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30.5.15

O país do futuro

No país do futuro
há muitas criancinhas
que brincam pelas ruas
de catar balas de fuzil
dos tiroteios das madrugadas;
enquanto outras, mais grandinhas,
que já aprenderam a correr e pular,
brincam de subir o morro e gritar:
Vem aí os alemão!

No país do futuro
há jovens sem pai nem mãe
nem escola nem sociedade...
O que eles querem?
O tênis da moda,
a camisa do shopping,
o celular novo do comercial...
Mas, como já disse o poeta,
o seu cartão de crédito
é uma navalha.

No país do futuro
os homens de bem se trancam
em suas vilas, condomínios,
e malls maravilhosos,
cheios de grades, câmeras
e sentinelas...
Mas, quando se arriscam a sair
e apreciar a paisagem,
muito cuidado!
Eis que podem ser perfurados
pela realidade!

No país do futuro
há muitos que parecem temer
que todos esses que vivem nas encostas
subitamente resolvam descer ao asfalto,
juntos, e revoltados...
Porém, há muitos que se entreolham
nas praias, nos parques, nos estádios,
e nas vias comuns,
e indagam a si mesmos:
Mas não disse o rabi
que éramos todos irmãos?

No país do futuro,
que importa, afinal,
quem sobe
e quem desce?

No entanto, no país do hoje,
é preferível ainda
enviar todas essas criancinhas,
e jovens, e seres
condenados a viver a margem
para os morros
e as masmorras,
a depender, é claro,
do merecimento de cada um!

Depois ainda não sabem
porque diabos esse tal futuro
não chega nunca...


raph'15

***

Crédito da foto: Wilton Júnior/AE

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28.5.15

Novo layout

Se tivessem me avisado há 15 dias que o meu blog estaria de layout inteiramente renovado hoje, eu acharia graça... No entanto, como é muito comum com aqueles que seguem neste caminho intuitivo da espiritualidade, há alguns dias eu meio que recebi um “comando”:

Vai lá, renova o layout do seu blog rapaz!

Para que exatamente vai servir, não sei. Mas fato é que aqui está, done and done :)


Seguem alguns dos objetivos que tive em mente neste novo visual [1]:

1. Simplificar a quantidade de informação na tela
(não se preocupem, quase todos os links do layout anterior serão eventualmente redistribuídos entre as novas páginas de Sobre o blog e Links).

2. Ter uma versão mais decente para tablets e smartphones
(como trabalho na área, recentemente descobri que cerca de 60% do tráfego na web já ocorre via dispositivos móveis, portanto estou pressupondo que já tenha muitos leitores que usam tablets e smartphones para acessar o blog [2]).

3. Reapresentar o Textos para Reflexão aos novos leitores
(com o relativo sucesso do blog e, principalmente, das Edições Textos para Reflexão, estamos recebendo muita gente que não conhece o blog e nem foi apresentado a ele via Teoria da Conspiração, daí a necessidade de ter uma página de Sobre o blog melhor elaborada).


Então é isso, gostaria de agradecer imensamente aos leitores que me acompanham há anos, aos que chegaram por agora, e também aos que me ajudaram a elaborar o novo layout com seus comentários e críticas em meu perfil no Facebook.

Também não posso deixar de exaltar a arte de Michael Kenna, o fotógrafo responsável pela maioria das imagens de fundo que vemos neste novo layout.

Finalmente, lembrem-se:

A luz foi criada para ser refletida...

Namastê!
raph


***

[1] Ou que chegaram a minha mente, para ser mais exato.

[2] Em alguns smartphones o Blogger insere automaticamente o seu layout mobile padrão. Neste caso, para acessar nosso layout renovado no seu smartphone, basta clicar no link no final da página: "Visualizar versão para a web".

Crédito da imagem: Michael Kenna

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Jorge Pontual e a poesia de Rumi

Jorge Pontual é um dos jornalistas mais bacanas do mundo. Além de ser especialista em relações internacionais, ciências sociais, divulgação científica e bactérias, também parece ter sido o principal responsável por trazer ao programa GloboNews em Pauta um quadro semanal onde, vejam só, recita poemas de grandes poetas da história.

Por isso tudo ele já merecia a nossa admiração. Mas quando resolver recitar Jalal ud-Din Rumi, então passou definitivamente a merecer o nosso amor [1]...

Jorge Pontual recita Rumi no GloboNews em Pauta

(clique na imagem para abrir o vídeo no site da GloboNews)

***

[Morri como mineral]

Morri como mineral,
e tornei-me planta.
Morri como planta,
e surgi como animal.
Morri como animal,
e sou humano...

Por que ter medo?
O que perdi ao morrer?

Mas de novo vou morrer como humano,
para voar com os anjos, abençoado.

E mesmo como anjo, terei de morrer.
Todos perecem, menos Deus...

Quando eu tiver sacrificado
a minha alma de anjo,
me tornarei
o que a mente sequer concebe!

Ah! Que eu não exista!
Pois a não-existência proclama,
como um órgão,
que para Ele voltaremos.


Jalal ud-Din Rumi (tradução de Jorge Pontual)

***

[1] E olhem que não é a primeira vez que ele recita Rumi neste programa...

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21.5.15

Entre a esquerda e a direita: os comentários (parte 3)

Parte da série “Entre a esquerda e a direita”, onde Alfredo Carvalho e Igor Teo responderam minhas perguntas, e agora estou comentando os assuntos abordados. Para conhecer mais sobre a proposta da série e seus participantes, não deixe de ler nossa apresentação.

“Não há almoço grátis”
Recentemente, o ex-diretor de abastecimento da Petrobrás, Paulo Roberto Costa, investigado na operação Lava Jato e signatário de acordo de delação premiada, deu o seguinte depoimento a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que investiga os desvios bilionários da estatal:

“Não existe doação de empresas que depois essas empresas não queiram recuperar o que foi doado. Se ela doa R$ 5 milhões, ela vai querer recuperar R$ 20 milhões lá na frente... Não há almoço grátis.”

O que parece óbvio, claro e cristalino até mesmo para os mais desinformados acerca do nosso sistema eleitoral, no entanto, é muito mais grave do que parece. Doações empresariais são o investimento mais lucrativo do mercado, e o lucro compensa em muito o risco envolvido no negócio... Costa falou em empresas doando 5 e ganhando 20, ou seja, 4 vezes mais do que o valor doado, mas a realidade é muito mais lucrativa!

O estudo “The Spoils of Victory” (“Despojos da Vitória”), feito por pesquisadores de três universidades dos EUA, concluiu que as empresas que financiaram candidatos a deputado federal do PT nas eleições de 2006 receberam entre 14 e 39 vezes o valor doado por meio de contratos com o poder público nos anos subsequentes.

A pesquisa, publicada em 2014, cruza os dados oficiais de doações para as campanhas e os contratos obtidos pelas empresas nos anos seguintes – sem levar em conta eventuais pagamentos ilegais. Segundo os autores, não foi possível estender o estudo para governos anteriores por falta de dados públicos confiáveis.

Taylor Boas, um dos autores do estudo, explica que nos países em desenvolvimento os problemas envolvendo doações de campanha se agravam porque eles têm poucas leis de regulamentação da atividade. Segundo Boas, “No Brasil o limite para a doação corporativa é de 2% de seu faturamento bruto anual. Isso é um valor muito alto já que estamos falando de grandes empresas”.

E não é que as grandes empresas financiadoras tenham qualquer tipo de alinhamento ideológico com este ou aquele partido. Maior exemplo disso foi a atuação da JBS-Friboi, uma das maiores do mundo no ramo de alimentos, na campanha presidencial de 2014: não satisfeita em doar para um só candidato, resolveu doar de uma vez só para todos os que tinham alguma chance de vencer, ou seja, Dilma Rousseff, Aécio Neves e Marina Silva. Não há, de fato, nenhuma ideologia envolvida neste processo – afinal, não à toa, a JBS foi na última década uma das grandes beneficiadas pelos empréstimos do BNDES a juros nível “ajuda de custo do papai”.

Ora, o próprio escândalo envolvendo a Petrobrás, outro daqueles que a grande mídia gosta de chamar de “maior caso de corrupção da história do país” (desta vez, porém, muito provavelmente com razão), está intimamente relacionado com o financiamento de campanhas eleitorais. E, como muitos devem saber, não se trata mais de financiamento não declarado a Receita Federal – o famigerado “caixa 2” –, mas doações perfeitamente legais e declaradas, ou seja, “caixa 1” mesmo... A questão é que a origem do dinheiro em si é ilegal, fruto de propinas gordas vindas de cartéis de empreiteiras.

Com tanto “crédito na praça”, não é de surpreender que o custo total das últimas eleições, em 2014, tenha batido o recorde histórico, e chegado a R$ 5 bilhões. Nós temos que olhar para esse número, infelizmente, não pelo seu valor atual, mas pelo que vai custar aos Cofres Públicos em “benefícios” a todas as empresas que tiveram a sorte de doar para os candidatos vencedores (afora, é claro, as que doaram para todos os candidatos)... Ou seja, no final das contas, quem paga pelo custo crescente de nossas eleições, no médio e longo prazos, somos eu, você, todos nós.


O Grande Negócio Eleitoral
É precisamente isso que eu chamo de Grande Negócio Eleitoral. Eu não sei quanto a você, mas neste ponto eu sou mesmo radical: não vejo como uma empresa possa ter quaisquer motivos para financiar campanhas políticas que não a possibilidade de lucro futuro. É muito simples: empresas não apoiam ideologias, elas investem.

Por conta desta minha percepção solidificada por inúmeros exemplos que venho analisando nos últimos anos, sou defensor ardoroso do fim do financiamento empresarial para campanhas eleitorais, e obviamente não sou o único... Faz mais de um ano que a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), a CNBB, a UNE, a CUT e outros movimentos sociais enviaram ao Supremo Tribunal Federal (STF) uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) desautorizando as doações empresariais para campanhas.

Ora, quando o julgamento já estava vencido em favor da ação, com 6 votos favoráveis dos ministros do STF (o que supera a metade), o ministro Gilmar Mendes pediu vistas para analisar “com cuidado” a Adin em casa, e interrompeu a tramitação da ação. E, repetindo, isso já faz mais de um ano!

Como defensor da democracia, eu compreendo que existam aqueles que defendam a continuidade do financiamento empresarial. Mas a questão aqui é que não está funcionando a democracia: é um único ministro emperrando a tramitação de uma ação importantíssima, que já foi voto vencido.

Vamos, porém, nos voltar para os defensores do financiamento empresarial... Eu quero crer que o motivo de eles persistirem defendendo o modelo atual se deva a um forte temor de que, em instaurado o temido financiamento público e exclusivo de campanha, os atuais detentores do poder se tornem quase que “lordes feudais”, utilizando os recursos públicos e a máquina do governo para injetar centenas de milhões de reais em suas campanhas, enquanto os que estão fora do poder mal teriam recursos para ter alguma chance nas eleições.

Pois bem, é talvez um motivo justo, mas inteiramente equivocado. E abaixo irei lhes enumerar as razões:

(1) Defender o fim do financiamento empresarial não significa defender o financiamento público e exclusivo. Isto porque o financiamento privado continua sendo perfeitamente possível, só que exclusivamente através de doações de pessoas físicas, e não jurídicas. De fato, o Butão é o único país onde foi adotado o financiamento público e exclusivo de campanha. No entanto, há diversos países que vêm adotando a proibição do financiamento empresarial nos últimos anos, dentre eles Canadá, Portugal, França, Polônia, Ucrânia, México, Paraguai, Peru, Colômbia e Egito.

(2) É preciso lembrar que o financiamento público já existe no Brasil, e está na Constituição. O Fundo Partidário, inclusive, recentemente teve o seu valor quase que triplicado, passando de R$ 289 milhões para R$ 867 milhões [1], no que parece ser uma clara reação dos parlamentares ao fechamento das torneiras das grandes empresas – que finalmente têm algum motivo para temer prosseguir com seus investimentos de campanha (alguma coisa, afinal, está dando certo!).

(3) Os atuais detentores do poder já são os maiores beneficiados pelas doações empresariais, inclusive em valores que superam em muito o que lhes cabe do Fundo Partidário. Por exemplo, ao final do segundo mês da campanha presidencial de 2014, a campanha do PT havia arrecadado de empresas 3 vezes mais do que o PSDB e 6 vezes mais do que o PSB. Já para o governo de São Paulo, não que fosse alguma surpresa, as doações se concentraram majoritariamente no PSDB.

Ou seja, não somente o financiamento público já existe, como em todo caso os atuais governantes, desde que mantenham sua popularidade em alta, são naturalmente os destinatários da maior parte do financiamento empresarial... No atual cenário, o financiamento público e exclusivo talvez fosse até um auxílio na renovação dos cargos eletivos, mas nem é isso que estou aqui defendendo...

Defendo tão somente o fim das doações empresariais, pois crer que alguma empresa tem realmente algum motivo para dar dezenas, centenas de milhões de reais para campanhas de políticos, que não seja para receber muito mais em troca lá na frente, é no mínimo de uma inocência muito grande.

Enfim, independente da opinião de cada um acerca do financiamento empresarial, o que todos devem concordar é que alguma reforma precisa ser feita em nosso sistema eleitoral, e ela é absolutamente urgente!

» Em breve, o ciclo vicioso que coloca em xeque a democracia...

***

[1] Ainda assim, ficou somente pouco acima do valor das isenções fiscais concedidas as emissoras de TV por conta do horário eleitoral “gratuito” em 2014, que de fato jamais foi gratuito. Somente entre 2002 e 2014, o somatório das isenções chegou a R$ 4,4 bilhões.

» Ver os posts mais recentes desta série

Crédito da foto: Google Image Search

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17.5.15

2 respostas para Abu

Como já disse aqui algumas vezes, toco este blog primeiramente para organizar minhas próprias ideias. Isso não me desobriga, entretanto, a reconhecer que é sim, muito legal, ter leitores e curtidores. Mas fato é que, há quase uma década atrás, quando ninguém curtia ou comentava nada, ainda assim eu escrevia...

A primeira vez que me surpreendi com a “fama” do blog foi no início do III Simpósio de Hermetismo, em São Paulo, quando conheci pessoalmente um dos leitores do blog, que me reconheceu e veio falar comigo. Ele hoje é um amigo que inclusive já escreveu por aqui também.

Mas o que sempre me deu ânimo para continuar escrevendo foram os raros e-mails de pessoas dando seus depoimentos, extremamente pessoais, de como algum texto daqui as auxiliou em suas vidas... Afinal, o que poderia ser mais recompensador do que isso?

Ainda assim, eu confesso que gostaria de haver alcançado uma certa “fama”, ao menos ao ponto de ter sido convidado para participar do programa Provocações, e ter sido entrevistado pelo Abu...

Talvez vocês o conheçam pelo seu personagem mais famoso, o Ravengar da novela Que Rei Sou Eu?, de 1989. Mas Antônio Abujamra foi muito mais do que um feiticeiro de personalidade forte, ele foi um pensador de personalidade forte. Seu programa de entrevistas, que durou quase 15 anos na TV Cultura, até a sua passagem recente, no último 28 de Abril, era interessantíssimo por diversas razões: entrevistava personalidades realmente interessantes, independente de sua “fama” (tendo, inclusive, entrevistado minha amiga Debora Noal, um anjo do Médicos Sem Fronterias, e até mesmo o Frater Goya, que conheci no Simpósio); recitava poemas (de uma forma magistral, pois Abu sempre foi um ator grandioso); e, principalmente, pelas perguntas, as perguntas!

Abu idolatrava a dúvida, e costumava fazer uma sequência de duas perguntas ao final dos programas. Primeiro, perguntava, “O que é a vida?”; e então, após a pessoa se esforçar muito para dar uma resposta sincera, ele repetia a mesma pergunta, “O que é a vida?”... Assim chegamos a diversos depoimentos que, se não resolveram a questão (e ela dificilmente seria resolvida), ao menos partiram genuinamente do fundo das almas que por lá tiveram o privilégio de passar.

Eu não tive tal privilégio, mas em todo caso gostaria de usar aqui a imaginação, e responder ao meu querido Abu:


[Abu] Raph, o que é a vida?

[Raph] Sabe Abu, se tem uma coisa capaz de nos manter sempre em movimento, sempre à frente, é a nossa divina capacidade de questionar o que sabemos, pois ela é de fato aquilo que nos faz buscar saber mais, cada vez mais...

E, se este oceano de conhecimento cada vez se alarga mais, e se fica evidente que, para cada dúvida que resolvemos, surgem diversas outras, é bom que seja assim, que este oceano é vasto, verdadeiramente vasto.

O que é a vida, então, senão a própria essência por traz deste questionamento? Não importa a resposta, importa mesmo é que continuemos a perguntar.

[Abu] Raph, o que é a vida?

[Raph] John Galsworthy, um dramaturgo inglês, dizia que “as palavras são somente cascas de sentimentos”... Então, Abu, é preciso compreender que “Deus”, “sentido”, “vida”, e até mesmo “eu” e “você”, tudo isto são apenas palavras...

Nesse sentido, talvez até exista uma resposta para essa pergunta, mas não creio que ela possa ser transmitida por palavras... Quem sabe por um gesto, ou um olhar, um olhar de amor...

Se um grande pesquisador descobre que o sentido da vida reside no interior de uma pérola em meio ao mar, ele pode tentar tirar toda a água do mar com sua grande máquina. Mas de que adiantaria saber o sentido da vida apenas após haver drenado o mar e esvaziado toda a praia?

Somente quem vai e mergulha pode encontrar tal pérola... Pessoa estava certo: navegar é preciso, navegar é cada vez mais preciso!

***

Crédito da imagem: Google Image Search/Divulgação

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13.5.15

Uma longa tradução (parte 1)

O grande projeto do Textos para Reflexão este ano é, como alguns devem saber, a tradução de um dos livros mais sagrados do mundo, o Bhagavad Gita (vocês podem saber mais sobre ele no artigo A sublime canção, que servirá de base para o prefácio da edição).

Para tal empreitada, estou usando como base a tradução clássica do sânscrito para o inglês de Sir Edwin Arnold (1885), conforme compilada pela American Gita Society. A edição digital e a impressa virão recheadas de notas, incluindo muitas citações de célebres pensadores ocidentais simpáticos ao Gita, como Joseph Campbell e Arthur Schopenhauer. O meu intuito é trazer a filosofia perene da antiga Índia para os dias atuais, pois que apesar da guerra dos Kurus e dos Pândavas ter sido narrada há milênios, ela não deixa de estar sendo lutada ainda hoje, ainda neste momento, na alma de todos nós...

No entanto, como a despeito do que imaginam alguns, este blog é fruto do trabalho de um homem só, o projeto desta tradução, assim como alguns outros, tem me tomado o tempo que normalmente utilizo para escrever novos contos e artigos por aqui... Daí pensei que faria mais sentido trazer parte da tradução do Gita para o blog em si. Assim consigo ir tocando a tradução e atualizar o blog, ao mesmo tempo.

Decidi começar lhes trazendo o início do livro, portanto, aqui vai:


CAPÍTULO I – O DILEMA DE ARJUNA

A guerra do Mahabharata teve início após o fracasso de todas as tentativas de negociação realizadas por Lorde Krishna e alguns outros. O rei cego (Dhritarashtra) nunca teve a certeza da vitória de seus filhos (os Kurus), a despeito da superioridade do seu exército. O sábio Vyasa, o autor do Mahabharata, desejou conferir ao rei cego a dádiva da visão para que ele próprio pudesse ver os horrores da guerra pela qual ele era o principal responsável.
Ele não quis ver os horrores da guerra, e preferiu receber as notícias da batalha pela voz de seu cocheiro, chamado Sanjaya. O sábio Vyasa, desta forma, conferiu a Sanjaya o poder da clarividência. Com ela, o cocheiro podia ver, ouvir e rememorar os eventos do passado, do presente e do futuro. Assim, ele podia informar ao rei cego, sentado no trono de seu palácio real, sobre tudo o que transcorria na guerra.
Bhishma, o mais forte dos homens, e comandante-em-chefe do exército dos Kurus, foi ferido mortalmente por Arjuna, príncipe dos Pândavas (o exército rival), e está esticado ao solo em meio ao campo de batalha no décimo dia da guerra. Após ouvir esta má notícia de Sanjaya, o rei cego perde todas as esperanças na vitória de seus filhos.
Agora o rei cego deseja conhecer todos os detalhes da guerra, desde o seu início. Ele deseja, sobretudo, saber como o mais forte dos homens, e comandante-em-chefe de sua poderosa armada – aquele que tinha a dádiva de morrer assim que desejasse – foi derrotado no campo de batalha...
Os ensinamentos do Gita se iniciam com este pedido do rei cego, após o qual Sanjaya descreve como Bhishma foi derrotado:

O rei inquiriu: Sanjaya, por favor me conte agora, em detalhes, o que o meu povo (os Kurus) e os Pândavas realizaram no campo de batalha antes do início da guerra? (1.01)

Sanjaya disse: Ó rei, após observar a formação de batalha do exército dos Pândavas, seu filho (Duryodhana) se aproximou de seu guru (Drona) e proferiu essas palavras: (1.02)

Ó mestre, contemple a poderosa armada dos Pândavas, organizada em formação de batalha pelo seu outro talentoso discípulo! Há muitos grandes guerreiros, homens valentes, heróis e habilidosos arqueiros. (1.03-06)

Os comandantes dos Kurus são apresentados

Também há muitos heróis do meu lado que arriscaram suas vidas por mim. Eu devo trazer os nomes dos poucos distintos comandantes de minha armada para a sua informação.
Então, ele nomeou todos os oficiais de seu exército, incluindo Bhishma, e disse: Eles estão armados com as mais variadas armas, e são muito hábeis na guerra. (1.07-09)

Nosso exército é invencível, enquanto o deles pode ser conquistado. Dessa forma, todos vocês, ocupando suas respectivas posições em nossa formação de batalha, protejam nosso comandante-em-chefe, Bhishma! (1.10-11)

A batalha se inicia com o sopro das conchas

O poderoso comandante-em-chefe e o guerreiro mais velho de sua dinastia rugiu como um leão e soprou vigorosamente sua concha, soando um grande estrondo e trazendo alegria para seu filho, ó rei. (1.12)

Logo após, conchas, tambores, címbalos e outros instrumentos soaram em uníssono. A comoção foi tremenda por todo o exército dos Kurus. (1.13)

Do outro lado do campo de batalha, entre os Pândavas, vinha o príncipe Arjuna, acomodado numa grandiosa carruagem de guerra puxada por cavalos brancos e conduzida por Lorde Krishna. Em resposta aos Kurus, ambos sopraram suas conchas celestiais. (1.14)

Krishna foi o primeiro a soar sua concha, e em seguida Arjuna e todos os demais comandantes dos Pândavas sopraram seus instrumentos. Todo aquele rugido, ressoando através da terra e do céu, fez estremecer o coração dos Kurus. (1.15-19)

Arjuna deseja inspecionar o exército dos Kurus

Observando tantos guerreiros prestes a combater, e o início da guerra com os primeiros tiros de flechas, Arjuna, cuja bandeira trazia o emblema de Lorde Hanuman (o deus-macaco), apanhou o seu grande arco e disse tais palavras ao Lorde Krishna:
Ó grande amigo, por favor, conduza minha carruagem até o espaço entre os dois exércitos. Eu preciso ver de perto aqueles que estão ansiosos pela batalha, aqueles que desejam nos matar, e com os quais terei de lutar nesta guerra sangrenta. (1.20-22)

Eu desejo ver aqueles que estão dispostos a servir e satisfazer ao malicioso e vingativo filho de Dhritarashtra (Duryodhana), aqueles que vieram se apresentar para esta guerra insensata. (1.23)

Sanjaya disse: ó rei, conforme requisitado por Arjuna, Lorde Krishna conduziu a melhor de todas as carruagens de guerra até o espaço entre os dois exércitos, virada para o lado dos Kurus, e então disse a Arjuna:
Contemple a todos os soldados que se apresentaram para a batalha! (1.24-25)

Arjuna viu estarrecido que no outro lado do campo de batalha se encontravam também muitos de seus parentes: pais e filhos, irmão, cunhados, avós e netos, tios e sobrinhos, sogros e genros. (1.26)


(tradução de Rafael Arrais)

» Em breve, novos trechos desta tradução...

***

Crédito da imagem: Google Image Search (Arjuna e Krishna sopram as conchas celestiais) (*) Eu realmente não consegui achar o nome do ilustrador(a), se alguém souber por favor comente neste post, obrigado.

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7.5.15

Toren

No próximo 12 de Maio sai, para PC e PS4, o primeiro game brasileiro a ser beneficiado pela Lei Rouanet, uma forma de incentivo cultural procedente de renúncias fiscais (até um certo limite). Para além da boa nova de constatarmos que o governo brasileiro está finalmente investindo num mercado promissor, que já há anos tem renda global maior do que o mercado cinematográfico, o game em si parece não somente belíssimo e promissor, como fruto da imaginação de pessoas que leem sobre muito do que falamos neste blog, particularmente de mitologia [1].

Em Toren, jogamos com uma personagem desde sua infância até a idade adulta. A Criança da Lua está enclausurada em uma espécie de gigantesca "torre de Babel", e precisa enfrentar muitos desafios enquanto sobe seus andares, até o alto do céu, para finalmente se libertar... O grande inimigo é o Dragão que vigia a torre e tenta, a todo custo, impedir que a Criança escape. Felizmente, ela ainda conta com a ajuda de dois personagens: o Cavaleiro, enviado há eras pelo Sol para auxiliar na jornada dos escaladores da torre, que pode ser visto a distância, pela lente de telescópios; e o Mago, um dos antigos construtores da torre, que pode se comunicar com a Criança somente através de sonhos...

Obviamente, o jogo se parece muito mais com uma narrativa simbólica do que com uma história superficial qualquer... Neste sentido, fica evidente a sua inspiração em jogos clássicos parecidos, como Shadow of the Colossus e Ico. Abaixo, vocês podem ver o trailer:

***

[1] Segundo o Marcelo Del Debbio, autor do blog Teoria da Conspiração, o líder de criação do Toren (Alessandro Martinello) é leitor assíduo dos nossos textos, e muito da pesquisa sobre hermetismo e árvore da vida foi feita no próprio TdC e na Wikipedia de Ocultismo.

Crédito da imagem: Divulgação/Toren

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