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29.12.11

Vírus e memes

Nesta palestra sensacional do TED, apresentada apenas alguns meses após os atentados de 11/9/2001, o filósofo Daniel Dennett explica de forma incrivelmente simples e didática o conceito dos memes - que não são geralmente tão simples de serem entendidos, pelo menos não neste contexto "mais amplo" em que Dennett os coloca. Essencialmente, Dennett associa os memes a ideias, a informação, e exatamente por isso o fato de nunca terem sido detectados em laboratório perca um pouco a importância - afinal, como ele diz a certa altura: "palavras são memes que podem ser pronunciados, mas a maior parte dos memes não pode".

Como os leitores mais antigos do meu blog devem saber, o Dennett representa ramos da filosofia que são diametralmente opostos aqueles aos quais eu simpatizo (por exemplo, o fato de associar a consciência a uma "ilusão de subjetividade"). Mas a beleza da filosofia é que podemos discordar de um pensador e, ainda assim, admirar sua capacidade de pensar:

Daniel Dennet - O fantástico poder dos memes (parte 1)

Daniel Dennet - O fantástico poder dos memes (parte 2)

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Veja também: Onde estarão os memes?


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27.12.11

Ateísmo 2.0: um elogio a religião

Em "Religião para ateus", um livro provocativo (e muito corajoso), o filósofo suiço Alain de Botton, que se declara ateu, defende que à sociedade secular têm muito o quê aprender com os aspectos positivos das grandes instituições religiosas. Aspectos esses que podem muito bem sobreviver mesmo quando Deus é deixado de lado. Nesta entrevista concedida ao blog do G1, Máquina de Escrever, de Luciano Trigo, Alain nos traz um panorama geral das ideias que defende no livro, e conceitua o "ateísmo 2.0":

- Você parece escrever em defesa de uma religião secular. Qual seria o sentido da fé e da religião, sem Deus?

[Alain de Botton] Minha proposta não é inaugurar uma nova religião, sem Deus. Esta seria uma idéia ousada e mesmo bastante louca. Em vez disso, o que sugiro é que os ateus deveriam aprender a roubar alguns elementos das religiões existentes e integrá-los ao mundo moderno. No meu livro, eu argumento que acreditar em Deus é algo implausível hoje e, para mim e muitas outras pessoas, algo simplesmente impossível.  Ao mesmo tempo, eu admito que, quando se elimina a fé, abre-se espaço para o surgimento de alguns perigos. Eles não vão necessariamente acontecer, mas estão lá, e precisamos ter consciência deles.

Em primeiro lugar, existe o risco do individualismo excessivo, de colocarmos o ser humano no centro de todas as coisas. Segundo, existe o risco do perfeccionismo tecnológico, de acreditarmos que a ciência e a tecnologia podem oferecer soluções para todos os problemas humanos, e que é apenas questão de tempo os cientistas resolverem todos os males da condição humana. Terceiro, sem Deus é mais fácil perdermos a perspectiva de longo prazo, e enxergarmos o momento presente como a única coisa que importa, esquecendo a efemeridade do presente e deixando de reconhecer, de uma forma positiva, a natureza minúscula de nossas conquistas. Por fim, sem Deus existe o risco de desprezarmos a importância da solidariedade e de um comportamento ético.

Mas é importante sublinhar que é perfeitamente possível não acreditar em nada e ainda assim dar valor a todas essas lições vitais, da mesma forma que alguém pode ter uma profunda fé e ao mesmo tempo ser um monstro. Só estou tentando chamar a atenção para algumas coisas que podem se perder quando descartamos Deus de uma forma muito brusca. Com certeza podemos descartar Deus, mas podemos fazer isso com mais cuidado e reflexão, e mesmo com alguma nostalgia.

- Você começa o livro afirmando que os aspectos sobrenaturais das religiões são inteiramente falsos. Você não teme perder leitores, fazendo uma afirmação tão categórica?

[AB] Não, eu acho que a maioria das pessoas religiosas que lerem meu livro não ficará chocada ao se depararem com um ateu. Na verdade, elas podem até sentir curiosidade para ler um livro escrito por alguém que diz duas coisas que normalmente são consideradas incompatíveis: 1) Eu não tenho fé. 2) Eu tenho interesse na religião.

- Você concorda que a fé pode ter um papel terapêutico, ou que a religiosidade pode contribuir para um convívio mais pacífico e ético entre as pessoas?

[AB] Minha tese é que não é o elemento da fé presente na religião que traz paz para as pessoas, ou as leva a ter uma conduta ética. Ninguém precisa ter fé para entender o dever de não matar, ou o valor da gentileza. Isso é produto do trabalho da razão e da consciência, é algo perfeitamente possível sem a fé. É claro, por outro lado, que quando o homem que abandona a religião se esquece de ser bom, isso vira um problema. Em teoria, todos sabemos que devemos praticar o bem. O problema é que, na prática, isso é esquecido. E é esquecido porque o mundo moderno e secular acha que basta falar as coisas uma vez – seja bom, seja caridoso com os pobres etc. Por sua vez, todas as religiões fazem o oposto: elas insistem em nos mandar lembretes diariamente, ou mesmo mais de uma vez por dia, para façamos as coisas certas.

- Como você definiria o “Ateísmo 2.0”?

[AB] O Ateísmo 1.0 tinha a ver com rejeição. Foi um movimento liderado por Christopher Hitchens e Richard Dawkins e se baseava numa hostilidade profunda, e mesmo numa agressividade em relação à religião. O Ateísmo 2.0 também rejeita Deus, mas é um movimento mais interessante, por enfatizar que podemos aprender com as religiões, ao invés de simplesmente atacá-las. É uma forma mais confiante e curiosa de ateísmo, uma forma que tem a coragem de se envolver e mesmo de simpatizar com o campo inimigo.

Eu escrevo para aqueles leitores que pensam ‘Eu realmente não consigo acreditar em nada sobrenatural, o lado sobrenatural das religiões não faz sentido para mim, MAS ao mesmo tempo eu adoro vários elementos da religião: o ritual a arquitetura, a conexão com o passado… Por que as pessoas devem ser obrigadas a fazer uma escolha tão brutal?  Isto é, por que é preciso acreditar em toda sorte de coisas implausíveis para poder apreciar a arquitetura etc? Por que não acreditar em nada sobrenatural implica viver em um mundo dominado pela CNN? As alternativas não devem ser tão radicais.

- Como você avalia o recente debate sobre os chamados “novos ateus”, que opuseram Terry Eagleton a Christopher Hitchens e Richard Dawkins, que fizeram ataques pesados à religião?

[AB] Eu sou ateu, mas um ateu gentil. Não sinto necessidade de debochar daqueles que têm fé. Por isso realmente discordo do tom duro com que alguns ateus abordem a religião, como se ela fosse uma fábula suja. Respeito profundamente a religião, embora não acredite em nenhum de seus elementos sobrenaturais. Portanto, minha posição talvez seja incomum: eu sou um ímpio que respeita a fé.

- Ao resenhar o livro “A questão de Deus”, de Karen Armstrong, você parecia concordar que “nós somos limitados demais para entender Deus”, porque que a nossa natureza é efêmera e cheia de falhas. Seu pensamento mudou?

[AB] O ponto de partida da religião é que nós somos crianças e precisamos de um guia, de orientação. O mundo secular frequentemente se sente ofendido com isso, porque nesse mundo nós somos adultos e maduros, daí o desprezo por qualquer tipo idéia didática de orientação, de educação moral. Mas é claro que nós somos mesmo crianças, crianças grandes que precisam de orientação e de lembretes sobre como viver. O moderno sistema educacional se nega a oferecer isso. Somos tratados como se fôssemos totalmente racionais, razoáveis e com tudo sob controle. Na verdade somos seres muito mais angustiados e desesperados do que o sistema educacional moderno admite reconhecer. Quase todos nós vivemos à beira de um estado de pânico e terror boa parte do tempo. As religiões entendem isso. Então precisamos desenvolver uma consciência similar dentro das estruturas seculares.

- Você já disse que se envolveu com o tema da religião por causa de uma “crise de fé” – não por ter deixado de acreditar em Deus, mas porque, mesmo sem acreditar, você amava tanto a música de Bach. Para apreciar verdadeiramente a arte e a música de cunho religioso, você não acha que é preciso acreditar? Os descrentes não perderiam alguma coisa importante nessa experiência artística?

[AB] Existe uma idéia moderna de que nós encontramos na arte um substituto para a religião. Por isso muitas pessoas dizem que os museus são as igrejas de hoje. É uma imagem interessante, mas não é verdadeira. Não é verdadeira, principalmente, por causa da forma como os museus apresentam a arte do passado e do presente: eles evitam que se estabeleça um envolvimento emocional com as obras em exsposição. Os museus encorajam o interesse acadêmico, mas dificultam qualquer contato terapêutico. No meu livro eu recomendo que, mesmo que uma pessoa não tenha fé, ela pode usar a arte, mesmo a arte secular, como uma fonte de conforto e identificação, como orientação edificante. É isso o que as religiões fazem com a arte.

- Dostoievski escreveu que, se Deus não existe, tudo é permitido. Jean-Paul Sartre, ao contrário, sugeriu que a ausência de Deus torna as coisas mais difíceis, porque o homem carrega toda a responsabilidade por seus atos…

[AB] Boa parte do moderno pensamento moral foi marcada pela ideia de que um colapso na fé necessariamente provocou um dano irreparável na nossa capacidade de construir um padrão ético convincente em nossa conduta. Mas esse argumento, embora ateísta na aparência, reconhece uma dívida com a mentalidade religiosa, já que somente se acreditássemos mos em alguma medida que Deus existe haveria fundamentos para a moral, ou seja, esses fundamentos seriam sobrenaturais na sua essência. É uma tese que sugere que o reconhecimento da não-existência de Deus é capaz de abalar os nossos princípios morais. Contudo, se afirmarmos desde o começo que Deus é uma invenção, então essa tese se transforma numa tautologia: por que nos daríamos ao trabalho de sentir o peso da dúvida ética se sabemos que todas as normas atribuídas a seres sobrenaturais são no fundo apenas o produto do trabalho de nossos ancestrais demasiado humanos?

As origens da ética religiosa estão na necessidade prática das nossas comunidades ancestrais de controlar os impulsos para a violência de seus membros, induzindo neles hábitos e comportamentos que levassem à harmonia e ao perdão. Os códigos religiosos começaram como preceitos preventivos, que foram então projetados no céu e refletiram de volta na Terra, em formas desencarnadas e majestáticas. Os deveres de sermos solidários ou pacientes nasceram da consciência de que estas são qualidades que protegem a sociedade da fragmentação e da autodestruição. Essas regras eram tão vitais para a nossa sobrevivência que por milhares de anos não tivemos a coragem de admitir que fomos nós mesmos quem as formulamos, porque isso as deixaria mais vulneráveis ao escrutínio crítico e à manipulação sem reverência. Nós tivemos que fingir que a moralidade vem do céu, de forma a protégé-la de nossas próprias imperfeições e fraquezas.

Mas se hoje podemos abrir mão dessa espirtualização das leis éticas, não temos motivo algum para abandonarmos inteiramente essas leis. Continuamos precisando de exortações para sermos solidários e justos, mesmo se não acreditamos que existe um Deus que deseja que nós sejamos assim. Para andar na linha, não precisamos mais da ameaça do Inferno ou da promessa do Paraíso. Precisamos apenas ser constantemente lembrados de que somos nós mesmos – ou, ao menos, aqueles mais maduros e racionais entre nós. Que geralmente aparecem nos momentos de nossas crises e angústias  – que queremos lever o tipo de vida que, no passado, nos era recomendada ou imposta por seres sobrenaturais imaginários. Uma evolução adequada da moralidade, da superstição para a razão, significa que devemos nos reconhecer como os criadores de nossos próprios mandamentos morais.

- O comunismo soviético não foi uma tentativa de criar uma religião sem Deus, na medida em que usava a propaganda para controlar as pessoas? E, o que dizer da religião do livre mercado? Será que não existiram sempre religiões sem Deus, e que essas experiências não dão certo justamente por faltar o elemento espiritual?

[AB] Nós nos assustamos com muita facilidade. Frequentemente, quando alguém propõe uma ideia válida nessa area, as pessoas dizem: e Hitler e Stálin? Mas a alternativa não é essa. Podemos ter uma moralidade pública sem cair no fascismo, podemos até aceitar algum nível de censura – por exemplo, no caso da pornografia – sem cairmos numa ditadura, e podemos ter uma grande arquitetura cívica, sem que ela seja promovida por governantes em busca da própria glória. É certo que no século 20 houve tendências assustadoras, mas não devemos por isso ser pouco ambisiosos em relação àquilo que podemos fazer. Nem precisamos nos entregar ao capitalismo de livre Mercado sob a liderança espiritual da televisão a cabo.

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Crédito da foto: Divulgação (Alain de Botton)

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Links Mayhem (37 e 38)

O Projeto Mayhem foi criado em Março de 2010 como centro de debates e discussões sobre temas Ocultistas e Herméticos. Agora, toda semana, os participantes do projeto divulgam os links mais interessantes para artigos nos blogs de outros participantes:

10/11 a 22/11

- Teoria da Conspiração - Diálogo no Ventre
- O Alvorecer - A Máquina Oculta
- Artigo 19 - Chaves do Inferno
- Idéia Biruta - De onde vem os Ocultistas?
- Diário do Adeptu - Entrevista com Alan Moore
- Tudo sobre Magia e Ocultismo - A Arte
- Labirinto da Mente - Joe Satriani: Summer Song
- Autoconhecimento e Liberdade - Teoria da Magia (Parte 2)

28/10 a 9/11

- Teoria da Conspiração - Orwell versus Huxley
- Labirinto da Mente - Baby, now that i've found you
- Autoconhecimento e Liberdade - Teoria da Magia (Parte 2)
- Tudo sobre Magia e Ocultismo - O Número 7
- Artigo 19 - Discurso de V de Vingança
- Idéia Biruta - As Muletas Mágicas
- O Alvorecer - As Sereias e os Mares de Netuno
- Diário do Adeptu - O lado oculto da dança do ventre

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Veja também os colunistas no Portal Teoria da Conspiração:

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» Veja todos os posts sobre o Projeto Mayhem

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23.12.11

Uma imagem, uma reflexão (11)

Alguma intimidade familiar se perdeu pelo caminho...

"Nós falamos demais, amamos raramente, odiamos frequentemente. Aprendemos a sobreviver, mas não a viver; adicionamos anos à nossa vida e não vida aos nossos anos. Multiplicamos nossos bens, mas reduzimos nossos valores...
Lembre-se de passar tempo com as pessoas que ama, pois elas não estarão por aqui para sempre. Um beijo e um abraço curam a dor, quando vêm de lá de dentro. O segredo da vida não é ter tudo que você quer, mas amar tudo que você tem!"
(George Carlin)

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(clique na imagem para abrir em tamanho maior)

Crédito da imagem: Parte de uma série de capas (algumas alternativas) para a revista New Yorker, por Chris Ware. O thanksgiving (ação de graças) americano chega a ter mais reuniões de família do que o próprio natal.

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21.12.11

Citações (2)

Algumas citações minhas e de outros autores. Elas geralmente já terão aparecido anteriormente na página do Textos para Reflexão no Facebook...


O grande paradoxo da ciência moderna é ter reconhecido a existência da consciência, para então tentar reduzi-la a um mero tilintar algo aleatório de partículas dentro do cérebro. Claro que também somos máquinas, mas máquinas pilotadas por processos de consciência que vem se desenvolvendo desde as espécies ditas “irracionais”. Não existe máquina burra: existe programador burro. Nós não nos limtamos em apenas computar informações: nós interpretamos. E, as vezes, usamos também máquinas não cerebrais para auxiliar na computação.

Identificar processos de pensamento com medições da atividade elétrica neuronal é o mesmo que observar a eletricidade passar pelos fios nos postes de rua: da Usina do Pensamento, ninguém sabe ao certo onde fica, ou do que é formada. Pode ser que tudo seja explicado pelos 4% da matéria já detectada no universo, mas tudo indica que não: o Problema Difícil da Consciência, saber o que é exatamente a “vermelhidão” do vermelho, pode se delongar por ainda muito tempo…

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Considerando que muitos debates giram em torno do embate entre o materialismo (incluindo a afirmativa que apenas o cérebro gera a consciência) e o dualismo (incluindo a afirmativa de que existe a dualidade mente-corpo), acredito que vale a pena destacar que nenhuma das duas teorias conceituais está comprovada, e nem temos alguma noção se estarão nas próximas décadas, ainda que a ciência tenha avançado a passos largos ultimamente...
Portanto, seria de se recomendar que os debatedores se atenham a lógica de suas afirmações, e não no argumento de "está provado ou não está", pois isso nesse caso é irrelevante visto que nenhuma delas está...
Também vale lembrar que o materialismo, por incrível que pareça, não é oposto ao espiritualismo. Existem religiosos espiritualistas que são inclusive ateus ou agnósticos, como certos budistas, e há muitos espiritualistas que dizem que o espírito "é formado por algum tipo de matéria ainda desconhecida".
Dito isso, me parece que também é bastante óbvio que a maioria dos cientistas é materialista ou, no mínimo, detém uma posição agnóstica em relação a este debate materialismo vs. dualismo.
A ciência em si, entretanto, não é nem materialista nem dualista nem espiritualista. A ciência é a ciência - o conhecimento da natureza e do mecanismo de sua realidade detectável.

(Da época em que eu mediava debates entre espiritualistas e céticos em comunidades do Orkut)

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Os mitos não existem, no sentido de serem símbolos criados a partir da interação humana com a vasta natureza a sua volta. Mas, por outro lado, eles existem eternamente, já que parecem ser a única forma que encontramos para falar sobre aquilo que não pode ser descrito por mera linguagem... Apenas é sentido, apenas existe: a inefável natureza da Natureza.

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Se existir um Rei Diabo mestre de todo mal, bastará mandar nossos melhores evangelizadores para convertê-lo, e o mal sumirá de todo o mundo... Ah, se fosse assim tão fácil!

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Quando o chinês pobre abandona o campo em busca de uma vida “mais digna”, passa de “sobrevivente” a “consumidor”. Sendo consumidor, fica fácil ser seduzido pelo deus do consumo. Continuando sobrevivente, fica fácil ser seduzido por uma cesta básica (embora muitas vezes sejam mesmo necessárias). O que os governantes do mundo não gostam é de pensadores. Desde a época de Sócrates, pensadores são um grande incômodo…

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Meu caro, não se trata de fundamentalismo ambiental: você desmatou, era proibido por lei, não há por que anistiar isso... Principalmente se você pegou dois tratores caríssimos e passou uma corrente enorme pela mata, só para devastar tudo ainda mais rápido.

Mas, espere... Ah, sim, você financiou minha campanha né? Então está ok, vamos anistiar!

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Palavras de um preto velho:

Nossos filhos ficam questionando, quando as coisas não dão certo na vida, se estão sendo vítimas de magia, inveja ou mau-olhado. Eu reconheço que isso muitas vezes acontece e que magia, inveja e mau-olhado são apenas nomes que disfarçam o fenômeno real que está na força do pensamento negativo.
Mas o maior problema que eu vejo na vida dos meus filhos é quando eles mesmos pensam mal de si, pensam mal da vida que Deus lhes deu tão amorosamente, pensam mal do seu irmão, pensam mal do chefe, do colega de trabalho, pensam mal do país, pensam mal da própria sombra, e olha, já vi gente pensando mal até do próprio umbigo.
E depois quer que a vida fique bem?
Desconfia se você, meu filho, minha filha, não é uma feiticeira, um mago, fechando os seus caminhos, arrumando doenças, de tantos pensamentos negativos e horríveis que andam pela tua cabeça.
E vamos quebrar esse feitiço com a magia de pensar e agir no bem.
(Pai Joaquim)

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Que é, afinal, o amor? Que não se responda por palavras, mas por abraços e belos pensamentos...

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Quem já bebeu, beberá; quem já sonhou, sonhará. Nunca desistirá desses abismos atraentes, que soam insondáveis, que penetram no proibido, que se esforçam por segurar o impalpável e ver o invisível; volta-se para eles, debruça-se sobre eles, dá-se um passo na direção deles, depois dois; e é então que se penetra no impenetrável e é então que se encontra o alívio ilimitado...
(Victor Hugo)

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Crédito da imagem: Corbis Yellow

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20.12.11

Um bom ano

2011 foi um bom ano para este blog, e isso se deve principalmente a vocês, que têm passado por aqui e tornado a minha tarefa de organizar as próprias ideias ainda mais divertida, e ainda mais conectada com o pensamento alheio - o seu pensamento.

Qualquer blog atrairá todo tipo de interessado nos assuntos a que se propõe tratar, mas conseguir ter um bom grupo de interessados no que tenho tratado aqui - espiritualidade, filosofia, ciência, etc - é uma grande conquista, penso eu, de todos nós, pois como vinha escrito no cabeçalho deste blog no layout antigo (alguns devem se lembrar): "pensar para melhor viver".

Claro que não tenho a pretensão de mudar a vida de ninguém... Gosto muito da humildade de Gibran: "Homem algum poderá revelar-vos senão o que já está meio adormecido na aurora do vosso entendimento". Portanto, se ao organizar minhas própria ideias, ainda consigo auxiliar você em organizar também as suas, em se melhorar um pouquinho, passo a passo, tanto melhor!

Na imagem acima temos um gráfico com a visitação mensal de Janeiro a Novembro de 2011. As colunas verdes representam cada page load, ou seja: cada página que foi baixada por algum navegador. As colunas azuis são uma aproximação do número de visitantes únicos (cada visitante pode visualizar várias páginas do blog a cada visita). Mas as colunas de que mais me orgulho são as laranjas, pois representam uma aproximação do número de visitantes que têm retornado ao blog para uma segunda visita na mesma semana, ou seja: os frequentadores mais assíduos do blog, coisa que é rara na web.

Claro que todos devem ter percebido o grande aumento no tamanho dessas colunas ocorrido em Julho, isso se deve principalmente a generosidade do Marcelo Del Debbio, que me convidou para ser um colunista do Portal Teoria da Conspiração, e eu, é claro, aceitei... Mas então veio o grande desafio: será que esse influxo de novos leitores seria apenas temporário, ou parte desse público se tornaria um leitor frequente do blog? Bem, acho que o mês de Novembro trouxe uma boa resposta :)

Obrigado a todos que clicam, que leem, que refletem... Espero que possa lhes trazer boas reflexões em 2012 e, quem sabe, não apenas através do blog...

Abraços,
Rafael Arrais (raph)

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Crédito da imagem: StatCounter (editada por raph)

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Citações (1)

Este é o primeiro post de uma série com citações, nos moldes da série com frases, com a diferença que as citações são um pouco maiores, e geralmente já terão aparecido anteriormente na página do Textos para Reflexão no Facebook. Quem nos acompanha por lá talvez já tenha cruzado com algumas das citações abaixo:


Acredita-se que o monoteísmo surgiu com o judaísmo, mas se considerarmos que os mitos de doutrinas religiosas ancestrais já compreendiam um “deus criador supremo”, e “deuses secundários inferiores”, pode-se dizer que toda religião teísta já nasceu monoteísta (exceto por algumas poucas que consideravam dois deuses supremos antagônicos, “o bem contra o mal”). Podemos também nos lembrar do estoico Epicteto, que se referia a Zeus como “Deus dos deuses”.

No caso do catolicismo, por exemplo, os anjos e santos vieram preencher a lacuna dos “deuses secundários”. Daí a facilidade com que os escravos africanos que chegaram ao Brasil “adotaram” a religião: cada santo correspondendo a um orixá, muito simples!

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"Mas, quando você sugere que lá está somente esse único Deus, a uma altura inalcançável acima da humanidade, e que não há nada no meio, você está limitando e simplificando o assunto." (Alan Moore)

Exato: o problema não é nem o Monoteísmo, pois mesmo os estóicos já chamavam a Zeus de "Deus dos deuses", o problema é acreditar que esse tal Deus centraliza todas as experiências religiosas e sempre que sentimos qualquer espécie de intuição, é algo que vem diretamente de Deus, e não de algum intermediário.
Claro, de certa forma tudo vem realmente de Deus, e uma substância não pode criar a si mesma, mas ainda estamos um tanto distantes de dialogar com ele face a face. No meio do caminho, tentemos ver seu reflexo nas pedras, nos galhos secos, na superfície das águas...

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Toda grande religião tem sua vertente mística e verdadeiramente esotérica. No Islã, o sufismo; No cristianismo, os gnósticos e martinistas; No judaísmo, a Cabala (kabbalah), etc. Como todos estes são geralmente mais religiosos que eclesiásticos, se preocupam muito mais em sua religação com Deus (religare) do que em ditar preceitos morais e/ou importunar os praticantes de outras religiões com tentativas de “evangelização forçada”; E tampouco se preocupam em participar de uma elite de “escolhidos por Deus”, pois que em todo o canto que olham veem a verdade: que só existe um Deus, e que ele preenche todo o Cosmos (incluindo nós mesmos).

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Na quarta cruzada, a Igreja investiu contra os cátaros (descendentes dos essênios e gnósticos). Em Béziers, tornou-se célebre o diálogo entre o comandante dos cruzados e o representante do papa: “Mas senhor, nesta cidade encontram-se vivendo em paz cristãos, judeus, árabes e cátaros. Como vamos saber quais são os inimigos?” - ao que a Igreja respondeu: “Matem todos; Deus escolherá os seus!”

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Dizem que o homem teme a morte, porém morre todo dia, e renasce toda manhã. E sua própria vida é algo em constante mutação, tanto celular quanto neuronal quanto espiritual: não somos os mesmos de 15 anos atrás, nenhuma célula é a mesma. Então talvez temamos deixar de existir, mas muitas de nossas preferências e características deixaram de existir, sem realmente terem se aniquilado por completo. Não brincamos mais as brincadeiras de criança, mas temos ainda, quem sabe, uma vaga ideia de como elas eram... Enfim, as personalidades mudam e morrem e renascem, mas as potencialidades caminham sempre a frente, quem sabe junto a seta do tempo: todo o inanimado se desorganizando, todo o animado se iluminando. Mas mesmo a existência precede a essência, realmente, pois que antes de todas as substâncias e todas as almas, havia apenas uma única substância incriada e tão eterna quanto tudo o mais... Há uma certa beleza em se pensar assim.

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O nada como possibilidade infinita, ou como um vazio a ser preenchido por algo, ou ainda um campo quântico ou o próprio tecido do espaço-tempo quando no estado de singularidade, é uma coisa - outra MUITO diferente é o nada absoluto, sem tempo, sem espaço, sem movimento, sem pensamento, sem essência: este não existe, jamais existiu e jamais poderá existir, visto que existe ALGO, e não nada.

Por isso se diz que "do nada, nada se cria", e também que "uma substância não pode criar a si mesma" - e daí se tira a existência de um Criador pela pura lógica (o que se opõe ao nada). Já definir como exatamente é esse Criador, bem, essa é a tarefa de nossas vidas, de nossas existências, e ela também tende ao infinito...

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Os milagres ocorrem, quase que sempre, nas pequenas coisas. E que são pequenas coisas? Tudo são pequenas coisas, tudo é milagre. E que é nossa vida, senão um conjunto de milagres a nos cruzar sem que nos apercebamos da parte mais ínfima? Viemos da Luz, de onde a Luz se originou dela mesma. Existimos para ver em parte, e quem sabe dia chegará que a vejamos face a face...

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Crédito da foto: Rick Chapman/Corbis

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19.12.11

Conhecimento e vivência

Este é um belo trecho do filme Gênio Indomável (Good Will Hunt), de 1997, dirigido por Gus Van Sant. Nele, o jovem gênio matemático (Matt Damon) têm uma pequena aula sobre o conhecimento e a vivência, proferida por um analista experiente (Robin Williams):

Via @carolphoenix, do blog Qualquer coisa que se sinta.

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Links Mayhem (36)

O Projeto Mayhem foi criado em Março de 2010 como centro de debates e discussões sobre temas Ocultistas e Herméticos. Agora, toda semana, os participantes do projeto divulgam os links mais interessantes para artigos nos blogs de outros participantes:

- Teoria da Conspiração - Aulas de Religião em um Estado Laico
- Idéia Biruta - Criando uma Religião (parte 4)
- Artigo 19 - Trapaceando a Mente
- Tudo sobre Magia e Ocultismo - A Agricultura
- Autoconhecimento e Liberdade - Teoria da Magia (Parte 1)
- O Alvorecer - As Sereias e os Mares de Netuno
- Diário do Adeptu - O lado oculto da dança do ventre
- Labirinto da Mente - Baby, now that i've found you

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Veja também os colunistas no Portal Teoria da Conspiração:

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16.12.11

Teísmos e ateísmos

Ao longo de vários anos participando e observando discussões filosóficas e religiosas, pude observar que, muitas e muitas vezes, as pessoas se digladiam muito mais por não conseguirem compreender o que a outra efetivamente pensa, do que por qualquer outro motivo mais importante. Usualmente, o que causa esse tipo de desentendimento é o fato de que alguns termos – particularmente os que englobam a crença ou descrença em um Criador – são compreendidos de maneiras diversas pelas pessoas.

Por exemplo, para alguns um ateu é alguém que afirma categoricamente que Deus não existe (seja quem ou o que for). Para outros – incluindo ateus – o ateísmo não chega a fazer tal afirmação. Para alguns atenienses Sócrates era ateu, embora ele estivesse um tanto longe disso, tanto que mais tarde sua filosofia influenciou decisivamente um grande teísta: Sto. Agostinho. Já Epicuro dizia não se preocupar com os afazeres dos deuses – e também foi taxado de ateu. Dizem que Einstein acreditava no “deus de Espinosa”, mas seria esse deus o mesmo deus do Antigo Testamento? Richard Dawkins deixa claro que não, e em seu polêmico Deus, um delírio se dedica a atacar apenas o deus bíblico, e não a concepção panteísta do Cosmos. Confuso, não?

Para tentar auxiliar em tantas definições, teísmos, ateísmos e outros “ismos”, elaborei um pequeno glossário de termos abaixo, que é propositadamente curto – e, obviamente, não tem a pretensão de esgotar o assunto, mas apenas de ajudar a resolver melhor alguns debates. Comece perguntando: “que tipo de ismo você segue exatamente, afinal?”, antes de ter certeza do que exatamente o outro crê ou não crê...

Teísmo
O teísmo, derivado do grego Théos (Deus), é a crença na existência de um ou mais deuses. No politeísmo acredita-se em diversos deuses, mas no henoteísmo, apesar de admitir-se a existência de um panteão, há também um Deus supremo, criador do Cosmos. No monoteísmo reduz-se a divindade a apenas um único ser supremo, usualmente taxando outros deuses de semideuses, divindades ou demônios (do grego daemon) – que em certas doutrinas também podem assumir o papel de intermediários entre os homens e o Deus supremo.
O teísmo filosoficamente deriva diretamente do antigo questionamento: “porque afinal existe algo, e não nada?” – Que por sua vez remete a crença em uma espécie de ser consciente (embora não necessariamente um velho barbudo ou um avatar profético) que arquitetou todo o Cosmos. Pode ser, talvez, resumido como “a crença em um Criador pessoal”.
A grande maioria dos teístas também compartilha a crença de que Deus não somente pode intervir diretamente (e, usualmente, de forma sobrenatural) nos eventos da existência humana, como também pode transmitir revelações e segredos cósmicos através de profetas, sonhos e experiências religiosas em geral.

Creem em uma causa primeira: sim.
Creem em um Criador pessoal: sim.
Creem em intervenções sobrenaturais: quase sempre sim.
Creem em revelações divinas e dogmas: sim.

Deísmo
O deísmo tem suas raízes nos antigos filósofos gregos e, sobretudo, na doutrina aristotélica da “primeira causa”. Voltou a florescer no Iluminismo, sobretudo através de Galileu, Newton, Voltaire e outros. No deísmo admite-se que o Cosmos não é obra do acaso, e que portanto deva existir um Criador. Porém, os deístas creem que é papel do homem se aproximar de Deus através da razão, e não o contrário. Em suma, os deístas negam as revelações divinas e têm uma concepção naturalista do Cosmos, usualmente negando também a possibilidade de intervenções sobrenaturais.
Os deístas creem em um relojoeiro que sabia enxergar muito bem, tão bem que arquitetou todo o Cosmos de forma magistral. Tão perfeita, que lhe é mesmo desnecessário intervenções específicas. Conforme disse uma vez Voltaire a uma senhorita: “Minha senhora, acredito em uma providência geral, mas não numa providência particular que salvou o seu pássaro que estava machucado”.

Creem em uma causa primeira: sim.
Creem em um Criador pessoal: geralmente sim.
Creem em intervenções sobrenaturais: quase sempre não.
Creem em revelações divinas e dogmas: não.

Panteísmo (ou “espinosismo”)
O panteísmo associa o conceito de Deus ao próprio Cosmos: a totalidade de todas as coisas no universo, na natureza. Einstein dizia que havia duas formas de se enxergar a vida: uma é pensar que não existem milagres, a outra é conceber tudo a sua volta como um milagre. Obviamente, Einstein queria dizer que as próprias leis naturais, a própria simetria e harmonia do Cosmos, eram em si mesmas um milagre persistente – ao menos para aqueles que tinham olhos para ver.
Essa concepção de Cosmos remonta novamente a Grécia antiga, sobretudo aos estoicos. E foi bebendo dessa fonte que Benedito Espinosa concebeu a Deus como “a substância que não pode criar a si mesma, mas que gerou tudo o mais a partir de si”. Esta é uma bela síntese para um questionamento ancestral, e exatamente por isso Espinosa é até hoje tão admirado (apesar de ter sido excomungado do judaísmo, sob a acusação curiosa de ateísmo).
Se no início de sua Ética Espinosa engendra o conceito de Deus de forma geométrica e precisa”, é preciso se aventurar no restante do livro para perceber que o filósofo holandês também acreditava que esse tal Deus era capaz de nos trazer profunda felicidade existencial, sobretudo quando alinhamos nossa intuição com a “vontade do Cosmos”. Era esse deslumbramento que Einstein sentia constantemente, ao desvelar os segredos da natureza.

Creem em uma causa primeira: sim.
Creem em um Criador pessoal: não.
Creem em intervenções sobrenaturais: não.
Creem em revelações divinas e dogmas: não.

Pandeísmo
O pandeísmo nasceu da fusão do panteísmo com o deísmo, e se trata de um concepção divina do Cosmos, que só pode ser compreendida através da razão.

Panenteísmo
O panenteísmo é um doutrina muito similar ao panteísmo, mas compreende que Deus é “o Cosmos e algo a mais”. Ou seja, que o universo está contido em Deus, mas Deus não se limita apenas ao universo.

Agnosticismo
Thomas Henry Huxley, um biólogo inglês, cunhou o termo “agnóstico” (do grego agnostos, “ausência do conhecimento”) em 1869, mas a essência do agnosticismo foi melhor desenvolvida pelo filósofo alemão Immanuel Kant. No agnosticismo, admite-se que a questão ancestral acerca da natureza exata da “primeira causa” não pode ser resolvida com base no conhecimento atual da humanidade, e talvez jamais venha a ser efetivamente solucionada. Geralmente isso significa apenas que os agnósticos se posicionam com ceticismo em relação à existência de Deus: não podem afirmar que existe, nem tampouco que não existe. Ou, como dizia Carl Sagan, um grande agnóstico: “a ausência da evidência não é a evidência da ausência”.
O agnosticismo possuí algumas vertentes interessantes: os fideístas creem que essa mesma questão da “primeira causa” realmente não pode ser resolvida pela razão, mas sim pela fé. Também é possível ser um agnóstico teísta – que crê em Deus, mas não crê que pode compreendê-lo; ou ainda, bem mais comum, um agnóstico ateísta – que não crê em Deus, embora tampouco afirme que não exista.
Se formos considerar a essência do ceticismo filosófico, para um cético só é mesmo possível ser um agnóstico, há menos que este cético tenha passado por experiências religiosas subjetivas, e que por conta delas tenha passado a crer em Deus.

Creem em uma causa primeira: geralmente sim, embora não saibam resolve-la.
Creem em um Criador pessoal: não (exceto no fideísmo).
Creem em intervenções sobrenaturais: não (exceto no fideísmo).
Creem em revelações divinas e dogmas: não (exceto no fideísmo).

Ateísmo
Em sua origem antiga, o ateísmo (do grego atheos, “ausência de Deus”) sempre foi um termo profundamente arraigado na religião, visto que usualmente significava a negação dos deuses e práticas religiosas locais. Claro que o ateísmo na antiguidade também poderia significar literalmente a descrença em todo e qualquer deus, mas esses casos eram muitíssimo raros. Mesmo grandes profetas e filósofos foram acusados de ateísmo, a despeito de sua óbvia crença em Deus ou em deuses, dentre eles contamos até mesmo Sócrates e Jesus Cristo.
Com o passar dos séculos e, sobretudo, com o aflorar das ciências naturais após o Iluminismo, o ateísmo em seu sentido de “descrença total em Deus” passou a ser cada vez mais comum. Teoricamente, aquele que se declara ateu na era moderna estará afirmando categoricamente que “não existe um Criador”, e também geralmente poderemos adicionar à afirmativa: “tampouco existe uma causa primeira com objetivo definido”. Ou seja, um ateu moderno não vê sentido ou desígnio divino no universo.
Mas esse tipo de definição do parágrafo acima não é compartilhado por todos, tampouco pelos próprios ateus – e há muitos ateus que se colocam, em realidade, como agnósticos, ou agnósticos ateístas (ver acima), apesar de se definirem “apenas como ateus”. Esse tipo de afirmação gera muitos desentendimentos, pois há muitos teístas e mesmo deístas que se sentem ultrajados com o fato de alguém se sentir na condição de afirmar que “não existe um Criador nem um sentido para a causa primeira” – muito embora nem sempre seja o que alguém que se autointitule ateu queira realmente dizer.
Em suma, há muitos agnósticos que gostam de se dizer ateus apenas para se colocarem ainda mais claramente em oposição às concepções teístas, sobretudo aquelas originárias das doutrinas dogmáticas.

Creem em uma causa primeira: por vezes sim, embora em todos os casos neguem um sentido ou desígnio divino no universo.
Creem em um Criador pessoal: não, e por vezes podem ter “certeza que não existe Criador algum”.
Creem em intervenções sobrenaturais: não.
Creem em revelações divinas e dogmas: não.

Antiteísmo
O antiteísmo (alguns chamam de neo ateísmo ou novo ateísmo) é uma vertente moderna do ateísmo que não se contenta em apenas se declarar ateísta, como critica veementemente o teísmo e, por vezes, atua de forma militante, tentando convencer as pessoas de que Deus não existe. Embora os antiteístas provavelmente entendam a si mesmos como “evangelizadores da ciência e do racionalismo”, eles na prática lembram muito mais uma versão distorcida dos próprios evangelizadores teístas.

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Observação (1): É preciso sempre lembrar que a ciência não é ideologia ou doutrina, não é materialista nem espiritualista, monista ou dualista, teísta ou ateísta. A ciência é tão somente o conhecimento da natureza detectável, e o estudo de seus mecanismos. Há muitos grandes cientistas da história que eram teístas, deístas, panteístas, etc.

Observação (2): Embora um teísta fundamentalista provavelmente me julgue um ateu, e um antiteísta radical provavelmente me julgue um teísta, eu na realidade estou situado mais ou menos entre o Panteísmo, o Deísmo e o Pandeísmo.

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Vídeo
Este artigo serviu de base para o roteiro do vídeo O que é Deus para você? no canal Conhecimentos da Humanidade do YouTube.

» Veja também o artigo Monismos e dualismos, que trata da natureza da mente

Crédito da foto: Brian David Stevens/Corbis

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Tendências da fé, parte 3

« continuando da parte 2

Texto de Adjiedj Bakas e Minne Buwalda em "O futuro de Deus” (A Girafa) – pgs. 66 a 70. Tradução de Silmara Oliveria. As notas ao final são minhas.

O mundo árabe – incluindo os países muçulmanos das regiões central e sul da Ásia
O mundo árabe em geral apresenta uma cenário religioso uniforme, assim como os países muçulmanos de outras partes do mundo. Nos lugares onde o Islã reina, dificilmente há espaço para outras religiões, exceto alguns pequenos grupos tradicionais, como os cristãos cópticos no Egito, os cristãos armênios e zoroastrianos no Irã, os mandeístas no Iraque e os cristãos siríacos no Líbano.

A principal divisão no Islã é entre sunitas e xiitas, mas existem também grupos menores de longa e rica tradição. O Sufismo, por exemplo, a variação mística do Islã, conhecido pelas práticas religiosas extáticas como a dança dos dervixes e pela poesia, tende a ser mais tolerante em relação às outras religiões do que o Islã “normal”, que é, acima de tudo, totalmente baseado no Alcorão e se opõe à expressão religiosa pessoal dos sufistas [1]. O mesmo se aplica aos ismaelitas, que vivem na Síria e em outros tempos dominavam o mundo árabe, do Marrocos ao Iraque; o fato de que os judeus e os cristãos podem viver em paz na Síria e no Líbano se deve principalmente à tolerância dos ismaelitas.

As últimas décadas presenciaram um fortalecimento do fundamentalismo nos países muçulmanos. Com origem em países bem organizados, como o Egito e a Arábia Saudita, o movimento fundamentalista se espalhou para todos os cantos do mundo, principalmente para os países muçulmanos com governos centrais enfraquecidos, como o Afeganistão e o Iêmen, e para regiões com uma grande diáspora [2] muçulmana, como a Europa Ocidental. Dessa forma, existem cerca de 20 milhões de muçulmanos vivendo na Europa atualmente [3].

A principal característica dos vários países muçulmanos é que a religião está ganhando espaço nos assuntos políticos e judiciais. Essa tendência é chamada de “Islamitismo”. Em países como a Malásia e Indonésia, há partidos islamitas de linha dura que querem impor a lei islâmica a todos os habitantes do país, até a quem não for muçulmano. Na Indonésia, onde 90% das pessoas são muçulmanas, vários governos regionais aprovaram leis inspiradas na charia, incluindo condutas obrigatórias de vestimentas, testes de leitura do Alcorão para os alunos e casais que desejam se casar, além de grupos de combate a vícios estruturados de maneira vaga, inspirados naqueles da Arábia Saudita e no Afeganistão na era do Talibã. Em 2008, o governo da Indonésia aprovou uma lei antipornografia, cujas restrições referentes às vestimentas e expressão artística puniram grupos de não muçulmanos, banindo a cultura tradicional balinesa e prejudicando sua economia, que depende do turismo na ilha [de Bali] [4].

Índia
Tradicionalmente, a Índia é uma região onde a religião e a espiritualidade desabrocharam. Ao caminhar pelas ruas de Varanasi, em Nova Délhi, Bombaim, Amritsar ou Jaipur, pode-se sentir e ver religião em cada esquina, seja Hinduísmo, Islã, Budismo, Sikhismo, Jainismo ou Zoroastrismo. Por muito tempo, a Índia teve soberanos religiosos. Em aproximadamente 250 d.C., o Rei Ashoka, que era budista, governou o Império Máuria, que ocupava a região que hoje vai do Afeganistão a Bangladesh. Sob o domínio hindu, o subcontinente indiano foi governado por reis feudais locais, chamados de maharajas. Nos séculos 17 e 18, essa Grande Índia foi novamente unificada e governada por imperadores mongóis e muçulmanos. Em 1947, com a saída dos colonizadores britânicos, e região foi dividida em República da Índia (hindu), Bangladesh e Paquistão (muçulmanos). Os governos que se instalaram nesses três países foram explicitamente seculares, em uma tentativa de acalmar as tensões religiosas.

Na Índia, há uma minoria muçulmana tradicionalmente tranquila, tolerante e não ortodoxa. Porém, influenciados pelo movimento islamita internacional, que possui esconderijos no vizinho Paquistão, os conflitos entre os muçulmanos e hindus na Índia estão aumentando de novo. [...] Ao mesmo tempo, a religião predominante na Índia, o Hinduísmo, perdeu influência na vida da população por causa dos governos seculares.

O sistema de castas da Índia foi oficialmente abolido com a Constituição de 1947. Para os chamados dalits, os 16,2% da população indiana sem casta e considerados “intocáveis”, isso fez uma grande diferença. O governo indiano fornece aos dalits bolsas de estudo em universidades e depois os contratam como funcionários públicos [5]. Historicamente, como sua posição na classe social inferior foi automaticamente associada a ocupações consideradas impuras, os dalits trabalhavam principalmente como artesãos, limpando latrinas e canos de esgoto ou então varrendo ruas. Hoje, trabalham como engenheiros, médicos, advogados, arquitetos, gerentes, profissionais de TI e empresários de sucesso. Até o atual Presidente Pratibha Patil da Índia é descendente dos dalits.

Porém, o sistema de castas ainda predomina em grandes regiões rurais da Índia, apesar da política secular oficial do governo. Mas, em uma cultura global, com televisão em todos os vilarejos, as pessoas podem ver que existem outras formas de viver. Atualmente, muitos dalits de regiões rurais da Índia se convertem ao Marxismo ou Cristianismo em busca de emancipação.

China
A China tem uma história religiosa muito rica. Chang’an, a antiga capital chinesa durante a Dinastia Tang (618-907), era a cidade mais cosmopolita do mundo, com mais de 1 milhão de habitantes, e tolerância religiosa total. Como era o ponto final da Rota da Seda, a cidade atraía muitos estrangeiros, de localidades distantes, como Japão, Pérsia, Império Khmer e Bizâncio. Os mosteiros budistas ficavam ao lado dos santuários confucianos, os templos zoroastrianos próximos às igrejas cristãs nestorianas. As santidades taoistas e os altares nas residências eram utilizados para venerar os antepassados. Muitos dos imperadores eram budistas, outros eram confucianos e alguns eram ateus [6].

Depois de 1949, quando o Partido Comunista assumiu o controle do Império do Meio, a religião foi desencorajada porque, como Marx tinha dito: “a religião é como ópio para as pessoas”. Mas a religião nunca desapareceu por completo, pois os seguidores continuaram suas práticas silenciosamente com os altares montados em suas casas [7].

Depois que a China abriu sua Cortina de Bambu em 1979, a religião começou a ser tolerada novamente. Em 1982, a liberdade religiosa se tornou parte da Constituição da China; porém, essa tolerância ficou limitada a cinco religiões: Budismo, Taoísmo, Islã, Protestantismo e Catolicismo. As outras religiões ainda encontram repressão. O novo movimento religioso Falun Gong, baseado nas práticas qigong tradicionais, como tai chi e controle da respiração, mas que também enfatiza os conceitos morais e as virtudes como o pacifismo, cresceu rapidamente na década de 1990: as fontes do governo chinês indicam que havia 70 milhões de adeptos no país até o ano de 1998. O Partido Comunista começou a se sentir ameaçado por essa nova “seita” e baniu-a em 1999. Em 2001, esmagaram o Falun Gong, que o governo considerou algo inaceitável, depois que 10.000 membros do movimento foram a Pequim protestar por causa de seu ostracismo oficial. Entretanto, outras religiões seguem bem, contanto que não interfiram na política oficial [8].

[...] Uma das religiões que está claramente em alta na China é o Budismo. Tradicionalmente, era popular entre os pobres da China, simplesmente porque o Budismo prega a aceitação dos fardos mundanos e enfoca o esclarecimento pessoal e o futuro. Essa aceitação impede que os não religiosos se revoltem contra os religiosos e pode explicar a tolerância do Presidente Hu Jintao. A população rica da China tradicionalmente apresentava uma tendência maior ao Taoísmo, porque este enfoca o aqui e o agora, principalmente o viver em harmonia com o acúmulo de riquezas. Mas, atualmente, a população bem-sucedida da China apresenta uma tendência maior ao Budismo. Para os jovens estressados, é uma pausa nos conflitos e competições.

A popularidade crescente da fé reflete um desejo por um sentido na China, com muitas pessoas cada vez mais atraídas aos ensinamentos do Budismo de rejeição ao materialismo e ênfase na natureza da vida transitória. [...] O Islã também está crescendo na China. Tradicionalmente, há comunidades muçulmanas relativamente grandes nas principais cidades, a maioria da tribo Hui. No estremo ocidente da China, na Província de Xinjiang, os povos Uygur e Kirgyz acentuam suas razões islâmicas, em parte para proteger a cultura local e enfatizar sua tendência ao separatismo político.

[...] Uma outra religião que está bem na China é o Cristianismo. Os números oficiais mostram que a quantidade de cristãos aumentou de 14 milhões em 1997 para 21 milhões em 2006, mas esses dados excluem as igrejas nos lares e as igrejas clandestinas. Uma estimativa modesta diz que, em 2010, havia mais de 80 milhões de cristãos na China. As igrejas nos lares são particularmente populares, embora o governo tenha estabelecido um limite informal de 25 pessoas para cada “reunião religiosa não autorizada”.

Em seu livro O regresso de Deus, Micklethwait e Wooldridge sugerem que os chineses são atraídos ao Cristianismo porque cada cidade chinesa possui um clube ou rede de cristãos empresários e pessoas que querem se juntar ao clube dos bem-sucedidos. Os pesquisadores mencionam um depoimento de um convertido: “Na Europa, a igreja é velha. Aqui, é moderna. A religião é um sinal de ideais superiores e progresso. A riqueza espiritual e a riqueza material andam juntas. É por isso que vamos vencer” [9].

***

[1] Toda grande religião tem sua vertente mística e verdadeiramente esotérica. No Islã, o sufismo; No cristianismo, os gnósticos e martinistas; No judaísmo, a Cabala (kabbalah), etc. Como todos estes são geralmente mais religiosos que eclesiásticos, se preocupam muito mais em sua religação com Deus (religare) do que em ditar preceitos morais e/ou importunar os praticantes de outras religiões com tentativas de “evangelização forçada”; E tampouco se preocupam em participar de uma elite de “escolhidos por Deus”, pois que em todo o canto que olham veem a verdade: que só existe um Deus, e que ele preenche todo o Cosmos (incluindo nós mesmos).

[2] Comunidades religiosas provenientes de migrações.

[3] Kadafi uma vez chegou a admitir que o “plano muçulmano” era “conquistar” a Europa pelas altas taxas de natalidade. Como vimos, à juventude muçulmana realmente cresce em todo mundo, mas o resultado não foi muito favorável aos ditadores islâmicos...

[4] Uma charia no desfile de Carnaval carioca deveria afetar o turismo no Brasil de forma bem semelhante. Sorte que escapamos dessa.

[5] Nesse sentido, governos seculares foram uma grande benção para a Índia... Há que se ter equilíbrio e harmonia numa sociedade, e às vezes uma visão mais secular e pragmática é necessária ao progresso. O sistema de castas é a grande “chaga cármica” da Índia.

[6] Parecem fábulas, mas em momentos de nossa história, grandes metrópoles ecumênicas efetivamente existiram. Que a antiga Atenas, Chang’an, Al Andalus e a Nova Iorque do final do século 20 não sejam jamais esquecidas, como exemplos de como a humanidade pode conviver em liberdade e tolerância. Esperamos que o Brasil hospede uma dessas, em se consolidando como potência mundial.

[7] Quem compreende a reencarnação sabe que a religiosidade humana jamais desaparecerá, por mais que se exterminem todos os religiosos de um povo – enquanto existir seu povo, eles voltam, eles sempre voltam...

[8] O governo chinês finge que preza a liberdade e os direitos civis, e os governos do resto do mundo fingem que acreditam. Enquanto a balança comercial com a China lhes favorecer, para eles estará bom assim.

[9] Algo me diz que a “teologia da prosperidade” também fará muito sucesso lá do outro lado do globo. Para o deus do consumo, estará tudo muito bom.

***

Crédito das imagens: [topo] Reza/Webistan/Corbis (um dervixe dançando); [ao longo] Paul Howard/Demotix/Corbis (protesto pacífico de seguidores do Falun Gong, em frente a embaixada da China em Londres; eu optei por não mostrar imagens de torturas praticadas pelo governo chinês em praças públicas, mas está tudo no Google).

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15.12.11

Tendências da fé, parte 2

« continuando da parte 1

Texto de Adjiedj Bakas e Minne Buwalda em "O futuro de Deus” (A Girafa) – pgs. 62 a 65. Tradução de Silmara Oliveria. As notas ao final são minhas.

América Latina
Originalmente, antes de os conquistadores espanhóis e outros europeus colonizarem o continente, a América Latina era dominada por religiões indígenas, algumas delas bem pequenas e locais, e outras maiores, como as religiões dos povos Maias e Astecas. Os europeus trouxeram o Cristianismo para o continente [1] e depois outras influências religiosas foram introduzidas, por exemplo, a tradição Yorubá, que foi trazida com os escravos importados da África.

Nas décadas de 1970 e 1980, a América Latina presenciou o nascimento e o crescimento da chamada Teologia da Libertação, um movimento dentro do Cristianismo que interpreta a Bíblia em termos de libertação da injustiça política, econômica e social. Tornou-se popular principalmente na Igreja Católica Romana, mas depois virou um movimento interdenominacional. Os padres se tornaram politizados, em uma tentativa de emancipar e elevar as massas, empregando palavras como “luta de classe” em seus sermões e reunindo seus seguidores em megaigrejas e práticas ao ar livre.

No início, a Igreja Católica via esse movimento como uma renovação da mensagem de Cristo, mas quando a Teologia da Libertação ficou mais marxista, o Vaticano reagiu, excomungando alguns de seus porta-vozes mais importantes [2]. Quando, na década de 1990, o neoliberalismo assumiu o cenário mundial e o Marxismo foi de repente visto como ultrapassado, a Teologia da Libertação perdeu grande parte de sua influência.

Desde então, a função da emancipação da Teologia da Libertação foi assumida pelo Cristianismo Evangélico e pelas Igrejas Carismáticas. Essas igrejas (por exemplo, a Igreja Pentecostal), não enfatizam a luta de classe e a emancipação de classe, mas se concentram na capacitação e na realização pessoais. Essas igrejas não são hierárquicas, como a Igreja Católica, e portanto “praticam o que pregam” – uma estratégia convincente [3].

Durante a sua história, a maioria dos países da América Latina recebeu novos grupos de imigrantes, o que resultou em um tipo de sociedade multicultural na qual as pessoas tendem a tolerar mais outras religiões. Por exemplo, o Suriname, onde nasceu um dos autores deste livro, é um país cuja população inclui descendentes de colonizadores brancos, escravos negros, trabalhadores indianos e indonésios, refugiados judeus e comerciantes chineses, entre outros. Esses grupos realizaram casamentos entre si, mas as religiões originais dos respectivos grupos ainda existem em Paramaribo, a capital do país. De fato, a mesquita e a sinagoga estão localizadas uma ao lado da outra e não há conflitos religiosos. O Oriente Médio deveria considerar essa tolerância como exemplo! [4]

Um outro fenômeno que pode ser visto com frequência no Suriname é que tanto os cristãos quanto os judeus e hindus recorrem ao Winti, tradição afro-surinamesa ligada ao Candomblé, Vudu e Santeria, à procura de cura ou magia, quando sua religião principal não oferece uma solução forte o suficiente para o seu problema [5]. A cultura latino-americana e os “novos países”, como o Brasil, que ainda atraem muitos migrantes, mostram hoje um caminho com tendência à tolerância religiosa e às práticas espirituais híbridas. Em um mundo que está cada vez mais multicultural, esses modelos podem ser vistos como “o futuro de Deus” [6].

Como o Cristianismo foi a religião dos colonizadores que dominaram a América, ele se tornou a fé principal; Porém, elementos e influências indígenas ancestrais e locais foram integrados e formaram-se novos rituais e práticas. Mais recentemente, com o fortalecimento da autoconfiança e do orgulho dos povos nativos da América Latina, a cultura, incluindo suas religiões e costumes éticos originais, ganhou mais destaque novamente. Na Bolívia, por exemplo, nas áreas montanhosas onde as leis modernas nunca tiveram muita influência, os antigos costumes nativos de praticar justiça estão sendo utilizados novamente, em um processo de descolonização do sistema legal. Entretanto, isso realmente significa que, quando alguém é pego roubando em um vilarejo na região montanhosa da Bolívia, o gatuno corre o risco de ser açoitado no local pelas pessoas ao redor.

No Brasil, o uso de plantas psicoativas em rituais religiosos está se tornando mais comum nas tribos indígenas novamente, não apenas na região da Amazônia, mas também nas grandes cidades, como Rio de Janeiro e São Paulo [7]. No México, a adoração de La Santa Muerte (A Santa Morte) é o movimento religioso que mais cresce atualmente, com cerca de 10 milhões de seguidores. Obviamente, há um “Anjo da Morte” na tradição cristã, mas La Santa Muerte da Igreja Apostólica Tradicional do México provavelmente se refere ao deus asteca do submundo, Mictlanteuchitili [8]. Em todos os cantos da América do Sul, estão sendo reintroduzidos elementos das religiões e éticas pré-coloniais.

África
A história da África pode ser comparada a história da América Latina, exceto pelo fato de       que os conquistadores trouxeram ao continente não apenas o Cristianismo, como também o Islã. Uma linha que vai se Serra Leoa na parte ocidental, passa pela Nigéria e pelo Sudão e segue até a região do Vale do Rift na Etiópia, divide os muçulmanos no norte dos cristãos no sul. A região da África quê se parece com um chifre e as áreas costeiras do Quênia e Tanzânia são dos muçulmanos novamente.

No período em que os conquistadores muçulmanos e os colonizadores europeus foram para a África, havia muitas religiões tribais no continente. Algumas delas eram animistas, como a do povo San ao sul, mas a maioria das religiões africanas era teísta. Muitas vezes o deus criador supremo sequer era venerado, e sim os deuses e espíritos inferiores [9]. Em muitas religiões africanas, principalmente entre os sudaneses, surgiu uma tradição de soberania ou chefia sagrada, na qual a posição do rei ou chefe era justificada pela lei divina. A religião egípcia clássica também tornou o seu faraó um ser divino, uma característica influenciada pelas culturas sudanesas.

Algumas religiões africanas possuem mais de um deus, por exemplo, a religião Yorubá da Nigéria e de Benim, cujos deuses são chamados de orixás. Essas divindades representam energias fundamentais, atitudes ou formas de abordar a vida, e nos séculos 17 e 18, foram trazidas para a América Latina com os escravos, onde ainda formam o panteão de religiões latino-africanas, como a Umbanda e o Candomblé (no Brasil), Vodu (no Haiti), Winti (no Suriname) e Santeria (em Cuba).

Quando os árabes e os europeus conquistaram a África, as antigas religiões perderam força e foram substituídas pelo Islã e Cristianismo. A única exceção foi à Etiópia, que tem a tradição do Cristianismo Cóptico, que volta aos tempos bíblicos [10]. [...] Atualmente, a África está na linha de frente da luta entre o Cristianismo e o Islã. Essa luta se intensificou recentemente, com argumentos mais fortes para encorajar a conversão de ambos os lados, com ódio renovado e batalhas sangrentas em países como o Sudão e a Nigéria [11].

Assim como na América Latina, o Cristianismo Evangélico e o Pentecostalismo crescem na África. Uma das razões dessa popularização pode ser a prática religiosa de entrar em transe ao realizar um ato religioso, adotada por quase todas as religiões originais africanas, que se encaixa bem nas práticas “extáticas” dessas igrejas cristãs. Uma outra explicação é que a Igreja Pentecostal pode servir como um veículo para que os membros das classes mais inferiores se libertem, não por meio de uma revolução socioeconômica como a Teologia da Libertação prega, mas pela integração em um movimento religioso que oferece grande mobilidade social interna. Os ideais sociais embutidos no Pentecostalismo incentivam que o pobre rejeite a vida de maus hábitos e excessos e favoreça a economia e a responsabilidade, principalmente em relação á vida em família.

» Na continuação, tendências do mundo árabe, Índia e China.

***

[1] Talvez fosse melhor dizer: forçaram o cristianismo goela abaixo dos nativos, isto é, dos que sobreviveram as chacinas...

[2] Por isso que a religião é livre, e a igreja não. Resta saber de onde tiraram a ideia de que Jesus fundou uma igreja...

[3] Obviamente que algumas delas na prática são hierárquicas, pois têm uma “cúpula de liderança” claramente definida. Acredito que não preciso nem dizem quais são, basta ligar a TV aberta na madrugada para assistir a vários dos “chefes de igrejas” discursando, de acordo com o canal sintonizado.

[4] Se fosse viável retirar todos os atuais moradores das zonas de conflito no Oriente Médio e os realocar, por exemplo, nas planícies da Austrália, é bem provável que os conflitos diminuiriam em muito. Às vezes, a “terra santa” é mais um fardo do que uma benção.

[5] As grandes religiões têm muito o quê aprender, em termos de tolerância e ecumenismo, com as tradições religiosas africanas – que, em sua maioria, são bem mais antigas; pelo menos anteriores ao cristianismo e ao islamismo. Também são religiões “sem igreja”, que podem ser praticadas ao ar livre, numa montanha, numa planície, como era o cristianismo primitivo (basicamente, o gnosticismo).

[6] E, talvez, o ditado popular “Deus é brasileiro” acabe fazendo todo o sentido – no futuro...

[7] No caso, os autores estão se referindo principalmente ao Santo Daime.

[8] A Igreja Católica se encontra num grande dilema no México: permitir que o catolicismo local se “misture” com práticas religiosas indígenas antigas, ou perder fiéis para as igrejas evangélicas, em franco crescimento no país – particularmente nas zonas mais pobres.

[9] Acredita-se que o monoteísmo surgiu com o judaísmo, mas se considerarmos que os mitos de doutrinas religiosas ancestrais já compreendiam um “deus criador supremo”, e “deuses secundários inferiores”, pode-se dizer que toda religião teísta já nasceu monoteísta (exceto por algumas poucas que consideravam dois deuses supremos antagônicos, “o bem contra o mal”). Podemos também nos lembrar do estoico Epicteto, que se referia a Zeus como “Deus dos deuses”.
No caso do catolicismo, por exemplo, os anjos e santos vieram preencher a lacuna dos “deuses secundários”. Daí a facilidade com que os escravos africanos que chegaram ao Brasil “adotaram” a religião: cada santo correspondendo a um orixá, muito simples!

[10] O que também inspirou o surgimento de uma curiosa religião jamaicana.

[11] Tudo isso, como sempre, parcamente anunciado pela mídia global. O mundo praticamente ignora as regiões africanas onde não há progresso nem petróleo. E pensar que todos viemos de lá...

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Crédito das imagens: [topo] Axel Koester/Corbis (o culto de La Santa Muerte); [ao longo] Ulysses de Castro (orixás do Dique do Tororó, em Salvador).

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