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12.10.14

El Partido de la Red

A democracia que temos está aprisionada: é míope, ordena suas prioridades de forma equivocada, tem a sua largura de banda limitada (Manifesto de la Red)


Desde seu surgimento na Grécia antiga, onde os próprios cidadãos decidiam as ações do Estado, a democracia passou por tantas reviravoltas e atualizações que hoje um filósofo daquela época mal a reconheceria. É verdade que hoje não há mais escravidão, e que mulheres também podem votar, mas por outro lado nossas cidades-estado cresceram tanto que a única forma que encontramos de continuar consultando os anseios do povo foi instaurando a democracia representativa, onde certos candidatos são eleitos para nos representar em tais decisões. Assim, teoricamente, somente os mais bem preparados e sábios dentre nós deveriam ser eleitos para nos representar. Estaria tudo certo, contanto que o sistema eleitoral fosse capaz de dar oportunidade aos mais bem preparados e sábios concorrerem nas eleições. Como bem sabemos, isso não é mais o que ocorre hoje em dia...

Teoricamente nossas eleições deveriam ser um embate de ideias e de propostas, baseadas sobretudo em ideologias. Mas, na prática, o que ocorre hoje em dia está muito longe disso. Se tomarmos o segundo turno das eleições de 2014 para a presidência do país, por exemplo, não temos exatamente um embate de ideologias opostas (embora há muitos que ainda creiam nisso, e considero que devemos respeitar sua inocência, para que o sonho não morra), mas sim uma disputa de poder onde está em jogo muito, muito dinheiro. Não importa se um partido de "esquerda" se alia, de última hora, ao partido opositor de "centro-direita" em troca de certos ministérios; pois o partido que disputa a reeleição, apesar de se declarar de "esquerda", também só se encontra em seu posto devido a negociação de inúmeros ministérios com os partidos de "direita" da base aliada. Onde ficou a ideologia nesse Grande Negócio Eleitoral? Ficou na cartilha dos marqueteiros, que usam os milhões doados por grandes empresas (muitas das quais doaram a ambos os partidos, o opositor e o que disputa a reeleição) para suas superproduções do "horário eleitoral gratuito".

Conforme bem analisou Lawrence Lessig em sua reflexão sobre o sistema eleitoral dos EUA, "Há um forte sentimento de inevitabilidade, de que não temos o que fazer para mudar tudo isso". Mas foi o próprio jurista que, em sua histórica palestra no TED, apontou um caminho para a mudança: tirar o "dinheiro grande" das eleições, para que o povo possa voltar a decidir, de fato, entre os candidatos mais bem preparados e sábios. Obviamente que esta reforma não é algo que se dê da noite para o dia, mas é uma reforma cada vez mais necessária, pois no fim das contas a única outra opção será uma revolução - e na revolução, como bem sabemos, há muito mais mortes e violência, além de ser um processo de estabilização lenta e incerta.

Porém, ainda que o "dinheiro grande" fosse retirado das eleições, ainda não haveriam garantias suficientes que ele não pudesse ser usado para corromper os candidatos mais bem preparados e sábios que foram eleitos. Pois também já vimos inúmeros exemplos de boas pessoas que, de um jeito ou de outro, se viram obrigadas a jogar o Grande Negócio Eleitoral uma vez eleitas. A solução seria fiscalizar mais de perto tais candidatos, em cada passo, em cada decisão, em cada votação... Isto sim seria a semente de uma nova democracia, uma forma de, ironicamente, voltarmos as origens gregas, e realmente participarmos diretamente das decisões dos nossos representantes eleitos.

É precisamente isso que pretende o Partido de la Red, um partido político argentino que surgiu há poucos anos, fruto da experiência fracassada de tentar convencer aos políticos tradicionais de vincular suas decisões a votações específicas de um aplicativo para tablets e smartphones, intitulado DemocraciaOS. Conforme a oferta foi inicialmente recusada, os argentinos desbravadores de uma nova era decidiram fundar o seu próprio partido, onde cada deputado eleito se compromete a votar de acordo com a decisão da maioria dos votos no aplicativo. É claro que não é uma ideia completa, imune a hacks de todos os tipos, mas é um novo caminho, uma luz no fim do túnel.

Para saber mais sobre esta ideia preciosa, vejam a palestra de Pia Mancini, uma das fundadoras do Partido de la Red, no TED Rio recém realizado em Outubro de 2014 (com legendas em português):

***

Veja também:

» x dólares, 1 voto (a palestra de Lawrence Lessig)

» Interregno de eras

» Primavera Brasilis

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4 comentários:

Anonymous Thiago Dornelles disse...

Não conhecia o tal partido, valeu por compartilhar. :-)

A ferramenta proposta por eles, o aplicativo, é interessante! Penso que ele é totalmente inadequado para grandes questões, mas para decisões locais seria um ótimo instrumento!

Um último ponto é que essa ferramenta, no caso de ser implantada, deveria ter alternativas inteligentes. Uma vez que nem todos têm condições de ter (ou querem) ter smartphone. De toda forma, enquanto instrumento consultivo (e não de decisão final) ainda assim seria válido.

12/10/14 16:22  
Blogger raph disse...

Então, inicialmente só poderia ser usado para as decisões nas votações da Câmara, somente dos deputados eleitos pelo partido.

Agora, a decisão seria final sim. Acredito que se nenhuma fraude fosse evidenciada, os deputados seguiriam a risca as decisões da maioria em seus votos.

Claro que existe a questão do smartphone, que nem todos tem, mas acredito que os eleitores do partido todos teriam um. Seriam eleitores mais de classe média para alta, provavelmente, mas ao menos seriam eleitores realmente politizados e participantes.

Acredito que o futuro se encaminhe para algo próximo com essa ideia embrionária :)

Abs!
raph

12/10/14 17:30  
Blogger Rato Saltador disse...

Muito bom! Realmente é uma ideia embrionária. Mas algo de diferente tem que realmente ser tentado. Sinal de humildade e sensatez ela ter frisado que eles não tem uma solução final para os problemas apresentados, mas estão fazendo sua parte ao se esforçar para encontrar alternativas.

Abs!

12/10/14 17:36  
Anonymous Anônimo disse...

O processo politico é reflexo da estrutura social. Se quisermos democratizá-lo, precisamos também democratizar os meios de comunicação, o sistema financeiro, o sistema educacional, senão a população não terá acesso às informações necessarias para um voto consciente.

Principalmente os cartéis de comunicação dominados por grandes grupos precisam ser quebrados, como a Argentina está fazendo. Mas para termos uma idéia de como estamos longe disso, esse tema crucial nem entrou no debate eleitoral...



14/10/14 01:42  

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