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6.7.14

As cartas de Deus

Poema de Walt Whitman em "Folhas de Relva" (Ed. Martin Claret). Tradução de Luciano Alves Meira. O comentário ao final é meu.


Eu disse que a alma não é mais do que o corpo,
e disse que o corpo não é mais do que a alma,
e nada, nem Deus, é maior para um ser do que esse ser para si mesmo,
e quem quer que ande um estádio sem solidariedade caminha para seu próprio funeral vestindo sua mortalha,
e eu ou tu sem um centavo no bolso podemos comprar a nata da terra,
e vislumbrar com um olho, ou apresentar um grão na sua vagem, confundindo o conhecimento de todas as eras;
e não há negócio ou emprego em que um jovem, seguindo carreira, não possa se tornar um herói;
e não há objeto que seja tão delicado que não posso funcionar como o centro em que se ligam todas as rodas que movem o Universo;
e digo para qualquer homem ou mulher, “Deixe que sua alma esteja tranquila e íntegra perante um milhão de universos.”

E digo para a humanidade, “Não tenha curiosidade sobre Deus”,
pois eu que sou curioso sobre todas as coisas não tenho curiosidade alguma sobe Deus.
(Não há uma gama de termos grande o suficiente com a qual eu possa dizer o quanto estou em paz sobre Deus e sobre a morte.)

Ouço e observo Deus em todos os objetos e ainda assim não compreendo Deus minimamente;
não posso compreender quem possa haver que seja mais maravilhoso do que eu.

Por que eu deveria ver Deus melhor do que este dia?
Eu vejo algo de Deus a cada hora das vinte e quatro horas do dia, e a cada momento,
nos rostos dos homens e mulheres eu vejo Deus, e em minha própria face no espelho;
encontro cartas de Deus espalhadas pelas ruas e todas elas são assinadas por Ele,
e deixo-as ficar onde se encontram, pois sei que onde quer que vá,
outras virão pontualmente – para toda a eternidade.

***

Grandes místicos e poetas não precisam ir longe para encontrar a Deus, e tampouco têm curiosidade sobre tal encontro.
Eles quebram um galho seco, removem uma pedrinha do lugar, observam a relva que preenche os campos, e não estão curiosos acerca do mistério divino.
Eles vivem este mistério, e leem a assinatura divina em cada pequeno pedacinho do Cosmos.
E eles vivem isto neste momento, pois não poderia haver outro.
E eles sabem que estão em Deus e Deus está neles, pois não haveria nenhum outro lugar onde um ou outro pudessem estar.
Não há neste vasto Universo, tampouco num milhão deles, alguém tão maravilhoso quanto você.
Não há nenhum grande herói ou vilão dos mitos de outrora que não seja você mesmo, e não há nenhum deus que não contemple a humanidade inteira.
De fato, não há nenhum deus além deste que sempre esteve ainda mais próximo de ti do que o seu próprio olho.
Não há, enfim, uma gama de termos grande o suficiente para descrever o que Walt Whitman sentia no momento em que escreveu tais palavras.
E palavras são somente as cascas do que se sentiu, os rascunhos da Eternidade, a flutuar pelos campos como as folhas secas carregadas pelo vento outonal...
Você pode ler suas assinaturas?

***

Crédito da imagem: Joel "Boy Wonder" Robinson

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