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29.12.22

As traduções de Rumi

Neste vídeo Raph traz o conteúdo de sua palestra proferida no evento Primavera de Rumi, realizado em Outubro (2022) no Farol do Saber Khalil Gibran, em Curitiba. Trata-se de um breve resumo da história da poesia de Rumi e suas traduções para o inglês e o português. Também são abordadas algumas polêmicas acerca da supressão arbitrária de menções a Maomé nas traduções inglesas, principalmente as de Coleman Barks. Assista abaixo:

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6.12.22

As aventuras de Makunda

Epílogo escrito para a minha tradução de Autobiografia de um iogue, a ser lançada em livro e e-book no início de 2023 – pelas Edições Textos para Reflexão.

 

Este é um livro de muitas jornadas, há nesta obra muitos livros dentro de um só. Seu título, Autobiografia de um iogue contemporâneo (depois abreviado para Autobiografia de um iogue), abarca dentro de si muitos outros títulos possíveis: As aventuras de Makunda; Encontros com santos notáveis; Turismo espiritual na Índia; A vida de Láhiri Mahasaya; O mistério de Babaji; O Kriya Yoga; A espiritualidade no Oriente e no Ocidente etc. Que todos estes pudessem servir de título para a obra-prima de Paramahansa Yogananda diz muito sobre a sua abrangência e a sua importância espiritual. Publicada logo após o fim da Segunda Guerra Mundial, mas escrita ainda ao longo do terror, ela sinaliza uma nova esperança, uma nova era para a espiritualidade humana: que tenha sobrevivido ao tempo, e que seja até hoje um bestseller global, é um sopro de alívio para todos aqueles que despertaram da ilusão material.

Yogananda é o nome monástico de Makunda, nascido numa abastada família indiana, em 1893. Quando jovem, viveu cercado de pais e irmãos mais ou menos devotos, como o indiano médio da época, mas logo cedo ficou claro para todos que o seu caminho na espiritualidade seria único. A sua vida é toda pontuada por sinais e milagres. Dizer que nasceu predestinado é pouco, é como se cada etapa de sua vida fizesse parte do capítulo de alguma epopeia lendária. A criança que, quando adulta, seria a responsável pela divulgação do yoga no Ocidente; mas que acabou levando aos ocidentais muito mais do que isso: toda a cultura da Grande Índia, da Índia ancestral, se resume em sua figura, em seu sorriso, em sua vontade de ensinar com complacência – coisa que não recebeu nem mesmo de seu próprio guru.

A própria estrutura do livro demonstra isso. Makunda vai nos seduzindo pouco a pouco. Não se gaba do que veio a conquistar em seu caminho em nenhum momento, mas principalmente no início retrata a si mesmo de maneira humilde, um jovem que sonhava conhecer o Himalaia, e que se interessava mais pelos monges e gurus do que por sânscrito ou matemática. Os milagres, grandes ou pequenos, ficam em segundo plano, tudo o que lhe interessa descrever de fato é como, desde o início, ele sempre esteve em busca de Deus – com Seus muitos nomes e nuances.

Assim, não se trata de uma obra que queira provar alguma coisa. Até mesmo Makunda só passou a acreditar em certas coisas depois de vivenciá-las. O ceticismo fazia parte de seu dia a dia, tanto que precisou ver para crer em muitos dos milagres dos santos e das santas que cruzaram o seu caminho; ou melhor, que ele tratou de ir atrás. Foi amigo tanto de cientistas quanto de gurus, circulava tanto em meio aos mais ricos quanto entre renunciantes estritos, alguns dos quais sequer usavam roupas.

Mas a sua obra fala, em essência, de sua relação com Deus, e de como essa relação se refletiu diretamente em sua convivência com os seres humanos, os filhos de Deus, os reflexos do divino. No entanto, isso não fica tão evidente em nenhum momento do texto, não é algo que Makunda quisesse nos trazer como uma espécie de mandamento, “Ame a Deus acima de todas as coisas”, não: Makunda faz disso o seu exemplo de vida, é algo que fica subentendido nas entrelinhas, como uma fragrância perene fluindo de suas palavras. É assim que somos conquistados, é assim que esta leitura pode ser verdadeiramente transformadora.

A semente que Makunda se incumbiu de plantar no Ocidente dá frutos até hoje. Afinal, não foi por acaso que os Beatles foram parar em um retiro espiritual na Índia, nos anos 1960. Naquela altura, o yoga já era algo amplamente conhecido, principalmente entre os jovens, e embora outros iogues lhe tenham precedido na peregrinação pelo Ocidente, foi Autobiografia de um iogue a principal obra de divulgação da ciência espiritual indiana. E, mais recentemente, a importância da obra se fez evidente no funeral de um dos grandes visionários de nosso tempo: era ela que Steve Jobs quis que aqueles que foram ao seu enterro lessem, quiçá para que pudessem compreender que a sua própria morte não era o ponto final de nada.

Até hoje, espalhada pelo mundo, incluindo o Brasil, a Self-Realization Fellowship, ou Irmandade da Autorrealização, divulga os livros e os ensinamentos de Makunda. Até hoje, anualmente, milhares de devotos fazem a leitura conjunta da obra em épocas específicas do ano. Até hoje, graças ao Paramahansa, o Kriya Yoga também vive no Ocidente, e não ficou oculto sob os véus da Índia milenar.

Não foi uma tarefa simples. Makunda foi obrigado a abandonar a família e, principalmente, o seu guru, numa época em que a viagem da Índia para os Estados Unidos levava meses, e a troca de mensagens era algo bem mais problemático. No entanto, tal distanciamento foi mais físico do que espiritual, pois o Paramahansa seguia o seu propósito de vida, aquilo que literalmente nasceu, foi encarnado para fazer. Era, em suma, uma Vontade maior do que a sua própria; e ele, em sua imensa sabedoria, soube viver inteiramente alinhado a ela.

“Valeu a pena?” – perguntou a Makunda um de seus primeiros discípulos nos Estados Unidos.

“Sim, mil vezes sim! Valeu a pena; tem sido uma inspiração constante, mais do que jamais pude sonhar, ver o Ocidente e o Oriente se aproximando pelo vínculo mais duradouro, o espiritual!”

Makunda, ou Paramahansa Yogananda, foi feliz no cumprimento de sua missão. As suas aventuras neste mundo se encerraram em 1952, quando, ao final de um discurso, citou um trecho de um de seus poemas, Minha Índia, antes de deixar seu corpo tombar ao chão, para que o Espírito pudesse retornar a sua origem. Eis as suas últimas palavras:

Lá onde o Ganges, os bosques, as grutas do Himalaia e os homens sonham com Deus – eu sou abençoado, meu corpo tocou este solo.

 

Rafael Arrais

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Crédito das imagens: Google Image Search (Yogananda; e Yogananda ensinando yoga nos EUA).

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