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28.4.11

Links Mayhem (11)

25.4.11

Caso Parmod, parte 4

« continuando da parte 3

Texto de Ian Stevenson em "Reencarnação, 20 casos” (Ed. Vida e Consciência) – Trechos das pgs. 163 a 185. Tradução de Carolina Coelho Lima. Os comentários ao final são meus.

Reconhecimentos mais relevantes feitos por Parmod
Abaixo listarei os 6 reconhecimentos mais relevantes de uma lista original com 36 itens. Também optei por ignorar alguns que já foram citados ao longo do meu resumo do texto completo deste caso.

1. Ele “morreu em uma banheira” (Informantes: M. L. Sharma; Verificação: M. L. Mehra, J.D. Mehra, segundo irmão de Parmod)
Comentários: De acordo com Sri M. L. Sharma, Parmod disse que “morreu em uma banheira”. As testemunhas da família Mehra afirmaram que Parmanand tentou uma série de tratamentos com banhos naturopáticos, quando teve apendicite. Ele fez alguns desses tratamentos dias antes de morrer, mas não morreu na banheira. Em uma carta de 6 de setembro de 1949, Sri B. L. Sharma afirmou que Parmod tinha dito que morreu “por ter sido molhado com água” e que ele (Sharma) soubera (supostamente por meio da família Mehra) que alguém dera um banho nele imediatamente antes de sua morte.

2. Ele tinha um cinema em Saharampur (Informantes: B. L. Sharma; Verificação: M. L. Mehra)
Comentários: A família possuía um cinema em Saharampur [1].

3. Seu nome era Parmanand (Informantes: B. L. Sharma; Verificação: M. L. Mehra)
Comentários: Parmod não havia dito o nome Parmanand até o momento em que cumprimentou Sri Karam Chand Mehra, na estação de Moradabad. Ele disse: “Olá, Karam Chand. Eu sou Parmanand”.

4. Explicação de como mexer na máquina de refresco na loja dos irmãos Mohan, em Moradabad. (Informantes: M. L. Mehra, B. L. Sharma, N. K. Mehra)
Comentários: Quando Parmod entrou na loja, um de seus primeiros comentários foi: “Quem está cuidando da panificadora e da fábrica de refrescos?” (Essas eram as funções de Parmanand nos negócios da família.) Ao ser levado até a máquina de refrescos, Parmod sabia exatamente como fazê-la funcionar. A água tinha sido desligada para enganá-lo, mas ele percebeu sem que ninguém lhe dissesse, como aquela máquina complicada tivesse condição de funcionar.

5. Reconhecimento da esposa de Parmanand. (Informantes: Nandrani Mehra, B. L. Sharma, M. L. Sharma)
Comentários: Sugestão não intencional pode ter entrado neste reconhecimento, uma vez que Parmod foi levado entre um grupo de moças e perguntaram a ele se conseguia reconhecer “sua” esposa. Ele ficou tímido e olhou para a viúva de Parmanand. Ela desviou o olhar. Mais tarde, ela disse a outros que Parmod havia dito: “Eu vim, mas você não colocou o bindi”. Essa afirmação referia-se à marca redonda de pigmento vermelho usada na testa das esposas, mas não por viúvas na Índia. O comentário teria sido muito incomum para um menino fazer a uma mulher mais velha, mas totalmente apropriado na relação entre marido e mulher. Ele indica como Parmod acreditava que a senhora era “sua” esposa [2]. Ele também a reprovou por estar usando um sári branco, como as viúvas hindus costumam fazer, em vez de um colorido, como é próprio às esposas.

6. Reconhecimento de Yasmin, um cobrador muçulmano de Parmanand. Parmod disse a ele: “Preciso receber um dinheiro de você”. (Informantes: B. L. Sharma, Raj. K. Mehra)
Comentários: Yasmin, a princípio, ficou relutante em assumir a dívida, mas quando membros da família Mehra afirmaram que não pediriam o dinheiro de volta, ele disse que, de fato, existia uma dívida. As testemunhas disseram valores diferentes [3].

O desenvolvimento posterior de Parmod
Não encontrei Parmod entre agosto de 1964 e novembro de 1971. Mas, durante esses anos, fiquei sabendo notícias dele por meio do Dr. Jamuna Prasad, que havia incluído o caso de Parmod entre aqueles nos quais uma equipe liderada por ele vinha estudando correspondências dos traços comportamentais entre indivíduos e personalidades anteriores relacionadas de casos de reencarnação. Durante esses anos, também recebi algumas cartas de Parmod ou de seu pai com notícias sobre suas atividades atuais.

Em novembro de 1971, pude conversar longamente com Parmod em Pilibhit. Nós nos reunimos no escritório do Soil Conservation Service, no qual ele trabalhava na época. Parmod tinha um pouco mais de 27 anos.

(...) Parmod continuava mantendo amizade com os membros da família de Parmanand, e os encontrava com frequência. Às vezes passava alguns dias com eles em Moradabad, apesar de não ter vivido com eles no período em que estava trabalhando em Moradabad. Com preferências condizentes com as de Parmanand, Parmod via mais os filhos de Parmanand do que a esposa dele em Moradabad.

Parmod disse que às vezes pensava na vida como sannyasi ou homem sagrado (anterior àquela de Parmanand) de que ele havia-se lembrado antes. Ele se lembrava dessa vida de vez em quando, em ocasiões em que se encontrava com pessoas com interesses filosóficos. Das três vidas das quais tinha lembranças, a do sannyasi, a de Parmanand e a de Parmod, ele preferia a de Parmanand. Não conseguia explicar essa preferência.

(...) Discutimos o valor de ele ter se lembrado de uma vida anterior. Parmod respondeu que a experiência não tinha sido útil nem prejudicial, mas imediatamente continuou dando exemplos que sugeriam que a experiência tinha sido as duas coisas.

Por um lado, ele concordava com a mãe em relação ao fato de sua lembrança da vida anterior ter interferido em seus estudos; e se isso fosse verdade, ele não havia se recuperado totalmente dessa deficiência, uma vez que seu avanço futuro dependia em grande parte do fato de completar os estudos e ter um diploma. Por outro lado, ele acreditava que suas lembranças de uma vida anterior também haviam trazido vantagens. No nível prático, ele acreditava que sua perspicácia nos negócios vinha do que ele havia aprendido da vocação da Parmanand [4].

E de modo mais geral, a certeza da continuação da vida depois da morte que suas lembranças lhe davam fazia com que tivesse equilíbrio, o que o ajudava muito em seus relacionamentos pessoais [5].

» Na continuação, minhas considerações finais acerca do caso Parmod.

***

Comentários sobre esta parte. Ao final da série trarei comentários gerais:

[1] É preciso considerar que naquela época (e até mesmo ainda nos dias atuais, em muitas regiões da Índia) os cinemas eram pequenos e administrados como um negócio de família. Mesmo assim, pouquíssimas famílias indianas tinham um cinema, o que aumenta consideravelmente a relevância da informação. É o tipo de coisa que parece a primeira vista uma fantasia, mas que termina por se tornar uma verificação relevante.

[2] É curioso ler nas entrelinhas. Percebam como o menino não se virou para a “esposa” e apontou: “é aquela ali”. Ao invés disso, comportou-se como se apenas houvessem se separado por algum tempo. A relação tempestuosa entre os dois também fica evidente: mesmo após terem sido separados pela “morte”, a primeira declaração de Parmod é uma represaria.

[3] Em todo caso, melhor assumir uma dívida menor do que a real...

[4] Em realidade, sua vocação para negócios era uma de suas potencialidades bem desenvolvidas ao longo de inúmeras vidas, enquanto a personalidade anterior era tão somente a última de uma série onde teve a oportunidade de aprimorar esta potencialidade em específico... Ou, em outras palavras, ninguém nasce gênio por bênção divina ou uma graça aleatória da combinação genética, mas tão somente reflete a potencialidade (ou a “genialidade”) que vem sendo desenvolvida, passo a passo, vida a vida, pelas eras pregressas.

[5] Talvez ninguém tenha mais “certeza” disso do que uma criança que “já nasceu sabendo”. Há muitos que creem em vida após a morte, mas são pouquíssimos os que compreendem ao menos uma parte do mecanismo pelo qual isso ocorre. Crianças que lembram vidas passadas são especiais no sentido de que trazem uma crença que está por si só além de qualquer sistema religioso, científico, ou filosófico, pré-estabelecido pela sociedade.

***

Crédito da foto: Doug Pearson/JAI/Corbis.

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22.4.11

Cortella

Se você costuma acompanhar as coberturas jornalísticas de 24h por dia de "grandes eventos de mídia", como o terremoto no Japão ou o massacre em Realengo - para citar as mais recentes -, deve ter percebido como poucos comentaristas de TV têm algo de efetivamente construtivo a acrescentar ao assunto. Um dos melhores comentaristas de quase tudo é o filósofo Mario Sergio Cortella, que ao lado das filósofas Vivane Mosé e Márcia Tiburi constitui o grande trio de pensadores da TV brasileira (ao menos na TV paga, apesar de Viviane ter participado brevemente com um quadro no Fantástico da TV Globo).

Na entrevista abaixo, no Jô Soares, Cortella fala do lançamento de um novo livro seu, mas são tantas as respostas profundas - que mereceriam bem mais reflexão do que o tempo do programa e a impaciência do Jô permitem - que vale a pena ser visto. Infelizmente (ou felizmente) os livros de Cortella não parecem revelar toda a profundidade do seu pensamento, ironicamente ele parece ter assumido para si mesmo o papel de um "divulgador da filosofia":

» Ver a segunda parte da entrevista

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21.4.11

Médium de mim mesmo

Como alguns devem saber, estou de novo perambulando pelo Rio, e em meio a correria do centro da cidade, tive a oportunidade de visitar a exposição de Fernando Pessoa no centro cultural dos correios, no que subitamente me senti como que deslocado do tempo e do espaço. Todo centro de cidade grande deveria ter uma exposição permanente como essa, ou de Tagore, ou de Gibran, ou de poetas afins, médiuns deles mesmos...


Tive sempre, desde criança, a necessidade de aumentar o mundo com personalidades fictícias, sonhos meus rigorosamente construídos, visionados com clareza fotográfica, compreendidos por dentro de suas almas. Não tinha eu mais que cinco anos, e, criança isolada e não desejando senão assim estar, já me acompanhavam algumas figuras de meus sonhos – um capitão Thibeaut, um Chevalier de Pás – e outros que já me esqueceram, e cujo esquecimento, como a imperfeita lembrança daqueles, é uma das grandes saudades da minha vida.

(...) Esta tendência não passou com a infância, desenvolveu-se na adolescência, radicou-se como crescimento dela, tornou-se finalmente a forma natural de meu espírito. Hoje já não tenho personalidade: quanto em mim haja de humano, eu o dividi entre os autores vários de cuja obra sou o executor. Sou hoje o ponto de reunião de uma pequena humanidade só minha.

(...) Médium, assim, de mim mesmo, todavia subsisto. Sou porém menos real que os outros, menos coeso, menos pessoa, eminentemente influenciável por eles todos.

Carta ao casal Monteiro.


Pertenço a uma geração – supondo que essa geração seja mais pessoas que eu – que perdeu por igual a fé nos deuses das religiões antigas e a fé nos deuses das irreligiões modernas. Não posso aceitar Jeová, nem a humanidade. Cristo e o progresso são para mim mitos do mesmo mundo. Não creio na Virgem Maria nem na eletricidade.

Barão de Telve, "A educação do estoico".


Ó mar salgado, quanto do teu sal
São lágrimas de Portugal!
Por te cruzarmos, quantas mães choraram,
Quantos filhos em vão rezaram!

Quantas noivas ficaram por casar
Para que fosses nosso, ó mar!
Valeu a pena? Tudo vale a pena
Se a alma não é pequena.

Quem quer passar além do Bojador
Tem que passar além da dor.
Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
Mas nele é que espelhou o céu.

"Mar português".


***

Crédito da foto: Viviam Carvalho (exposição de Fernando Pessoa, quando em São Paulo)

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15.4.11

Links Mayhem (9 e 10)

O Projeto Mayhem foi criado em 2009 como centro de debates e discussões sobre temas Ocultistas e Herméticos. Agora, toda semana, os participantes do projeto divulgam os links mais interessantes para artigos nos blogs de outros participantes:

Links da semana 10:

- Teoria da Conspiração - Experiências da Primeira Semana
- Artigo 19 - Chesed
- Tudo sobre Magia e Ocultismo - Egrégoras (Parte 2)
- Autoconhecimento, Tecnologia e Liberdade - Jesus x Coelho da Páscoa
- Hermetic Rose - Samadhi
- Instituto ECO - Conceitos e certezas
- Labirinto da Mente - Os fractais
- O Psiconauta - Primeira Viagem
- O Véu de Maia
- Zzurto

Links da semana 9:

- Teoria da Conspiração - Conto sobre a Criatividade
- Labirinto da Mente - Os grandes épicos
- Autoconhecimento, Tecnologia e Liberdade - "Umbanda tem fundamento, é preciso preparar"
- Instituto ECO - Naiskarman, Vikarman e Akarman
- Artigo 19 - Religião tem culpa sim
- Hermetic Rose - D'angelus
- Tudo sobre Magia e Ocultismo - Egrégoras (Parte 1)
- O Véu de Maia
- Zzurto - Mantra

***

» Veja todos os posts sobre o Projeto Mayhem

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13.4.11

Mais programas para salvar sua semana

Parece que o pessoal gostou do meu post sobre 5 bons programas semanais da TV. Então, achei interessante lhes trazer mais 4 deles, dessa vez considerando mais a TV paga do que a TV aberta:

No Caminho (Multishow, segundas às 22:30h)
Lugares místicos e personagens comoventes cruzam a rota de Susanna Queiroz, que começou sua busca na Índia, um dos países mais misteriosos do mundo.  Na segunda temporada, a apresentadora faz o caminho saindo do Butão até Bangladesh.
É impressionante como Susanna vai ficando cada vez mais bela (por dentro, pois por fora já era desde o início) a cada programa, e a cada novo local sagrado que passa. O programa se torna interessante muito por conta da atitude da apresentadora de efetivamente conhecer as pessoas que lhes servem de guias (espirituais e/ou turísticos), além do fato de ela seguir por rotas “turísticas” bastante heterodoxas.

» Ver posts sobre o programa No Caminho no blog

Maravilhas do Sistema Solar (Discovery Brasil, sextas às 22h)
Este programa é bastante recente na Discovery, mas espero que tenha ainda muitas temporadas.
Em realidade, posso dizer com certa convicção que desde o Cosmos de Carl Sagan não encontro algum apresentador e divulgador de ciência tão promissor quanto o físico Brian Cox [1]... Neste programa espetacular, ele demonstra como os eventos físicos que ocorrem nos planetas do sistema solar, como os anéis de Saturno ou as violentas tempestades de Júpiter, podem ser explicados através da observação de eventos de menor escala que ocorrem dentro da nossa Terra – e demonstra como as leis da natureza nos conectam ao que ocorre a milhões de quilômetros de distância.

Mundos Perdidos com Les Stroud (Discovery Brasil, domingos às 13h)
Anteriormente Les Stroud tinha um programa sobre sobrevivência na África selvagem. Ao contrário de seu colega apresentador mais famoso, Bear Grylls do “A prova de tudo”, Les sempre contou apenas consigo mesmo para sobreviver – sem ajuda de equipe ou quem quer que seja.
Talvez por isso seu novo programa seja bem mais interessante: ao invés de demonstrar como sobreviver caçando animais selvagens, ele agora perambula pelas regiões ainda selvagens do globo em busca de culturas ancestrais, hoje muitas vezes à beira da extinção (ou assimilação pela cultura moderna).
Para os espiritualistas este programa se torna bem interessante na medida em que Les também se interessa por estudar e mesmo participar dos rituais de xamanismo dos povos selvagens que visita. É bastante esclarecedor perceber como tais povos ainda seguem os mesmos padrões básicos de ritualística, embora estejam isolados pelo espaço e pelo tempo...

Globo Ciência (Rede Globo, sextas às 6:25h – com reprises no Canal Futura)
Este programa é bastante antigo, e não haveria nenhuma razão especial para citá-lo nesta lista não fosse pelo roteiro bem atual, e pela apresentação bastante profissional de Alexandre Henderson (também é sempre legal ver um programa sobre um assunto “intelectual” sendo apresentado por um negro, coisa que é bastante rara na TV).
Acredito que este programa, em sua fase atual, deveria servir de base para outros programas similares e, sobretudo, mereceria um tempo maior e principalmente um horário mais acessível...

» Ver um dos episódios da fase atual no site da Globo

***

[1] Ele também é um "ex-músico", que já participou de algumas bandas de rock :)

Crédito da imagem: Divulgação dos programas listados.

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12.4.11

Caso Parmod, parte 3

« continuando da parte 2

Texto de Ian Stevenson em "Reencarnação, 20 casos” (Ed. Vida e Consciência) – Trechos das pgs. 163 a 185. Tradução de Carolina Coelho Lima. Os comentários ao final são meus.

Meios possíveis de comunicação entre as famílias
Bisauli é uma pequena cidade de 50Km a sudeste da grande cidade de Bareilly, no estado de Uttar Pradesh. Moradabad é outra grande cidade do estado, cerca de 97Km ao norte de Bareilly. Saharanpur fica ainda mais ao norte, cerca de 1600Km.

(...) A família de Parmod não tinha conhecimento da família dos “Irmãos Mohan” e, como já foi mencionado, a família de Parmod não iniciou contatos para combinar um encontro entre as duas famílias. [Elas] entraram em contato por meio de Sri Lala Raghanand Prasad, que tinha parentes em Moradabad, apesar de viver em Bisauli, onde era amigo do pai de Parmod.

(...) Em 1961, a mãe de Parmod afirmou que seu irmão, Sri Shiva Sharan Sharma, empregado de uma estrada de ferro, passou um tempo trabalhando em Moradabad. Ele também conversou com os irmãos Mehra a respeito do comportamento de Parmod depois que tomou conhecimento dele. Sri Shiva e Sri L. R. Prasad podem ter servido de elos telepáticos entre a família Mehra e Parmod [1].

Observações relevantes do comportamento das pessoas envolvidas
Por cerca de quatro anos, dos três aos sete anos, Parmod mostrou um comportamento que indicava uma forte identificação com a personalidade anterior, Parmanand Mehra.

(...) Durante esse período, Parmod costumava ficar sozinho e evitava brincar com outras crianças; ele parecia preocupado com a vida em Moradabad e com frequência pedia a seus pais que o levassem para lá, chegando a chorar por isso. Com relutância, começou a frequentar a escola, com a promessa de sua mãe de que ele poderia ir a Moradabad quando soubesse ler. Parmod reclamou do status financeiro de sua família, que ele comparava de modo desfavorável a “sua” antiga propriedade.

Além do comportamento já mencionado, Parmod demonstrou outros desejos, hábitos e coisas de que não gostava que eu descobri que se relacionavam com traços e experiências de Parmanand. Ele tinha, por exemplo, grande aversão a comer coalhada, cuja ingestão, como já foi dito, acredita-se ter contribuído decisivamente para a doença e morte de Parmanand. Parmod disse ao pai que ele não devia comer coalhada, que era perigoso [2].

(...) Parmod também demonstrava não gostar de ser submerso em água. Ele não tinha problemas com a água de uma torneira, por exemplo, mas ficava ansioso quando lhe propunham nadar ou até banhar-se em um rio, onde seu corpo ficasse todo submerso. Esse medo relacionava-se aos banhos de banheira que Parmanand tomou antes de morrer. Quando Parmod tinha 19 anos, em minha segunda visita, estava livre de ambos os medos descritos acima.

Na primeira infância, Parmod demonstrava uma devoção incomum, que correspondia a um traço parecido de religiosidade em Parmanand. Parmod disse que conseguia se lembrar de alguns fragmentos de uma vida antes daquela de Parmanand, quando era um saanyasi ou homem sagrado [3].

(...) Parmod usava diversas palavras e frases em inglês que seu pai dizia que não poderiam ter sido aprendidas na família, mas que eram apropriadas para Parmanand, que sabia falar inglês. (...) Parmod também mencionava os nomes Tata, Birla e Dolmia, grandes empresas da Índia. A última é uma fábrica de biscoitos [4].

(...) Em um aspecto de seu comportamento, Parmod demonstrava habilidade superior. Um parente que tinha uma pequena loja deixava alguém nela para cuidar dos negócios quando tinha de se ausentar. Parmod demonstrava grande aptidão para cuidar da loja, e esse homem preferia-o a qualquer outra pessoa para substituí-lo na loja.

(...) Ao encontrar membros da família de Parmanand pela primeira vez, Parmod demonstrou grandes emoções, incluindo lágrimas e demonstrações de afeto [5]. Sri M. L. Mehra disse que Parmod, em Moradabad, demonstrava preferência por ficar com ele e não com seu pai [6]. Essa atitude em relação aos membros da família de Parmanand correspondia aos relacionamentos que Parmanand tinha com eles.

Assim, ele se comportava com a esposa de Parmanand do modo como um marido faria, e em relação aos filhos dele como um pai faria. Demonstrava familiaridade com os filhos de Parmanand, mas não com seu sobrinho. Parmod não permitia que os filhos de Parmanand o chamassem pelo nome, mas disse que eles deveriam chamá-lo de “pai”. Ele dizia: “Apenas fiquei pequeno”.

Parmod perguntou à esposa de Parmanand se ela lhe daria trabalho de novo. Em outra ocasião, ele disse, referindo-se à esposa de Parmanand: “Esta é minha esposa com quem eu sempre discuto”. Um informante disse que Parmanand fora irritado pela esposa e que ele havia se mudado para Saharanpur para se afastar dela [7].

(...) Em 1962, o professor Sharma afirmou que Parmod havia “esquecido completamente” os fatos a respeito de sua vida anterior. (...) Ele não pensava muito sobre sua vida anterior, a menos que visitasse algum lugar, como Délhi, e sentisse uma certa familiaridade com alguma área ou construção. Ele tentava relacionar o local com suas lembranças da vida como Parmanand. E ele falava ainda menos da vida anterior aos outros, a menos que, como em minha visita, alguém lhe perguntasse algo específico.

» Na continuação, um quadro com os reconhecimentos mais relevantes de Parmod, e os comentários finais de Stevenson acerca deste caso...

***

Comentários sobre esta parte. Ao final da série trarei comentários gerais:

[1] Estas análises céticas de possíveis formas de troca de informação entre a família da criança e a família de sua suposta vida passada estão presentes em todos os 20 casos descritos no livro. É muito comum que os investigadores deste tipo de fenômeno recorram também a explicações do ramo da parapsicologia, como a telepatia ou a “imposição de personalidade” dos pais aos filhos; muito embora os casos sugestivos do livro sempre tenham ao menos algum detalhe que não poderia ser explicado por outra teoria que não a da reencarnação, ou alguma outra teoria mais elaborada – e que ainda não foi criada.

[2] Fico imaginando se, daqui a algumas décadas, ou até mesmo nos dias atuais, não veremos crianças reclamando dos hábitos alimentares dos pais, ainda antes de terem estudado qualquer coisa sobre o tema...

[3] Isso é um padrão raro entre os casos descritos no livro, assim como nos casos em geral, mas bastante interessante. Ao que tudo indica, ter sido um “homem santo” não livra ninguém de ter de retornar para viver vidas bastante mundanas. Isso pode significar que: (1) Homens santos ou profundamente religiosos podem eles mesmos se interessarem em retornar, para ajudar a evolução da humanidade; (2) Tais “homens santos” tinham apenas um título eclesiástico ou similar, e não possuíam necessariamente uma estatura espiritual condizente com seu posto; ou (3) Uma mistura das duas possibilidades anteriores.

[4] Tais características eram bem mais relevantes no passado, antes do advento da internet. Parmod tampouco tinha acesso a enciclopédias ou grandes bibliotecas... Infelizmente, nos dias atuais, esse tipo de característica torna-se cada vez menos relevante, visto que as crianças já usam a internet desde muito cedo (contanto que tenham acesso a ela).

[5] Neste ponto a mera descrição por palavras, ou cascas de sentimento, é sem dúvida muito aquém do tipo de sensação vivenciada, ainda que não sejamos nós mesmos parentes das famílias envolvidas... Os vídeos sobre o assunto por vezes trazem uma visualização mais relevante, mas nada se compara a vivenciar este tipo de coisa. Não foi à toa que Stevenson trabalhou com isso por quase toda a vida!

[6] Eis a principal razão pela qual os pais das crianças só pesquisam e levam seus casos adiante quando não tem mais outra opção para aplacar a angústia das mesmas. Mesmo em países onde a reencarnação é aceita, nenhum pai passa sem o medo de que seu filho decida simplesmente ir viver com a outra família – embora isso quase nunca ocorra, em todo caso.
Da mesma forma, muitas vezes o esquecimento da vida anterior, que vem invariavelmente com a idade e a falta de convívio, é muitas vezes uma bênção. Pois quem gostaria de viver com saudades por mais uma vida inteira? E quem disse que renascer é fácil?

[7] “Até que a morte os separe” é muitas vezes uma nova bênção.

***

Crédito da foto: Photosindia.com/Photosindia/Corbis.

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11.4.11

Tudo que nos resta

No início, somos todos um pensamento
Que pensa: “serei só eu, sozinho?”
E então, ainda que por um momento
Há toda razão do mundo
Reduzida neste breve alento
De pela imensidão, jamais andar só
De por todo esse infinito caminho
Dar as mãos
E caminhar sem dó

Então surge toda a angústia do mundo
No coração daquele que se separa
Que se acha santo, que se acha puro
Ou que se acha um pecador
Tanto faz
É tão somente nesta separação
Que reside toda a dor
Toda existência reduzida a este momento
Em que o ser se encara
Face a face
Alma a alma
E jamais se separa

No fim, somos todos poeira estelar
Sobras e detritos do fogo dos deuses
A arder por infinitos sóis
Vagando pelo vasto mar

Que não somos o centro do mundo
E o mundo não é centro de nada
Apenas pedra e poeira a girar por mais uma estrela
A girar por mais uma galáxia
A girar por mais um pensamento
Que se torna a imagem do que será
Lembrado para sempre...

Do início ao fim, conectados
Por uma mesma lembrança
Ansiamos por vislumbrar a luz
Alcançar o céu esquecido
Mas terminamos por lembrar
Apenas de nossa própria escuridão

E tudo que nos resta
É a fuga dessa solidão
É o momento de viver
Eternamente dentro do ser


raph'2011

***

Crédito da imagem: verdessmares

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Em Giessen, as ruas não têm nome

Bono Vox, vocalista do U2, costuma dizer que o seu emprego como artista, ao contrário "do outro", é sobretudo um divertimento. Por conta deste espírito de alegria, acredito que este tributo de duas belas holandesas, filmado na pequena Giessen, seja apropriado. O importante é que, de um jeito ou de outro, os símbolos são passados adiante...

U2 - "Where the streets have no name" ("Onde as ruas não têm nome"), versão de Kim e Lizanne:

Tradução da letra:

Eu quero correr, eu quero me esconder
Eu quero derrubar os muros
Que me seguram por dentro
Eu quero alcançar
e tocar a chama
Onde as ruas não têm nome

Eu quero sentir a luz do sol no meu rosto
Eu vejo a nuvem de poeira
desaparecer sem deixar pista
Eu quero me abrigar
Da chuva ácida
Onde as ruas não têm nome [x3]

Nós ainda estamos construindo e queimando o amor
Queimando o amor
E quando eu vou lá
Eu vou lá com você
(Isso é tudo o que eu posso fazer)

A cidade está inundada, e nosso amor se enferruja
Nós fomos derrubados e assoprados pelo vento
Esmagados em poeira
Eu te mostrarei um lugar
Acima das planícies desérticas
Onde as ruas não têm nome [x3]

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8.4.11

Caso Parmod, parte 2

« continuando da parte 1

Texto de Ian Stevenson em "Reencarnação, 20 casos” (Ed. Vida e Consciência) – Trechos das pgs. 163 a 185. Tradução de Carolina Coelho Lima. Os comentários ao final são meus.

Parmod Sharma, segundo filho do professor Bankeynehary lal Sharma, nasceu em Bisauli no dia 11 de outubro de 1944 [1].

Aos dois anos e meio de idade, ele começou a dizer a sua mãe para não cozinhar, porque ele tinha uma esposa em Moradabad que poderia cozinhar. Mais tarde, entre três e quatro anos de idade, começou a se referir a uma loja de refrescos e biscoitos que tinha em Moradabad [2].

Parmod pedia para ir a Moradabad. Afirmava ser um dos “Irmãos Mohan” e dizia ser rico e que tivera uma loja em Saharanpur [3]. Ele demonstrava grande interesse em biscoitos e lojas, que eu descreverei de modo mais completo posteriormente. Dizia que em sua vida anterior havia ficado doente depois de comer muita coalhada e que “havia morrido em uma banheira” [4].

Os pais de Parmod, no início, não fizeram nada para verificar as afirmações do menino. Essas notícias chegaram aos membros de uma família chamada Mehra, em Moradabad [5].

Os irmãos dessa família, que tinham uma loja de refrescos e de biscoitos (chamada Irmãos Mohan [6]) em Moradabad e outra loja em Saharanpur, haviam tido um irmão, Parmanand Mehra, que morrera no dia 9 de maio de 1943, em Soharanpur [7]. Parmanand havia sofrido de uma doença gastrintestinal crônica depois de se empanturra de coalhada. Parece que ele sofreu de apendicite e peritonite, e morreu.

Parmanand era um homem de negócios que mantinha uma sociedade com três irmãos e um primo. Eles tinham muitos interesses em Moradabad e Saharanpur, incluindo o negócio de fabricação de refrescos e biscoitos da família, que ele gerenciou por muitos anos.

Quando a família de Parmanand ficou sabendo das afirmações de Parmod por meio das conexões descritas a seguir, eles decidiram visitar o menino em Bisauli.

No verão de 1949, quando Parmod tinha pouco menos de cinco anos, diversos membros da família Mehra foram para Bisauli, mas não encontraram Parmod. Logo depois, Parmod viajou com seu pai e seu primo por parte de mãe para Moradabad. Ali, ele reconheceu diversos membros da família Mehra e diversos pontos da cidade. Posteriormente, visitou Saharampur e fez mais reconhecimentos das pessoas ali [8].

(...) Em 1961, investiguei o caso com a ajuda de Sri Sudhir Mukherjee atuando como intérprete. Em 1962, Sri Subash Mukherjee reuniu alguns relatos de entrevistas com testemunhas. Eu voltei à região em 1964 e reverifiquei o caso com o Dr. Jamuna Prasad como intérprete. A maioria das testemunhas apenas falava híndi, mas o pai de Parmod e um irmão mais velho falavam inglês, assim como Sri Raj K. Mehra (sobrinho de Parmanand Mehra) em Moradabad. Parmod falava apenas um pouco de inglês. Ao preparar este relatório, tive como base, principalmente, minhas entrevistas em 1964.

(...) Usei relatórios [de outros estudiosos do caso] apenas quando as testemunhas que eu entrevistei os leram e os aprovaram como corretos. O material reunido pelo professor B. L. Atreya e os primeiros relatórios têm a vantagem de terem sido escritos logo depois que os principais acontecimentos do caso ocorreram [9].

» Na continuação, um resumo dos relatos e observações relevantes do comportamento das pessoas envolvidas no caso...

***

Comentários sobre esta parte. Ao final da série trarei comentários gerais:

[1] Este caso se encontra entre os casos estudados na Índia.

[2] Difícil dizer ao certo quando as memórias surgem. Provavelmente na maior parte dos casos elas já tenham surgido, mas a criança só consegue comunica-las aos pais a partir do momento em que adquire maior domínio da linguagem. Especificamente em casos de xenoglossia em crianças prodígio, é possível que as memórias possam ser comunicadas ainda muito cedo. Porém, devido a raridade desses casos de xenoglossia infantil, a grande maioria dos casos só pode ser verificada após os 2 anos de idade.

[3] Este na realidade é um dos poucos casos do livro em que a vida anterior (ou personalidade anterior, como Stevenson gosta de chamar) tinha uma condição financeira consideravelmente superior a atual. Trata-se obviamente de uma exceção, visto que na Índia do século passado, e mesmo na atual, existe uma proporção muito maior de pobres e classe média do que de ricos.

[4] Um dos motivos porque escolhi este caso sobre outros onde houveram grandes acidentes, assassinos e assassinados, é exatamente porque a morte pode ser considerada “banal”, embora tenha sido traumática. Falarei mais sobre isso ao longo dos comentários.

[5] Este trecho é importante. Muito embora a Índia seja um país onde a crença na reencarnação é fortemente arraigada, isso não significa que os pais tenham interesse em divulgar os “comentários estranhos” de seus filhos. Normalmente, são vizinhos curiosos (ou fofoqueiros) que acabam por divulgar tais notícias, visto que os pais na maior parte das vezes são os menos interessados em seguir adiante nas investigações (principalmente em casos onde há assassinos ou assassinados).

[6] Conforme comentário do autor: O irmão mais velho dos sócios da família Mehra era Mohan Mehra. Seu nome tornou-se relacionado aos negócios da família, chamado “Mohan e irmãos”, abreviado para “Irmãos Mohan”.

[7] Posteriormente irei comentar sobre o tempo médio “entre vidas” e da possível relação de mortes traumáticas com períodos mais breves.

[8] Stevenson analisa detalhadamente cada reconhecimento, o que será descrito em outras partes desta série.

[9] Um problema comum – e constantemente lembrado pelos críticos – das investigações de Stevenson é o fato de na maior parte das vezes terem sido tardias. Acredito que ele tenha aprendido a lição, tanto que o principal “continuador” de seu trabalho, Dr. Jim Tucker, tenha optado por focar em casos norte-americanos, como forma de conseguir chegar às crianças analisadas o mais breve possível. Isso é vital por duas razões: a primeira é a de que na maior parte dos casos as crianças vão se esquecendo das lembranças já a partir dos 7 anos – sendo que muitas se esquecem por completo. A segunda é a de que analisando o caso desde o início, é possível anotar afirmações das crianças ainda antes de sequer terem sido validadas, o que traz uma enorme credibilidade a pesquisa. Não podemos esquecer do caso extraordinário de James Leninger, norte-americano, em que inúmeras afirmações foram comprovadas posteriormente.

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Crédito da foto: Scott Stulberg/Corbis (criança de Jaipur/Índia).

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Links Mayhem (8)

6.4.11

Frases (5)

Mais algumas frases e pensamentos que perambularam por minha mente e meu twitter:

"Hoje melhor do que ontém. Amanhã, eu posso esperar. Há tanto para conhecer aqui dentro, lá fora... Meus passos são curtos, eu mal comecei."

"A saudade nunca passa, mas só tem saudade quem realmente vive... A melhor saudade ainda é a saudade do futuro."

"Pior do que amar e perder, é nunca haver sequer amado. Quem ama, e perde, perde muito, mas não perde o amor."

"Que a sina das coisas é se transformar e decompor, mas o amor se tranforma apenas, jamais se decompõe."


"A Terra não gira em torno do Sol. Tudo gira em torno de tudo, inclusive o Sol, os outros sóis e todas as galáxias do Cosmos."

"O Sol nunca deixa de nascer, as núvens ciumentas é que as vezes querem ele todo só para elas. Ainda que mesmo nesses dias, seu calor continue invicto. Não há núvem passageira capaz de impedir sua irradiação."


"Informação é qualquer forma de evento que afeta o estado de um sistema dinâmico. Do latim informare: dar forma a mente. Então reflitamos: a quais espécies de informação nós temos dado forma?"

"Não são bombas nem tratados de paz que mudam o mundo, mas nosso interesse em uns e noutros."


"Não inicie um diálogo dizendo que Deus existe, ou que não existe, mas sim perguntando: o que é Deus para você?"

"É impossível crer na inexistência de um Criador e ser cético ao mesmo tempo."

"Entre o ateísmo e o agnosticismo existe um vão talvez maior do que, por exemplo, o que separa o agnosticismo do panteísmo."


"Não existe drama maior para um espiritualista do que saber que não está a altura do que ele próprio escreve. Mas ficar parado, jamais!"

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Crédito da foto: César Gómez

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5.4.11

Caso Parmod, parte 1

Ian Stevenson foi um médico psiquiatra canadense e também o fundador da moderna pesquisa científica a respeito da reencarnação. Ele ficou conhecido por recolher e analisar meticulosamente casos de crianças as quais pareciam lembrar de vidas passadas sem o auxílio da hipnose. Após a publicação de seu primeiro ensaio sobre reencarnação em 1966, o inventor da fotocopiadora, Chester Carlson, custeou as suas primeiras visitas de campo à Índia e ao Sri Lanka. Quando Carlson faleceu (1968), legou um milhão de dólares para manter uma cadeira na Universidade da Virgínia, e mais um milhão de dólares para o próprio Stevenson, com o intuito de que a pesquisa sobre a reencarnação não parasse [1].

E, de fato, não parou: em 1974 Stevenson lançou sua obra mais relevante e conhecida, “20 casos sugestivos de reencarnação”, onde relata os 20 casos de evidência mais forte dentre as centenas que estudou em todas as partes do mundo (não apenas no Oriente, como também no Alasca e até mesmo no Brasil). Felizmente, esta obra se encontra hoje traduzida e lançada no país pela Editora Vida e Consciência, da família Gasparetto.

A despeito do interesse do tema entre os espíritas e reencarnacionistas em geral, esta obra é relevante para qualquer estudioso sério da parapsicologia. Mesmo Carl Sagan, em sua “bíblia do ceticismo”, o livro “O mundo assombrado pelos demônios”, menciona os estudos de Stevenson como o tipo de pesquisa heterodoxa que mereceria uma atenção mais cuidadosa da comunidade científica: “crianças pequenas às vezes reportam detalhes de uma vida anterior, detalhes que quando analisados revelam-se precisos, e um conjunto de informações que não poderiam saber de nenhuma outra forma que não a reencarnação”... Ainda que Sagan acreditasse numa explicação alternativa – ou seja, não necessariamente a espiritual – fato é que reconheceu a seriedade da pesquisa.

O próprio Stevenson reconhecia que seus estudos não eram inteiramente conclusivos, mas sem dúvida requeriam um aprofundamento maior. Simplesmente negar a tudo a priori, ou taxar todas as manifestações como fraudes, seria uma simplificação inteiramente não compatível com o ceticismo – primeiro, porque os relatos eram originários de crianças, segundo porque as famílias envolvidas não recebiam qualquer benefício financeiro ou vantagem pela divulgação dos casos (pelo contrário, a maior parte delas procurava evitar a exposição indesejada, e só seguia adiante devido à angústia das crianças), e finalmente, porque os relatos ocorrem em todas as partes do globo, não apenas nas regiões onde a cultura e a religião são favoráveis a explicação da reencarnação [2].

Stevenson aposentou-se em 2002, deixando o seu trabalho para sucessores, dirigidos pelo Dr. Bruce Greyson. Dr. Jim Tucker, um psiquiatra infantil, continua com trabalho de Ian Stevenson com crianças, concentrando-se em casos norte-americanos. Em 2007 Stevenson faleceu de pneumonia, aos 88 anos.

Uma das maiores vantagens que vejo na pesquisa genuinamente científica da reencarnação, é que ela opera livre de dogmas ou crenças fortemente arraigadas do passado. Não se trata, portanto, de ler o livro de Stevenson apenas para demonstrar para si mesmo “que a reencarnação está cientificamente comprovada”, conforme diz (erroneamente) o site onde o livro é vendido no Brasil. Pois já na introdução do livro é o próprio autor quem afirma que seus estudos são inconclusivos, comportamento de um cético genuíno... Ou seja, é preciso analisar como exatamente a reencarnação opera na natureza.

E, nesse aspecto, as descrições dos 20 casos de Stevenson acabam por identificar certos padrões que, por serem fruto de pesquisa científica, podem ser analisados de forma puramente racional [3]. Alguns destes padrões corroboram, é claro, muito do que tem sido afirmado sobre a reencarnação em literatura espiritualista. Outros, no entanto, podem fugir completamente das teorias mais aceitas, ou até mesmo aprofundar a explicação de aspectos que são tratados de forma superficial nos textos filosóficos e religiosos.

Acredito que a melhor forma de demonstrar isso seja trazendo a vocês o texto original de Stevenson, comentado onde encontrei os padrões mais relevantes... Como não posso e nem pretendo publicar todos os 20 casos do livro aqui, optei por trazer a versão resumida de apenas um dos casos.

» Na continuação, o caso de Parmod.

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[1] Num mundo acadêmico essencialmente materialista e avesso a estudos do gênero, seria uma surpresa que um cientista conseguisse custear suas pesquisas sem o auxílio de um patrocinador da área empresarial. O fato de Stevenson ter sido patrocinado por um empresário meramente curioso, ocidental, e que ainda por cima faleceu logo no início de suas pesquisas, retira de sua obra qualquer sombra de conivência com grupos religiosos. Não custa lembrar que isso é atestado por céticos do porte de Sagan.

[2] Ver, por exemplo, o caso extraordinário do garoto americano James Leninger. Apesar de ser um caso bem mais atual, uma pena não ter ocorrido na época dos estudos de Stevenson.

[3] Não que outros tipos de análise sejam inválidos, mas certamente precisamos encarar a realidade sob diversos aspectos. Analisar a reencarnação de forma puramente racional é uma ação que pode nos ajudar a desvelar muitos detalhes que são notoriamente ignorados em textos espiritualistas. Há muitos padrões que, numa análise filosófica ou religiosa são de pouca ou nenhuma importância, mas que numa análise detalhista e meticulosa, sobretudo do mecanismo e não do sentido da reencanação, se revestem de grande relevância – quantos anos em média uma alma demora para reencarnar, se há mudança de sexos e com que frequência, qual a importância de mortes traumáticas na lembrança em vida posterior, etc.

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Crédito da imagem: Editora Vida e Consciência (divulgação).

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2.4.11

A fronteira estava em toda parte

Palavras de Carl Sagan em uma bela narrativa em movimento, criada por Reid Gower para a NASA, com trilha sonora de Michael Marantz e legendas pela equipe do blog Bule Voador.

Esta é uma série de episódios baseados em textos de Sagan:

» Ver parte 2 - "A vida procura pela vida"

» Ver parte 3 - "Uma fábula reconfortante"

» Saiba mais sobre o andamento de novos episódios

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E com tantos e tantos sábios, gurus e místicos, foi justamente através de um agnóstico, de um cientista, que a natureza optou por falar de forma tão profunda...

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1.4.11

White Pride

Texto de Tiago de Thuin, autor do blog "Samba do Avião" e também meu amigo de longa data. O comentário ao final é meu.

Volta e meia alguém, mesmo sem ser particularmente racista (numa sociedade que é racista, não dá pra dizer que alguém seja inteiramente livre disso), repete aquela pergunta de white power, "se você pode ter orgulho negro, por que não orgulho branco, ein, ein?" A resposta que eu dou normalmente é a tradicional: porque orgulho negro se trata de orgulho de ter sobrevivido, e ainda sobreviver, a uma sociedade que lhe oprime, assim como o orgulho gay; nessa dicotomia, orgulho branco ou orgulho hétero ou bem são uma besteira sem sentido ou bem são orgulho de fazer parte dos opressores. E sinceramente, a não ser que você seja uma dominatrix, acho que ninguém acha tão legal ou virtuoso oprimir os outros quanto manter a cabeça erguida diante da opressão. O orgulho negro, ou gay, explícito, se dá justamente para afirmar o valor frente a um orgulho implícito branco ou hetero fortíssimo. É como a piada do dia internacional da mulher; agora que acabou voltamos ao ano internacional do homem.

Hoje, vendo a wikipédia sobre os bairros do Rio, achei algo que atenta para uma das facetas desse orgulho, que se mistura com a noção dos EUA como modelo de civilização. É que o brasileiro - ou pelo menos, e principalmente, a classe média brasileira, que é afinal de contas principalmente branca e poderia concordar com a frase infeliz de Gilberto Freyre quando este diz que o brasileiro se misturou com o negro e com o índio - tem, muitas vezes, um orgulho desmesurado de suas raízes imigrantes. Você tem um único imigrante na família? Basta para se proclamar "italiano," "alemão," ou "espanhol." A importância da imigração é ensinada na escola, mesmo em livros radicais de esquerda, de forma epocal; no fim do século XIX, saem as lutas dos escravos, exceto por uma nota de rodapé dizendo que não foram devidamente apoiados após a abolição, e entram os imigrantes. O povo brasileiro do século XX, nessa visão, é imigrante.

E ora, o Brasil não chega a ser exatamente um país de imigrantes, não na escala dos EUA ou da Argentina. A maior leva imigratória brasileira, de muito longe, foi mesmo a africana, forçada; 4,4 milhões de escravos, versus 3,3 de todos os imigrantes não-escravos juntos. E esses 3,3 milhões de imigrantes, ao longo da maior parte de um século, se somaram a um país que tinha, em 1872, quase dez milhões de habitantes, dos quais seis milhões de pretos e pardos. A imensa maioria do Brasil (e não da classe média) é mesmo descendente, não de imigrantes, mas de pretos, ibéricos da época da colônia, e índios; os imigrantes não chegam a ser um prato principal nessa mistura. Como foram trazidos justamente, em parte, por se acreditar na sua "superioridade racial," e se beneficiaram tanto de leis de imigração que em alguns momentos foram ridiculamente generosas quanto do racismo em geral, os imigrantes rapidamente viraram a nova classe média, expulsando dela a maior parte dos mulatos.

No caso dos bairros da wikipédia, chega a ser hilário. Alguém realmente acha que um componente importante da população de Botafogo é inglês? (No caso, como o modo de valorizar a imigração segundo o modelo americano já foi estabelecido, somaram ali uma igualmente enigmática Angola.)

Outro caso em que esse orgulho, essa ânsia de ser imigrante (e não-negro ou se mestiço só o bastante pra ter bunda, de preferência) fica engraçado é nos números anunciados da população "x" do Brasil. Fora os portugueses e os italianos, cujo número no Brasil é mesmo substancial (se bem menor, no caso dos segundos, que na Argentina), com efeito, os números propagandeados significariam que todo japonês, árabe, e alemão que veio pro Brasil teve mais filhos que o Genghis Khan. Assim, São Paulo sozinha teria mais de seis milhões de libaneses, apesar de haver, nos censos de 1920 e 1940, uns cinquenta mil imigrantes daquelas bandas. Os 250.000 alemães que chegaram até 1970 representariam a maior parte da população do Sul - uma multiplicação de 1 pra cada 50, pelo menos, o que significa que o Gobineau estaria certo e a fertilidade ariana era mesmo maior, já que se os pobres bugres brasileiros da mesma época tivessem se multiplicado do mesmo jeito, o Brasil seria mais ou menos do tamanho da Índia.

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Comentário
Existem realmente muitos racistas assumidos no país, pelo menos assumem "em família", qual a família que não conta pelo menos um? Mas a grande maioria é racista mesmo sem perceber, por isso que é sempre válido refletir sobre isso...

Para mim, o racismo é sobretudo um fardo. O que eu tenho de racista, tento sempre me livrar, pois em última instância é apenas ignorância, uma ignorância que pode me afastar de conhecer boas pessoas.

Não custa lembrar: não afirmo que o racismo seja ignorância por mera opnião, mas porque já foi comprovado cientificamente que não existem raças humanas, e todos os homo sapiens compartilham um único genoma.

"A palavra raça não identifica nenhuma realidade biológica reconhecível no DNA de nossa espécie, e portanto não há nada de inevitável ou genético nas identidades étnicas e culturais, tais como as conhecemos hoje em dia. Sobre isso, a ciência tem idéias bem claras." - Guido Barbujani em "A Invenção das Raças" (Editora Contexto).

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Crédito da foto: Leonardo Martins (Quilombolas no estado do Rio, aprox. 1940)

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