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28.9.13

Uma pergunta para Debora

Não há porque temermos o Lago de Enxofre
Debora, este mundo já é um inferno.
As guerras por restos fósseis,
as matanças e perseguições,
os estupros, as famílias divididas,
e mesmo as pequenas violências
do dia a dia...

Não existem “violências pequenas”.
E eu bem sei, Debora, o quanto
sua mente está cansada disso tudo;
tudo o que os “homens de bem”
fazem pela África e outros grotões
e tudo o que dizem ser
na TV: “Paladinos agindo
em nome de Deus!”

Mas a África não é “um grotão”.
É a casa de nossos ancestrais,
a nossa primeira casa.
Pise em suas terras com reverência,
dê graças por suas chuvas e rios,
pelas montanhas e as savanas,
e por todos os demais deuses.

O que falta, minha amiga,
para este inferno todo queimar
no fogo inefável do amor
até que se torne, novamente,
o Paraíso?

Antigamente, os deuses julgavam estranho
apenas ao que é estranho.
Não estavam tão preocupados
com a promiscuidade dos bonobos,
nem com o andar desengonçado dos elefantes
ou com a vaidade dos leões.

Quando o presidente em Washington
ofereceu uma quantia em dólares
ao Chefe Seattle, ele respondeu assim,
“Você deseja comprar nossa terra,
mas os homens não são donos da terra,
são parte dela.
Como podem comprar aos rios e as matas?
Esta é uma ideia estranha para nós.”
Foi o que eu quis dizer com
“Apenas ao que é estranho”.

Disso tudo você já sabe, Debora.
Que neste inferno de desejos desenfreados
não somos realmente proprietários de nada,
exceto do que há de mais precioso
e assustador...

Há muitos que tem preferido
viver anestesiados e alheios,
repetindo as orações das igrejas
e as fórmulas de sucesso
das celebridades.

Você que não é famosa neste mundo,
mas nos reinos de cima;
Você que tomou coragem
e se atirou nesse abismo infinito;
Você, ó grande dona
dos jardins da alma,
me diga:

Como conseguiu abraçar ao mundo todo
e realizar toda esta Alquimia
de dor e desespero
em sentido
e missão?


raph'13 (escrito na AE)

***

Crédito da imagem: Martin Bartsch Salvadores

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24.9.13

Um título e uma capa

É com imensa alegria que lhes anuncio hoje, após quase 9 meses, o título e a capa do Projeto Rumi...

O título é Rumi - A dança da alma

A capa está ao lado
(clique na imagem para abrir em tamanho maior).

E eu ainda lhes diria muito, muito mais... Mas não quero estragar a surpresa. O que posso adiantar é que faltam somente alguns dias para a publicação da versão impressa, e que a versão digital provavelmente estará pronta na primeira metade de Outubro.

Falta pouco, Jalal ud-Din!


Vem, vem, seja você quem for,
não importa se você é um infiel, um idólatra,
ou um adorador do fogo;
Vem, nossa irmandade não é um lugar de desespero;
Vem, mesmo tendo violado seu juramento cem vezes,
vem assim mesmo.

Vem,
lhe direi em segredo
aonde leva esta dança.

Vê como as partículas do ar
e os grãos de areia do deserto
giram desnorteados.

Cada átomo,
feliz ou miserável,
gira apaixonado
em torno do sol...


***

» Veja no Facebook a galeria com as imagens internas do livro

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22.9.13

A surpreendente resposta de Papa Franciso a um ateu

Segue abaixo a transcrição da Carta Aberta de Papa Franciso ao Jornalista Eugenio Scalfari. A carta do Papa pretende ser uma resposta a duas cartas abertas que Scalfari escreveu a Francisco e publicou nos dias 7 de Julho e 7 de Agosto de 2013 no editorial do La Repubblica, jornal italiano do qual é fundador e colunista. Em ambas, Scalfari formula - como alguém que tem uma cultura iluminista e não procura a Deus - “perguntas de um não crente ao papa jesuíta chamado Francisco”. Pois “aqui e hoje não sou um jornalista - escreve Scalfari - sou um não crente que há anos está interessado e apaixonado pela pregação de Jesus de Nazaré, filho de Maria e de José [...]. Tenho uma cultura iluminista e não procuro a Deus. Acho que Deus seja uma invenção consoladora e ilusória da mente dos homens”.

A resposta de Francisco é surpreendente e praticamente inaugura um diálogo direto e profundo, até recentemente impensável, entre a Santa Sé e os ateus humanistas e moderados. A forma com que Francisco consegue acolher e responder as questões de Scalfari, sem pretender impor sua fé e muito menos condenar o ceticismo do jornalista, é certamente uma aula de embate de ideias, onde as pedras, longe de se chocarem e arrancarem lascas uma das outras, produzem faíscas luminosas e, quem sabe até, um fogo até então desconhecido...

Não irei comentar ao final do texto, como costumo fazer com textos de autores selecionados que trago a este blog, mas no entanto gostaria muito que lessem este trecho abaixo, de autoria do grande estudioso de mitologia do século passado, Joseph Campbell, que foi retirado do monumental O Poder do Mito. Após lerem o trecho, terão plenas condições de analisar o que diz o Papa Francisco de forma ainda mais profunda, até onde as palavras podem chegar:

Deus é um pensamento. Deus é uma idéia. Mas a sua referência é algo que transcende o pensamento. Ele existe além da existência... Além da categoria de ser ou não ser. Ele existe ou não? Nem existe, nem não existe. Qualquer deus, qualquer mitologia ou qualquer religião são verdadeiros nesse sentido... Assim como uma metáfora do mistério humano e cósmico. Quem pensa que sabe, não sabe. Quem sabe que não sabe, este sim, sabe.

Há uma velha história que ainda é válida. A história da busca. Da busca espiritual... Que serve para encontrar aquela coisa interior que você basicamente é. Todos os símbolos da mitologia se referem a você. Você renasceu? Você morreu para a sua natureza animal e voltou à vida como uma encarnação humana? Na sua mais profunda identidade, você é Deus. Você é um com o ser transcendental.

* * *

E finalmente, a carta de Francisco, na íntegra (retirada do vatican.va):

Vaticano, 4 de Setembro de 2013

Prezado Dr. Scalfari,

Com viva cordialidade queria, através desta, procurar, ainda que apenas em linhas gerais, responder à carta que houve por bem dirigir-me, nas páginas do jornal La Repubblica de 7 de Julho, com uma série de reflexões pessoais, que haveria de desenvolver nas páginas do mesmo jornal do dia 7 de Agosto.

Começo por lhe agradecer a solicitude que teve em ler a Encíclica Lumen fidei. De facto, esta – na intenção do meu amado Predecessor, Bento XVI, que a idealizou e em grande parte redigiu e de quem a herdei com imensa gratidão – tem em vista não só confirmar na fé em Jesus Cristo aqueles que nela já que se reconhecem, mas também suscitar um diálogo sincero e rigoroso com quem, como o senhor, se define «um não-crente há muitos anos interessado e fascinado pela pregação de Jesus de Nazaré».

Parece-me, pois, muito positivo, tanto para nós individualmente como para a sociedade em que vivemos, determo-nos a dialogar sobre uma realidade tão importante como é a fé, que faz apelo à pregação e à figura de Jesus.

Em particular, penso que há hoje duas circunstâncias que tornam obrigatório e precioso este diálogo. Aliás o mesmo constitui – como se sabe – um dos objectivos principais do Concílio Vaticano II, querido por João XXIII, e do ministério dos Papas, que desde então até aos nossos dias – cada um com a própria sensibilidade e contribuição – têm caminhado pelo sulco traçado pelo referido Concílio.

A primeira circunstância – como lembram as páginas iniciais da Encíclica – decorre do facto de, ao longo dos séculos da modernidade, se ter assistido a um paradoxo: a fé cristã, cuja novidade e incidência na vida do homem foram expressas, desde o início, precisamente através do símbolo da luz, tem sido muitas vezes rotulada como a obscuridade da superstição, que se opõe à luz da razão. E assim se chegou à incomunicabilidade entre a Igreja e a cultura de inspiração cristã, por um lado, e a cultura moderna de traça iluminista, por outro. Chegou o tempo – o próprio Vaticano II inaugurou a estação – de um diálogo aberto e sem preconceitos, que reabra as portas para um encontro sério e fecundo.

A segunda circunstância, para quem procura ser fiel ao dom de seguir Jesus na luz da fé, decorre do facto de este diálogo não constituir um acessório secundário da existência do crente; antes, pelo contrário, é sua expressão íntima e indispensável. A este respeito, deixe-me citar-lhe uma declaração, na minha opinião muito importante, da Encíclica: dado que a verdade testemunhada pela fé é a do amor – como lá se sublinha – «resulta claramente que a fé não é intransigente, mas cresce na convivência que respeita o outro. O crente não é arrogante; pelo contrário, a verdade torna-o humilde, sabendo que, mais do que possuirmo-la nós, é ela que nos abraça e possui. Longe de nos endurecer, a segurança da fé põe-nos a caminho e torna possível o testemunho e o diálogo com todos» (n. 34). Este é o espírito que me anima nas palavras que lhe escrevo.

A fé, para mim, nasceu do encontro com Jesus: um encontro pessoal, que tocou o meu coração e deu uma direcção e um sentido novo à minha existência; mas, ao mesmo tempo, um encontro que se tornou possível pela comunidade de fé em que vivi e graças à qual encontrei o acesso ao entendimento da Sagrada Escritura, à vida nova que flui, como jorros de água, de Jesus através dos sacramentos, à fraternidade com todos e ao serviço dos pobres, verdadeira imagem do Senhor. Sem a Igreja – creia-me! –, eu não teria podido encontrar Jesus, embora ciente de que este dom imenso da fé está guardado em frágeis vasos de barro que é a nossa humanidade.

Ora, é precisamente a partir desta experiência pessoal de fé vivida na Igreja que me sinto à vontade para perscrutar as suas perguntas e procurar, juntamente com o senhor, as estradas ao longo das quais possamos talvez começar a fazer um pedaço de caminho juntos.

Desculpe, se não sigo passo a passo as argumentações que propôs no editorial de 7 de Julho. Parece-me mais frutuoso – ou pelo menos está mais de acordo com o meu génio – ir de certo modo ao coração das suas considerações. Não entro sequer na modalidade de exposição que segue a Encíclica e na qual o senhor entrevê a falta duma secção dedicada especificamente à experiência histórica de Jesus de Nazaré.

Para começar, limito-me a observar que uma tal análise não é secundária. Trata-se efectivamente – seguindo aliás a lógica que guia o desenrolar da Encíclica – de deter a atenção sobre o significado daquilo que Jesus disse e fez e assim, em última instância, sobre aquilo que Jesus foi e é para nós. De facto, as Cartas de Paulo e o Evangelho de João, especialmente referidos na Encíclica, estão construídos sobre o sólido fundamento do ministério messiânico de Jesus de Nazaré, cuja resolução chega ao seu auge na páscoa de morte e ressurreição.

Por isso, é preciso confrontar-se com Jesus – diria – na dimensão concreta e tosca da sua história, tal como nos é narrada sobretudo pelo mais antigo dos Evangelhos, o de Marcos. Aí se constata que o «escândalo», que as palavras e a actividade de Jesus provocam ao seu redor, deriva da sua extraordinária «autoridade» – termo este, atestado já desde o Evangelho de Marcos mas que não é fácil de traduzir em italiano. A palavra grega é exousia, que literalmente se refere àquilo que «provém do ser» que se é. Trata-se portanto, não de algo exterior ou forçado, mas de algo que brota de dentro e se impõe por si mesmo. Realmente Jesus impressiona, desinstala, reforma a partir – Ele mesmo o disse – da sua relação com Deus, que trata familiarmente por Abbá, o qual Lhe confere esta «autoridade» para que Ele a aplique a favor dos homens.

Assim, Jesus prega «como alguém que tem autoridade», cura, chama os discípulos para O seguirem, perdoa... Todas estas coisas, no Antigo Testamento, são prerrogativa de Deus, e só Deus. A pergunta, que mais vezes reaparece no Evangelho de Marcos – «Quem é este que... ?» – e que diz respeito à identidade de Jesus, nasce da constatação de uma autoridade diferente da do mundo, uma autoridade que não tem como finalidade exercer um poder sobre os outros mas servi-los, dar-lhes liberdade e plenitude de vida. E isto até ao ponto de arriscar a sua própria vida, até experimentar a incompreensão, a traição, a rejeição, até ser condenado à morte, até cair no estado de abandono na cruz. Mas Jesus permanece fiel a Deus até ao fim.

E é precisamente então – como exclama o centurião romano ao pé da cruz, no Evangelho de Marcos – que, paradoxalmente, Jesus Se mostra como o Filho de Deus! Filho de um Deus que é amor e que quer, com todo o seu ser, que o homem, todo o homem, se descubra e viva, também ele, como seu verdadeiro filho. Para a fé cristã, isto é certificado pelo facto de que Jesus ressuscitou: não para triunfar sobre aqueles que O rejeitaram, mas para atestar que o amor de Deus é mais forte do que a morte, o perdão de Deus é mais forte do que todo o pecado, e que vale a pena gastar a própria vida, até ao fim, para testemunhar este dom imenso.

A fé cristã acredita nisto: Jesus é o Filho de Deus que veio dar a sua vida para abrir a todos o caminho do amor. Por isso, ilustre Dr. Scalfari, tem razão quando vê, na encarnação do Filho de Deus, o perno da fé cristã. Já Tertuliano escrevia: «caro cardo salutis – a carne [de Cristo] é o perno da salvação». É que a encarnação, ou seja, o facto de o Filho de Deus ter tomado a nossa carne e compartilhado alegrias e sofrimentos, vitórias e derrotas da nossa existência até ao grito da cruz, vivendo tudo no amor e na fidelidade ao Abbá, testemunha o amor incrível que Deus tem por cada homem, o valor inestimável que lhe reconhece. Por isso, cada um de nós é chamado a assumir o olhar e a opção de amor de Jesus, a entrar no seu modo de ser, pensar e agir. Esta é a fé, com todas as suas expressões que são descritas concretamente na Encíclica.

* * *

Além disso, no mesmo editorial de 7 de Julho, o senhor pergunta-me como entender esta originalidade da fé cristã, assente precisamente na encarnação do Filho de Deus, face a outras crenças que por sua vez gravitam em torno da transcendência absoluta de Deus.

Eu diria que a sua originalidade está precisamente no facto de que a fé nos faz participar, em Jesus, na relação que Ele mesmo tem com Deus que é Abbá e, nesta luz, participar na relação que Ele tem com todos os outros homens, incluindo os inimigos, sob o signo do amor. Por outras palavras, a filiação de Jesus, como no-la apresenta a fé cristã, não é revelada para marcar uma separação intransponível entre Jesus e todos os outros, mas para nos dizer que, n’Ele, todos somos chamados a ser filhos do único Pai e irmãos entre nós. A singularidade de Jesus visa a comunicação, não a exclusão.

Claro, daqui segue-se também – e não é pouco – a distinção entre a esfera religiosa e a esfera política, que está sancionada no «dar a Deus o que é de Deus e a César o que é de César", afirmada com nitidez por Jesus e sobre a qual, laboriosamente, se construiu a história do Ocidente. De facto, a Igreja é chamada a semear o fermento e o sal do Evangelho, ou seja, o amor e a misericórdia de Deus que envolvem todos os homens, apontando para a meta escatológica e definitiva do nosso destino, enquanto à sociedade civil e política cabe a árdua tarefa de articular e encarnar na justiça e na solidariedade, no direito e na paz, uma vida cada vez mais humana. Para quem vive a fé cristã, isto não significa fuga do mundo nem vontade de qualquer hegemonia, mas serviço ao homem, ao homem todo e a todos os homens, a partir das periferias da história e mantendo desperto o sentido da esperança que impele a realizar o bem em todas as circunstâncias e com o olhar sempre fixo no além.

Na conclusão de seu primeiro artigo, o senhor pergunta-me ainda o que dizer aos irmãos judeus sobre a promessa que Deus lhes fez: terá ela caído completamente no vazio? Trata-se de uma questão – pode crer – que nos interpela radicalmente como cristãos, porque, com a ajuda de Deus, sobretudo a partir do Concílio Vaticano II redescobrimos que o povo judeu continua a ser, para nós, a raiz santa donde germinou Jesus. Na amizade que cultivei durante todos estes anos com os irmãos judeus, na Argentina, também eu muitas vezes questionei a Deus na oração, especialmente quando a mente se detinha na recordação da experiência terrível do Holocausto. O que lhe posso dizer – com palavras do apóstolo Paulo – é que nunca esmoreceu a fidelidade de Deus à aliança estabelecida com Israel e que, através das terríveis provações destes séculos, os judeus conservaram a sua fé em Deus. E nunca lhes agradeceremos suficientemente por isso, não só como Igreja, mas também como humanidade. Além disso, perseverando eles precisamente na sua fé no Deus da aliança, lembram a todos, inclusive a nós cristãos, o facto de que permanecemos, como peregrinos, à espera do regresso do Senhor e, por conseguinte, devemos manter-nos sempre abertos a Ele, sem nos fecharmos jamais no que já conseguimos.

E assim chego às três perguntas que me coloca no artigo de 7 de Agosto.

Parece-me que, nas duas primeiras, aquilo que lhe está a peito é entender a atitude da Igreja com quem não partilha a fé em Jesus. Antes de mais nada, pergunta-me se o Deus dos cristãos perdoa a quem não acredita nem procura acreditar. Admitido como dado fundamental que a misericórdia de Deus não tem limites quando alguém se Lhe dirige com coração sincero e contrito, para quem não crê em Deus a questão está em obedecer à própria consciência: acontece o pecado, mesmo para aqueles que não têm fé, quando se vai contra a consciência. De fato, ouvir e obedecer a esta significa decidir-se diante do que é percebido como bem ou como mal; e é sobre esta decisão que se joga a bondade ou a maldade das nossas acções.

Em segundo lugar, o senhor pergunta-me se é um erro ou um pecado pensar que não existe nada absoluto e, consequentemente, também não há uma verdade absoluta mas apenas uma série de verdades relativas e subjectivas. Para começar, eu não falaria – nem mesmo para aqueles que acreditam – de verdade «absoluta» dando ao termo absoluto o sentido daquilo que está desligado, que carece de qualquer relação, porque a verdade, segundo a fé cristã, é o amor de Deus por nós em Jesus Cristo. Portanto, a verdade é uma relação! E tanto é assim, que cada um de nós capta a verdade e exprime-a a partir de si mesmo: da sua história e cultura, da situação em que vive, etc. Isto não quer dizer que a verdade seja variável e subjectiva. Longe disso! Significa, sim, que ela se nos dá sempre e só como um caminho e uma vida. Porventura não disse o próprio Jesus: «Eu sou o caminho, a verdade e a vida»? Por outras palavras, sendo a verdade, em última análise, uma só coisa com o amor, requer a humildade e a abertura para ser buscada, acolhida e expressa. Concluindo, é preciso entendermo-nos bem sobre os termos e, para sair dos estrangulamentos duma contraposição... absoluta, talvez seja necessário reformular em profundidade a questão. Penso que isto seja hoje absolutamente necessário para se estabelecer aquele diálogo sereno e construtivo que eu almejava ao início deste meu texto.

Na última questão, pergunta-me se, com o desaparecimento do homem da terra, desaparecerá também o pensamento capaz de pensar Deus. É certo que a grandeza do homem está em ser capaz de pensar Deus, isto é, em poder viver uma relação consciente e responsável com Ele. Mas, a relação é entre duas realidades. Deus – tal é o meu pensamento e a minha experiência, mas são muitos os que, ontem e hoje, os compartilham! - não é uma ideia, ainda que muito elevada, fruto do pensamento do homem; Deus é realidade com o «R» maiúsculo. Jesus no-Lo revela – e vive em relação com Ele – como um Pai de bondade e misericórdia infinitas. Por isso, Deus não depende do nosso pensamento. Aliás, mesmo quando acabar a vida do homem sobre a terra – e, segundo a fé cristã, este mundo tal como o conhecemos está destinado em todo o caso a perecer –, não deixará de existir o homem; e com ele, de um modo que ignoramos, o próprio universo também não. A Escritura fala de «um novo céu e uma nova terra» e afirma que, no final – num onde e quando que nos ultrapassam mas para os quais, na fé, tendemos com desejo e expectativa – Deus será «tudo em todos».

E assim concluo, ilustre Dr. Scalfari, estas minhas reflexões, suscitadas por tudo o que me quis comunicar e perguntar. Receba-as como uma tentativa de resposta, provisória mas sincera e confiante, ao convite que vislumbrei para fazermos um pedaço de estrada juntos. A Igreja – creia-me! – apesar de todas as lentidões, infidelidades, erros e pecados que possa ter cometido e pode ainda cometer nos que a compõem, não tem outro sentido e finalidade que não seja viver e testemunhar Jesus: Ele, que foi enviado pelo Abbá para «anunciar a Boa-Nova aos pobres, proclamar a libertação aos cativos e, aos cegos, a recuperação da vista, mandar em liberdade os oprimidos, proclamar um ano favorável da parte do Senhor» (Lc 4,18-19 ).

Com fraterna amizade,

Franciscus PP.

 

* * *

Crédito da imagem: Google Image Search

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20.9.13

Sobre a Fantasia

Texto por George R. R. Martin, originalmente pulicado em seu blog. Tradução de Bruno Cobbi.

A melhor fantasia é escrita no idioma dos sonhos. Está tão viva quanto os sonhos, é mais real que a realidade... Por apenas um instante... Aquele longo momento mágico antes de acordarmos.

A fantasia é de prata e escarlate, índigo e azul, de obsidiana com veios de ouro e lápis-lazúli. A realidade é compensado e plástico, feita em barro marrom e verde oliva.

Fantasia tem gosto de habaneros e mel, canela e cravo, carne vermelha rara e vinhos doces como o verão. A realidade é feijão e tofu, com gosto de cinzas no final. A realidade é os shoppings de Burbank, as chaminés de Cleveland, uma garagem em Newark. A fantasia é as torres de Minas Tirith, as pedras antigas de Gormenghast, os salões de Camelot. A fantasia voa nas asas de Ícaro, a realidade na Southwest Airlines. Por que nossos sonhos se tornam muito menores quando eles finalmente se tornam realidade?

Lemos fantasia para encontrar as cores novamente, eu acho. Para provar especiarias fortes e ouvir as canções que as sereias cantavam. Há algo velho e verdadeiro na fantasia que fala com algo profundo dentro de nós, com a criança que sonhava que um dia iria caçar nas florestas da noite, e festejar sob as colinas ocas, e encontrar um amor que dure para sempre em algum lugar ao sul de Oz e ao norte de Shangri-La.

Eles podem ficar com o paraíso deles se quiserem. Quando eu morrer, prefiro ir a Terra-Média.

***

Crédito da foto: Game of Thrones/HBO (Divulgação)

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19.9.13

A música das esferas

Estes são alguns trechos do Projeto Rumi onde temos apenas comentários meus acerca dos poemas de Jalal ud-Din. O Projeto já se encaminha para um final, em breve...

Há este grande jogo, a grande caçada da vida:

Caçamos e emboscamos a felicidade, e dormimos com ela por uma noite, uma semana ou quem sabe um mês inteiro...
Mas virá o dia, mais cedo ou mais tarde, em que ela nos escapará por entre os dedos, como a areia da praia e as brisas da primavera.

Então será um novo dia, um novo jogo da vida, uma nova caçada, uma nova aventura.

Porque temer tais emoções? Ora, é precisamente porque existe a tristeza que podemos reconhecer a felicidade. Se tudo fosse sempre igual, se todas as manhãs e todas as brisas e todos os grãos de areia fossem exatamente os mesmos, se nós acordássemos todos os dias sem havermos mudado nem um tiquinho, então seríamos sempre os mesmos – múmias petrificadas, fósseis, cadáveres adiados...
E seríamos tristes ou felizes? Tanto faz!

***

A tristeza é uma ferida por onde Deus fala conosco.
A felicidade dura somente até a próxima vez que precisarmos de um novo conselho divino.
Isto é a vida, bem vindo.

***

A Natureza é uma verdadeira sinfonia com seus sons, ciclos e chacoalhar da folhagem...

Os pássaros são os Mestres Cantadores. Coube a eles o eterno anúncio das manhãs!
As flores são as Inspetoras dos Reinos. Coube a elas espalhar o perfume infinito pelo horizonte (menos os girassóis, que estão ocupados observando e anotando o movimento do sol).
As abelhas são as Grandes Mercadoras. Coube a elas o comércio de pólen e sementes por todas as paragens...

E assim, tudo se renova.
Tudo retorna ao que era antes sem haver saído de onde estava, pois não existe “onde estava”.
Tudo vibra e nada está parado, e os girassóis que observam aos sóis das galáxias distantes (se é que existem girassóis por lá, mas ainda que não existam, nós inventaremos) parecem, de alguma forma, escutar a mesma canção que chegou a Jalal ud-Din...

Só é possível ouvir a música das esferas quando fazemos silêncio.

***

Crédito da imagem: encontrada em mevlana

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16.9.13

A educação de Casanova, parte 4

A educação de Casanova

Texto recomendado para maiores de 16 anos.

« continuando da parte 3


4.

Quando me recobrei de minhas reflexões ardentes, Asik já havia saído e a casa noturna já estava por fechar. Quase não reparava mais no cheiro de tristeza embriagada que pairava pelo ar viciado, nem me deixava carregar pelos olhares entediados dos demais... Meu amigo, meu grande amigo, havia me embriagado novamente com seu doce licor de vida, de pura e ardente vida!

Havia me deixado este bilhete, escrito num turco como era ainda usado séculos atrás:

“Bem vindo de volta a aventura, Giacomo. Aproveite a noite em Beyazit e, se for do seu agrado, rume para a Praça da Liberdade”.

Fiz o que a mensagem havia sugerido, porém sem nenhuma pressa ou angústia, pois já não me sentia apressado nem tinha nenhum senso de urgência para coisa alguma. Interessante como, quando estamos entediados e nada na vida nos interessa, ainda assim temos pressa de fazer alguma coisa, sabe-se lá o que! E, quando o tédio passa, quando enfim podemos realizar algo, sermos produtivos, mudar o mundo, que seja, subitamente não há mais nenhuma razão para se apressar...

Assim, como um indígena a apreciar as brisas que chegam dos vales e florestas, segui pelas vielas daquele bairro nem tão nobre nem tão vil, com as casas e prédios mais belos que via em décadas – simplesmente porque meus olhos estavam novamente atentos.

Vi grupos de amigos fumando narguilé na calçada oposta. Suas risadas, olhares e piadas soavam mais adocicados que o aroma dos fumos. Olhei-os como quem observa crianças a brincar pelo parque, tão livres e inocentes quanto sua consciência os permitia, e sorri, e meu sorriso era também um agradecimento por também haver feito tantos amigos ao longo dos séculos. Nenhum mito sobreviveria por tanto tempo sem amigos...

Caía uma garoa fina, finíssima, ou talvez fosse somente o efeito refrescante de se estar novamente são, ainda que embriagado e solitário numa viela mal iluminada de um bairro nem assim tão seguro de Istambul. Haveria de ser assaltado? Ofereceria meu coração, nesta noite ele é uma pedra preciosa a espera de ser levada!

Do lado oposto vinha um casal aos beijos. Subitamente o rapaz parou e atentou para minha pessoa. Veja esta: eu com medo de assalto e os outros com medo de serem assaltados por mim. Vamos parar com todo este medo, não vale a pena viver com medo, e se a morte quiser vir, que venha... Será breve e depois, bem ou mal, não teremos mais medo afinal de contas. Mesmo no Inferno eu só teria medo do que minha consciência poderia fazer de mim, só teria medo de me entediar novamente, e viver cego uma vez mais, na vida ou na morte. Não! Quero que esta embriaguez seja duradoura, quero chegar a Praça da Liberdade e prosseguir nesta aventura...

Passei pelo casal e acenei com um sorriso e um leve movimento de mão direita. O jovem casal era belíssimo, e a noite também, e não se importaram de sorrir de volta para mim, para logo após voltarem aos beijos apaixonados... Há tempos eu poderia marcar o rosto de menina tão bela, para tentar conquista-la noutro dia, como um troféu. Hoje, nesta noite aquecida pelo fogo de Asik, isto era totalmente desnecessário – bastava amar a vida para me imaginar como aquele belo rapaz a dar uns bons amassos na bela rapariga, como dizia o poeta de Lisboa. Nesta noite não era necessário nada mais do que a imaginação, e eu me sentia como um semideus.

A garoa passou e o suave lençol acinzentado da noite turca se moveu para outras paragens. No alto, por entre os pequenos prédios de Beyazit, a lua minguante mostrava-se, imponente, junto a estrela da manhã. A configuração rara lembrava a bandeira de inúmeras nações da região, inclusive aquela em que eu me encontrava naquele momento. Eu poderia me perguntar se isso significava alguma coisa, mas não o fiz: o céu noturno falava por si só, e a sua canção era divinamente silenciosa.

Mais alguns passos, algumas poucas quadras, e chegava na Praça. Ali, onde tantos jovens turcos se dirigiam para a Universidade, encontrei-a pouco antes do nascer do sol: seus véus brancos esvoaçantes foram carregados pelo vento, seu corpo estava frondosamente nu, rechonchudo com inimagináveis curvas, nádegas imensas, seios enormes e convidativos.

Corri, corri e me atirei neles, como um recém-nascido anseia amamentar. Bebi de seu leite aos borbotões, e ele tinha gosto de poeira de estrelas, do nascer de rosas e do escoar dos rios, de ciclos ininterruptos de estações e da formação e extermínio dos planetas. Bebi, e me embriaguei ainda mais. Eu, um mero aprendiz da arte de Asik, porém alimentado pela Mãe, adormeci como um bebê e sonhei que cavalgava o Cosmos inteiro no dorso de uma estrela cadente.


***

Esta foi a quarta parte de A educação de Casanova, por raph em 2013.
Comece a ler do início | Veja a quinta parte


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10.9.13

Estranho

» Conto pessoal, da série “Cotidianos”, com breves reflexões acerca dos eventos do dia a dia...


Há um tempo em que refletimos tanto sobre a existência que nos tornamos estranhos.

Eu mesmo sou mais estranho do que pensam. É preciso conviver comigo por longos períodos para perceber. Como Raulzito, não falo de amor quase nada – mas penso no amor a toda hora. Como Raulzito, não fico sorrindo ao seu lado – mas posso muito bem estar te amando, de maneira até mesmo muito séria! E tudo isto é mesmo muito estranho.

As vezes assisto ao Pânico na TV, as vezes ouço música no rádio, as vezes até mesmo como um quarteirão com queijo no McDonald’s... Não quero me distanciar tanto deste mundo, pois sei que sempre serei parte dele, e me distanciar seria me iludir; e deixar de ser estranho para ser apenas esquisito.

Ó Bernardo Soares, sou estranho, mas não esquisito!

Esquisito seria apenas me deleitar com as exibições espontâneas de bundas na TV, ouvir as rimas fáceis da rádio e me contentar apenas com elas, comer sanduíche todo santo dia... Estranho é reconhecer o machismo do mundo e procurar modificá-lo sem me alistar numa guerra; aceitar que existem gostos musicais os mais variados e que isto se desenvolve ao tempo de cada um; e admitir que há pessoas suficientemente sedentárias não somente em seu estômago, mas principalmente em seu pensamento.

Como mudar isso tudo? Sei lá como mudar isso tudo! Eu estou mais interessado nos 96% do universo que não interagem com a luz, na dualidade mente-corpo, em entender o que diabos é a consciência e como é possível que os hindus tenham imaginado esta quantidade exorbitante de deuses... Depois, se sobrar um tempo, procuro utilizar o que descobri de tanto mistério para melhorar a vizinhança.

Mas se eu estiver pensando em como Álvaro de Campos pôde compor poemas tão ruins ao lado das maiores pérolas da pátria da língua portuguesa, enquanto como uma batata frita caprichada no óleo, e uma garota na mesa ao lado me paquera imaginando que eu seja somente um pouco mais velho que ela, eu retorno o olhar... Porque isto devemos saber: todos os olhares de amor devem ser retornados, é por isso que o homo sapiens povoou o globo inteiro!

E não quer dizer que eu deva esquecer a poesia e ir dar em cima da garota da mesa ao lado, pois tudo tem o seu momento e não me arrependo nem lamento a minha juventude...

Outro dia Stephen Hawking comparou o corpo ao hardware e a mente ao software. Como cientista acadêmico, Hawking optou por ignorar a hipótese espiritualista, da mesma forma que até hoje ignoram Wallace e se lembram somente de Darwin. Já eu, como espiritualista estranho, não preciso ignorar a ciência nem sou forçado a isso pelo julgamento alheio – dentre outras coisas porque quero mais que o julgamento alheio se foda (mas curtam minha página no Facebook, ok).

Se a mente é o software, é de se supor por analogia que um dia construiremos finalmente uma máquina autoconsciente, capaz de interpretar e não somente computar. Acaso isto ocorra enquanto ainda estiver habitando este meu corpo de trinta e poucos anos, posso até mudar de ideia, mas ainda que meu corpo seja mumificado vivo, dificilmente estarei ainda nele se e quando uma máquina for capaz de interpretar a poesia de Pessoa.

Mas eu também gosto de analogias. Se a mente é o software, precisamos ir atrás dos sistemas operacionais... Preso em sua cadeira de rodas, a mente de Hawking, como sugere o nome, voa como um falcão por todo o Cosmos. Ainda assim, ela usa alguma espécie de sistema operacional não compatível com os aplicativos místicos – do tipo que não travam com números infinitos.

Vejam bem: se construirmos uma nave espacial capaz de viajar a velocidade da luz, a maior velocidade possível segundo o manual da Academia, ainda que voássemos em linha reta, quem sabe, mirando a galáxia mais próxima, haveriam galáxias tão distantes, tão distantes, que jamais alcançaríamos. Mesmo voando junto a luz, jamais! Pois há partes deste universo que se expandiram em velocidades maiores que a da luz, quando ele era ainda um minúsculo recém-nascido menor do que uma batatinha frita...

Então, meus caros acadêmicos, eu lhes pergunto: “Qual parte do Infinito ainda não entenderam?”.

Eu não entendi nenhuma parte, por isso parei de pensar sobre o assunto, e passei a sentir o assunto!

E assim, como Raulzito mitológico, como um legítimo místico, passei a considerar que todos nós, todos nós, compartilhamos e compartilharemos os mesmos sorrisos dos encontros e as mesmas lágrimas das despedidas.

E que o assassino compartilha sua existência com a vítima, e o juiz com o acusado, o vitorioso com o derrotado, o cientista com o espiritualista, o ateu com o religioso, o jovem com o velho, o homem com a mulher, a mãe com os filhos e os amantes com todos, todos os amados.

E a vida com todas as vidas, todas as formas do Cosmos conhecer a si mesmo, ontem e hoje e enquanto existir luz em meio ao vácuo do espaço-tempo...

É isto que todos os místicos sabem, e calam. Finjam que eu não disse nada disso. Finjam que sou somente mais um desses estranhos delirantes.

Mas finjam com convicção!

***

Crédito da imagem: Joel "Boy Wonder" Robinson

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9.9.13

Lançamento: A Arte da Guerra

Neste lançamento luxuoso das Edições Textos para Reflexão, trazemos outra obra milenar da antiga China, A Arte da Guerra.

O grande paradoxo do célebre tratado militar de Sun Tzu é exatamente o de expor os horrores da guerra enquanto aconselha a melhor forma de realizá-la.

A grande questão oculta nele, emprestada do taoísmo, é o reconhecimento de que a guerra é terrível, mas também inevitável, e o seu aconselhamento se dá precisamente numa abordagem de "suavização do horror". Ora, se a guerra é inevitável, cabe ao bom governante e estrategista tratá-la com muita seriedade, e só enviar seus soldados para as batalhas que possam efetivamente ser vencidas.

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***

Abaixo, segue uma amostra com um dos capítulos do livro (a tradução é de Frater Sinésio):

Capítulo 3: Estratégia ofensiva

[1]

Sun Tzu disse: Na arte da guerra, o melhor é tomar o país do inimigo por inteiro e intacto, sem arrasá-lo, sem destruí-lo.

Por isso, é melhor recapturar um exército inteiro que destruí-lo; é melhor capturar um regimento, tropa ou companhia inteiras do que destruí-las.


[2]

Portanto, lutar e conquistar em todas as batalhas não é a excelência suprema; a excelência suprema consiste em minar a resistência do inimigo e vencê-lo sem que haja qualquer batalha.


[3]

Assim, a forma mais elevada de comando é interromper os planos inimigos; a segunda melhor é prevenir a junção das forças inimigas; a seguinte nesta ordem é atacar o exército inimigo no campo; e a pior é montar cerco a cidades muradas.


[4]

A regra é não atacar cidades muradas se isso puder ser evitado.

A preparação de proteções, abrigos móveis e dos diversos equipamentos de guerra irá demorar até três meses; e empilhar montes contra os muros demorará outros três.


[5]

O general, incapaz de controlar a sua raiva, lançará os homens para o assalto como um enxame de formigas, como resultado um terço dos seus homens serão abatidos, enquanto o interior da cidade permanecerá intocado.

Tais são os efeitos desastrosos de um cerco.


[6]

O líder habilidoso domina as tropas inimigas sem nenhuma batalha; captura as suas cidades sem lhes pôr em cerco; derrota o seu reino sem operações de campo prolongadas.


[7]

Com as suas forças intactas ele disputará o domínio do Império, e assim, sem perder um único homem, o seu triunfo será completo.

Esta é a maneira de se atacar através da estratégia.


[8]

É regra na guerra, se as nossas forças são dez e as do inimigo um, rodeá-lo; se as nossas são cinco e as do inimigo um, atacá-lo; se formos duas vezes mais numerosos, dividir o nosso exército em duas frentes de ataque.


[9]

Se o inimigo nos igualar no campo, podemos entrar em batalha, mas se formos ligeiramente inferiores em número, o ideal é evitar o conflito em campo aberto.

E se formos muito inferiores em todos os sentidos, a melhor estratégia é a fuga.


[10]

Assim, apesar de uma luta obstinada poder ser realizada por uma pequena força, no fim ela será capturada por uma força maior.


[11]

O general é um bastião do Estado; se o bastião for completo em todos os pontos, o Estado será forte; se o bastião for defeituoso, o Estado será fraco.


[12]

Há três maneiras de um líder trazer má sorte sobre o seu exército:

Comandar o exército a avançar ou recuar, ignorando que ele não pode obedecer. A isto chamamos “fazer mancar o exército”.

Tentar governar um exército da mesma forma que se administra um reino, ignorando as duras condições em que se encontra um exército em campanha. Isto causa revolta nos soldados.

Empregando os seus oficiais sem avaliar suas capacidades, ignorando o princípio militar da adaptação às circunstâncias. Isto mina a confiança dos soldados.


[13]

Dessa forma, quando o exército está inseguro e desconfiado, é certo que outros problemas virão de outros príncipes feudais.

Isto é simplesmente trazer a anarquia ao exército, atirando a vitória para longe.


[14]

Assim sabemos que há cinco pontos essenciais para a vitória:

Será vitorioso aquele que sabe quando lutar e quando não lutar.

Será vitorioso aquele que sabe lidar com forças superiores e inferiores.

Será vitorioso aquele cujo exército seja animado pelo mesmo espírito em toda a sua hierarquia.

Será vitorioso aquele que, protegendo-se, aguarda para atacar um inimigo desprotegido.

Será vitorioso aquele que tem capacidade militar e não sofre interferência do seu soberano.


[15]

Daí o ditado: “Se conhece o inimigo e conhece a si próprio, não precisará temer pelo resultado de uma centena de batalhas.

Se conhece a si mesmo, mas não ao inimigo, para cada vitória sofrerá uma derrota.

Se não conhece o inimigo nem conhece a si próprio, sucumbirá em todas as batalhas”.


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8.9.13

A última máscara

Retira a máscara que os outros lhe ofertaram
E finda definitivamente de ser cópia obscura
Em meio ao mar de clones que naufragaram
Entulhados em seus egos pela noite escura...

Toma coragem e te olha na superfície d’água
Observa neste vasto lago a todos os assassinos
E gênios e santos e loucos cantadores de hinos
Que lá todos são o que são e sem mágoa...

Cai uma estrela distante cortando a escuridão
E explode bem além da costa do mar
E cada gota ao céu é em si uma imensidão!

Afinal aqui neste baile há só este instante:
De amar e amar e amar
E assim, desmascarado de tudo, iniciar a dança [1]...


raph'13

***

[1] Variante para o trecho final do soneto:

Que aqui neste baile há só um sentido:
O de dançar desmascarado a amar
E colher cada gota que haja por chorar...

Crédito da imagem: Brooklyn Museum/Corbis (máscara mortuária egípcia)

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6.9.13

Mundos Internos, Mundos Externos

Ver o mundo num grão de areia
e o céu numa flor da relva;
agarre ao infinito na palma de sua mão
e a eternidade, numa única hora.
- William Blake


Neste documentário lançado em 2012 e intitulado "Mundos Internos, Mundos Externos" (Inner Worlds, Outer Worlds), o canadense Daniel Schmidt (músico e professor de meditação) explora de maneira rica e visualmente atraente a conhecida sabedoria antiga – Védica e Hermética - que afirma o célebre “Assim em cima, assim embaixo”.

Reunindo conhecimento atual como a descoberta recente do Bóson de Higgs, trazendo conhecimentos ancestrais como dos Vedas, do Budismo e da Kaballah, passando por insights de cientistas como Nikola Tesla (“estudou com Swami Vivekananda”, um conhecido iogue indiano) e do matemático Benoit Mandelbrot, além de citar de passagem Heráclito, Einstein, Goethe, Richard Feynman e Kierkegaard, e buscando o cruzamento dessas fontes de conhecimento, "Mundos Internos, Mundos Externos" também apresenta com riqueza visual os caminhos que a ciência e a sabedoria antiga percorrem para entender o universo, como os padrões de fractais (de Mandelbrot) e dos sons na matéria física como areia e água (de Chladni) [via _dharmalog].

Para os que acompanham este blog de longa data, e particularmente para os que leram o meu livro, "Ad infinitum", este documentário soará estranhamente familiar, e isto apesar de ter um foco muito maior na visão oriental, particularmente a visão zen budista. Entretanto, como os que me leem há tempos devem saber, não há tanta diferença assim entre o "Bhagavad Gita" e as teorias de Eisntein, entre o Tao de Lao Tse e a Substância de Espinosa, entre o logos estoico e o Campo de Higgs - todos estão, afinal, observando ao mesmo Cosmos e, ao mesmo momento, ainda que não saibam, também a si próprios...

Para se contemplar em estado de relaxamento:

Parte 1 - Akasha

Parte 2 - A Espiral

» Parte 3 - A Serpente e a Lótus

» Parte Final - Além do Pensar

***

Crédito da imagem: Divulgação (Inner Worlds, Outer Worlds)

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5.9.13

Uma breve história dos deuses

Há muitos que são ateus para a Deusa Mãe;
Há muitos que são ateus para os deuses do antigo Egito;
Há muitos que são ateus para os deuses da antiga Grécia;
Há muitos que são ateus até mesmo para Nosso Senhor Jesus Cristo;
Mas me diga, ó príncipe: quem, quem será ateu para o Deus do Consumo?


***

Crédito da arte: Eduardo Salles - Cinismoilustrado.com

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