Vinho, Luz e Silêncio
 
É uma sexta-feira à noite e estou mergulhado na poesia de Rumi. Por falta de livros em português, fui atrás de traduções de Rumi para o inglês. Após haver lido alguns poemas extraordinários, pensei: hoje à noite não vou jogar videogame, vou traduzir esses poemas de Rumi.
Vinho para se embriagar com o sagrado, alma aberta para refletir a Luz adiante, e Silêncio para que possamos escutar aos ecos da eternidade...
[Cada nota]
    
  O conselho não ajuda aos amantes!
  Eles não são do tipo de corrente d’água da montanha
  que você possa represar.
Um intelectual não compreende
  o que um embriagado está sentindo!
Não tente adivinhar
  o que aqueles perdidos dentro do amor
  farão a seguir!
Alguém no comando abdicaria de todo o seu poder,
  se ele apanhasse uma lufada de almíscar do vinho
  aberto no quarto onde os amantes
  estão fazendo sabe lá o que!
Um deles tenta cavar um túnel através da montanha.
  Outro foge das honrarias acadêmicas.
  Enquanto  outro ri do bigode dos famosos!
A vida  congela se não abocanha um pedaço
  deste bolo  de amêndoa.
As estrelas  vêm girando a cada noite,
  aturdidas  no amor.
  Do contrário estariam hoje cansadas,
  de todo  este rodopio. 
  E  diriam, “Até quando teremos de fazer isso!”
Deus  pega a flauta de cana do mundo e sopra.
  Cada  nota é uma carência passando através de um de nós,
  uma paixão,  a dor de uma saudade.
Lembre  dos lábios
  onde o  sopro se originou,
  e deixe  sua nota soar livre.
  Não  tente interrompê-la.
  Seja a sua nota.
  Eu lhe  mostrarei como isso já basta.
Suba no  telhado ao anoitecer
  nesta cidade  da alma.
Deixe  que todos subam em seus telhados
  e cantem  suas notas!
Cantem alto!
***
[Com você aqui no meio]
    
  Os amantes trabalham, de modo que quando corpo e alma
  não mais estiverem juntos,
  seu amor  será livre.
Banhe-se  na água da sabedoria, de modo que não tenha arrependimentos
  de seu  tempo neste mundo.
O amor é  o núcleo vital da alma,
  e de  tudo o que vê, apenas o amor é infinito.
  
  Sua não existência antes de seu nascimento
  é o céu  no leste.
Sua  morte está no horizonte oeste
  com você  aqui no meio.
O caminho  não leva nem ao leste nem ao oeste,
  mas para  dentro.
Bata  suas asas de amor e as faça fortes.
  Esqueça  a ideia das escadas religiosas.
  O amor é  o telhado. Seus sentidos são calhas d’água.
Beba a  chuva diretamente do telhado.
  Calhas  são facilmente quebradas
  e por  vezes precisam ser trocadas.
Recite  este poema em seu peito.
  Não se  preocupe como ele soa
  passando  por sua boca.
  
  Um corpo humano é um arco.
  Respiração  e linguagem são flechas.
  
  Quando a aljava está gasta ou as flechas se acabaram,
  não há  nada mais para o arco realizar.
***
[O sonho que precisa ser interpretado]
    
  Este lugar é um sonho.
  Somente alguém  adormecido o considera real.
A morte  chega com o amanhecer,
  e você  acorda gargalhando
  do que  pensava ser sua aflição.
Mas  existe uma diferença neste sonho.
  Toda  ação cruel e inconsciente
  realizada  na ilusão do mundo presente,
  nada disso  se esvai no despertar da morte.
Tudo  isso persiste,
  e precisa  ser interpretado.
  
  Todos os risos mesquinhos,
  todo  fugaz desejo sexual,
  estes mantos  rasgados de Josué,
  transformam-se  em lobos ferozes
  que terás  de enfrentar.
A  retaliação que por vezes chega agora,
  o repentino  contra golpe,
  é apenas  brincadeira de criança,
  comparado  com os outros.
Aqui  você sabe da circuncisão.
  Lá é a  castração total!
E este  tempo cambaleante em que vivemos,
  eis ao  que ele se assemelha:
  
  Um homem vai dormir na cidade em que sempre viveu, e ele sonha que está morando  noutra cidade.
  No sonho, ele não lembra mais da cidade onde seu corpo está adormecido na cama.  Ele crê na realidade da cidade do sonho.
O mundo é este tipo de sonho.
A poeira  de muitas cidades em ruínas
  instala-se  sobre nós como um cochilo,
  mas  somos mais antigos do que tais cidades.
Nós  iniciamos como um mineral. Emergimos na vida vegetal 
  e então  no estado animal, e depois no ser humano,
  e sempre  temos esquecido dos nossos estados anteriores,
  exceto  no início da primavera quando lembramos brevemente
  sermos  novamente verdes.
É assim  que um jovem se volta para um professor.
  É assim  que um bebê se inclina para os seios, 
  sem saber  do segredo de seu desejo,
  inclinando-se  instintivamente.
A  humanidade vem sendo conduzida por um curso evolutivo,
  através desta  migração de inteligências,
  e apesar  de aparentemente estarmos adormecidos,
  há uma  vigília oculta
  que  direciona o sonho,
e isto  eventualmente irá nos espantar de volta
para a  verdade do que somos.
(Poemas de Jalal ud-Din Rumi. Refletidos do inglês para o português por Rafael Arrais)
***
Crédito da foto: Wildlifewatcher
Marcadores: autores selecionados, autores selecionados (121-130), espiritualidade, poesia, poesia (91-100), Rumi, sufismo
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2 comentários:
São lindos! é uma pena que eu não leia bem poemas em ingles. Meu ingles é intermediário, consigo ler e entender a casca, mas a mente se prende na tradução, pq ainda não penso em ingles. é um ingles que serve para leitura técnica e só. Acho que enquanto nao se pensa em uma lingua, se perde muito da leitura poética, pq vc não flui no ritmo certo, vc fica procurando o sentido das palavras na mente e o sentir verdadeiro fica para segundo plano.
Espero que faça novas traduções. :)
É verdade. Mas os poemas de Rumi facilitam muito o entendimento, afinal o inglês já é uma tradução do árabe, e ainda assim o sentido permanece lá, surpreendente, construído na maioria das vezes por palavras simples, do cotidiano. As metáforas de Rumi sempre citam termos, formas, animais e plantas conhecidos de todos.
O que gostaria mesmo era de poder ler em árabe, pois a maior parte das poesias de Rumi é pura música, que ele recitava sabe-se lá como enquanto rodopiava em torno de um centro que só ele via.
Abs
raph
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