Lançamento: Navegar é preciso
Inauguramos as Edições Textos para Reflexão com uma seleção dos textos místicos de Fernando Pessoa: Navegar é preciso.
Para organizar e editar este livro digital, percorremos livros conhecidos e desconhecidos, desde a poesia de Alberto Caeiro e Ricardo Reis ao desassossego de Bernardo Soares, e até as peças teatrais e outros contos e textos mais ocultos. Alguns dos textos do livro jamais foram publicados no Brasil (nem no formato impresso nem em eBooks).
O nosso objetivo é somente divulgar grandes autores do passado com a edição e formatação digital adequadas, sem no entanto cobrar um valor fora da realidade por este trabalho (e, sim, cansamos de ver isto por aí)...
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Abaixo, segue um trecho do epílogo do livro:
Na introdução lhes disse que gostaria de crer que a maioria de vocês já tinha ideia de quem foi Fernando Pessoa. Pois bem: eu estava sendo irônico – nem eu sei quem foi Fernando Pessoa, nem os acadêmicos, nem os poetas, e provavelmente nem ele mesmo soube. Pessoa escreveu sobre a alma humana, este é todo o seu misticismo; e conforme tantos outros poetas da alma, para saber realmente quem foram, quem são, teríamos antes de saber quem somos, em nossa essência mais profunda, inefável, transcendente... Teríamos, como os Rumi, as Teresa D’Ávila, os Tagore, os Gibran e os Pessoa, de haver conhecido a Alma face a face.
A Rua dos Douradores não existe em Portugal nem em canto algum, mas existe sempre. Tudo o que foi imaginado existe. E tudo o que foi imaginado no Reino da Alma existe eternamente, existe sempre. Isto que estou a falar não pode ser falado – isto é mitologia pura.
Há aquele elogio que Schiller fez aos deuses gregos, que citarei aqui:
“Naqueles dias do belo acordar das forças espirituais, os sentidos e o espírito não tinham, com rigor, domínios separados. [...] Por mais alto que a razão subisse, arrastava sempre consigo, amorosa, a matéria, e por finas e nítidas que fossem as suas distinções, nada ela mutilava. Embora decompusesse a natureza humana para projetá-la, aumentada em suas partes, no maravilhoso círculo dos deuses, não o fazia rasgando-a em pedaços, mas sim compondo-a de maneiras diversas, já que em deus algum faltava a humanidade inteira. Quão outra é a situação entre nós mais novos. [...] Eternamente acorrentado a uma pequena partícula do todo, o homem só pode formar-se enquanto partícula”.
Cartas sobre a educação estética da humanidade (trecho da carta VI), Friedrich Schiller
Ora, também na mitologia pessoana, em nenhum de seus heterônimos ou semi-heterônimos faltava a humanidade inteira. O que Pessoa conseguiu foi, na medida do possível, olhar o mundo com o olhar do outro, sentir como o outro, imaginar como o outro. Isto só se consegue com muita empatia, mas nem sempre nos leva para caminhos agradáveis...
Bernardo Soares, o ajudante de guarda-livros de Lisboa, é o personagem que dá conta da descrição da maior parte deste desassossego de ser muitos ao mesmo tempo em que se sabe que se é um só:
“O meu semi-heterônimo Bernardo Soares [...] aparece sempre que estou cansado ou sonolento, de sorte que tenha um pouco suspensas as qualidades do raciocínio e de inibição; aquela prosa é um constante devaneio. É um semi-heterônimo porque, não sendo a personalidade a minha, é, não diferente da minha, mas uma simples mutilação dela. Sou eu menos o raciocínio e a afetividade.”
Carta ao casal Monteiro (trechos), Fernando Pessoa
A essência de todo desassossego humano é sentir-se mero fantoche de vontades alheias, sem haver encontrado a sua própria. É viver-se como “cadáver adiado”, como sombra de paisagens de sonhos esquecidos, como animal sonolento, ou nem mesmo como isso...
Neste sentido, o guarda-livros traz em si um pouco de todos nós, um pouco de toda a depressão da humanidade. Mas é preciso atenção para a mensagem oculta que Pessoa estava a querer passar (não se sabe se conscientemente ou não):
“Pesa-me, realmente me pesa, como uma condenação a conhecer, esta noção repentina da minha individualidade verdadeira, dessa que andou sempre viajando sonolentamente entre o que sente e o que vê.
É tão difícil descrever o que se sente quando se sente que realmente se existe, e que a alma é uma entidade real, que não sei quais são as palavras humanas que possa defini-lo. Não sei se estou com febre, como sinto, se deixei de ter a febre de ser dormidor da vida. Sim, repito, sou como um viajante que de repente se encontre numa vila estranha, sem saber como ali chegou; e ocorrem-me esses casos dos que perdem a memória, e são outros durante muito tempo.
Fui outro durante muito tempo – desde a nascença e a consciência –, e acordo agora no meio da ponte, debruçado sobre o rio, e sabendo que existo mais firmemente do que fui até aqui. Mas a cidade é-me incógnita, as ruas novas, e o mal sem cura. Espero, pois, debruçado sobre a ponte, que me passe a verdade, e eu me restabeleça nulo e fictício, inteligente e natural.
Foi um momento, e já passou. Já vejo os móveis que me cercam, os desenhos do papel velho das paredes, o sol pelas vidraças poeirentas. Vi a verdade um momento. Fui um momento, com consciência, o que os grandes homens são com a vida. Com a vida? Recordo-lhes os atos e as palavras, e não sei se não foram também tentados vencedoramente pelo Demônio da Realidade”.
Livro do Desassossego (trechos), Fernando Pessoa
Todos os heterônimos de Pessoa parecem se aperceber, num momento ou noutro, que são meros personagens, meros atores da imaginação de um escritor (ainda que seja um grande escritor). Isto tudo, no entanto, também indica a inquietação do próprio Pessoa ante a possibilidade (ou realidade?) de ser ele próprio um mero personagem de algum outro Escritor. Um personagem que, para que possa passar a escrever as próprias linhas de sua vida, ou ao menos alguma parte delas, precisa saber renascer; precisa compreender que, para viver uma nova vida, e um novo mundo, é preciso antes aceitar a morte da antiga vida, o fim do mundo, o apocalipse do ser:
“Sim, vou... Já tudo começa a ter outro aspecto e a falar aos meus olhos numa outra voz... Parece que não sou eu que estou cansado de existir, mas as coisas que se cansam de eu as ver... Começo a morrer nas coisas... O que se apaga de mim começa a apagar-se no céu, nas árvores, no quarto, nos cortinados deste leito... Depois, pouco a pouco, ir-se-á apagando pelo meu corpo dentro até que fizer noite mesmo ao pé das janelas da minha alma.
[...] A curva dos montes, lá muito ao longe, torna-se, não mais indecisa mas mais indecisa de outra maneira... As árvores esbatem-se em sombras mas as folhas parecem-me extraordinariamente nítidas, evidentes demais... A seda dos cortinados deste leito é uma outra espécie de seda... Afundo-me pouco a pouco... Não te entristeças... Eu era real demais para poder reinar algum dia... O único trono que mereço é a morte”.
A morte do príncipe (trechos), Fernando Pessoa
Todos os símbolos da mitologia, afinal, dizem respeito a você: Você enfrentou aos deuses monstruosos de sua própria alma? Você venceu e apaziguou os seus demônios interiores? Você despertou de sua vida de sonolência animal para uma nova vida onde pode ver, finalmente, que há só uma única Alma que está em tudo, e que você mesmo é também uma pequena parte dela?
“Deus é a alma de tudo” – concluiu o próprio guarda-livros num de seus lampejos de consciência desperta... Em nossa essência mais profunda, somos como heterônimos de algum Escritor oculto, somos um com o ser transcendente.
Mas isto que quero tentar dizer não foi dito aqui, e nem em qualquer parte da obra pessoana. Pois isto não se diz com palavras, com cascas de sentimento... Para isto existe a poesia, que diz alguma coisa, sem realmente haver dito.
Este meu translado pela mitologia pessoana foi apenas o querer dizer alguma coisa, e não haver dito nada. Para aqueles que já conheciam a obra de Pessoa, estas seleções talvez tenham trazido algumas boas recordações. Para aqueles que nunca o leram antes, quero crer que estas seleções lhes sirvam como uma “introdução mística” ao seu pensamento. A única coisa que este livro não é, nem pretendeu ser, é um livro acadêmico. Notas de rodapé vocês encontrarão aos montes em outras seleções (nada contra as notas de rodapé nem contra as outras seleções, muitas delas muito superiores a esta, que é apenas uma pequena declaração de amor ao poeta que foi muitos)...
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[1] Porque pagar R$1,99 por esta seleção se temos Fernando Pessoa gratuitamente?
(a) Pela mesma razão que há eBooks de Pessoa sendo vendidos a quase 20 reais: seleção, edição, comentários, etc. Basta comparar a qualidade da edição do eBook gratuito com a nossa (você pode escolher ler uma amostra grátis do eBook antes de comprar em definitivo);
(b) Infelizmente a Amazon não permite que nenhum livro novo seja vendido a menos de R$1,99 (obs: estes valores podem mudar com o tempo)
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2 comentários:
Algumas partes do texto estão no plural. Está envolvido com um grupo maior de pessoas? (sem trocadilho)
Petri (Cão)
Oi Petri,
Não, sou só eu mesmo...
As vezes falo no plural para dar maior credibilidade aos assuntos, haha...
Mas as vezes uso o plural também para me referir aos leitores do blog, já que há muitos posts que surgiram de comentários e sugestões (muitos através do Facebook também, onde o pessoal comenta mais).
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Dito isso, se alguém tem alguma tradução própria de grandes obras espiritualistas em domínio público, e me autoriza a publicar, sou todo ouvidos :)
Abs
raph
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