Neuroteologia, parte 3
A parapsicologia (“além da psique”) é o estudo dos fenômenos paranormais, que em sua imensa maioria não são compreendidos e tampouco aceitos pela Academia. A maioria das “pesquisas psi” se concentram na possibilidade da mente poder trocar informações com outras mentes fora do corpo, ou até mesmo de afetar fisicamente a natureza a volta.
Além do cérebro
A despeito do ceticismo unidirecional de uma parcela dos cientistas, sobretudo do chamado “mundo acadêmico”, há muitas décadas existem inúmeros estudos genuinamente científicos que tratam das mais diversas teorias suscitadas pela espiritualidade. O fato de um ou vários destes estudos comprovar alguma coisa experimentalmente não necessariamente significará que “existe um velho barbudo senhor dos exércitos flutuando no céu”, nem tampouco que “nossa alma é imortal e se formos bonzinhos ganharemos uma fazenda nas nuvens após a morte”, mas esta parecer ser, infelizmente, a lógica dos céticos unidirecionais que se escandalizam com a possibilidade de tais pesquisas serem levadas mais a sério pela Academia.
Entretanto, é exatamente o que tem ocorrido... Uma outra crítica costumeira ao capacete de Parsinger é que ele não incorporou em seus experimentos as novas tecnologias de “escaneamento” cerebral, como o eletroencefalograma (EEG) que mede a atividade elétrica neuronal ou a ressonância magnética por imagem cerebral (FMRI), capaz de medir o fluxo sanguíneo e efetivamente “ver o cérebro em ação”. A maior vantagem do uso dessas tecnologias é que podemos ter uma “materialidade” objetiva da atividade cerebral dos pacientes, a despeito de seus relatos subjetivos, ou até mesmo de seus “devaneios” ou, quem sabe, apenas mentiras mesmo.
Porque não medir, por exemplo, a atividade cerebral de monges budistas durante sua meditação? É exatamente esse o “passatempo” predileto do Dr. Zoran Josipovic, da Universidade de Nova Iorque, nos últimos tempos... O objeto das pesquisas de Zoran é principalmente a sensação de “unicidade” atingida pelos monges e praticantes mais aprofundados de meditação. Segundo as conclusões prévias de sua pesquisa, ainda em andamento, as técnicas de “dobrar a mente sobre si mesma” dos monges são precisamente o que desprende a sensação de “unificação” do ser com o todo, comumente conhecida pelos religiosos e místicos como uma experiência de unicidade, não-dual, que se dissipa após a meditação. Este é apenas um de diversos exemplos de cientistas que tratam as experiências religiosas com maior seriedade, reconhecendo sua complexidade, e se abstendo se tentar reduzi-las e “efeitos de campos magnéticos, que nos fazem encontrar Deus”... Até mesmo a definição de “encontro com Deus” de Zoran, e dos budistas, já é consideravelmente mais profunda do que a do Dr. Parsinger.
Enquanto aqui no Brasil muitos céticos acham uma “total futilidade” estudos com “escaneamento” cerebral de médiuns em atividade, no hemisfério norte a história da relação entre ciência e espiritualidade é outra: Embora tenha despertado indignação semelhante de céticos unidirecionais (mas não de um cético de verdade, como Carl Sagan), o parapsicólogo Ian Stevenson teve a sorte de ter tido toda uma vida de pesquisas “além do cérebro” custeadas por um amigo abastado, o inventor da fotocopiadora – Chester Carlson. Graças e ele Stevenson pôde viajar boa parte do mundo atrás de casos sugestivos de crianças que afirmam se lembrar de vidas passadas. Seus relatos detalhadíssimos, que se iniciaram no célebre livro intitulado 20 Casos Sugestivos de Reencarnação, publicado em 1974, se estenderam por décadas [1].
Em 2007, quando morreu, ele havia documentado meticulosamente quase 3 mil casos, a maioria na Ásia. Cerca de 700 dessas crianças, geralmente com menos de 5 anos, tinham recordações tão claras de supostas vidas anteriores que se lembravam de seu antigo nome, do endereço onde tinham vivido, do nome de parentes, e de detalhes muito específicos, porém triviais, de destas vidas – detalhes que Stevenson muitas vezes deixa claro que não poderiam se lembrar, ou conhecer, por “vias usuais”... No entanto, uma das críticas mais costumeiras acerca de seu extenso trabalho é que a grande maioria dos casos ocorreu em países onde a crença na reencarnação é comum. Apesar de isso de forma alguma negar a totalidade da “materialidade” dos registros de Stevenson, para muitos céticos e leigos pareceu um argumento (na verdade, mais uma falácia) forte o suficiente para que classificassem a pesquisa de uma vida toda como pseudociência.
Felizmente, outros parapsicólogos continuaram o trabalho de Stevenson, como o Dr. Jim Tucker, da Universidade de Virgínia, e Carol Bowman. Autora de livros sobre o assunto, Carol teve a oportunidade de acompanhar de perto um dos casos mais “fortes” de reencarnação ocorrido no Ocidente: O caso do garoto James Leininger, filho de pais que não acreditavam na reencarnação, mas foram obrigados a mudar sua crença devido aos detalhes assombrosos citados por seu filho desde ainda muito jovem, quando afirmava ter sido um piloto americano da Segunda Guerra Mundial, que teve seu avião abatido no Japão (esta história é tão impressionante que o garoto chegou a identificar sozinho o local onde seu avião havia caído, quando viajou pela primeira vez ao local da tragédia de uma suposta vida passada – e este momento foi filmado em um documentário) [2]. A despeito da posterior “midiatização” do caso de Leininger, de início tudo foi registrado apenas por seu pai (que por anos permaneceu cético), e era inteiramente desconhecido da mídia “especializada” (claro, a crítica vale tanto lá quanto cá).
Estudos como estes, apesar de trazerem “materialidade” muito mais “paupável” do que a do capacete de deus, são efusivamente ignorados pela Academia, que geralmente se limita a informar “que não provam nada”... Ora, mas é claro que não provam nada, assim como o capacete de deus tampouco prova, assim como a Teoria das Cordas, o materialismo ou o dualismo são apenas teorias. Embora sejam paupáveis, tais estudos não chegam nem perto do número de evidências exigido para mudar o paradigma do pensamento científico mundial, tal como ocorreu com a Teoria de Darwin-Wallace... Não estou querendo dizer que provam algo, apenas que parecem mais paupáveis do que o “conto do capacete”; E, no entanto, o capacete de deus mereceu dúzias de holofotes da mídia “especializada”, enquanto que o estudo de Stvenson (e seus continuadores) até hoje se limitou a receber uma luz de 60 watts – ainda assim, talvez porque Sagan tenha se lembrado de citá-lo em sua “bíblia do ceticismo”, O mundo assombrado pelos demônios.
É claro que ninguém é 100% cético, a questão filosófica de que nada garante que o que a mente percebe do mundo é realidade ou ilusão, ou mesmo a questão científica de que nada garante que a gravidade continuará a funcionar, estável, pelas próximas 24 horas, são apenas questões que “pensadores” fazem dentro das quatro paredes de suas salas acadêmicas (ou talvez em algum pub, regados à cerveja), mas que não são levadas a cabo no restante das horas de seus dias... Mas o ceticismo deve ao menos tentar ser multidirecional, apostar igualmente em teorias monistas ou dualistas, reducionistas ou metafísicas, espiritualistas ou materialistas, afinal a ciência não é e nunca foi ideologia – e esperamos que não se torne uma no futuro.
Nos estudos de experiências de morte, ou quase morte (EQMs), do Dr. Sam Parnia [3], há relatos de experiências “estranhas” ocorridas supostamente enquanto o cérebro dos pacientes estava em “atividade zero”. Tais pacientes eram crianças, jovens e idosos; eram crentes e descrentes, cientistas e não cientistas, espiritualistas e materialistas, etc. Mas quase todos afirmaram ter passado por experiências únicas, das quais irão se lembrar pelo restante de seus dias [3]. Acredito que seja mais sábio não esperarmos por um evento de quase morte, nem por um “capacete miraculoso”, para podermos nos iniciar nesse tipo de experiência. O amor, pelo menos, está ao alcance de todos nós – se vamos ser céticos quanto a Deus ou ao espírito (sejam o que forem exatamente, seja o que cada um acha que são), que pelo menos creiamos no amor. Apesar de ser fogo que queima sem se ver, ele parece existir, ele parece arder, e esperamos que não seja mais uma ilusão.
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[1] Um dos 20 casos do livro está transcrito (de forma bastante resumida, entretanto) no meu blog: “Caso Parmod”.
[2] Para saber mais sobre esse caso extraordinário, recomendo ler A volta, por Bruce e Andrea Leninger, com auxílio de Ken Gross. Editora Bestseller. Ainda é relativamente simples achá-lo na sessão “espiritismo” de grandes livrarias, como a Saraiva.
[3] Parece que recentemente deletaram a entrada do Dr. Sam Parnia na Wikipedia... Talvez mais uma influência dos céticos unidirecionais, e de seu julgamento sobre o que é e o que não é relevante sabermos. Entretanto, felizmente ainda é possível buscar por seu nome e encontrar vários resultados.
[4] Ver também minha série de artigos: “Quase morte”.
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Crédito da foto: Mirropix (família Leninger)
Marcadores: artigos, artigos (151-160), budismo, ceticismo, ciência, crianças que lembram vidas passadas, eqm, espiritualidade, Ian Stevenson, meditação, neurologia, parapsicologia
5 comentários:
Apesar de ser um ateu(mas não ser um anti teísta),consigo entender perfeitamente isso . É impressionante ver a quantidade de "céticos" que possuem uma posição ideológica tão fanática quanto à dos fundamentalistas teístas . Felizmente,existe céticos que percebem que o significado do ceticismo é questionar a suas próprias crenças e não temer abandonar las .
Vou me dedicar a ler essa matéria com mais cuidado nos próximos dias, pois hj conheci seu blog e fiz uma leitura dinâmica, e muito me interessou!
abraço
Sandra
http://projetandopessoas.blogspot.com//
@Anônimo: Exatamente... As vezes, nem é questão de abandonar as próprias crenças, mas simplesmente de reconhecer que outras crenças não são assim tão absurdas e implausíveis quanto acreditávamos, talvez, por falta de conhecimento.
@Sandra: Seja bem vinda. Uma boa forma de conhecer mais o blog é verificar os links do menu acima (abaixo da logo), ou as "Reflexões" na coluna direita. Abraços!
Muito boa essa série de posts. Parabéns.
É interessante notar como nosso mundo é formado por diversas teorias, e que novas são criadas todos os dias. Então, quando uma nova teoria é criada, e devidamente experimentada, é como se aquele mundo da teoria antiga terminasse. Ao menos às pessoas que escolheram o novo paradigma.
Estou curioso para ver o resultado do experimento com EQM em que são colocados vários objetos em hospitais a serem identificados pelos pacientes que sofreram a sensação de quase morte. Abraço
Obrigado, Gustavo.
Realmente, acho que muita gente (crentes e céticos) está muito curiosa acerca do resultado dos experimentos do Dr. Sam Parnia com EQMs... Mas parece que ele não tem nenhuma pressa em divulgar "resultados prévios", imagina se tivesse...
Abs
raph
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