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28.1.13

O software angélico que roda no eixo do mundo, parte 2

« continuando da parte 1

E foram todos os dias de Enoque trezentos e sessenta e cinco anos. E andou Enoque com Deus; e não apareceu mais, porquanto Deus para si o tomou. (Gênesis 5:23-24).

Seriam os anjos e demônios seres como nós?
Se até agora tendemos a concluir que os deuses e orixás não poderiam ser seres pessoais, conquanto não poderiam haver passado por alguma espécie de evolução, o mesmo não necessariamente se aplica aos anjos e demônios.
É claro que nos mitos monoteístas, diz-se que os anjos foram criados como seres já perfeitos, servos eternos dos desígnios de Deus. Neste caso, seriam algo similar aos deuses, que operam as forças naturais. Mas o problema desta linha de pensamento é que esses mesmos mitos também nos contam que há alguns anjos que se rebelaram contra o Criador, e que desde então foram condenados a habitar o Inferno e, quem sabe, serem sempre maus, por toda a eternidade.
Com isso se quer dizer que o livre-arbítrio foi inventado, precisamente quando um anjo chamado Lúcifer (portador da luz) decidiu se rebelar contra a “programação” do Criador. Afinal, qualquer ser criado “já perfeito, pronto e acabado”, não passou por evolução alguma e, dessa forma, não é “perfeito” pelo seu próprio mérito, mas antes por alguma forma de “programação”. Tais anjos seriam então como robôs, autômatos sem vontade própria. Mas, se não teriam vontade, como diabos Lúcifer teve a vontade de contrariar seu Pai?
Eu penso que este problema tem duas soluções lógicas, e não mais do que duas: (a) Lúcifer na realidade também foi “programado” para contrariar a Deus, e tudo o que têm feito desde então, em realidade, é tão somente o que foi “programado” para fazer [1]; (b) Lúcifer na verdade seria um ser como nós, e sua decisão de contrariar ao Criador denota, metaforicamente dentro deste mito profundo, o estágio em que o ser se torna autoconsciente, que “desperta” para o conhecimento do bem e do mal, da vida e da morte, e para o fato de que possuí uma alma capaz de interpretar o mundo e fazer escolhas [2].
Ora, se ficarmos com a última opção (que, no meu entendimento, faz mais sentido), temos que anjos e demônios nada mais são do que espíritos, como nós mesmos, em maior ou menor grau de evolução cognitiva, moral e espiritual. Certamente pode parecer complicado “classificar” aos seres por sua suposta “evolução moral”; mas, na prática, é isto o que tentamos fazer todos os dias. Sempre que conhecemos algum novo amigo (ou inimigo), uma de nossas primeiras preocupações é tentar situar em que “nível de moralidade” ele opera. Claro que, muitas vezes, temos julgado errado [3], mas isto não significa que não exista uma distinção clara entre seres amorosos, sábios e morais, e seres indiferentes, ignorantes e imorais.
Antes, porém, de habitarem reinos fantásticos, acima ou abaixo do mundo, anjos e demônios talvez devam ser classificados pelo estado em que se encontram suas mentes, sua consciência, sua paz de espírito. Anjos seriam, portanto, aqueles seres com maior consciência da própria liberdade, e maior controle da própria vontade; ao passo que demônios seriam o oposto, ou seja: seres atolados num charco de desejos desenfreados, facilmente manipulados por vontades alheias, perdidos de si mesmos.

O que isto tudo quer dizer é isto aqui: anjos e demônios habitam mesmo este mundo, e não poderia ser diferente.

Os exus e as pambu njilas
Nas mitologias africanas (e, particularmente, na dos iorubás), deuses são chamados orixás, conforme já vimos. Pois bem, ocorre que no caso da umbanda sagrada, religião de origem brasileira [4], anjos e demônios são chamados de exus e pambu njilas. Exus nada mais seriam que espíritos como nós, no período entre vidas, do gênero masculino. Pombagiras seriam exus do gênero feminino (seu nome é uma corruptela do pambu njila, de origem angolana) [5].
Dessa forma, na umbanda, nem todo exu é demônio. De fato, a imensa maioria dos praticantes desta doutrina lida mesmo é com exus de amor e moral elevados – anjos, portanto.
Em todo caso, não devemos confundir os exus anjos e demônios com o Exu orixá (um dos deuses iorubás)...

O axis mundi
Me disseram que o termo Exu é derivado de “Eixo”, mas isto não posso confirmar. Em todo caso, é algo que faz sentido: o orixá Exu é o deus mensageiro, o responsável por fazer a conexão entre um mundo que está no plano com um outro mundo que está acima ou abaixo. No nosso caso, costuma-se dizer que Exu forma o eixo entre a Terra e o Céu, mas também poderia formar um eixo, igualmente, entre a Terra e o Inferno, dependendo de nossa intenção e vontade ao invocá-lo.
Desnecessário dizer que estas ideias de um axis mundi (Eixo do Mundo), e de deuses mensageiros que o percorrem, trazendo e enviando mensagens entre um plano médio e um superior (ou inferior), são abundantes em diversas mitologias. Geralmente, os deuses inventores da escrita (Toth-Hermes; Odin-Wotan) encontraram esta incrível descoberta exatamente enquanto viajavam através do Eixo, indo e retornando de um plano superior. Odin, por exemplo, chegou a se enforcar neste Eixo, que era a própria Yggdrasil (“o eixo do mundo”), e após alguns dias de “transe xamãnico”, trouxe o conhecimento das runas (forma de escrita) aos homens nórdicos.
Entretanto, isto vocês devem lembrar: dizíamos há pouco que os deuses eram forças da natureza, e não seres pessoais, que evoluem, como nós. Ora, e não é exatamente disto que se trata o orixá Exu? Uma força natural, um instrumento pelo qual nossas mentes conseguem entrar em estados alterados e acessar informações que antes nos eram ocultas?
No fundo, não importa muito ao médium ou magista se os deuses existem fora ou dentro de suas mentes... Na prática, o axis mundi poderia ser um pé de feijão mágico cujo caule gigantesco toca o próprio céu, ou o eixo interno da própria alma, que liga o plano médio, consciente, ao plano oculto, inconsciente. Dessa forma, se em nosso inconsciente há um reino celeste, ou infernal, isto depende unicamente de onde sintonizamos nosso pensamento e nossa vontade.

» Em seguida, finalmente, o software angélico...

***

[1] Apesar de eu mesmo não acreditar na hipótese, admito que ela explicaria o fato de Lúcifer ser eternamente mau, sem a possibilidade de se arrepender: é que foi “programado” para assim o ser.

[2] Neste caso, o mito de Lúcifer teria vários outros paralelos na mitologia. Mesmo no próprio Gênese, o mito da Eva que comeu a fruta proibida da Árvore da Ciência do Bem e do Mal, seria essencialmente uma metáfora muito parecida. Talvez surgido num tempo próximo, mas em outra parte do mundo, temos o mito de Prometeu, o titã que roubou o fogo dos deuses, e depois foi punido. Não obstante, houve tempo de presentear este fogo aos homens, o que os tornou “superiores” aos demais animais: ou seja, eram, conforme Adão e Eva, os primeiros seres humanos conscientes de si mesmos e da própria liberdade (vontade). Também haviam conquistado a ciência do bem e do mal (graças ao sacrifício de um ser “sobre-humano”, mas que foi punido pelos deuses por sua ousadia).

[3] O massacre dos indígenas da América pelos colonizadores vindos da Europa é um belo exemplo. Os colonizadores se julgavam “seres de moral superior”. Mas por tudo o que fizeram, pelo exemplo que foi dado, fica muito claro que os ditos “selvagens” estavam, muitas vezes, num estágio moral muito mais elevado do que os ditos “civilizados”.

[4] Surgida há pouco mais de um século, em Niterói, Rio de Janeiro.

[5] Muitas vezes a umbanda também lida com espíritos que, em sua última encarnação, não eram de origem africana, mas indígena. Normalmente são chamados de caboclos ou cabocladores, e não de exus. Eles são o que restou dos indígenas devastados pelos “homens civilizados”. E eles nos perdoaram: voltam para nos ajudar, sobretudo, por amor.

Crédito das imagens: [topo] Fantasy Flight Games; [ao longo] Tetra Images/Corbis

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5 comentários:

Anonymous Samuel Otemi disse...

Sobre a frase de Alan Moore todos os Deuses vive na mente do homem.Porém, como dizia o primeiro principio do hermetismo tudo é mente, ou seja a conciência em seus graus vais desde um ser vivo, de uma rocha até as estrelas, certo que em graus diferentes de manifestação.

Por coincidência eu estava estudando os anjos, descobri por exemplo que anjo vem do termo moloch que siguinifica o enviado de Deus.
Ou seja é o meio que a consciência tem para se comunicar com as dimenções superiores.
E esses meios se expressam de diversas formas, desde espiritos desencarnados , a centros de conciências que conecta nossa vontade com a do criador.
Por exemplo, a classe dos anjos ophaim era representado apenas como um circulo um aro que flutuava, creio eu que ele representa o "eu",totalidade da conciência individual.
Outros eram os serafims, esses possuiam seis asas , as asas representam a capacidade de elevar a conciência além do Hirhur (montanha, raiz hebraica para pensamento),e dai vai, outros sempre em suas imagens contém simbolos que conectam aos centros de conciência do corpo.

Para entender, o conceito de anjo é necessario entender um ensinamento da cabala chamado equivalência da forma.Esse principio diz que todos os acontencimentos, realizações e vontades para se manifestar no mundo real é necessário primeiro manifestar no plano espiritual.Assim quando duas ou mais pessoas compartilham as mesmas convicções e intençãoes eles comportilham de um mesmo espírito.
Anjos assim são centros de consciÊncias, que tornam nossa vontade una com o criador.
Outro anjo é semelhante ao "grifo", patas de leão, cabeça de aguia, é o chamado arcanjo, e cada imagem dessas são simbolos de acesso a essas conciências, a aguia como simbolo da mente, que domina o coração (leão , simbolo do coração).
Eu me lembrei, lendo o primeiro texto dos kamis, considerados deuses eles são elementais, ou espiritos protetores de familias e clãs, mas possuem uma particuliaridade para os xintoismo eles morrem, se não orar para eles. É como se eles só se manifestem enquanto há esse elo entre as duas vontades há humana e da consciência presente no plano astral.

Salomão o rei sábio, diz que toda criação está ascentado sobre a sabedoria.Seria a inteligência suprema que preenche todas as coisas de sua vontade.Esse princípio de inteligencia total precede todos " os centros de totalidade da conciências" ou os Deuses.Assim como o sol que nutre a vida, essa realidade preenche de espírito e consciência toda realidade.Akhenaton é o cara!

Isto me faz lembrar um documentário que dizia que depois do big bang, com a explosão a entropia só aumenta, o universo torna-se cada vez mais frio, que indica que anterior ao Big Bang deve ter havido um grau de antropia/organização infinita.

A "organização" ou sabedoria de salomão, ou sol de akhenaton, respeitando o princípio de equivaléncia da forma, esta realidade estaria ascentada e preenchida por uma dimensão espiritual, e a realidade matérial preenchida de vontade do criador, é sagrada pois é "una" com ele.

Eu como adepto da evolução da concência, acredito eu que o Deuses , assim como o sol de akenaton não surgiu do nada ele surgiu de consciências em evolução como as nossas.

Rafael, esse tema é massa, e obrigado pela inspiração. Valeu!

28/1/13 21:45  
Blogger raph disse...

Valeu Samuel,

Como ainda não escrevi a terceira parte, talvez ainda use algumas reflexões que me trouxe acima.

Por isso que se chama: "textos para reflexão" :)

Abs!
raph

29/1/13 10:31  
Blogger ydecazio disse...

Veja o que diz o escritor Jan Val Ellam

29/1/13 10:52  
Blogger Rato Saltador disse...

O interessante que no entendimento do Islamismo Lúcifer não era um anjo, mas um djin, um gênio. Ele vivia em comunhão com Deus porque cria nele, mas no momento em que desafiou o Senhor ele caiu. Nessa concepção, os anjos eram realmente criaturas completamente fiéis a Deus e incapazes de qualquer traição. Esse ponto de vista aproxima-se mais da segunda solução para o problema proposto no texto.

Abs!

2/2/13 20:51  
Blogger raph disse...

Acho que vem do Islamismo também a belíssima concepção de que "a maior tristeza e sofrimento de Lúcifer é estar afastado de Deus"... O que também colabora para a segunda opção :)

Abs!
raph

3/2/13 19:47  

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