João de Deus, e o estudo estritamente científico da AMB sobre as cirurgias em si. Que cada um decida por si mesmo quem parece ter maior razão.


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Crédito das imagens: [topo] Heritage Images/Corbis (poster do século XIX anunciando as famosas pílulas da vida, supostamente criadas por Thomas Parr, que supostamente viveu até os 152 anos porque supostamente as tomava - um exemplo da extensão do efeito placebo na história recente); [ao longo] History Channel (trecho do programa sobre Tim Cridland)

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2 comentários:

Anonymous Anônimo disse...

Sobre o James Randi, vou só deixar esse artigo aqui para o Rafael ler e ver o que acha (e quem mais quiser ler, caso o comentário não seja removido):

http://seteantigoshepta.blogspot.com.br/2011/12/james-randi-e-seu-desafio-paranormal-de.html

Não apenas por esse artigo (sendo que o Del Debbio tb parece achar isso), mas o James tá mais pra um pseudo-cético da mesma turminha dos neo-ateus militantes do que pra "cético desmascarador de falsos paranormais".

Coisa polêmica. Fica aí pra quem quiser ver.

22/5/12 13:46  
Blogger raph disse...

Apesar de ser excessivamente agressivo, com alguns ataques a pessoa de Randi que são totalmente desnecessários e não acrescentam em nada ao debate, o artigo é interessante por trazer uma relativamente extensa lista de casos paranormais que Randi NÃO procurou desmascarar (dentre eles o próprio João de Deus).

Ou seja, se Randi realmente acredita que não existe paranormalidade alguma (como parece querer se fazer crer com seu "desafio do milhão"), não haveria razão para ele se abster de investigar a fundo tais paranormais... E, pelo menos no caso de João de Deus, ele não tem a desculpa de dizer que nunca ouviu falar dele.

Obs: Não estou dizendo que todos os paranormais da lista são casos "fortes" de paranormalidade, até mesmo porque não conheço todos eles. Mas considero fortes estes dois casos citados no artigo (João e Tim).

24/5/12 09:44  

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