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13.5.15

Uma longa tradução (parte 1)

O grande projeto do Textos para Reflexão este ano é, como alguns devem saber, a tradução de um dos livros mais sagrados do mundo, o Bhagavad Gita (vocês podem saber mais sobre ele no artigo A sublime canção, que servirá de base para o prefácio da edição).

Para tal empreitada, estou usando como base a tradução clássica do sânscrito para o inglês de Sir Edwin Arnold (1885), conforme compilada pela American Gita Society. A edição digital e a impressa virão recheadas de notas, incluindo muitas citações de célebres pensadores ocidentais simpáticos ao Gita, como Joseph Campbell e Arthur Schopenhauer. O meu intuito é trazer a filosofia perene da antiga Índia para os dias atuais, pois que apesar da guerra dos Kurus e dos Pândavas ter sido narrada há milênios, ela não deixa de estar sendo lutada ainda hoje, ainda neste momento, na alma de todos nós...

No entanto, como a despeito do que imaginam alguns, este blog é fruto do trabalho de um homem só, o projeto desta tradução, assim como alguns outros, tem me tomado o tempo que normalmente utilizo para escrever novos contos e artigos por aqui... Daí pensei que faria mais sentido trazer parte da tradução do Gita para o blog em si. Assim consigo ir tocando a tradução e atualizar o blog, ao mesmo tempo.

Decidi começar lhes trazendo o início do livro, portanto, aqui vai:


CAPÍTULO I – O DILEMA DE ARJUNA

A guerra do Mahabharata teve início após o fracasso de todas as tentativas de negociação realizadas por Lorde Krishna e alguns outros. O rei cego (Dhritarashtra) nunca teve a certeza da vitória de seus filhos (os Kurus), a despeito da superioridade do seu exército. O sábio Vyasa, o autor do Mahabharata, desejou conferir ao rei cego a dádiva da visão para que ele próprio pudesse ver os horrores da guerra pela qual ele era o principal responsável.
Ele não quis ver os horrores da guerra, e preferiu receber as notícias da batalha pela voz de seu cocheiro, chamado Sanjaya. O sábio Vyasa, desta forma, conferiu a Sanjaya o poder da clarividência. Com ela, o cocheiro podia ver, ouvir e rememorar os eventos do passado, do presente e do futuro. Assim, ele podia informar ao rei cego, sentado no trono de seu palácio real, sobre tudo o que transcorria na guerra.
Bhishma, o mais forte dos homens, e comandante-em-chefe do exército dos Kurus, foi ferido mortalmente por Arjuna, príncipe dos Pândavas (o exército rival), e está esticado ao solo em meio ao campo de batalha no décimo dia da guerra. Após ouvir esta má notícia de Sanjaya, o rei cego perde todas as esperanças na vitória de seus filhos.
Agora o rei cego deseja conhecer todos os detalhes da guerra, desde o seu início. Ele deseja, sobretudo, saber como o mais forte dos homens, e comandante-em-chefe de sua poderosa armada – aquele que tinha a dádiva de morrer assim que desejasse – foi derrotado no campo de batalha...
Os ensinamentos do Gita se iniciam com este pedido do rei cego, após o qual Sanjaya descreve como Bhishma foi derrotado:

O rei inquiriu: Sanjaya, por favor me conte agora, em detalhes, o que o meu povo (os Kurus) e os Pândavas realizaram no campo de batalha antes do início da guerra? (1.01)

Sanjaya disse: Ó rei, após observar a formação de batalha do exército dos Pândavas, seu filho (Duryodhana) se aproximou de seu guru (Drona) e proferiu essas palavras: (1.02)

Ó mestre, contemple a poderosa armada dos Pândavas, organizada em formação de batalha pelo seu outro talentoso discípulo! Há muitos grandes guerreiros, homens valentes, heróis e habilidosos arqueiros. (1.03-06)

Os comandantes dos Kurus são apresentados

Também há muitos heróis do meu lado que arriscaram suas vidas por mim. Eu devo trazer os nomes dos poucos distintos comandantes de minha armada para a sua informação.
Então, ele nomeou todos os oficiais de seu exército, incluindo Bhishma, e disse: Eles estão armados com as mais variadas armas, e são muito hábeis na guerra. (1.07-09)

Nosso exército é invencível, enquanto o deles pode ser conquistado. Dessa forma, todos vocês, ocupando suas respectivas posições em nossa formação de batalha, protejam nosso comandante-em-chefe, Bhishma! (1.10-11)

A batalha se inicia com o sopro das conchas

O poderoso comandante-em-chefe e o guerreiro mais velho de sua dinastia rugiu como um leão e soprou vigorosamente sua concha, soando um grande estrondo e trazendo alegria para seu filho, ó rei. (1.12)

Logo após, conchas, tambores, címbalos e outros instrumentos soaram em uníssono. A comoção foi tremenda por todo o exército dos Kurus. (1.13)

Do outro lado do campo de batalha, entre os Pândavas, vinha o príncipe Arjuna, acomodado numa grandiosa carruagem de guerra puxada por cavalos brancos e conduzida por Lorde Krishna. Em resposta aos Kurus, ambos sopraram suas conchas celestiais. (1.14)

Krishna foi o primeiro a soar sua concha, e em seguida Arjuna e todos os demais comandantes dos Pândavas sopraram seus instrumentos. Todo aquele rugido, ressoando através da terra e do céu, fez estremecer o coração dos Kurus. (1.15-19)

Arjuna deseja inspecionar o exército dos Kurus

Observando tantos guerreiros prestes a combater, e o início da guerra com os primeiros tiros de flechas, Arjuna, cuja bandeira trazia o emblema de Lorde Hanuman (o deus-macaco), apanhou o seu grande arco e disse tais palavras ao Lorde Krishna:
Ó grande amigo, por favor, conduza minha carruagem até o espaço entre os dois exércitos. Eu preciso ver de perto aqueles que estão ansiosos pela batalha, aqueles que desejam nos matar, e com os quais terei de lutar nesta guerra sangrenta. (1.20-22)

Eu desejo ver aqueles que estão dispostos a servir e satisfazer ao malicioso e vingativo filho de Dhritarashtra (Duryodhana), aqueles que vieram se apresentar para esta guerra insensata. (1.23)

Sanjaya disse: ó rei, conforme requisitado por Arjuna, Lorde Krishna conduziu a melhor de todas as carruagens de guerra até o espaço entre os dois exércitos, virada para o lado dos Kurus, e então disse a Arjuna:
Contemple a todos os soldados que se apresentaram para a batalha! (1.24-25)

Arjuna viu estarrecido que no outro lado do campo de batalha se encontravam também muitos de seus parentes: pais e filhos, irmão, cunhados, avós e netos, tios e sobrinhos, sogros e genros. (1.26)


(tradução de Rafael Arrais)

» Em breve, novos trechos desta tradução...

***

Crédito da imagem: Google Image Search (Arjuna e Krishna sopram as conchas celestiais) (*) Eu realmente não consegui achar o nome do ilustrador(a), se alguém souber por favor comente neste post, obrigado.

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