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21.8.12

A arte sufi

Já que pediram, continuarei traduzindo alguns dos mais belos poemas de Rumi em inglês... Há muitos que julgam o Islã pelo que passa hoje na TV, mas se esquecem, ou, mais provavelmente, não sabem, que há um milênio atrás eram os islâmicos quem detinham os expoentes de nossa filosofia, tendo sido os grandes responsáveis por salvar a sabedoria grega do esquecimento; de nossa ciência, da medicina a matemática; e sobretudo de nossa espiritualidade. Somente numa época como esta poderia ter vindo a Terra um poeta como Rumi, talvez o último filho de Al-Andalus...


[A arte chinesa e a arte grega]

Disse o Profeta, “Há alguns que me veem
sob a mesma luz que os vejo.
Nossas naturezas são unas.

Sem referência a linhagens
de parentesco, sem referência a textos e tradições,
nós bebemos o mesmo líquido da vida, juntos.”

Eis uma história sobre este mistério oculto:

Os chineses e os gregos estavam debatendo sobre quais seriam os melhores artistas.
O rei então disse, “Resolveremos tal questão com um debate”.
Os chineses começaram a falar,
mas os gregos nada diziam.
E foram embora.

Os chineses então sugeriram que a cada grupo fosse dado em salão para que pudessem trabalhar em sua arte,
dois salões voltados um para o outro, separados por uma cortina.

Os chineses pediram ao rei por uma centena de cores, todas as variantes,
e a cada manhã eles voltavam onde as tintas eram deixadas
e as pegavam todas.
Os gregos não pegavam tinta alguma.
“Elas não são parte do nosso trabalho”.

Eles foram para o seu salão e começaram a limpar e polir as paredes.
Todo dia, a cada dia, tentavam deixar as paredes puras e límpidas
como o céu aberto.

Há um caminho que parte de todas as cores para a ausência de cor.
Saiba que a magnífica variedade das nuvens e do clima
vêm da simplicidade total do sol e da lua.

Os chineses concluíram sua arte, e estavam muito felizes.
Bateram seus tambores pela alegria da conclusão.
O rei entrou em seu salão,
espantado pelas cores maravilhosas e pelos detalhes.

Os gregos subiram a cortina que dividia os ambientes.
As imagens e figuras chinesas refletiram cintilantes
nos muros vazios dos gregos. Elas viviam lá,
ainda mais belas, e sempre
se modificando junto com a luz.

A arte grega é o caminho sufi.
Eles não estudam livros ou pensamento filosófico.

Eles fazem seu amor puro e cada vez mais límpido.
Sem desejos, sem raiva. Nessa pureza
eles recebem e refletem as imagens de cada momento,
daqui, das estrelas, do vazio.

Eles as absorvem
como se estivessem a ver
sob a mesma luminosidade
que os observa.

***

Sob sua luz eu aprendi como amar.
Ante sua beleza, como compor poemas.

Você dança em meu peito,
onde ninguém o vê,

por vezes tenho lhe visto,
e isto que contemplo torna-se minha arte.

***

O som de tambores se eleva pelo ar,
são uma pulsação, meu coração.

Uma voz dentre os batimentos me diz,
“Eu sei que está cansado,
mas venha. Este é o caminho.”

***

Está com ciúmes da generosidade do oceano?
Porque se recusaria a doar
esta alegria aos outros?

Os peixes não guardam o líquido sagrado em canecas!
Eles nadam nesta imensidão de liberdade fluída.

***

[Diga eu sou você]

Eu sou a poeira no raio solar.
Eu sou o sol circular.

Para os pedaços de pó eu digo, Fiquem.
Para o sol, Continue a viajar.

Eu sou a neblina da manhã,
e o suspirar da tardinha.

Eu sou o vento no topo do bosque,
e a arrebentação ao pé do penhasco.

Mastro, leme, timoneiro, e barco,
Sou também o recife de corais onde naufragaram.

Eu sou uma árvore com um papagaio treinado em seus galhos.
Silêncio, pensamento, e voz.

O ar musical saindo de uma flauta,
a faísca de uma pedra, uma oscilação

num metal. Tanto a vela,
quando a mariposa alucinada ao redor.

A rosa, e o rouxinol
perdido em sua fragrância.

Eu sou todas as ordens do ser, a galáxia circundante,
a inteligência evolucionária, a ascensão,

e a queda. O que é,
e o que não é. Você quem sabe

Jalal ud-Din, Você, o uno
em tudo, me diga quem

Eu sou. Diga eu
Sou Você.

***

[A grama]

O mesmo vento que arranca os troncos
faz a grama brilhar.

O vento senhoril ama a fraqueza
e a humildade da grama.
Jamais se vangloria de ser forte.

O machado não se preocupa com a grossura dos galhos.
Ele os corta em pedaços. Mas não as folhas.
Ele deixa as folhas em paz.

Uma flama não considera o tamanho da pilha de lenha.
Um açougueiro não corre de um rebanho de ovelhas.

O que é a forma na presença da realidade?
Muito pobre. A realidade mantém o céu revirado
como um cálice acima de nós, girando. Quem rodou
a roda do céu? A inteligência universal.

E o movimento do corpo
vêm do espírito como uma roda d’água
construída num riacho.

A inalação e a exalação vêm do espírito,
agora raivoso, agora em paz.
O vento destrói, e protege.

Não há realidade que não Deus,
diz o xeique completamente entregue,
que é um oceano para todos os seres.

Os níveis da criação são como pequenas ondulações neste oceano.
Seu movimento provém de uma agitação na água.
Quando o oceano deseja acalmar as ondulações,
ele as envia para perto da costa.
Quando ele as quer de volta, junto as grandes ondas do mar profundo,
faz com elas o mesmo que faz com a grama.

Isso nunca acaba.


(Poemas de Jalal ud-Din Rumi. Refletidos do inglês para o português por Rafael Arrais)

***

Crédito da foto: Donna Wilding/First Light/Corbis

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1 comentários:

Anonymous Anônimo disse...

Maravilhosos! Obrigado! :)

21/8/12 18:34  

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