Jesus e Buda viviam na multidão
Qual é a melhor: a vida ativa ou a vida contemplativa? O simbolismo dessa pergunta está presente na história de Maria e Marta. Falo um pouco mais sobre isso aqui.
A resposta politicamente correta, a resposta mais bela e que vai agradar mais a todos é dizer simplesmente: um caminho não é melhor que o outro; um precisa do outro, um se alimenta do outro. Ninguém é completamente ativo ou completamente contemplativo. Os dois são importantes e cada pessoa se inclina um pouco mais para um ou para outro, conforme seu coração se sinta chamado, ou Deus te chame.
Eu concordo com essa resposta. Não vejo nada de errado nela. Não acho que discutir essa questão em termos de melhor ou pior vá trazer benefícios, mas disputas desnecessárias.
Porém, se buscamos alguma clareza para investigar nosso próprio caminho e inclinações, quem sabe ajude refletir um pouco sobre tudo isso.
A tendência da época em que vivemos é sermos mais ativos do que contemplativos. Mas as pessoas estão tão estressadas e cansadas que encontram uma cura em atividades como meditações. Assim, elas encontram um equilíbrio e descobrem que meditar alguns minutos por dia na verdade as tornam ainda mais produtivas na vida ativa.
Esse também é o valor de se ter períodos de lazer e de descanso. Não é apenas um grande número de horas de ações, sem intervalos, que vai te tornar mais produtivo. Madre Teresa costumava dizer que desde que se adicionou uma hora diária de Adoração Eucarística para as irmãs, as Missionárias da Caridade, tudo se tornou melhor e mais leve, e parecia que havia ainda mais tempo para as outras coisas.
Dependendo do meio em que você está, a tendência é se defender mais a vida ativa ou mais a vida contemplativa. Como já foi dito, no período em que vivemos há um grande foco em ser “Marta”, em ser ativo ou “produtivo”. Por outro lado, se você está num mosteiro ou falando de espiritualidade em geral, é comum se focar na importância de períodos de silêncio e solidão.
Onde podemos buscar uma resposta, então? Podemos observar como Jesus e Buda viveram.
Jesus passou a maior parte de sua vida “escondido”. Não sabemos quase nada sobre os primeiros 30 anos de sua vida. Mas sabemos que logo antes de iniciar sua vida pública, ele fez um jejum por 40 dias no deserto.
Depois disso, ele passou a maior parte dos próximos 3 anos de sua vida ensinando, junto com a multidão. Mas mesmo nessa época mais agitada e ativa de sua vida, ele sempre se recolhia em alguns momentos do dia para rezar.
Disso talvez possamos concluir que a parte mais importante da vida de Jesus foi sua vida pública. Mas ela não se iniciou antes de uma grande preparação contemplativa. E mesmo na época pública, Jesus tinha seus momentos de contemplação.
Buda, assim como Jesus, passou os primeiros 29 anos de sua vida com sua família, tendo uma vida normal. Foi somente depois disso que ele iniciou sua etapa contemplativa. No caso de Jesus, ela durou 40 dias. No caso de Buda foram em torno de 4 ou 5 anos, até ele atingir a iluminação.
Conforme nos conta a história, o demônio Mara tentou convencer Buda a continuar meditando para sempre após atingir a iluminação, porque os olhos das pessoas estavam cheios de poeira e elas não iriam entender seus ensinamentos. Porém, por mais que fosse confortável continuar ali meditando e guardar tudo aquilo para si, Buda replicou para Mara: “algumas pessoas vão entender”.
Buda levantou-se e passou as próximas décadas de sua vida, até os 80 anos, vivendo com a multidão. Ele ensinou tanto para seus discípulos, os monges, como para o povo e para os reis. Da mesma forma que Jesus ensinava tanto para os apóstolos como para o povo.
Buda também alternava períodos de vida ativa com uma vida contemplativa. Na estação das chuvas ele e seus discípulos permaneciam num único lugar e passavam esse tempo focando-se nas meditações.
Enquanto Jesus passou por 40 dias de vida exclusivamente contemplativa seguidos por 3 anos de vida predominantemente ativa (com momentos de contemplação a cada dia), Buda passou por 5 anos de vida exclusivamente contemplativa, seguidos por cerca de 45 anos de vida predominantemente ativa (com períodos de meditação todos os dias e cerca de 2 meses de retiro por ano, na estação das chuvas).
Eu acredito que a vida dessas duas figuras extraordinárias nos mostra a importância da vida ativa. Porém, também nos mostra um detalhe fundamental: o quão relevante é termos um período exclusivo e intensivo de retiro, de vida contemplativa, antes de mergulharmos numa etapa mais longa de vida ativa. E como é imprescindível, mesmo em meio à vida ativa, termos um período a cada dia para contemplação. E, a cada ano, reservarmos alguns dias ou semanas para uma contemplação um pouco mais longa, pois isso nos alimenta, nos fortalece.
Essa contemplação pode se dar de muitas formas: meditação, oração, solidão, silêncio, leituras espirituais ou alguma outra maneira que nos inspire.
A importância da contemplação não é apenas descansar, mas nos conectar com o sagrado, dentro e fora de nós. Também é um período de reflexão.
A importância da ação é nos voltarmos para o mundo, para as outras pessoas, e trocarmos experiências, na forma de palavras e vivências. Cada um vai descobrir a sua forma única de fazer isso.
Wanju Duli é escritora – Contato: facebook.com/WanjuDuIi
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Crédito da imagem: Bijoy Thomas
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