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2.5.11

Caso Parmod, parte 5

« continuando da parte 4

A primeira coisa que se lê no livro de Ian Stevenson (publicado pela Editora Vida e Consciência) é uma citação atribuída a ele – que não sei se consta da edição original americana, mas não deixa de ser pertinente –, que diz assim:

“Se os hereges pudessem ser queimados vivos nos dias de hoje, os cientistas – sucessores dos teólogos, que queimavam qualquer um que negasse a existência das almas no século XVI – hoje queimariam aqueles que afirmam que elas existem”.

Exagero? Provavelmente que sim, mas nem tanto... A vantagem dos cientistas radicais sobre os eclesiásticos radicais é que, apesar de tudo, eles ainda são mais racionais, e não se esqueceram dos seus precursores que morreram na fogueira – embora estes não fossem tão radicais e tampouco apenas cientistas, muitos eram também religiosos e até mesmo frades, como o dominicano Giordano Bruno.

Ainda assim, a neutralidade da ciência Ocidental é um mito. A começar pelo fato de ser primordialmente a ciência de uma cultura. Não há espaço para trazer muitos detalhes, mas apenas gostaria de lembrar que Alfred Russel Wallace é tão autor da teoria da evolução quanto Darwin, mas a Academia optou por relegá-lo a um rodapé da história, pois que era um espiritualista com “ideias heterodoxas”; Também vale a pena citar a acupuntura, parte da ciência Oriental, largamente utilizada na medicina dita complementar e mesmo na veterinária, que é muito pouco estudada pela Academia, apesar de que admitem seus resultados – todos, sem exceção, caindo na conta do “misterioso” efeito placebo...

A Academia parece até abrir um certo precedente para doutrinas como a do catolicismo, onde todos os milagres ocorreram a muito tempo atrás, e os pouquíssimos admitidos pelo Vaticano atualmente servem muito mais para beatificações e santificações do que para qualquer espécie de estudo científico do assunto. Se almas existem, pouco importa cientificamente falando, pois só teremos contato com elas após a morte. A presença de um Espírito Santo imaterial em tudo que há tampouco pode ser detectada. E, se orações funcionam ou não, não parece aborrecer a Academia no sentido em que o Vaticano tampouco conduz experimentos sobre isso.

Porém, quando surge um sujeito sério como Ian Stevenson, pesquisando temas ditos esotéricos e místicos de forma científica e extremamente meticulosa, daí é um grande absurdo! Talvez não décadas atrás, quando ele iniciou os estudos com o patrocínio de Carlson, mas nos dias atuais vemos várias publicações científicas atacando seus métodos. Interessante como justamente Carl Sagan endossou sua seriedade... Ah, quantos céticos de negação a priori não devem se incomodar: “porque diabos o Sagan foi falar disso?”.

Há que se exaltar, finalmente, a coragem de Stevenson. Em nenhum momento ele diz ter certeza da reencarnação, mas a hipótese surge como uma explicação mais plausível e menos absurda para os fenômenos que ocorrem a crianças em todo mundo, embora relativamente raros. Alguns materialistas podem preferir a teoria dos Memes de Dawkins, outros parapsicólogos podem atribuir tudo ao Inconsciente Coletivo de Jung, mas apesar de serem mais bem aceitas pelos asseclas da Academia, tais teorias são consideravelmente mais místicas do que a da reencarnação, pelo menos vista pela visão científica de Stevenson.


Para terminar este estudo, gostaria de comentar sobre alguns dos padrões mais interessantes e relevantes observados no livro:

Da morte traumática
Muitos dos casos estudados relatam lembranças de uma morte traumática na vida anterior. Acidentes, assassinatos, suicídios, brigas, doenças fatais... Nesse sentido, o mecanismo da memória não parece ser muito diferente do que ocorre numa mesma vida. Ora, não é preciso nem se aprofundar muito na neurologia ou na psicologia para sabermos que são as memórias de maior carga emocional as mais duradouras, as que mantemos mais detalhes, muitas vezes as que nos traumatizam e se recusam a ir embora.
Muitas vezes é necessária uma imagem ou situação catalisadora dessas memórias “perdidas”... Uma garotinha da Europa medieval pode ter fugido da invasão de uma tribo de bárbaros a sua vila, apenas para morrer de fome em meio à área selvagem, sendo devorada por urubus ainda agonizante. Se a última imagem da vida anterior foi de um pássaro negro te devorando, não será de surpreender que numa outra vida esta mesma alma desenvolva uma estranha fobia a pássaros, sobretudo pássaros grandes.
Então muitos espiritualistas ficarão buscando um sentido para tais experiências, como se pudessem realmente compreender a consciência alheia, e seus “débitos” em relação ao Cosmos. Não podem: só o ser saberá dizer, quem sabe um dia, o porque de ter passado por tudo o que passou.
Mas fato é que, se a reencarnação existe, todos nós havemos de ter passado por alguma morte traumática, sendo que o importante é compreender que foi algo que já passou. Conforme Parmod ao reencontrar sua esposa da vida anterior – ele não se lamentou nem amaldiçoou a Deus por seu destino, apenas disse: “eu vim”.

Do esquecimento das vidas passadas
Interessante como o estudo de crianças que se lembram de vidas passadas também passe pelo seu esquecimento. É realmente quase que um padrão fixo: mais ou menos entre 1 a 3 anos as memórias se iniciam, mais ou menos entre 4 a 10 anos começam a desaparecer, mais ou menos na idade adulta foram completamente esquecidas, ou assimiladas e compreendidas, corretamente, como uma personalidade que já não está mais aqui.
Pois que drama há nisso tudo? Não é verdade que nenhum de nós sequer faz ideia de como éramos antes dos 3 a 4 anos (exceto alguns autistas, mas isso é uma outra história)? Ora, da mesma forma que as células de nosso corpo morrem e se renovam, de modo que ao morrermos não possuímos mais praticamente nenhuma célula daquelas que nasceram conosco, as memórias são muitas vezes apenas bruma e espuma, sustentáculos de nossas breves personalidades que estão em constante renovação e afloramento.
Você saberia dizer quem era você há 15, 20 anos atrás? E, mesmo que saiba dizer, tem mesmo certeza de que todo o seu relato é fiel a uma realidade que não existe mais? Pois, dessa forma, você já morreu – e continuará morrendo...
Apenas a potencialidade persiste. A capacidade de amar, o dom para as letras ou para a música, a lógica matemática, a intuição do caçador, a divina criatividade do poeta... Se é que existe mesmo uma alma primordial por detrás dessas máscaras de personalidade que usamos e trocamos inúmeras vezes, mesmo que em uma única vida, ela ainda parece estar muito distante de nossa compreensão. Portanto, quem acha que a reencarnação é apenas uma teoria para aplacar a angústia perante a morte, pense novamente – muitas vezes, esquecer é morrer. Mas será que esquecemos para sempre?

Da mudança de sexo
Segundo Stevenson, os relatos de vidas passadas com sexo diverso comportam menos de 10% de todos os casos estudados. Entretanto, essas ocorrências raras (dentro das já raras crianças que podem ser estudadas), apontam para um outro aspecto muito pertinente destes casos: o comportamental.
Ora, se é verdade que muitos casos são investigados do ponto de vista das informações passadas adiante pelas crianças – como nome de familiares, endereços, descrições de eventos, identificação de objetos, etc. –, há ainda muitos outros que caem no campo do comportamento, e que são muitas vezes mais sutis. Por exemplo: se uma criança do gênero masculino tem um comportamento afeminado, isso pode ser fruto de uma vida passada no gênero feminino? Essa seria a resposta mais superficial, mas nos estudos de Stevenson muitas vezes a vida passada era a de uma mulher com comportamento dito masculino. É difícil julgar, pois as almas insistem em serem apenas almas: nem homens, nem mulheres.
Muitas vezes, um modo de caminhar, um modo de dirigir o olhar durante uma conversa, um modo de observar a natureza ao redor, são muito mais pertinentes do que uma mera tendência a este ou aquele gênero sexual. A reencarnação pode nos ensinar que ainda antes de sermos heterossexuais ou homossexuais, somos almas, ou, porque não dizer, apenas seres sexuais.

Do tempo “entre-vidas”
Deste assunto Stevenson praticamente não trata, pois é até curioso de se notar: não há nada mais raro do que uma criança que afirme se lembrar de um tempo entre encarnações. E mesmo dentre as que lembram, os relatos não fazem muito mais sentido do que um sonho. Parece que, particularmente neste caso, o estudo genuinamente científico ainda precisará transpor muitas barreiras técnicas...
Entretanto, vale a pena notar como na maioria dos casos do livro, talvez por se tratarem de casos de mortes por acidente, violência ou doenças, e não por idade avançada, resultem em tempos entre vida bastante curtos – desde reencarnações “automáticas”, quando uma alma reencarna imediatamente após a morte (se quiserem saber mais, comprem o livro, não é minha intenção prejudicar o mercado editorial, e sim auxiliar!), até períodos de não muito mais do que alguns poucos anos.
Nesse aspecto as observações de Stevenson parecem diferir bastante de inúmeros casos relatados na literatura espírita, particularmente em livros como “O Céu e o Inferno” (de Kardec) e “Nosso Lar” (psicografia de Chico Xavier). Há a possibilidade dos relatos espíritas serem feitos por espíritos desencarnados, e não por crianças encarnadas, e, portanto, incluírem a memória do tempo entre-vidas: este tempo pode ser semelhante ao tempo que percebemos nos sonhos, e que muitas vezes é bastante mais longo do que o tempo “normal”. Quantas vezes não acordamos 15 minutos antes do despertador, e ao voltamos a dormir, experienciamos toda uma epopeia narrativa em apenas 15 minutos, até sermos interrompidos pelo despertador?
Enfim, o mundo dos espíritos pode mesmo ainda estar fora do alcance de uma análise objetiva e racional. Mas, o mundo das crianças que afirmam se lembrar de vidas passadas ainda promete nos ensinar muito sobre o mecanismo da existência e, principalmente, sobre os mecanismos de nossa mente.

***

Crédito das imagens: [topo] Wikipedia (Ian Stevenson); [ao longo] Tim Pannell/Corbis.

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5 comentários:

Blogger Yara Morais disse...

Olá Raph,tudo bem?
Esses estudos sobre reencarnação me deixam fascinada,há relatos interessantíssimos e realmente percebo que cientistas que se dispõem a estudar tal assunto realmente são relegados às margens da classe científica.
Não sei se já leu algo do Dr.Brian Weiss,os primeiros livros dele como "Muitas vidas,um só mestre" são excelentes! ele trabalha com terapia de vidas passadas,era totalmente cético,mas "caiu" numa dessas de aplicar esta terapia meio que por acaso.
Infelizmente,os livros mais recentes são tolos na minha opinião.O triste é que tanto crentes,como não-crentes começam com ótimas obras,mas o fato do mercado apreciar o "maravilhoso" faz com que caiam na bobagem de perder a essência no meio do caminho em prol de vender mais.

Ah,claro! como sempre,ótimo post!! =)

Abs!

5/5/11 00:11  
Blogger raph disse...

Oi Yara :)

Olha eu não conheço tanto o Dr. Brian Weiss além do que é normalmente divulgado na mídia sobre os livros dele, e também devo ter foleado alguns em livrarias, mas tenho uma percepção bem próxima da sua...

Infelizmente, quando alguns cientistas se aventuram no campo espiritualista publicando livros, muitas vezes as vendas "sobem a cabeça" e eles continuam a publicar livros sem nenhuma relevância em relação a adicionar algo de efetivamente científico ao assunto.

Isso, felizmente, não parece ter sido o caso do Ian Stevensson. Mas também estamos falando de outra época, quando viver da venda de livros desse tipo era praticamente impossível...

Abs
raph

5/5/11 09:52  
Anonymous Jader disse...

Muito interessante esse artigo, hoje tenho 30 anos, mas tenho uns flashs de memória quando tinha 3 ou 4 anos em que conversava com alguém mais velho eu dizia exatamente a frase "quando eu era grande eu vendia picolé!!!", e lembro de ter falado isso com várias pessoas, tipo eu tinha necessidade de contar isso, meus irmãos lembram desse fato, não lembro de mais nada, mas no trecho que li do livro a criança usa exatamente essa frase "quando eu era grande", hoje em dia há possibilidade de eu relembrar alguma visa passada?

6/7/11 12:53  
Blogger raph disse...

Oi Jader,

Obrigado por seu depoimento.

Acredito que hoje em dia somente através de hipnose ou práticas de regressão de memória isso seria possível, no entanto eu não recomendaria, ah menos que sinta extrema necessidade para tal (a mera curiosidade não seria suficiente - mas talvez para superar algum trauma, o que não parece ser o seu caso).

Abs
raph

6/7/11 15:20  
Anonymous Franco-Atirador disse...

Muito legal!

31/8/12 15:01  

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