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4.8.21

3 reflexões sobre a reencarnação

Neste vídeo trazemos três reflexões sobre a crença na reencarnação. Não se trata de uma tentativa de provar que a reencarnação existe, mas sim de abordar este tema tão vasto de forma aprofundada.

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13.1.12

Neuroteologia, parte 3

« continuando da parte 2

A parapsicologia (“além da psique”) é o estudo dos fenômenos paranormais, que em sua imensa maioria não são compreendidos e tampouco aceitos pela Academia. A maioria das “pesquisas psi” se concentram na possibilidade da mente poder trocar informações com outras mentes fora do corpo, ou até mesmo de afetar fisicamente a natureza a volta.

Além do cérebro

A despeito do ceticismo unidirecional de uma parcela dos cientistas, sobretudo do chamado “mundo acadêmico”, há muitas décadas existem inúmeros estudos genuinamente científicos que tratam das mais diversas teorias suscitadas pela espiritualidade. O fato de um ou vários destes estudos comprovar alguma coisa experimentalmente não necessariamente significará que “existe um velho barbudo senhor dos exércitos flutuando no céu”, nem tampouco que “nossa alma é imortal e se formos bonzinhos ganharemos uma fazenda nas nuvens após a morte”, mas esta parecer ser, infelizmente, a lógica dos céticos unidirecionais que se escandalizam com a possibilidade de tais pesquisas serem levadas mais a sério pela Academia.

Entretanto, é exatamente o que tem ocorrido... Uma outra crítica costumeira ao capacete de Parsinger é que ele não incorporou em seus experimentos as novas tecnologias de “escaneamento” cerebral, como o eletroencefalograma (EEG) que mede a atividade elétrica neuronal ou a ressonância magnética por imagem cerebral (FMRI), capaz de medir o fluxo sanguíneo e efetivamente “ver o cérebro em ação”. A maior vantagem do uso dessas tecnologias é que podemos ter uma “materialidade” objetiva da atividade cerebral dos pacientes, a despeito de seus relatos subjetivos, ou até mesmo de seus “devaneios” ou, quem sabe, apenas mentiras mesmo.

Porque não medir, por exemplo, a atividade cerebral de monges budistas durante sua meditação? É exatamente esse o “passatempo” predileto do Dr. Zoran Josipovic, da Universidade de Nova Iorque, nos últimos tempos... O objeto das pesquisas de Zoran é principalmente a sensação de “unicidade” atingida pelos monges e praticantes mais aprofundados de meditação. Segundo as conclusões prévias de sua pesquisa, ainda em andamento, as técnicas de “dobrar a mente sobre si mesma” dos monges são precisamente o que desprende a sensação de “unificação” do ser com o todo, comumente conhecida pelos religiosos e místicos como uma experiência de unicidade, não-dual, que se dissipa após a meditação. Este é apenas um de diversos exemplos de cientistas que tratam as experiências religiosas com maior seriedade, reconhecendo sua complexidade, e se abstendo se tentar reduzi-las e “efeitos de campos magnéticos, que nos fazem encontrar Deus”... Até mesmo a definição de “encontro com Deus” de Zoran, e dos budistas, já é consideravelmente mais profunda do que a do Dr. Parsinger.

Enquanto aqui no Brasil muitos céticos acham uma “total futilidade” estudos com “escaneamento” cerebral de médiuns em atividade, no hemisfério norte a história da relação entre ciência e espiritualidade é outra: Embora tenha despertado indignação semelhante de céticos unidirecionais (mas não de um cético de verdade, como Carl Sagan), o parapsicólogo Ian Stevenson teve a sorte de ter tido toda uma vida de pesquisas “além do cérebro” custeadas por um amigo abastado, o inventor da fotocopiadora – Chester Carlson. Graças e ele Stevenson pôde viajar boa parte do mundo atrás de casos sugestivos de crianças que afirmam se lembrar de vidas passadas. Seus relatos detalhadíssimos, que se iniciaram no célebre livro intitulado 20 Casos Sugestivos de Reencarnação, publicado em 1974, se estenderam por décadas [1].

Em 2007, quando morreu, ele havia documentado meticulosamente quase 3 mil casos, a maioria na Ásia. Cerca de 700 dessas crianças, geralmente com menos de 5 anos, tinham recordações tão claras de supostas vidas anteriores que se lembravam de seu antigo nome, do endereço onde tinham vivido, do nome de parentes, e de detalhes muito específicos, porém triviais, de destas vidas – detalhes que Stevenson muitas vezes deixa claro que não poderiam se lembrar, ou conhecer, por “vias usuais”... No entanto, uma das críticas mais costumeiras acerca de seu extenso trabalho é que a grande maioria dos casos ocorreu em países onde a crença na reencarnação é comum. Apesar de isso de forma alguma negar a totalidade da “materialidade” dos registros de Stevenson, para muitos céticos e leigos pareceu um argumento (na verdade, mais uma falácia) forte o suficiente para que classificassem a pesquisa de uma vida toda como pseudociência.

Felizmente, outros parapsicólogos continuaram o trabalho de Stevenson, como o Dr. Jim Tucker, da Universidade de Virgínia, e Carol Bowman. Autora de livros sobre o assunto, Carol teve a oportunidade de acompanhar de perto um dos casos mais “fortes” de reencarnação ocorrido no Ocidente: O caso do garoto James Leininger, filho de pais que não acreditavam na reencarnação, mas foram obrigados a mudar sua crença devido aos detalhes assombrosos citados por seu filho desde ainda muito jovem, quando afirmava ter sido um piloto americano da Segunda Guerra Mundial, que teve seu avião abatido no Japão (esta história é tão impressionante que o garoto chegou a identificar sozinho o local onde seu avião havia caído, quando viajou pela primeira vez ao local da tragédia de uma suposta vida passada – e este momento foi filmado em um documentário) [2]. A despeito da posterior “midiatização” do caso de Leininger, de início tudo foi registrado apenas por seu pai (que por anos permaneceu cético), e era inteiramente desconhecido da mídia “especializada” (claro, a crítica vale tanto lá quanto cá).

Estudos como estes, apesar de trazerem “materialidade” muito mais “paupável” do que a do capacete de deus, são efusivamente ignorados pela Academia, que geralmente se limita a informar “que não provam nada”... Ora, mas é claro que não provam nada, assim como o capacete de deus tampouco prova, assim como a Teoria das Cordas, o materialismo ou o dualismo são apenas teorias. Embora sejam paupáveis, tais estudos não chegam nem perto do número de evidências exigido para mudar o paradigma do pensamento científico mundial, tal como ocorreu com a Teoria de Darwin-Wallace... Não estou querendo dizer que provam algo, apenas que parecem mais paupáveis do que o “conto do capacete”; E, no entanto, o capacete de deus mereceu dúzias de holofotes da mídia “especializada”, enquanto que o estudo de Stvenson (e seus continuadores) até hoje se limitou a receber uma luz de 60 watts – ainda assim, talvez porque Sagan tenha se lembrado de citá-lo em sua “bíblia do ceticismo”, O mundo assombrado pelos demônios.

É claro que ninguém é 100% cético, a questão filosófica de que nada garante que o que a mente percebe do mundo é realidade ou ilusão, ou mesmo a questão científica de que nada garante que a gravidade continuará a funcionar, estável, pelas próximas 24 horas, são apenas questões que “pensadores” fazem dentro das quatro paredes de suas salas acadêmicas (ou talvez em algum pub, regados à cerveja), mas que não são levadas a cabo no restante das horas de seus dias... Mas o ceticismo deve ao menos tentar ser multidirecional, apostar igualmente em teorias monistas ou dualistas, reducionistas ou metafísicas, espiritualistas ou materialistas, afinal a ciência não é e nunca foi ideologia – e esperamos que não se torne uma no futuro.

Nos estudos de experiências de morte, ou quase morte (EQMs), do Dr. Sam Parnia [3], há relatos de experiências “estranhas” ocorridas supostamente enquanto o cérebro dos pacientes estava em “atividade zero”. Tais pacientes eram crianças, jovens e idosos; eram crentes e descrentes, cientistas e não cientistas, espiritualistas e materialistas, etc. Mas quase todos afirmaram ter passado por experiências únicas, das quais irão se lembrar pelo restante de seus dias [3]. Acredito que seja mais sábio não esperarmos por um evento de quase morte, nem por um “capacete miraculoso”, para podermos nos iniciar nesse tipo de experiência. O amor, pelo menos, está ao alcance de todos nós – se vamos ser céticos quanto a Deus ou ao espírito (sejam o que forem exatamente, seja o que cada um acha que são), que pelo menos creiamos no amor. Apesar de ser fogo que queima sem se ver, ele parece existir, ele parece arder, e esperamos que não seja mais uma ilusão.

» Na continuação, uma última palavra sobre os novos estudos do Dr. Parsinger – e sobre como devemos criticar ideias, e não pessoas.

***

[1] Um dos 20 casos do livro está transcrito (de forma bastante resumida, entretanto) no meu blog: “Caso Parmod”.

[2] Para saber mais sobre esse caso extraordinário, recomendo ler A volta, por Bruce e Andrea Leninger, com auxílio de Ken Gross. Editora Bestseller. Ainda é relativamente simples achá-lo na sessão “espiritismo” de grandes livrarias, como a Saraiva.

[3] Parece que recentemente deletaram a entrada do Dr. Sam Parnia na Wikipedia... Talvez mais uma influência dos céticos unidirecionais, e de seu julgamento sobre o que é e o que não é relevante sabermos. Entretanto, felizmente ainda é possível buscar por seu nome e encontrar vários resultados.

[4] Ver também minha série de artigos: “Quase morte”.

***

Crédito da foto: Mirropix (família Leninger)

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2.5.11

Caso Parmod, parte 5

« continuando da parte 4

A primeira coisa que se lê no livro de Ian Stevenson (publicado pela Editora Vida e Consciência) é uma citação atribuída a ele – que não sei se consta da edição original americana, mas não deixa de ser pertinente –, que diz assim:

“Se os hereges pudessem ser queimados vivos nos dias de hoje, os cientistas – sucessores dos teólogos, que queimavam qualquer um que negasse a existência das almas no século XVI – hoje queimariam aqueles que afirmam que elas existem”.

Exagero? Provavelmente que sim, mas nem tanto... A vantagem dos cientistas radicais sobre os eclesiásticos radicais é que, apesar de tudo, eles ainda são mais racionais, e não se esqueceram dos seus precursores que morreram na fogueira – embora estes não fossem tão radicais e tampouco apenas cientistas, muitos eram também religiosos e até mesmo frades, como o dominicano Giordano Bruno.

Ainda assim, a neutralidade da ciência Ocidental é um mito. A começar pelo fato de ser primordialmente a ciência de uma cultura. Não há espaço para trazer muitos detalhes, mas apenas gostaria de lembrar que Alfred Russel Wallace é tão autor da teoria da evolução quanto Darwin, mas a Academia optou por relegá-lo a um rodapé da história, pois que era um espiritualista com “ideias heterodoxas”; Também vale a pena citar a acupuntura, parte da ciência Oriental, largamente utilizada na medicina dita complementar e mesmo na veterinária, que é muito pouco estudada pela Academia, apesar de que admitem seus resultados – todos, sem exceção, caindo na conta do “misterioso” efeito placebo...

A Academia parece até abrir um certo precedente para doutrinas como a do catolicismo, onde todos os milagres ocorreram a muito tempo atrás, e os pouquíssimos admitidos pelo Vaticano atualmente servem muito mais para beatificações e santificações do que para qualquer espécie de estudo científico do assunto. Se almas existem, pouco importa cientificamente falando, pois só teremos contato com elas após a morte. A presença de um Espírito Santo imaterial em tudo que há tampouco pode ser detectada. E, se orações funcionam ou não, não parece aborrecer a Academia no sentido em que o Vaticano tampouco conduz experimentos sobre isso.

Porém, quando surge um sujeito sério como Ian Stevenson, pesquisando temas ditos esotéricos e místicos de forma científica e extremamente meticulosa, daí é um grande absurdo! Talvez não décadas atrás, quando ele iniciou os estudos com o patrocínio de Carlson, mas nos dias atuais vemos várias publicações científicas atacando seus métodos. Interessante como justamente Carl Sagan endossou sua seriedade... Ah, quantos céticos de negação a priori não devem se incomodar: “porque diabos o Sagan foi falar disso?”.

Há que se exaltar, finalmente, a coragem de Stevenson. Em nenhum momento ele diz ter certeza da reencarnação, mas a hipótese surge como uma explicação mais plausível e menos absurda para os fenômenos que ocorrem a crianças em todo mundo, embora relativamente raros. Alguns materialistas podem preferir a teoria dos Memes de Dawkins, outros parapsicólogos podem atribuir tudo ao Inconsciente Coletivo de Jung, mas apesar de serem mais bem aceitas pelos asseclas da Academia, tais teorias são consideravelmente mais místicas do que a da reencarnação, pelo menos vista pela visão científica de Stevenson.


Para terminar este estudo, gostaria de comentar sobre alguns dos padrões mais interessantes e relevantes observados no livro:

Da morte traumática
Muitos dos casos estudados relatam lembranças de uma morte traumática na vida anterior. Acidentes, assassinatos, suicídios, brigas, doenças fatais... Nesse sentido, o mecanismo da memória não parece ser muito diferente do que ocorre numa mesma vida. Ora, não é preciso nem se aprofundar muito na neurologia ou na psicologia para sabermos que são as memórias de maior carga emocional as mais duradouras, as que mantemos mais detalhes, muitas vezes as que nos traumatizam e se recusam a ir embora.
Muitas vezes é necessária uma imagem ou situação catalisadora dessas memórias “perdidas”... Uma garotinha da Europa medieval pode ter fugido da invasão de uma tribo de bárbaros a sua vila, apenas para morrer de fome em meio à área selvagem, sendo devorada por urubus ainda agonizante. Se a última imagem da vida anterior foi de um pássaro negro te devorando, não será de surpreender que numa outra vida esta mesma alma desenvolva uma estranha fobia a pássaros, sobretudo pássaros grandes.
Então muitos espiritualistas ficarão buscando um sentido para tais experiências, como se pudessem realmente compreender a consciência alheia, e seus “débitos” em relação ao Cosmos. Não podem: só o ser saberá dizer, quem sabe um dia, o porque de ter passado por tudo o que passou.
Mas fato é que, se a reencarnação existe, todos nós havemos de ter passado por alguma morte traumática, sendo que o importante é compreender que foi algo que já passou. Conforme Parmod ao reencontrar sua esposa da vida anterior – ele não se lamentou nem amaldiçoou a Deus por seu destino, apenas disse: “eu vim”.

Do esquecimento das vidas passadas
Interessante como o estudo de crianças que se lembram de vidas passadas também passe pelo seu esquecimento. É realmente quase que um padrão fixo: mais ou menos entre 1 a 3 anos as memórias se iniciam, mais ou menos entre 4 a 10 anos começam a desaparecer, mais ou menos na idade adulta foram completamente esquecidas, ou assimiladas e compreendidas, corretamente, como uma personalidade que já não está mais aqui.
Pois que drama há nisso tudo? Não é verdade que nenhum de nós sequer faz ideia de como éramos antes dos 3 a 4 anos (exceto alguns autistas, mas isso é uma outra história)? Ora, da mesma forma que as células de nosso corpo morrem e se renovam, de modo que ao morrermos não possuímos mais praticamente nenhuma célula daquelas que nasceram conosco, as memórias são muitas vezes apenas bruma e espuma, sustentáculos de nossas breves personalidades que estão em constante renovação e afloramento.
Você saberia dizer quem era você há 15, 20 anos atrás? E, mesmo que saiba dizer, tem mesmo certeza de que todo o seu relato é fiel a uma realidade que não existe mais? Pois, dessa forma, você já morreu – e continuará morrendo...
Apenas a potencialidade persiste. A capacidade de amar, o dom para as letras ou para a música, a lógica matemática, a intuição do caçador, a divina criatividade do poeta... Se é que existe mesmo uma alma primordial por detrás dessas máscaras de personalidade que usamos e trocamos inúmeras vezes, mesmo que em uma única vida, ela ainda parece estar muito distante de nossa compreensão. Portanto, quem acha que a reencarnação é apenas uma teoria para aplacar a angústia perante a morte, pense novamente – muitas vezes, esquecer é morrer. Mas será que esquecemos para sempre?

Da mudança de sexo
Segundo Stevenson, os relatos de vidas passadas com sexo diverso comportam menos de 10% de todos os casos estudados. Entretanto, essas ocorrências raras (dentro das já raras crianças que podem ser estudadas), apontam para um outro aspecto muito pertinente destes casos: o comportamental.
Ora, se é verdade que muitos casos são investigados do ponto de vista das informações passadas adiante pelas crianças – como nome de familiares, endereços, descrições de eventos, identificação de objetos, etc. –, há ainda muitos outros que caem no campo do comportamento, e que são muitas vezes mais sutis. Por exemplo: se uma criança do gênero masculino tem um comportamento afeminado, isso pode ser fruto de uma vida passada no gênero feminino? Essa seria a resposta mais superficial, mas nos estudos de Stevenson muitas vezes a vida passada era a de uma mulher com comportamento dito masculino. É difícil julgar, pois as almas insistem em serem apenas almas: nem homens, nem mulheres.
Muitas vezes, um modo de caminhar, um modo de dirigir o olhar durante uma conversa, um modo de observar a natureza ao redor, são muito mais pertinentes do que uma mera tendência a este ou aquele gênero sexual. A reencarnação pode nos ensinar que ainda antes de sermos heterossexuais ou homossexuais, somos almas, ou, porque não dizer, apenas seres sexuais.

Do tempo “entre-vidas”
Deste assunto Stevenson praticamente não trata, pois é até curioso de se notar: não há nada mais raro do que uma criança que afirme se lembrar de um tempo entre encarnações. E mesmo dentre as que lembram, os relatos não fazem muito mais sentido do que um sonho. Parece que, particularmente neste caso, o estudo genuinamente científico ainda precisará transpor muitas barreiras técnicas...
Entretanto, vale a pena notar como na maioria dos casos do livro, talvez por se tratarem de casos de mortes por acidente, violência ou doenças, e não por idade avançada, resultem em tempos entre vida bastante curtos – desde reencarnações “automáticas”, quando uma alma reencarna imediatamente após a morte (se quiserem saber mais, comprem o livro, não é minha intenção prejudicar o mercado editorial, e sim auxiliar!), até períodos de não muito mais do que alguns poucos anos.
Nesse aspecto as observações de Stevenson parecem diferir bastante de inúmeros casos relatados na literatura espírita, particularmente em livros como “O Céu e o Inferno” (de Kardec) e “Nosso Lar” (psicografia de Chico Xavier). Há a possibilidade dos relatos espíritas serem feitos por espíritos desencarnados, e não por crianças encarnadas, e, portanto, incluírem a memória do tempo entre-vidas: este tempo pode ser semelhante ao tempo que percebemos nos sonhos, e que muitas vezes é bastante mais longo do que o tempo “normal”. Quantas vezes não acordamos 15 minutos antes do despertador, e ao voltamos a dormir, experienciamos toda uma epopeia narrativa em apenas 15 minutos, até sermos interrompidos pelo despertador?
Enfim, o mundo dos espíritos pode mesmo ainda estar fora do alcance de uma análise objetiva e racional. Mas, o mundo das crianças que afirmam se lembrar de vidas passadas ainda promete nos ensinar muito sobre o mecanismo da existência e, principalmente, sobre os mecanismos de nossa mente.

***

Crédito das imagens: [topo] Wikipedia (Ian Stevenson); [ao longo] Tim Pannell/Corbis.

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25.4.11

Caso Parmod, parte 4

« continuando da parte 3

Texto de Ian Stevenson em "Reencarnação, 20 casos” (Ed. Vida e Consciência) – Trechos das pgs. 163 a 185. Tradução de Carolina Coelho Lima. Os comentários ao final são meus.

Reconhecimentos mais relevantes feitos por Parmod
Abaixo listarei os 6 reconhecimentos mais relevantes de uma lista original com 36 itens. Também optei por ignorar alguns que já foram citados ao longo do meu resumo do texto completo deste caso.

1. Ele “morreu em uma banheira” (Informantes: M. L. Sharma; Verificação: M. L. Mehra, J.D. Mehra, segundo irmão de Parmod)
Comentários: De acordo com Sri M. L. Sharma, Parmod disse que “morreu em uma banheira”. As testemunhas da família Mehra afirmaram que Parmanand tentou uma série de tratamentos com banhos naturopáticos, quando teve apendicite. Ele fez alguns desses tratamentos dias antes de morrer, mas não morreu na banheira. Em uma carta de 6 de setembro de 1949, Sri B. L. Sharma afirmou que Parmod tinha dito que morreu “por ter sido molhado com água” e que ele (Sharma) soubera (supostamente por meio da família Mehra) que alguém dera um banho nele imediatamente antes de sua morte.

2. Ele tinha um cinema em Saharampur (Informantes: B. L. Sharma; Verificação: M. L. Mehra)
Comentários: A família possuía um cinema em Saharampur [1].

3. Seu nome era Parmanand (Informantes: B. L. Sharma; Verificação: M. L. Mehra)
Comentários: Parmod não havia dito o nome Parmanand até o momento em que cumprimentou Sri Karam Chand Mehra, na estação de Moradabad. Ele disse: “Olá, Karam Chand. Eu sou Parmanand”.

4. Explicação de como mexer na máquina de refresco na loja dos irmãos Mohan, em Moradabad. (Informantes: M. L. Mehra, B. L. Sharma, N. K. Mehra)
Comentários: Quando Parmod entrou na loja, um de seus primeiros comentários foi: “Quem está cuidando da panificadora e da fábrica de refrescos?” (Essas eram as funções de Parmanand nos negócios da família.) Ao ser levado até a máquina de refrescos, Parmod sabia exatamente como fazê-la funcionar. A água tinha sido desligada para enganá-lo, mas ele percebeu sem que ninguém lhe dissesse, como aquela máquina complicada tivesse condição de funcionar.

5. Reconhecimento da esposa de Parmanand. (Informantes: Nandrani Mehra, B. L. Sharma, M. L. Sharma)
Comentários: Sugestão não intencional pode ter entrado neste reconhecimento, uma vez que Parmod foi levado entre um grupo de moças e perguntaram a ele se conseguia reconhecer “sua” esposa. Ele ficou tímido e olhou para a viúva de Parmanand. Ela desviou o olhar. Mais tarde, ela disse a outros que Parmod havia dito: “Eu vim, mas você não colocou o bindi”. Essa afirmação referia-se à marca redonda de pigmento vermelho usada na testa das esposas, mas não por viúvas na Índia. O comentário teria sido muito incomum para um menino fazer a uma mulher mais velha, mas totalmente apropriado na relação entre marido e mulher. Ele indica como Parmod acreditava que a senhora era “sua” esposa [2]. Ele também a reprovou por estar usando um sári branco, como as viúvas hindus costumam fazer, em vez de um colorido, como é próprio às esposas.

6. Reconhecimento de Yasmin, um cobrador muçulmano de Parmanand. Parmod disse a ele: “Preciso receber um dinheiro de você”. (Informantes: B. L. Sharma, Raj. K. Mehra)
Comentários: Yasmin, a princípio, ficou relutante em assumir a dívida, mas quando membros da família Mehra afirmaram que não pediriam o dinheiro de volta, ele disse que, de fato, existia uma dívida. As testemunhas disseram valores diferentes [3].

O desenvolvimento posterior de Parmod
Não encontrei Parmod entre agosto de 1964 e novembro de 1971. Mas, durante esses anos, fiquei sabendo notícias dele por meio do Dr. Jamuna Prasad, que havia incluído o caso de Parmod entre aqueles nos quais uma equipe liderada por ele vinha estudando correspondências dos traços comportamentais entre indivíduos e personalidades anteriores relacionadas de casos de reencarnação. Durante esses anos, também recebi algumas cartas de Parmod ou de seu pai com notícias sobre suas atividades atuais.

Em novembro de 1971, pude conversar longamente com Parmod em Pilibhit. Nós nos reunimos no escritório do Soil Conservation Service, no qual ele trabalhava na época. Parmod tinha um pouco mais de 27 anos.

(...) Parmod continuava mantendo amizade com os membros da família de Parmanand, e os encontrava com frequência. Às vezes passava alguns dias com eles em Moradabad, apesar de não ter vivido com eles no período em que estava trabalhando em Moradabad. Com preferências condizentes com as de Parmanand, Parmod via mais os filhos de Parmanand do que a esposa dele em Moradabad.

Parmod disse que às vezes pensava na vida como sannyasi ou homem sagrado (anterior àquela de Parmanand) de que ele havia-se lembrado antes. Ele se lembrava dessa vida de vez em quando, em ocasiões em que se encontrava com pessoas com interesses filosóficos. Das três vidas das quais tinha lembranças, a do sannyasi, a de Parmanand e a de Parmod, ele preferia a de Parmanand. Não conseguia explicar essa preferência.

(...) Discutimos o valor de ele ter se lembrado de uma vida anterior. Parmod respondeu que a experiência não tinha sido útil nem prejudicial, mas imediatamente continuou dando exemplos que sugeriam que a experiência tinha sido as duas coisas.

Por um lado, ele concordava com a mãe em relação ao fato de sua lembrança da vida anterior ter interferido em seus estudos; e se isso fosse verdade, ele não havia se recuperado totalmente dessa deficiência, uma vez que seu avanço futuro dependia em grande parte do fato de completar os estudos e ter um diploma. Por outro lado, ele acreditava que suas lembranças de uma vida anterior também haviam trazido vantagens. No nível prático, ele acreditava que sua perspicácia nos negócios vinha do que ele havia aprendido da vocação da Parmanand [4].

E de modo mais geral, a certeza da continuação da vida depois da morte que suas lembranças lhe davam fazia com que tivesse equilíbrio, o que o ajudava muito em seus relacionamentos pessoais [5].

» Na continuação, minhas considerações finais acerca do caso Parmod.

***

Comentários sobre esta parte. Ao final da série trarei comentários gerais:

[1] É preciso considerar que naquela época (e até mesmo ainda nos dias atuais, em muitas regiões da Índia) os cinemas eram pequenos e administrados como um negócio de família. Mesmo assim, pouquíssimas famílias indianas tinham um cinema, o que aumenta consideravelmente a relevância da informação. É o tipo de coisa que parece a primeira vista uma fantasia, mas que termina por se tornar uma verificação relevante.

[2] É curioso ler nas entrelinhas. Percebam como o menino não se virou para a “esposa” e apontou: “é aquela ali”. Ao invés disso, comportou-se como se apenas houvessem se separado por algum tempo. A relação tempestuosa entre os dois também fica evidente: mesmo após terem sido separados pela “morte”, a primeira declaração de Parmod é uma represaria.

[3] Em todo caso, melhor assumir uma dívida menor do que a real...

[4] Em realidade, sua vocação para negócios era uma de suas potencialidades bem desenvolvidas ao longo de inúmeras vidas, enquanto a personalidade anterior era tão somente a última de uma série onde teve a oportunidade de aprimorar esta potencialidade em específico... Ou, em outras palavras, ninguém nasce gênio por bênção divina ou uma graça aleatória da combinação genética, mas tão somente reflete a potencialidade (ou a “genialidade”) que vem sendo desenvolvida, passo a passo, vida a vida, pelas eras pregressas.

[5] Talvez ninguém tenha mais “certeza” disso do que uma criança que “já nasceu sabendo”. Há muitos que creem em vida após a morte, mas são pouquíssimos os que compreendem ao menos uma parte do mecanismo pelo qual isso ocorre. Crianças que lembram vidas passadas são especiais no sentido de que trazem uma crença que está por si só além de qualquer sistema religioso, científico, ou filosófico, pré-estabelecido pela sociedade.

***

Crédito da foto: Doug Pearson/JAI/Corbis.

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12.4.11

Caso Parmod, parte 3

« continuando da parte 2

Texto de Ian Stevenson em "Reencarnação, 20 casos” (Ed. Vida e Consciência) – Trechos das pgs. 163 a 185. Tradução de Carolina Coelho Lima. Os comentários ao final são meus.

Meios possíveis de comunicação entre as famílias
Bisauli é uma pequena cidade de 50Km a sudeste da grande cidade de Bareilly, no estado de Uttar Pradesh. Moradabad é outra grande cidade do estado, cerca de 97Km ao norte de Bareilly. Saharanpur fica ainda mais ao norte, cerca de 1600Km.

(...) A família de Parmod não tinha conhecimento da família dos “Irmãos Mohan” e, como já foi mencionado, a família de Parmod não iniciou contatos para combinar um encontro entre as duas famílias. [Elas] entraram em contato por meio de Sri Lala Raghanand Prasad, que tinha parentes em Moradabad, apesar de viver em Bisauli, onde era amigo do pai de Parmod.

(...) Em 1961, a mãe de Parmod afirmou que seu irmão, Sri Shiva Sharan Sharma, empregado de uma estrada de ferro, passou um tempo trabalhando em Moradabad. Ele também conversou com os irmãos Mehra a respeito do comportamento de Parmod depois que tomou conhecimento dele. Sri Shiva e Sri L. R. Prasad podem ter servido de elos telepáticos entre a família Mehra e Parmod [1].

Observações relevantes do comportamento das pessoas envolvidas
Por cerca de quatro anos, dos três aos sete anos, Parmod mostrou um comportamento que indicava uma forte identificação com a personalidade anterior, Parmanand Mehra.

(...) Durante esse período, Parmod costumava ficar sozinho e evitava brincar com outras crianças; ele parecia preocupado com a vida em Moradabad e com frequência pedia a seus pais que o levassem para lá, chegando a chorar por isso. Com relutância, começou a frequentar a escola, com a promessa de sua mãe de que ele poderia ir a Moradabad quando soubesse ler. Parmod reclamou do status financeiro de sua família, que ele comparava de modo desfavorável a “sua” antiga propriedade.

Além do comportamento já mencionado, Parmod demonstrou outros desejos, hábitos e coisas de que não gostava que eu descobri que se relacionavam com traços e experiências de Parmanand. Ele tinha, por exemplo, grande aversão a comer coalhada, cuja ingestão, como já foi dito, acredita-se ter contribuído decisivamente para a doença e morte de Parmanand. Parmod disse ao pai que ele não devia comer coalhada, que era perigoso [2].

(...) Parmod também demonstrava não gostar de ser submerso em água. Ele não tinha problemas com a água de uma torneira, por exemplo, mas ficava ansioso quando lhe propunham nadar ou até banhar-se em um rio, onde seu corpo ficasse todo submerso. Esse medo relacionava-se aos banhos de banheira que Parmanand tomou antes de morrer. Quando Parmod tinha 19 anos, em minha segunda visita, estava livre de ambos os medos descritos acima.

Na primeira infância, Parmod demonstrava uma devoção incomum, que correspondia a um traço parecido de religiosidade em Parmanand. Parmod disse que conseguia se lembrar de alguns fragmentos de uma vida antes daquela de Parmanand, quando era um saanyasi ou homem sagrado [3].

(...) Parmod usava diversas palavras e frases em inglês que seu pai dizia que não poderiam ter sido aprendidas na família, mas que eram apropriadas para Parmanand, que sabia falar inglês. (...) Parmod também mencionava os nomes Tata, Birla e Dolmia, grandes empresas da Índia. A última é uma fábrica de biscoitos [4].

(...) Em um aspecto de seu comportamento, Parmod demonstrava habilidade superior. Um parente que tinha uma pequena loja deixava alguém nela para cuidar dos negócios quando tinha de se ausentar. Parmod demonstrava grande aptidão para cuidar da loja, e esse homem preferia-o a qualquer outra pessoa para substituí-lo na loja.

(...) Ao encontrar membros da família de Parmanand pela primeira vez, Parmod demonstrou grandes emoções, incluindo lágrimas e demonstrações de afeto [5]. Sri M. L. Mehra disse que Parmod, em Moradabad, demonstrava preferência por ficar com ele e não com seu pai [6]. Essa atitude em relação aos membros da família de Parmanand correspondia aos relacionamentos que Parmanand tinha com eles.

Assim, ele se comportava com a esposa de Parmanand do modo como um marido faria, e em relação aos filhos dele como um pai faria. Demonstrava familiaridade com os filhos de Parmanand, mas não com seu sobrinho. Parmod não permitia que os filhos de Parmanand o chamassem pelo nome, mas disse que eles deveriam chamá-lo de “pai”. Ele dizia: “Apenas fiquei pequeno”.

Parmod perguntou à esposa de Parmanand se ela lhe daria trabalho de novo. Em outra ocasião, ele disse, referindo-se à esposa de Parmanand: “Esta é minha esposa com quem eu sempre discuto”. Um informante disse que Parmanand fora irritado pela esposa e que ele havia se mudado para Saharanpur para se afastar dela [7].

(...) Em 1962, o professor Sharma afirmou que Parmod havia “esquecido completamente” os fatos a respeito de sua vida anterior. (...) Ele não pensava muito sobre sua vida anterior, a menos que visitasse algum lugar, como Délhi, e sentisse uma certa familiaridade com alguma área ou construção. Ele tentava relacionar o local com suas lembranças da vida como Parmanand. E ele falava ainda menos da vida anterior aos outros, a menos que, como em minha visita, alguém lhe perguntasse algo específico.

» Na continuação, um quadro com os reconhecimentos mais relevantes de Parmod, e os comentários finais de Stevenson acerca deste caso...

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Comentários sobre esta parte. Ao final da série trarei comentários gerais:

[1] Estas análises céticas de possíveis formas de troca de informação entre a família da criança e a família de sua suposta vida passada estão presentes em todos os 20 casos descritos no livro. É muito comum que os investigadores deste tipo de fenômeno recorram também a explicações do ramo da parapsicologia, como a telepatia ou a “imposição de personalidade” dos pais aos filhos; muito embora os casos sugestivos do livro sempre tenham ao menos algum detalhe que não poderia ser explicado por outra teoria que não a da reencarnação, ou alguma outra teoria mais elaborada – e que ainda não foi criada.

[2] Fico imaginando se, daqui a algumas décadas, ou até mesmo nos dias atuais, não veremos crianças reclamando dos hábitos alimentares dos pais, ainda antes de terem estudado qualquer coisa sobre o tema...

[3] Isso é um padrão raro entre os casos descritos no livro, assim como nos casos em geral, mas bastante interessante. Ao que tudo indica, ter sido um “homem santo” não livra ninguém de ter de retornar para viver vidas bastante mundanas. Isso pode significar que: (1) Homens santos ou profundamente religiosos podem eles mesmos se interessarem em retornar, para ajudar a evolução da humanidade; (2) Tais “homens santos” tinham apenas um título eclesiástico ou similar, e não possuíam necessariamente uma estatura espiritual condizente com seu posto; ou (3) Uma mistura das duas possibilidades anteriores.

[4] Tais características eram bem mais relevantes no passado, antes do advento da internet. Parmod tampouco tinha acesso a enciclopédias ou grandes bibliotecas... Infelizmente, nos dias atuais, esse tipo de característica torna-se cada vez menos relevante, visto que as crianças já usam a internet desde muito cedo (contanto que tenham acesso a ela).

[5] Neste ponto a mera descrição por palavras, ou cascas de sentimento, é sem dúvida muito aquém do tipo de sensação vivenciada, ainda que não sejamos nós mesmos parentes das famílias envolvidas... Os vídeos sobre o assunto por vezes trazem uma visualização mais relevante, mas nada se compara a vivenciar este tipo de coisa. Não foi à toa que Stevenson trabalhou com isso por quase toda a vida!

[6] Eis a principal razão pela qual os pais das crianças só pesquisam e levam seus casos adiante quando não tem mais outra opção para aplacar a angústia das mesmas. Mesmo em países onde a reencarnação é aceita, nenhum pai passa sem o medo de que seu filho decida simplesmente ir viver com a outra família – embora isso quase nunca ocorra, em todo caso.
Da mesma forma, muitas vezes o esquecimento da vida anterior, que vem invariavelmente com a idade e a falta de convívio, é muitas vezes uma bênção. Pois quem gostaria de viver com saudades por mais uma vida inteira? E quem disse que renascer é fácil?

[7] “Até que a morte os separe” é muitas vezes uma nova bênção.

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Crédito da foto: Photosindia.com/Photosindia/Corbis.

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8.4.11

Caso Parmod, parte 2

« continuando da parte 1

Texto de Ian Stevenson em "Reencarnação, 20 casos” (Ed. Vida e Consciência) – Trechos das pgs. 163 a 185. Tradução de Carolina Coelho Lima. Os comentários ao final são meus.

Parmod Sharma, segundo filho do professor Bankeynehary lal Sharma, nasceu em Bisauli no dia 11 de outubro de 1944 [1].

Aos dois anos e meio de idade, ele começou a dizer a sua mãe para não cozinhar, porque ele tinha uma esposa em Moradabad que poderia cozinhar. Mais tarde, entre três e quatro anos de idade, começou a se referir a uma loja de refrescos e biscoitos que tinha em Moradabad [2].

Parmod pedia para ir a Moradabad. Afirmava ser um dos “Irmãos Mohan” e dizia ser rico e que tivera uma loja em Saharanpur [3]. Ele demonstrava grande interesse em biscoitos e lojas, que eu descreverei de modo mais completo posteriormente. Dizia que em sua vida anterior havia ficado doente depois de comer muita coalhada e que “havia morrido em uma banheira” [4].

Os pais de Parmod, no início, não fizeram nada para verificar as afirmações do menino. Essas notícias chegaram aos membros de uma família chamada Mehra, em Moradabad [5].

Os irmãos dessa família, que tinham uma loja de refrescos e de biscoitos (chamada Irmãos Mohan [6]) em Moradabad e outra loja em Saharanpur, haviam tido um irmão, Parmanand Mehra, que morrera no dia 9 de maio de 1943, em Soharanpur [7]. Parmanand havia sofrido de uma doença gastrintestinal crônica depois de se empanturra de coalhada. Parece que ele sofreu de apendicite e peritonite, e morreu.

Parmanand era um homem de negócios que mantinha uma sociedade com três irmãos e um primo. Eles tinham muitos interesses em Moradabad e Saharanpur, incluindo o negócio de fabricação de refrescos e biscoitos da família, que ele gerenciou por muitos anos.

Quando a família de Parmanand ficou sabendo das afirmações de Parmod por meio das conexões descritas a seguir, eles decidiram visitar o menino em Bisauli.

No verão de 1949, quando Parmod tinha pouco menos de cinco anos, diversos membros da família Mehra foram para Bisauli, mas não encontraram Parmod. Logo depois, Parmod viajou com seu pai e seu primo por parte de mãe para Moradabad. Ali, ele reconheceu diversos membros da família Mehra e diversos pontos da cidade. Posteriormente, visitou Saharampur e fez mais reconhecimentos das pessoas ali [8].

(...) Em 1961, investiguei o caso com a ajuda de Sri Sudhir Mukherjee atuando como intérprete. Em 1962, Sri Subash Mukherjee reuniu alguns relatos de entrevistas com testemunhas. Eu voltei à região em 1964 e reverifiquei o caso com o Dr. Jamuna Prasad como intérprete. A maioria das testemunhas apenas falava híndi, mas o pai de Parmod e um irmão mais velho falavam inglês, assim como Sri Raj K. Mehra (sobrinho de Parmanand Mehra) em Moradabad. Parmod falava apenas um pouco de inglês. Ao preparar este relatório, tive como base, principalmente, minhas entrevistas em 1964.

(...) Usei relatórios [de outros estudiosos do caso] apenas quando as testemunhas que eu entrevistei os leram e os aprovaram como corretos. O material reunido pelo professor B. L. Atreya e os primeiros relatórios têm a vantagem de terem sido escritos logo depois que os principais acontecimentos do caso ocorreram [9].

» Na continuação, um resumo dos relatos e observações relevantes do comportamento das pessoas envolvidas no caso...

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Comentários sobre esta parte. Ao final da série trarei comentários gerais:

[1] Este caso se encontra entre os casos estudados na Índia.

[2] Difícil dizer ao certo quando as memórias surgem. Provavelmente na maior parte dos casos elas já tenham surgido, mas a criança só consegue comunica-las aos pais a partir do momento em que adquire maior domínio da linguagem. Especificamente em casos de xenoglossia em crianças prodígio, é possível que as memórias possam ser comunicadas ainda muito cedo. Porém, devido a raridade desses casos de xenoglossia infantil, a grande maioria dos casos só pode ser verificada após os 2 anos de idade.

[3] Este na realidade é um dos poucos casos do livro em que a vida anterior (ou personalidade anterior, como Stevenson gosta de chamar) tinha uma condição financeira consideravelmente superior a atual. Trata-se obviamente de uma exceção, visto que na Índia do século passado, e mesmo na atual, existe uma proporção muito maior de pobres e classe média do que de ricos.

[4] Um dos motivos porque escolhi este caso sobre outros onde houveram grandes acidentes, assassinos e assassinados, é exatamente porque a morte pode ser considerada “banal”, embora tenha sido traumática. Falarei mais sobre isso ao longo dos comentários.

[5] Este trecho é importante. Muito embora a Índia seja um país onde a crença na reencarnação é fortemente arraigada, isso não significa que os pais tenham interesse em divulgar os “comentários estranhos” de seus filhos. Normalmente, são vizinhos curiosos (ou fofoqueiros) que acabam por divulgar tais notícias, visto que os pais na maior parte das vezes são os menos interessados em seguir adiante nas investigações (principalmente em casos onde há assassinos ou assassinados).

[6] Conforme comentário do autor: O irmão mais velho dos sócios da família Mehra era Mohan Mehra. Seu nome tornou-se relacionado aos negócios da família, chamado “Mohan e irmãos”, abreviado para “Irmãos Mohan”.

[7] Posteriormente irei comentar sobre o tempo médio “entre vidas” e da possível relação de mortes traumáticas com períodos mais breves.

[8] Stevenson analisa detalhadamente cada reconhecimento, o que será descrito em outras partes desta série.

[9] Um problema comum – e constantemente lembrado pelos críticos – das investigações de Stevenson é o fato de na maior parte das vezes terem sido tardias. Acredito que ele tenha aprendido a lição, tanto que o principal “continuador” de seu trabalho, Dr. Jim Tucker, tenha optado por focar em casos norte-americanos, como forma de conseguir chegar às crianças analisadas o mais breve possível. Isso é vital por duas razões: a primeira é a de que na maior parte dos casos as crianças vão se esquecendo das lembranças já a partir dos 7 anos – sendo que muitas se esquecem por completo. A segunda é a de que analisando o caso desde o início, é possível anotar afirmações das crianças ainda antes de sequer terem sido validadas, o que traz uma enorme credibilidade a pesquisa. Não podemos esquecer do caso extraordinário de James Leninger, norte-americano, em que inúmeras afirmações foram comprovadas posteriormente.

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Crédito da foto: Scott Stulberg/Corbis (criança de Jaipur/Índia).

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5.4.11

Caso Parmod, parte 1

Ian Stevenson foi um médico psiquiatra canadense e também o fundador da moderna pesquisa científica a respeito da reencarnação. Ele ficou conhecido por recolher e analisar meticulosamente casos de crianças as quais pareciam lembrar de vidas passadas sem o auxílio da hipnose. Após a publicação de seu primeiro ensaio sobre reencarnação em 1966, o inventor da fotocopiadora, Chester Carlson, custeou as suas primeiras visitas de campo à Índia e ao Sri Lanka. Quando Carlson faleceu (1968), legou um milhão de dólares para manter uma cadeira na Universidade da Virgínia, e mais um milhão de dólares para o próprio Stevenson, com o intuito de que a pesquisa sobre a reencarnação não parasse [1].

E, de fato, não parou: em 1974 Stevenson lançou sua obra mais relevante e conhecida, “20 casos sugestivos de reencarnação”, onde relata os 20 casos de evidência mais forte dentre as centenas que estudou em todas as partes do mundo (não apenas no Oriente, como também no Alasca e até mesmo no Brasil). Felizmente, esta obra se encontra hoje traduzida e lançada no país pela Editora Vida e Consciência, da família Gasparetto.

A despeito do interesse do tema entre os espíritas e reencarnacionistas em geral, esta obra é relevante para qualquer estudioso sério da parapsicologia. Mesmo Carl Sagan, em sua “bíblia do ceticismo”, o livro “O mundo assombrado pelos demônios”, menciona os estudos de Stevenson como o tipo de pesquisa heterodoxa que mereceria uma atenção mais cuidadosa da comunidade científica: “crianças pequenas às vezes reportam detalhes de uma vida anterior, detalhes que quando analisados revelam-se precisos, e um conjunto de informações que não poderiam saber de nenhuma outra forma que não a reencarnação”... Ainda que Sagan acreditasse numa explicação alternativa – ou seja, não necessariamente a espiritual – fato é que reconheceu a seriedade da pesquisa.

O próprio Stevenson reconhecia que seus estudos não eram inteiramente conclusivos, mas sem dúvida requeriam um aprofundamento maior. Simplesmente negar a tudo a priori, ou taxar todas as manifestações como fraudes, seria uma simplificação inteiramente não compatível com o ceticismo – primeiro, porque os relatos eram originários de crianças, segundo porque as famílias envolvidas não recebiam qualquer benefício financeiro ou vantagem pela divulgação dos casos (pelo contrário, a maior parte delas procurava evitar a exposição indesejada, e só seguia adiante devido à angústia das crianças), e finalmente, porque os relatos ocorrem em todas as partes do globo, não apenas nas regiões onde a cultura e a religião são favoráveis a explicação da reencarnação [2].

Stevenson aposentou-se em 2002, deixando o seu trabalho para sucessores, dirigidos pelo Dr. Bruce Greyson. Dr. Jim Tucker, um psiquiatra infantil, continua com trabalho de Ian Stevenson com crianças, concentrando-se em casos norte-americanos. Em 2007 Stevenson faleceu de pneumonia, aos 88 anos.

Uma das maiores vantagens que vejo na pesquisa genuinamente científica da reencarnação, é que ela opera livre de dogmas ou crenças fortemente arraigadas do passado. Não se trata, portanto, de ler o livro de Stevenson apenas para demonstrar para si mesmo “que a reencarnação está cientificamente comprovada”, conforme diz (erroneamente) o site onde o livro é vendido no Brasil. Pois já na introdução do livro é o próprio autor quem afirma que seus estudos são inconclusivos, comportamento de um cético genuíno... Ou seja, é preciso analisar como exatamente a reencarnação opera na natureza.

E, nesse aspecto, as descrições dos 20 casos de Stevenson acabam por identificar certos padrões que, por serem fruto de pesquisa científica, podem ser analisados de forma puramente racional [3]. Alguns destes padrões corroboram, é claro, muito do que tem sido afirmado sobre a reencarnação em literatura espiritualista. Outros, no entanto, podem fugir completamente das teorias mais aceitas, ou até mesmo aprofundar a explicação de aspectos que são tratados de forma superficial nos textos filosóficos e religiosos.

Acredito que a melhor forma de demonstrar isso seja trazendo a vocês o texto original de Stevenson, comentado onde encontrei os padrões mais relevantes... Como não posso e nem pretendo publicar todos os 20 casos do livro aqui, optei por trazer a versão resumida de apenas um dos casos.

» Na continuação, o caso de Parmod.

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[1] Num mundo acadêmico essencialmente materialista e avesso a estudos do gênero, seria uma surpresa que um cientista conseguisse custear suas pesquisas sem o auxílio de um patrocinador da área empresarial. O fato de Stevenson ter sido patrocinado por um empresário meramente curioso, ocidental, e que ainda por cima faleceu logo no início de suas pesquisas, retira de sua obra qualquer sombra de conivência com grupos religiosos. Não custa lembrar que isso é atestado por céticos do porte de Sagan.

[2] Ver, por exemplo, o caso extraordinário do garoto americano James Leninger. Apesar de ser um caso bem mais atual, uma pena não ter ocorrido na época dos estudos de Stevenson.

[3] Não que outros tipos de análise sejam inválidos, mas certamente precisamos encarar a realidade sob diversos aspectos. Analisar a reencarnação de forma puramente racional é uma ação que pode nos ajudar a desvelar muitos detalhes que são notoriamente ignorados em textos espiritualistas. Há muitos padrões que, numa análise filosófica ou religiosa são de pouca ou nenhuma importância, mas que numa análise detalhista e meticulosa, sobretudo do mecanismo e não do sentido da reencanação, se revestem de grande relevância – quantos anos em média uma alma demora para reencarnar, se há mudança de sexos e com que frequência, qual a importância de mortes traumáticas na lembrança em vida posterior, etc.

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Crédito da imagem: Editora Vida e Consciência (divulgação).

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6.9.10

Vinte contra um, parte 2

Continuando da parte 1

Quando falamos em crianças que se lembram de vidas passadas, reencarnação, assuntos “espirituais”, há muitos cientistas de baixa curiosidade e céticos de negação a priori que preferem ignorar o assunto totalmente. Para estes, praticamente não existe diálogo possível... A aposta no monismo já foi efetuada há tempos, e eles estão apenas esperando o resultado da roleta.

Mas felizmente tivemos cientistas e céticos que, mesmo considerando o monismo com carinho, não se absteram de analisar a lógica por detrás de estudos científicos como os de Ian Stevensson, talvez por serem seres de alta curiosidade. Em “O mundo assombrado pelos demônios” – para muitos a “bíblia” do ceticismo – Carl Sagan menciona os estudos de Ian como o tipo de pesquisa heterodoxa que mereceria uma atenção mais cuidadosa da comunidade científica: “crianças pequenas as vezes reportam detalhes de uma vida anterior, detalhes que quando analisados revelam-se precisos, e um conjunto de informações que não poderiam saber de nenhuma outra forma que não a reencarnação.”

Sagan, no entanto, explica que ele mesmo não crê na reencarnação. Apenas crê que a pesquisa de Ian era válida, era científica, e que por isso mesmo merecia uma análise mais cuidadosa... Talvez a reencarnação fosse apenas uma resposta simplista para um fenômeno que escapava ainda ao entendimento da ciência; Talvez a reencarnação existisse de fato, mas operasse através de um mecanismo totalmente desconhecido, inclusive dos espiritualistas que creem que ele opera de forma X ou Y; Talvez a explicação remetesse ao inconsciente coletivo de Jung ou aos memes de Dawkins, embora em todo caso essas teorias sejam tão ou mais místicas quanto à da reencarnação.

Retornemos então ao embate entre monismo e dualismo: será que as vinte evidências de Ian Stevensson colocam o caso de Phineas Cage em xeque? Ora, é claro que em todos esses casos, o que temos são um misto de evidências subjetivas e objetivas, mas em número de casos teríamos uma proporção de vinte para um... Ainda que tenhamos diversos outros casos clínicos de pessoas que sofreram uma alteração moral devido a danos ao cérebro – e decerto teremos muitos casos interessantes nos relatos dos livros do psicanalista Oliver Sacks –, sempre teremos também inúmeros outros casos de crianças que lembram vidas passadas a estudar, afinal elas nunca param de nascer! Some-se a isso os estudos de experiências de quase morte em que há relatos de experiência consciente enquanto o cérebro estava sem nenhuma atividade detectável por instrumentos, e temos aí uma longa discussão pela frente... Muito embora o dualismo pareça estar sempre em clara vantagem, essas estatísticas não serão de muita relevância para a maioria das pessoas que já possuem uma opinião ou uma aposta formalizada: dualismo ou monismo.

Por isso eu achei que seria interessante trazer alguns pontos em comum entre estas duas teorias:

Primeiro, tanto o monismo quanto o dualismo são teorias. Sim, teorias conceituais. Não há prova científica nem experimentação em laboratório que tenha comprovado que o cérebro seja a única origem do processo de consciência. Ainda que tudo o que exista seja matéria, e que não haja nada de imaterial na mente, ainda assim segundo a própria ciência, através da teoria da matéria escura, apenas cerca de 4% da matéria e energia do universo interagem com a luz e foram detectadas por nossos instrumentos “físicos” – ou seja, a mente pode ser material, mas formada por parte desses 96% de matéria e energia que nos são ainda profundamente desconhecidos.

O que nos leva ao segundo ponto. Ora, muito embora o monismo seja essencialmente a crença e que mente e cérebro são a mesma coisa, e que não possam existir em separado, no fundo todos sabem que o que os monistas não podem aceitar é que haja algo de puramente imaterial em nossa essência mais íntima. Ou, em outras palavras, praticamente todo monista é um materialista... Mesmo o polêmico físico Amit Goswami, com suas teorias que defendem um monismo reencarnaciosta (ver, por exemplo, “A física da alma”), não deixa de ser ele mesmo um materialista espiritualista.

Mas, e se os monistas ouvissem de alguns dos espiritualistas (existem vários tipos, acreditem) que o espírito também é formado de matéria? Será que a partir de então o dualismo não será para eles uma possibilidade, no mínimo, plausível?

Vejamos a pergunta #82 do Livro dos Espíritos de Allan Kardec: “É certo dizer que os espíritos são imateriais?” – Para surpresa de muitos, os próprios espíritos que ditavam as respostas para as jovens médiuns que auxiliavam o cientista francês trouxeram a seguinte resposta: “Imaterial não é o termo apropriado; incorpóreo, seria mais exato; pois deves compreender que, sendo uma criação, o espírito deve ser alguma coisa. É uma matéria quintessenciada, para a qual não dispondes de analogias, e tão eterizada que não pode ser percebida pelos vossos sentidos.”

Ou seja, embora seja uma resposta a favor do dualismo (o espírito é incorpóreo e portanto pode viver fora do corpo), é da mesma forma uma resposta a favor do materialismo. Se a tal matéria eterizada não soa bem aos ouvidos dos cientistas atuais, talvez soasse melhor se falassem em matéria escura, não detectada, fluida, etc. Ocorre que no século 19 o termo “matéria escura” ainda não havia sido cunhado...

O que isso tudo quer dizer? Acredito que, primordialmente, que devemos estudar todos os ramos de conhecimento humano, e todas as teorias – sejam científicas, espiritualistas ou filosóficas – antes de bradarmos convictos que “apenas a nossa aposta é a correta”... Até mesmo porque objetivamente, tanto o monismo quanto o dualismo, tanto o materialismo quanto o espiritualismo, não passam de apostas. Tudo o que temos de concreto é a companhia uns dos outros. Que não tornemos a vida de cada um mais sofrida com discussões inúteis onde cada um já traz suas opiniões e apostas formalizadas a priori, mas que aproveitemos essa divina diversidade de seres e ideias para que, ainda que em meio à dúvida, possamos construir uma sociedade onde os seres apenas dialogam sobre ideias, e não tem nenhuma boa razão para se exterminar por conta de opiniões contrárias e apostas no preto ou no vermelho. A roleta ainda está a girar!

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Crédito da foto: Renata Nunes

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1.9.10

Vinte contra um, parte 1

O filósofo francês René Descartes é considerado o fundador do dualismo moderno. Para ele, o mundo material estaria separado do campo da mente, que abrange os pensamentos, as emoções, o prazer e a dor. Se as coisas da “mente” não têm tamanho, forma nem movimento, elas podem interagir com o mundo material, de forma que os pensamentos são capazes de causar ações, e os estímulos materiais, pensamentos. Segundo Descartes, essa interação ocorreria na glândula pineal, um pequeno núcleo cerebral que, à época, não se acreditava ter outra função.

Os monistas aparentemente representam o extremo oposto do dualismo cartesiano. Segundo o monismo, a consciência é parte do universo material, sendo idêntica à atividade cerebral relacionada a ela. Desenvolveu-se quando se aperfeiçoaram os mecanismos cognitivos, mas apenas como resultado destes, e não por qualquer outro propósito... Enquanto os dualistas creem que o cérebro nada mais é do que um rádio capaz de sintonizar a mente através da glândula pineal (ou através do cérebro como um todo), os monistas confiam em outra aposta: a de que é o rádio que gera as suas próprias ondas.

Segundo o filósofo americano John Searle, a consciência poderia ser imaginada como um “quarto chinês”: neste quarto estariam armazenados todos os dicionários e regras de gramática associados ao idioma chinês. Dentro dele haveria um homem capaz de traduzir e responder às questões escritas em chinês manipulando esses recursos, apesar de não saber falar uma única palavra nessa língua. Então, alguém que enviasse a frase “Como está o dia hoje para você?” poderia receber a resposta “Horrível!”, no mesmo idioma. Visto de fora, poderia parecer que o homem no interior “entendeu” a questão, mas Searle argumenta que esse comportamento não é suficiente para a compreensão. Da mesma forma, um computador nunca poderia ser descrito como “tendo uma mente” ou “compreendendo”. Outros filósofos argumentam que a compreensão consciente seja tão somente o processo de “se comportar como se entendesse”.

Se o homem do “quarto chinês” fosse tão somente um autômato cerebral capaz de levar e trazer mensagens, talvez o dualismo de Descartes faça todo o sentido afinal: o que quer que interprete as informações enviadas por nossos sentidos, e as envie de volta através de respostas complexas e emocionais, este sim seria o pianista da consciência. A consciência não geraria a si mesma, mas antes seria o som das teclas de quem dedilha o piano cerebral com maior ou menor desenvoltura... De fato, apesar da ciência moderna estar se intrometendo cada vez mais em nosso cérebro, o “gerador dos pensamentos” ainda não foi localizado em parte alguma. Vemos, sem dúvida, um baile frenético de eletricidade dentre bilhões de neurônios, e às vezes conseguimos associar um fluxo elétrico a uma resposta consciente, mas não quer dizer que saibamos de onde se originou efetivamente a resposta – principalmente quando ela tange questões morais e complexas.

Por isso esta questão é chamada de “o problema difícil da consciência”. Compreender as respostas reflexivas, ou comandos motores, etc., isso é até mesmo trivial quando comparado às respostas que envolvem uma interpretação da personalidade, uma resposta moral... Ainda assim, os críticos do dualismo cartesiano encontraram um caso estranho, ocorrido há muito tempo atrás, mas que possuí boa base de relatos de testemunhas, e com ele (e praticamente apenas ele) criaram uma teoria que postula que nossa moral, afinal, é apenas fruto do agitar de partículas em nosso lóbulo frontal.

Em “O erro de Descartes”, por exemplo, o cientistas português António Damásio vale-se especificamente deste caso para sustentar sua crítica ao dualismo... No ano de 1848, Phineas Cage, respeitado trabalhador de uma companhia ferroviária americana, teve a parte frontal do cérebro perfurada por uma barra de ferro, que usava para comprimir pó explosivo. Ele sobreviveu, com poucos danos à maioria de suas faculdades. Entretanto, houve drástica mudança de comportamento. De homem educado, responsável e respeitador, tornou-se perigoso, rude e socialmente irresponsável. Os mais próximos (testemunhas do caso) notaram que ele “não era mais o Cage”. A mudança devia-se, segundo os médicos, aos danos cerebrais. Reconstruções modernas (toda a gama de gráficos 3D que possam imaginar) demonstram que o ferimento afetou o lóbulo frontal – associado à sensibilidade moral.

Você deve estar imaginando que, ainda que o lóbulo frontal seja o responsável por nossas respostas morais, se a consciência for um “quarto chinês”, é bem possível que apenas o tradutor interno tenha sido prejudicado, e que isso nada teria a ver com a mente. Ou seja, o rádio estaria avariado, captando as ondas de forma errônea... Claro que essa discussão seria infindável. Não seria o “quarto chinês” argumento suficiente para encarar os defensores do monismo que se baseiam nesse acidente de 1848 como principal evidência. Seria preciso uma evidência tão forte quanto a favor do dualismo...

Em 1974, o bioquímico e psiquiatra canadense Ian Stevenson nos trouxe 20 evidências. Todas consideradas as evidências mais fortes dos milhares de casos estudados em diversos continentes nas décadas anteriores. Ian estudava crianças, mais precisamente as que afirmavam se lembrar de vidas passadas. Seu livro lançado naquele ano se chamava “20 casos sugestivos de reencarnação”.

Ora, não eram casos de evidência baixa: desde crianças que se lembravam de nomes de parentes e até do endereço de suas casas em vidas passadas, até crianças que relatavam terem tido mortes violentas na última encarnação, e traziam marcas de nascença exatamente onde os ferimentos letais os levaram a morte na última vida. Tudo registrado e, principalmente, estudado, de forma genuinamente científica... Se uma criança se lembra de uma vida passada, é necessário considerar que a informação registrada no cérebro de sua última vida foi transmitida, de alguma forma estranha, para um outro cérebro, um novo cérebro. Quando falamos nisso, estamos aparentemente dando um xeque-mate no monismo.

Na continuação, o que Carl Sagan tinha a dizer sobre o assunto, e os possíveis pontos de encontro entre o monismo e o dualismo.

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Crédito da foto: Ryan Southen (um quarto chinês)

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15.1.09

Memórias de vidas passadas

A Discovery produziu um documentário sobre estudos de casos de crianças que se lembram de vidas passadas. Apesar do clima meio "ghostbusters" do início, lá pelo meio percebemos que o caso da menina do Sri Lanka é sólido, pois ao encontrar sua "família passada" ela sabia de detalhes da região, inclusive reconhecendo seus familiares por si própria. Os outros casos não são tão sólidos por se tratarem de netos lembrando da vida dos avôs, o que poderia ser explicado, dentre outras coisas, pelo avô estar "cuidando" do próprio neto, principalmente durante o sono (obviamente para quem não acredita em vida após a morte as opções são mais limitadas).

A experiência de falseamento cética também é muito bem conduzida, mostra que praticamente qualquer criança pode inventar uma história de quem foi "em uma vida passada", inclusive dando detalhes da morte. A questão é que elas foram sugestionadas a inventar (coisa que não ocorre nos casos sólidos, onde a criança por si só começa a falar sobre o assunto) e, além disso, a experiência não considera o fato de que muitas dessas crianças se lembram de endereços e parentes em vidas passadas, com extremo detalhe (e isso não pode ser "inventado").

Reencarnação: Histórias de Vidas Passadas (Discovery Channel) PARTE 1

PARTE 2 | PARTE 3 | PARTE 4 | PARTE 5

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Leitura recomendada:
Twenty Cases Suggestive of Reincarnation, Ian Stevenson
Life before life, Jim Tucker

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