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9.2.12

3 chimpanzés

Incrustados no meio da África vivem os animais que mais se assemelham aos seres humanos em termos genéticos. Compartilhamos aproximadamente 98 a 99% de seu DNA, e ainda assim somos muito distintos, principalmente devido as formidáveis capacidades do órgão que trazemos dentro da cabeça. Mas, será que somos tão diferentes assim?

Os chimpanzés se separaram do tronco evolutivo de nosso misterioso ancestral comum por volta de 4 a 7 milhões de anos atrás, talvez até mais. São animais que costumam andar pelo solo, embora ainda usando as mãos como apoio, e se alimentam, sobretudo, de frutas, folhas, sementes e pequenos animais que cruzam seu caminho. Durante os dias, nas planícies africanas, podem ser vistos nos galhos das árvores, aproveitando a sombra e mordiscando frutas... Como nós, são animais sociais, que vivem em grupos de apenas uns 5 até mais de 100 indivíduos. Aparentemente possuem culturas diferentes, dependendo da região em que habitam, e são capazes de ensinar técnicas rudimentares de uma geração a outra: uso de gravetos para extração de cupins de um cupinzeiro; uso e fabricação de pedras específicas, usadas como ferramenta para quebrarem sementes e frutos; e até mesmo ferramentas adaptadas para caça de pequenos mamíferos, algo bem mais raro.

Olhar os chimpanzés pode às vezes parecer uma experiência que transcende nossa espécie e nosso tempo: de certa forma, olhamos para aquilo que fomos, ou algo muito próximo, há milhões de anos atrás. Por exemplo, às fêmeas chimpanzés possuem hábitos mais solitários, passando a maior parte do tempo sozinhas. Nesses grupos, os machos dominantes exercem seu poder através de pura agressividade, sobre as fêmeas e os outros machos mais jovens ou fracos. Nesse sentido, a vida sexual dos chimpanzés não difere tanto assim da de outros primatas, como os gorilas, e nesse ponto o ser humano parece se distinguir totalmente: afinal, fazemos sexo não apenas para procriação, mas também e, principalmente, por prazer, e por amor...

Os estudiosos perceberam apenas em 1928 que os bonobos formavam uma família diferente dentro da espécie dos chimpanzés, com um comportamento muito peculiar, em que o sexo está em primeiro lugar, funcionando como substituto da agressividade. O bonobo é um dos raros animais para quem não existe relação direta entre sexo e reprodução. Ou seja, como os humanos, eles fazem mais amor do que filhos. Ao contrário da maioria dos primatas, a sociedade dos bonobos é dominada pelas fêmeas e não pelos machos.

Estudiosos como o antropólogo Richard Wrangham – autor de Demoniac males [1] – especulam que isso ocorreu pelo fato de, entre os bonobos, os vínculos mais duráveis se estabelecem entre as fêmeas, que passam grande parte do tempo em atividades sociais ou em brincadeiras sexuais. Wrangham acredita que essa organização social é resultado do tipo de alimentação desses macacos, que se adaptaram a comer frutos e pequenos animais, como os chimpanzés, além de folhas e raízes, como os gorilas. A facilidade de obter alimentos desestimulou o desenvolvimento da agressividade dos machos, mas incentivou as alianças entre as fêmeas. Essas alianças acabam resultando em mais poder para quem as estabelece.

Mas a “sociedade matriarcal dos bonobos” só se torna efetivamente possível porque, ao contrário da maioria das fêmeas de outras espécies, que só são receptivas ao sexo no período fértil, às fêmeas bonobos são atrativas e ativas sexualmente durante quase todo o tempo. Além de intensa atividade sexual com seus parceiros, em que tomam a iniciativa, elas simulam relações com outras fêmeas – é justamente através do sexo que estabelecem as alianças entre si. Os machos também participam dessa espécie de homossexualismo light. As atividades eróticas dos bonobos compreendem ainda sexo oral, masturbação mútua e beijos de língua.

Um dos “inconvenientes” da sociedade dos bonobos é que incestos e pedofilia são relativamente comuns... Isso parece ter sido motivo suficiente para muitos ditos cristãos demonizarem a espécie inteira, como se outras espécies também não praticassem incesto e pedofilia (e coisas muito piores). Na verdade, o problema com os bonobos é que eles fazem sexo, muito sexo, e nisso lembram a nós mesmos. Como sabemos, por muitos séculos, principalmente na Idade Média, o sexo foi considerado sujo, condenado e sentenciado as trevas... Mesmos nos dias atuais, em que o ímpeto sexual humano parece explodir de forma descontrolada, como rio há muito tempo represado, que finalmente rompe a represa, ainda há muita gente “conservadora e religiosa”, que abomina a visão de uma sociedade humana se parecendo com uma sociedade de bonobos.

Mas, será que temos lembrado mais os bonobos ou os chimpanzés? É preciso lembrar que para os bonobos o sexo é um elemento central de redução da agressividade nas relações entre os indivíduos. Embora já tenham sido registrados casos até mesmo de canibalismo entre os bonobos, estes são raríssimos – os bonobos, quando comparados aos chimpanzés, seriam uma sociedade de gandhis e madres teresas, ao menos no quesito agressividade. Nós, humanos, entretanto, temos sido ainda mais agressivos que os chimpanzés, com nossa própria espécie, com as outras, e com o meio ambiente como um todo.

Alguns nos chamam de “terceiro chimpanzé” [2], mas é óbvio que, ao mesmo tempo em que estamos conectados a todas as outras espécies na árvore da vida, temos uma diferença imensa de todas elas: a consciência humana, única em sua racionalidade e espiritualidade. Os chimpanzés fazem parte dos poucos animais que conseguem se reconhecer no espelho, e sob muitos aspectos parecem mesmo conosco, mas foi exatamente a nossa imensa inteligência que possibilitou que, dentre outras coisas, destruíssemos seu habitat natural até que entrassem na lista de espécies ameaçadas de extinção, da qual dificilmente sairão um dia... Não, nós não temos sido primatas promíscuos, que fazem sexo a torto e a direito, nós temos sido algo muito pior do que isso: primatas dominantes sedentos por territórios e recursos naturais, que não expulsam os outros primatas de seus territórios natais com grunhidos e intimidação, mas com fogo, pólvora, bombas e estranhas doutrinas religiosas.

O sexo humano pode sim se desencaminhar para a promiscuidade total, a pedofilia e outras bizarrices, mas ainda assim, na “escala de escuridão” em que os ditos cristãos o colocaram, ainda está muito, muito mais próximo da luz do que a agressividade, a intolerância e o fanatismo. Não foram os bonobos quem enviaram bombas atômicas para cidades de nações rendidas, ou adolescentes com bombas na cintura para se explodirem em mercados e praças públicas, não foram nem mesmo os chimpanzés – foram nós, os humanos.

Porém, ainda assim é tarde para ser pessimista: enquanto este mundo tem girado em torno de uma pedra ardente, de alguma forma as consciências dos homo sapiens tem despertado, uma a uma, e se dado conta de que estamos aqui não para sobreviver e domesticar a Natureza, mas, pelo contrário: para viver, e exaltar esta mesma força da vida que nos deu os chimpanzés e os bonobos, e todos os outros seres desta Terra, não através de um decreto divino, mas através de um mecanismo divino que tem evoluído ao longo das eras nas formas mais belas e surpreendentes; e do qual é o sexo, não a agressividade, o grande motor.


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[1] Apenas um título infeliz (“Machos demoníacos”) para um livro onde ele e o jornalista Dale Peterson discutem as semelhanças e diferenças entre chimpanzés, bonobos e seres humanos.

[2] Numa alusão aos outros dois chimpanzés: o chimapanzé-comum (Pan troglodytes) e o bonobo (Pan paniscus).

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» Veja também: 3 chimpanzés: um complemento

Crédito da foto: Fiona Rogers/Corbis (nem queira saber...)

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5 comentários:

Anonymous Anônimo disse...

É interessante como o ser humano conseguiu se perceber como algo totalmente distinto do resto, apesar de não o ser. Quantas espécies foram necessárias para criar cada passo evolutivo e ramificar a vida na diversidade que temos? Cada vez que olhamos para trás vemos um ancestral comum entre algumas espécies e mais para trás, de famílias inteiras, em termos biológicos evolutivos, história marcada via DNA. Fora isso, o ciclo da água, do carbono, do nitrogênio e tudo o mais, embaralhando tudo na matéria do mundo e por que não dizer, na alma do mundo. Mas mesmo assim, nos achamos isolados de todo o resto...
Por termos atingido o tipo de consciência que atingimos, o conhecimento e o poder que obtemos, não há mais como desaperceber que a sustentabilidade depende agora de todos nós e que da mesma forma que temos o direito de estar aqui, devemos manter o direito dos outros irmãos: sejam humanos, animais ou plantas. É claro que não podemos fazer fotossíntese, mas temos que respeitar o que está a nossa volta, mesmo os que nos alimenta e vai fazer parte de nós mesmos.
Quanto ao sexo, é uma das muitas formas de interrelação e isso é o que há de mais divino na dualidade: a capacidade de interagir. Resta saber se saberemos interagir de forma equilibrada e prazeirosa, propiciando as condições para que a evolução continue com seu brinquedo e nele, percebamos a unidade deste sistema tão multifragmentado...
Há uma metáfora que sempre tenho em mente: o que seria de um corpo, no qual algumas células tenham consciência? Elas iriam querer crescer, inchar e multiplicar a si mesmas, transformando tudo em réplicas de si, como um câncer incômodo, ou entenderiam o papel a desempenhar na manutenção do corpo e o fariam de modo melhor, sendo conscientes?
Abraços e obrigado por fazer refletir sobre isso novamente...

9/2/12 17:57  
Blogger raph disse...

Exato, é uma bela metáfora:

Células a se replicar e conquistar "território" das outras células nada mais são do que um câncer no sistema.

Mas, células a se replicar e interagir, contribuir com as outras células e todo o sistema nada mais são do que a própria vida, a teia da vida!

Acho que o Chefe Seattle, do jeito dele, também já saia disso:

"Sabemos que a terra não pertence ao homem. O homem pertence à terra. Todas as coisas são interligadas, como o sangue que nos une. O homem não tece a teia da vida - ele é apenas um fio dela. O que fizer à teia, fará a si mesmo.

O destino de vocês é um mistério para nós. O que vai acontecer quando todos os búfalos forem sacrificados? O que vai acontecer quando os recantos secretos da floresta estiverem passados com o odor de inúmeros homens e a vista das colinas verdejantes se macular com os fios que falam?

Será o fim da vida e o começo da sobrevivência. Quando o último pele-vermelha sumir com a natureza selvagem, e sua lembrança for só a sombra de uma núvem sobre a planície, essas praias e florestas ainda estarão aqui? Terá sobrado algum espírito do meu povo?"

Trecho da Carta ao presidente americano

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Abs e obrigado pelo comentário.
raph

10/2/12 09:55  
Anonymous Anônimo disse...

Adoro esse texto que voce citou. O mundo foi feito para ser compartilhado. O único território a ser conquistado, são os nossos próprios pensamentos, nossas mentes...
Abraços

10/2/12 17:28  
Blogger raph disse...

Ser imperador não de territórios, mas de si mesmo. Que conquistar o mundo e estender um império até que o sol jamais se ponha nada significa, se em nossa alma o sol ainda sequer nasceu.

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Mas quem é você? Se não quiser dizer o nome, coloque um pseudônimo qualquer apenas para eu identificar que é a mesma pessoa em comentários diversos... Quem sabe, "Admin"...

Abs
raph

10/2/12 17:57  
Blogger Unknown disse...

Show de bola, Raph! Curti muito esse texto!
Se o sexo fosse o maior de nossos problemas, o mundo humano seria muito mais bonito e amoroso!

15/2/12 14:48  

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