Irmandade
» Conto pessoal, da série “Cotidianos”, com breves reflexões acerca dos eventos do dia a dia...
“Minha religião é meu pensamento”.
Foi à primeira vez que ouvi isso de outra pessoa, e foi de uma amiga. Estávamos visitando uma exposição no Centro Cultural Banco do Brasil sobre a Amazônia; e não me lembro nem ao certo o que estávamos conversando, mas tocava no assunto da tolerância religiosa, da tolerância às opções de caminhos escolhidas pelas almas alheias; e minha querida amiga me disse isso.
E ela disse do jeito certo, do jeito que eu gostaria de ter ouvido. Ela não disse “conforme você costuma dizer, minha religião também é meu pensamento”, nem tampouco “gosto muito daquilo que você diz, que sua religião é seu pensamento”. Ela disse somente isto: “minha religião é meu pensamento”. Lindo! Em seu olhar, ela pareceu ter compreendido a mensagem... Eu fui apenas quem a recebeu e passou adiante.
Já faz muito tempo que, quando me perguntam sobre qual seria a minha religião, eu tenho esta “reposta pronta”. Mas poucos a compreendem, não por culpa deles, nem minha, mas simplesmente porque pouco se dão conta de que a religião não é como escolher um time de futebol, ou então dizer assim: “não gosto de futebol, sou ateu para o futebol”. Mas alto lá, é possível ser ateu e religioso!
O religare, o religio, a religião, é à vontade de caminhar adiante rumo a uma espécie de reconexão com nossas origens, com o mistério de onde um dia saímos como seres ignorantes, e para onde pretendemos retornar como seres conscientes. Jesus disse, no Evangelho de Tomé, que “o Reino de Deus está espalhado pela Terra, mas os homens não o vêem”. Carl Sagan disse, em seu Cosmos, “que nós desejamos compreender nossa origem, e que podemos, pois somos feitos de material estelar, somos uma forma do Cosmos compreender a si mesmo...”; Escolha seu caminho: Jesus, Sagan; Deus, o Cosmos; Ou tantos outros caminhos – o importante é continuar caminhando.
“Mas isso não se faz com o pensamento, e sim com a fé, ou a razão, ou a filosofia, etc.” – Será mesmo? Pois eu digo que o único animal sagrado que o nosso pensamento ainda não capturou foi o Amor, mas continuaremos tentando. Nós queremos pensar em Deus, nós queremos pensar no Cosmos, nós queremos pensar no Amor. E porque temer? Admita então: “minha religião é meu pensamento”.
Mas fale para si, e apenas para si, como minha amiga falou. Pois eu não quero ditar regras, nem muito menos preceitos morais, e menos ainda pretender lhe dizer que este caminho é melhor do que aquele. Sim, existem cientistas que não crêem em Deus. E existem religiosos que não crêem na ciência. E existem filósofos que gostam de questionar a absolutamente tudo. Mas quem não crê no Amor? Quem, dentre todas as almas no mundo, não crê que existe um sistema, e que o percebemos, e que necessitamos saber dele, cada vez mais? Só não mergulhou no mundo quem está morto em vida, represado pelo dogma – o dogma da crença, ou da descrença. Não importa ao pensamento crer ou descrer, e sim experienciar, estar aqui, existir para o mundo!
“Nada é mais útil ao homem do que o próprio homem”.
Foi o que disse o grande Espinosa. Para ele, o ser humano poderia ser a coisa mais preciosa na vida de outro ser humano, particularmente quando possuíam afinidade de pensamento. Uma afinidade de tal modo específica que, de certo modo, alguns poderiam mesmo se comportar e caminhar juntos, como uma só mente, um só corpo... Apenas esta comunidade, esta Eclésia do Amor, é digna de nota – as demais sempre serão apenas igrejas.
Por isso tudo eu fico extremamente grato, e realizado, por encontrar certa ressonância do que se passa no meu pensamento também pelo pensamento alheio. É exatamente assim, uma palavra por vez, uma frase, um conjunto de signos, cascas de sentimento, um pensamento a se refletir adiante, um artigo, um conto, um poema por vez, que procuro, quem sabe, melhorar a vizinhança. Seria esta a minha Verdadeira Vontade, diria um outro amigo...
Mas de nada adiantaria toda a sabedoria do mundo, sem o Amor. De nada adiantaria todos os manuais de natação, se não houvéssemos já mergulhado. De nada adiantaria todas as equações da física, se não nos espantássemos mais com a inconcebível natureza da Natureza.
Vivamos, não apenas sobrevivamos. Sejamos uma irmandade, não apenas uma comunidade. E caminhemos à frente, sem medo do que pode lá haver, sem ansiedade pelo que o horizonte pode estar nos escondendo... O horizonte está em todo lugar. O pensamento permeia o Amor como as águas de um oceano a uma enorme ilha rochosa, que um dia ainda será a praia mais bela de todo o Cosmos.
Minha religião é meu pensamento
Minha vida é minha bíblia
Minha igreja é meu coração
Deus é nosso amor
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Crédito da imagem: Tony Hallas/Science Faction/Corbis
Marcadores: amizade, contos, contos (61-70), Cotidianos, Espinosa, espiritualidade, pensamento, religião, vontade
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