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17.8.12

Vinho, Luz e Silêncio

É uma sexta-feira à noite e estou mergulhado na poesia de Rumi. Por falta de livros em português, fui atrás de traduções de Rumi para o inglês. Após haver lido alguns poemas extraordinários, pensei: hoje à noite não vou jogar videogame, vou traduzir esses poemas de Rumi.

Vinho para se embriagar com o sagrado, alma aberta para refletir a Luz adiante, e Silêncio para que possamos escutar aos ecos da eternidade...


[Cada nota]

O conselho não ajuda aos amantes!
Eles não são do tipo de corrente d’água da montanha
que você possa represar.

Um intelectual não compreende
o que um embriagado está sentindo!

Não tente adivinhar
o que aqueles perdidos dentro do amor
farão a seguir!

Alguém no comando abdicaria de todo o seu poder,
se ele apanhasse uma lufada de almíscar do vinho
aberto no quarto onde os amantes
estão fazendo sabe lá o que!

Um deles tenta cavar um túnel através da montanha.
Outro foge das honrarias acadêmicas.
Enquanto outro ri do bigode dos famosos!

A vida congela se não abocanha um pedaço
deste bolo de amêndoa.

As estrelas vêm girando a cada noite,
aturdidas no amor.
Do contrário estariam hoje cansadas,
de todo este rodopio.
E diriam, “Até quando teremos de fazer isso!”

Deus pega a flauta de cana do mundo e sopra.
Cada nota é uma carência passando através de um de nós,
uma paixão, a dor de uma saudade.

Lembre dos lábios
onde o sopro se originou,
e deixe sua nota soar livre.
Não tente interrompê-la.
Seja a sua nota.
Eu lhe mostrarei como isso já basta.

Suba no telhado ao anoitecer
nesta cidade da alma.

Deixe que todos subam em seus telhados
e cantem suas notas!

Cantem alto!

***

[Com você aqui no meio]

Os amantes trabalham, de modo que quando corpo e alma
não mais estiverem juntos,
seu amor será livre.

Banhe-se na água da sabedoria, de modo que não tenha arrependimentos
de seu tempo neste mundo.

O amor é o núcleo vital da alma,
e de tudo o que vê, apenas o amor é infinito.

Sua não existência antes de seu nascimento
é o céu no leste.

Sua morte está no horizonte oeste
com você aqui no meio.

O caminho não leva nem ao leste nem ao oeste,
mas para dentro.

Bata suas asas de amor e as faça fortes.
Esqueça a ideia das escadas religiosas.
O amor é o telhado. Seus sentidos são calhas d’água.

Beba a chuva diretamente do telhado.
Calhas são facilmente quebradas
e por vezes precisam ser trocadas.

Recite este poema em seu peito.
Não se preocupe como ele soa
passando por sua boca.

Um corpo humano é um arco.
Respiração e linguagem são flechas.

Quando a aljava está gasta ou as flechas se acabaram,
não há nada mais para o arco realizar.

***

[O sonho que precisa ser interpretado]

Este lugar é um sonho.
Somente alguém adormecido o considera real.

A morte chega com o amanhecer,
e você acorda gargalhando
do que pensava ser sua aflição.

Mas existe uma diferença neste sonho.
Toda ação cruel e inconsciente
realizada na ilusão do mundo presente,
nada disso se esvai no despertar da morte.

Tudo isso persiste,
e precisa ser interpretado.

Todos os risos mesquinhos,
todo fugaz desejo sexual,
estes mantos rasgados de Josué,
transformam-se em lobos ferozes
que terás de enfrentar.

A retaliação que por vezes chega agora,
o repentino contra golpe,
é apenas brincadeira de criança,
comparado com os outros.

Aqui você sabe da circuncisão.
Lá é a castração total!

E este tempo cambaleante em que vivemos,
eis ao que ele se assemelha:

Um homem vai dormir na cidade em que sempre viveu, e ele sonha que está morando noutra cidade.
No sonho, ele não lembra mais da cidade onde seu corpo está adormecido na cama. Ele crê na realidade da cidade do sonho.

O mundo é este tipo de sonho.

A poeira de muitas cidades em ruínas
instala-se sobre nós como um cochilo,
mas somos mais antigos do que tais cidades.

Nós iniciamos como um mineral. Emergimos na vida vegetal
e então no estado animal, e depois no ser humano,
e sempre temos esquecido dos nossos estados anteriores,
exceto no início da primavera quando lembramos brevemente
sermos novamente verdes.

É assim que um jovem se volta para um professor.
É assim que um bebê se inclina para os seios,
sem saber do segredo de seu desejo,
inclinando-se instintivamente.

A humanidade vem sendo conduzida por um curso evolutivo,
através desta migração de inteligências,
e apesar de aparentemente estarmos adormecidos,
há uma vigília oculta
que direciona o sonho,

e isto eventualmente irá nos espantar de volta
para a verdade do que somos.


(Poemas de Jalal ud-Din Rumi. Refletidos do inglês para o português por Rafael Arrais)

***

Crédito da foto: Wildlifewatcher

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2 comentários:

Anonymous Anônimo disse...

São lindos! é uma pena que eu não leia bem poemas em ingles. Meu ingles é intermediário, consigo ler e entender a casca, mas a mente se prende na tradução, pq ainda não penso em ingles. é um ingles que serve para leitura técnica e só. Acho que enquanto nao se pensa em uma lingua, se perde muito da leitura poética, pq vc não flui no ritmo certo, vc fica procurando o sentido das palavras na mente e o sentir verdadeiro fica para segundo plano.
Espero que faça novas traduções. :)

18/8/12 11:08  
Blogger raph disse...

É verdade. Mas os poemas de Rumi facilitam muito o entendimento, afinal o inglês já é uma tradução do árabe, e ainda assim o sentido permanece lá, surpreendente, construído na maioria das vezes por palavras simples, do cotidiano. As metáforas de Rumi sempre citam termos, formas, animais e plantas conhecidos de todos.

O que gostaria mesmo era de poder ler em árabe, pois a maior parte das poesias de Rumi é pura música, que ele recitava sabe-se lá como enquanto rodopiava em torno de um centro que só ele via.

Abs
raph

19/8/12 13:24  

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