Pular para conteúdo
26.4.13

Lançamento: O manual para a vida

O manual para a vida

O mais novo lançamento das Edições Textos para Reflexão é um dos grandes textos do estoicismo e da antiguidade: O Enchiridion de Epicteto, o manual para a vida.

A tradução de Frater Sinésio, realizada a partir de versões em inglês, foi editada e comentada, aqui e ali, por Rafael Arrais, e lançada agora como um livro digital para o Amazon Kindle e o Kobo:

Comprar eBook (Kindle) Comprar eBook (Kobo)

***

Abaixo, segue um trecho do prefácio do livro:

Este é um livro de autoajuda?

Sabemos do costumeiro preconceito e descrédito do meio literário para com os livros de autoajuda. Porém isto também se deve, em grande parte, aos próprios escritores de autoajuda, que em sua maioria optam em seguir por “caminhos fáceis”, evitando tocar no cerne da questão – o autoconhecimento.

Se analisarmos os livros de autoajuda produzidos hoje no mundo, encontraremos basicamente duas categorias. Uma delas nos diz assim: “Tudo é possível! Basta desejar profundamente que irá conseguir!”; Já a outra se ocupa de nos consolar quando não temos sucesso em “conseguir tudo”, e nos sentimos um lixo.

Há, portanto, uma clara correlação entre uma sociedade que nos anuncia por todos os cantos da cidade que podemos conseguir tudo o que quisermos, a e existência da chamada baixa autoestima.

Antigamente uma pessoa pobre era chamada desafortunada. Hoje, criamos uma alcunha um tanto mais cruel: perdedora. Hoje os anúncios nos dizem que somos nós quem estamos no comando, e não os deuses. Se não temos sucesso, a culpa é nossa – perdemos.

Mas é aqui que entra a filosofia. A filosofia é a verdadeira autoajuda, o verdadeiro autoconhecimento, o verdadeiro amor ao saber.

Segundo Epicteto e os estoicos, devemos ter sempre em mente os infortúnios da vida, e o conhecimento de que há coisas que estão sob nosso controle, e outras que não estão. Somente assim saberemos que podemos sim perder, mas que não somos perdedores. E, da mesma forma, também saberemos que podemos sim ganhar, mas que não somos ganhadores.

Somente com este desapego aos anúncios da cidade grande é que teremos enfim o tempo e a disposição de olhar para dentro, e nos conhecer. Se isto é autoajuda? Certamente – autoajuda da melhor espécie!

Com vocês, o manual para a vida, o Enchiridion de Epicteto...


Marcadores: , , , , , , ,

25.4.13

Retratos da real beleza

Aqui no blog os leitores talvez estejam mais acostumados a ler textos críticos acerca do estado atual da sociedade e seus exageros, do capitalismo sem moderação e do marketing ao serviço do deus do consumo. Mas isto não significa que os magos da propaganda estejam todos hipnotizados por tal entidade. De vez em quando, em meio ao lamaçal, surgem algumas lótus. Esta é uma delas:

Fonte: Dove (Unilever), campanha Retratos da real beleza


"A beleza salvará o mundo" (Dostoievski)


Marcadores: , , , ,

21.4.13

Uma vida bem encenada

Lembre-se de que você é um ator numa peça teatral, e que o Autor escolheu a maneira que ela será encenada: se ele a desejar curta, ela será curta, se a desejar longa, ela será longa.

Se ele quer que você encene um homem pobre, você deve encenar o seu papel com todo o seu talento; da mesma maneira com um papel de aleijado ou de magistrado ou de um homem comum.

O que lhe compete na vida é encenar o papel que lhe foi dado, e bem; a escolha do elenco pertence ao Outro.

Enchiridion de Epicteto, XVII

***

Comentário
Este trecho pode ser mal interpretado. Repare que Epicteto se refere somente as coisas externas ao nosso controle: nascer pobre, ou aleijado, ou numa família nobre (o que, na época, lhe dava a chance de vir a ser um magistrado). Encenar o papel que nos foi conferido com todo o nosso talento significa, exatamente, não lamentar nossa sorte, mas nos dedicarmos somente ao que está sob nosso controle – ou seja, viver uma vida bem encenada.


O Enchiridion de Epicteto, o manual para a vida, será o próximo lançamento digital das Edições Textos para Reflexão. Aguardem que virá algo muito especial por aí...

***

Crédito da foto: Gideon Mendel/In Pictures/Corbis (UK Music Festivals - The Green Man Festival)

Marcadores: , , ,

19.4.13

Um encontro amazônico

Texto de Ana Aranha para o blog Reportagem 3x4, os comentários ao final são meus:

Os seis trabalhadores da construção civil estavam perdidos em meio à floresta amazônica, no norte de Rondônia. Algumas horas antes, eles tinham corrido mato a dentro para fugir do caos que tomara o canteiro de obras da usina hidrelétrica de Jirau, onde a Polícia Militar reprimia o movimento grevista, em 2011. Depois de andar cerca de seis quilômetros, o grupo tentava encontrar o caminho de volta à obra, ou a estrada, ou qualquer sinal de urbanidade. Sem sucesso.

Ao invés disso, foram encontrados.

Sem perceber que estavam sendo cercados, os trabalhadores uniformizados se viram rodeados por oito índios nus. Eles tinham o rosto e corpo pintados, flechas em punho e “murmuravam" palavras em uma língua que os trabalhadores não conheciam. Mas logo interpretaram o sentido: estavam rendidos.

Hoje, excepcionalmente, esse espaço não será dedicado a um retrato, mas a um encontro. Encontro que pode servir de pista para compor o retrato dos povos indígenas que habitam o nosso país e os quais temos tanta dificuldade de entender.

Assustados, os trabalhadores da usina se comportaram como prisioneiros dos índios. Seguiram seus passos e pararam quando eles sinalizaram. O coração disparava a cada vez que os índios se reuniam em círculo. Observaram a construção de uma espécie de churrasqueira com gravetos, onde um porco do mato foi assado. Disfarçando o mal estar, comeram cada pedaço de carne que lhes foi oferecido. À noite, um dos trabalhadores foi repreendido pelos colegas por espiar os seios da índia mais nova, a regra era olhar para o chão.

A madrugada avançou, alguns índios deitaram e adormeceram. Os trabalhadores ficaram alertas. Pela manhã, caminharam até chegar a um local onde se ouvia um barulho familiar. Os índios sinalizaram em direção ao som, disseram algumas frases que ninguém entendeu e foram embora. Os trabalhadores correram na direção indicada até que, exaustos, chegaram à rodovia federal BR 364.

Esse relato foi registrado pela historiadora Ivaneide Bandeira Cardozo, da ONG indigenista Kanindé, que entrevistou um dos trabalhadores na presença de um funcionário da Funai (Fundação Nacional do Índio). Ela acredita que os homens e mulheres descritos sejam parte de um grupo que a entidade e a Funai tentam rastrear há anos. “Pela descrição, parecem ser Kawahiba isolados”.

“Isolados” são os índios que não têm contato com a nossa sociedade, ou porque nunca cruzaram com um não-índio (casos cada vez mais raros) ou porque recusam o contato.

Na região que foi alagada pela usina de Jirau, havia rastros de um grupo isolado e nômade. A empresa repassou dinheiro para que a Funai mapeasse esses rastros. Depois de identificados, eles deveriam ganhar uma área de proteção. Mas o investimento não foi suficiente para encontrar ou proteger os índios.

Ao contrário, foram eles que encontraram e salvaram os funcionários da usina. “É difícil entender o que passou na cabeça dos índios quando viram os trabalhadores perdidos”, reflete Ivaneide. “Por que decidiram ajudar? Nunca vamos saber”.

O encontro ocorrido em 2011 é o reflexo oposto do desencontro que se deu na Câmara dos Deputados essa semana. Na terça dia 16, em uma cena inédita, os deputados federais correram pelo plenário como uma manada assustada. Fugiam de homens seminus, pintados de urucum e que balançavam seus chocalhos para protestar contra a mudança da lei que define como as terras indígenas são demarcadas.

Se o comportamento dos índios isolados e dos deputados deixa alguma pista, é que continuamos longe de entender os povos que habitam a nossa terra.

Quando retornaram à usina, os trabalhadores contaram sobre o encontro, mas o supervisor deu risada, chamando-os de mentirosos. Como se fosse impossível haver índios nas proximidades da obra, cravada no meio da floresta amazônica.

Para Ivaneide, a precisão dos detalhes é a maior evidência da veracidade da história. “Os trabalhadores eram de outros estados, uma pessoa sem convivência com indígenas não poderia saber tanto. Ele descreveu a pintura no peito, os traços no rosto dos homens, diferente das mulheres, a pena do gavião real, como tratavam a ponta das flechas. Até os detalhes de como montaram o moquém, que é onde assam a carne”. Segundo ela, o relato bate com hábitos comuns a etnias que vivem ou viveram na região, algumas consideradas extintas.

Existem 82 pistas de grupos indígenas isolados no Brasil, é a maior concentração de povos isolados do mundo. Em março desse ano, os funcionários da Funai fizeram uma carta aberta com um “pedido de socorro”. Nela, escrevem que não há equipe para proteger esses grupos, cujos territórios estão sendo invadidos pelas grandes obras, madeireiros e traficantes.

Como lidar com índios isolados é um dos temas mais complexos dentro da política indigenista. Talvez a pequena mensagem deixada pelo grupo que resgatou os trabalhadores e pelos que invadiram o congresso seja justamente sobre os nossos limites. Os índios tem um modo diferente de ser, nem sempre seremos capazes de entende-los. Talvez esses encontros sejam os momentos para refletir sobre os impactos das nossas escolhas. E fazer um esforço para, a partir dessa nova realidade, respeitar as escolhas deles.

***

Comentário
Quando publiquei esta imagem emblemática em nossa página no Facebook, provavelmente a primeira coisa que todos imaginaram é que estava fazendo uma crítica ao chamado "ativismo de redes sociais", que muitas vezes faz muito barulho, mas não provoca nenhuma ação concreta. Ora, e isto ocorre mesmo, mas desde que o ativismo esteja restrito a zona virtual...

O outro sentido da frase, "os índios não tem Facebook", é o de conclamar todos os ativistas do Facebook a divulgar a causa indígena (eles não tem Facebook, e nós temos). Ao contrário de muitos outros ativismos virtuais, este sempre foi real - o Facebook serve somente como meio de divulgação para a luta indígena. Os índios ficaram com o trabalho mais difícil, e estão fazendo sua parte (até mesmo porque, no caso deles, a outra opção é a extinção completa do que resta de sua cultura e território)... Que tal fazer a nossa também?

Sim, nós ficamos com a parte mais fácil, a de clicar em "compartilhar". Mas há várias outras formas de se compartilhar esta ideia. Porém, ainda que tudo o que faça é clicar num botão virtual, ainda isto é melhor do que não fazer nada.


Você pode clicar na imagem acima para abri-la no Facebook e compartilhar, ou pode simplesmente escrever seu próprio texto de apoio a essa causa. O importante é mantermos o pensamento em movimento. Não é impossível mudar esta situação, os índios no Plenário estão apenas nos relembrando disso.


Marcadores: , , , , , , ,

16.4.13

San Jacinto: mantenham a corda segura

Esta música de um dos mestres do Rock Progressivo, Peter Gabriel, sempre me intrigou... "San Jacinto, eu seguro a corda" [San Jacinto, I hold the line] é o seu refrão. A princípio me parecia uma música religiosa que falava de um santo, e acredito que há muitos que tenham pensado o mesmo. Ocorre que, ao analisar trechos da letra, percebemos que faz algumas menções a termos dos indígenas norte-americanos, e tudo parece mais a descrição de um transe xamânico do que alguma oração para alguma santo (claro, só vim compreender isso muitos anos após ouvi-la pela primeira vez).

Houve muitas interpretações desta letra, a maior parte postulando que se tratava de uma crítica ao extermínio dos índios americanos pelos colonizadores europeus. Mas não: era algo mais inefável, mais profundo... Somente recentemente o próprio autor passou a explicar, em seus shows, a origem da música. Trata-se da história da iniciação xamânica de um descendente indígena que Gabriel um dia conheceu no Arizona. Ele lhe contou que, quando jovem, os xamãs (ou pajés, etc) de sua comunidade o deixaram só no meio do deserto após haver sido picado por uma cascavel. Delirando, teria de encontrar o caminho de volta, e se tornar um xamã, ou morrer tentando... Não sabemos se, caso falhasse, seria ainda salvo por sua tribo - mas fato é que, em falhando, mesmo que sobrevivesse não seria considerado um xamã.

San Jacinto provavelmente não é um santo ou um lugar, mas uma estrada que corta uma região desértica do Arizona. Mas ainda resta o mistério da corda: porque é tão importante "mantê-la segura nas mãos"? Para tal temos de relembrar de tradições do xamanismo ancestral: há muitos mitos antigos que falam de uma "corda" que poderia conectar a Terra ao Céu, e que somente através dela o xamã poderia se guiar por estas estranhas aventuras espirituais. Ocorre que, "segurar a corda" não se refere somente a aventura de um xamã em específico, mas também a necessidade de mantermos esta conexão, esta corda, ativa entre os dois mundos. Segundo estes mesmos mitos, pela ignorância e o "esquecimento de quem realmente somos", a corda pode ser rompida, e o Céu pode estar perdido...

Daí a importância de mantermos a corda segura. Os xamãs, "renascidos da terra", são todos irmãos, e sabem que, de uma forma ou de outra, dia virá que se reencontrarão no Céu. O que os deixa triste é saber de seus outros irmãos que, "seduzidos pelos sonhos do homem branco", ainda poderão permanecer na escuridão do "esquecimento" por muito, muito tempo... Até que uma nova corda seja jogada do Céu:

Nuvem espessa - névoa surgindo - uma pedra assobia no fogo do chalé
Em minha volta - veste de búfalo - antiga sabedoria - correndo pela pele
Lá fora - ar frio - "levante-se, espere pelo sol a nascer"
Tinta vermelha - penas de águia - o chamado do coiote - começou...
Algo se movendo aqui dentro - eu sinto em minha boca e em meu coração
Uma sensação de morte - lenta - vou deixando a vida esvair

O pajé me guiou pela cidade - solo indígena - tão vasto!
Caminhando pela terra - por cada casa - um lago - crianças com asas líquidas - bebericando no gelado
Seguindo o leito seco do rio - observando aos Batedores e Guias fazendo sinais
Após Geronimo's Disco - Sit 'n' Bull Steakhouse [churrascaria] - o sonho de um homem branco
Um chocalho na bolsa daquele ancião - "olhe para o cume da montanha; continue a subir"
Muito acima de nós há um deserto de neve - ventos brancos sussurram

Eu seguro a corda - a corda da força que me impulsiona através do medo
San Jacinto - eu seguro a corda
San Jacinto - a mordida venenosa e a escuridão tomam minha visão - eu mantenho a corda
E as lágrimas escorrem por minha face inchada - penso que estou perdendo a consciência - estou cada vez mais fraco
Mas eu seguro a corda - eu a seguro!
San Jacinto - águias douradas voam baixo vindas do sol - vindas do sol...

Nós andaremos - na terra
Nós inspiraremos - do ar
Nós beberemos - do córrego
Nós iremos viver - mantenham a corda segura

San Jacinto, de Peter Gabriel, traduzido do inglês por Rafael Arrais

***

Crédito da imagem: Alexis Vabre

Marcadores: , , , , ,

13.4.13

Ad infinitum: resenha de Wanju Duli

Fico muito feliz em trazer ao meu blog a primeira resenha que recebi sobre o meu livro, Ad infinitum (à venda em versão impressa, PDF ou Amazon Kindle). Trata-se de uma resenha escrita por Wanju Duli, que além de ser colunista do Portal Teoria da Conspiração, é também uma jovem escritora com pleno domínio da linguagem (vocês podem conhecer ela melhor no seu blog, Ocultismo Magnífico):


Finalizei agora mesmo a leitura do livro "Ad infinitum" de Rafael Arrais. Pelas minhas primeiras impressões, posso dizer que a obra deixou-me com uma sensação muito tranquila e alegre. E digo isso porque, após megulhar num debate particularmente sagaz e envolvente, fui presenteada com uma conclusão que, de tão simples e honesta, chega a ser deliciosamente surpreendente.

Já iniciei a leitura maravilhando-me com a arte da capa, envolta em elegância e mistério [1]. Estava ansiosa por conhecer as conversas que ocorreriam no sereno jardim. E os participantes do debate se apresentaram a mim, que já me sentia parte de tudo aquilo, como se eu mesma não estivesse muito longe de lá.

"Que legal! Tem uma mulher no debate!" foi um dos meus primeiros pensamentos ao ser introduzida às simpáticas figuras presentes. Simpatizei com Sofia imediatamente. Digamos que ela ocupa uma posição da mais alta importância ao longo da conversa. Gostei muito de sua personalidade e de suas observações pertinentes.

Depois da Sofia, meu segundo personagem preferido foi Petrius. Acredito que foi ele o maior responsável por algumas risadas que dei ao longo do livro, devido a seu tom ligeiramente irônico. Em poucas palavras, ele é um cara legal.

No início eu pensei que ficaria zangada com Ismael devido às suas insistentes manifestações de amor a Deus, mas não é que algumas frases dele me fizeram rir e sorrir, com simpatia pelo que ele dizia, e ele revelou-se uma pessoa bastante razoável? Acho que ele defendeu pontos muito bons.

Quanto a Otávio, também achei-o um personagem bastante divertido. Em suma, assim que fui apresentada aos personagens, que vinham de áreas diversas e possuíam algumas posições filosóficas e espirituais diferenciadas, logo pensei: "Esse debate vai pegar fogo...!"

E, se prestar atenção, realmente aconteceram momentos tensos e quentes no debate. À primeira vista, é uma conversa entre pessoas com visão bem aberta e compreensiva, mas basta tocar na ferida para constatarmos o quão difícil é ceder em certos pontos de nossas convicções.

Antigamente eu achava que quase todo debate entre pessoas de posições diferentes resultaria em uma briga, mas hoje em dia, após debates recentes que tive, constatei que é completamente natural que pessoas de visão quase oposta respeitem a opinião do outro. Dessa forma, acredito que os personagens ficaram bem realistas e os diálogos seriam possíveis de ocorrer numa conversa real semelhante a essa.

O conhecimento adquirido através da leitura desse livro é imenso. O autor entende profundamente a respeito de diversas áreas do conhecimento. A lista de livros e material que consta no final como sugestão de estudo é de dar água na boca. E o que dizer das notas explicativas ao longo da leitura? Fiz questão de ler o livro munida de dois marcadores de página (um para a página do texto e um para a página das notas) para me assegurar de que não perderia nada.

O livro é estruturado de forma extremamente organizada, inclusive ao longo dos capítulos, com as conclusões de cada debate devidamente ressaltadas. Isso permite que tanto pessoas que possuem familiaridade com os temas abordados como as que não possuem possam se beneficiar da leitura. O desenvolvimento do raciocínio é bastante claro e totalmente possível de acompanhar, o que não é tão comum de se encontrar em livros com pensamentos filosóficos. Ficou evidente que a intenção do autor era facilitar o estudo e o entendimento e não complicá-lo. Eu aprendi muito, tanto com o texto em si como através das notas explicativas.

Sinceramente, eu achei a disposição do livro e alguns diálogos especialmente semelhantes às obras de Platão, nas quais ele mostra discursos de Sócrates. A diferença é que Sócrates costumava derrotar seus adversários por intermédio de sua argumentação, enquanto a proposta no jardim de Ad infinitum é conciliar os argumentos, o que é uma grande vantagem.

Eu fui agradavelmente surpreendida em vários capítulos com as conclusões inteligentes construídas ao longo das conversas. Eu aprendi e ao mesmo tempo me diverti, comparando as deduções apresentadas com minhas próprias opiniões sobre os temas. Caso fosse essa a intenção, creio que o livro cumpriu seu propósito com sucesso. Naturalmente, o livro pode possuir os mais diferentes propósitos e exercer objetivos únicos para cada leitor. É uma leitura múltipla, com diversas possibilidades. Ad infinitum.

Recomendo a todos a leitura. É realmente bacana, dá uma sensação pacífica e gera belas reflexões.

***

» Ver a resenha original no blog Ocultismo Magnífico

[1] Saiba mais sobre a simbologia da capa: O Ouroboros e a Árvore da Vida

Crédito da foto: Wanju (capa de Ad infinitum)

Marcadores: , , , ,

10.4.13

O que há para se conservar?

"Nada no mundo pode durar para sempre" (frase encontrada numa parede em Pompeia)


Os conservadores insistem em manter o mundo tal qual ele é, ou foi, nalguma “época áurea” em que tudo funcionava, e a moral e os bons costumes eram regra geral do procedimento do bom cidadão. Seu ofício mental é o de relembrar aquilo que já passou, numa tentativa hercúlea de “trazer de volta”, conservar, manter tudo como “sempre foi”.

Os conservadores vivem numa ilha de puritanismo cercada do fluxo selvagem da mudança por todos os lados. O mundo é, afinal, um fluxo... Todos que observam a Natureza percebem isso cedo ou tarde, mas os conservadores insistem em sua crença de que tudo “pode e deve permanecer como está”. É o fundamentalismo da estagnação...

Mas não devemos nos deixar iludir pelos rótulos. Chamar alguém de conservador não significa que aquela pessoa aceite a alcunha, nem tampouco que ela seja 100% conservadora. Dizem que os conservadores são “de direita”, mas há muitos conservadores “de esquerda”. Estes gostariam tanto de conservar a sua própria utopia e o seu próprio ideal, que chegam a embalsamar os seus líderes, tal qual aos egípcios antigos, talvez também mais por motivos políticos do que religiosos.

Quando a Dama de Ferro disse que “não existe essa coisa de sociedade”, estava se alinhando a uma ala dos conservadores que preferiram conservar a ideia do indivíduo. Eles creem piamente que um indivíduo pode “vencer na vida” sem ajuda da sociedade – e que, dessa forma, o Estado, que representa a sociedade, não deveria intervir nos afazeres do indivíduo que está ali, afinal, apenas para “vencer na vida”. Mas, se refletirmos um pouco, o único indivíduo que “venceu na vida” sem uma sociedade é aquele que viveu a vida toda num deserto ou no cume de alguma montanha isolada. Mas neste caso, o fato de ele haver “vencido na vida” nem faz muito sentido, não é mesmo?

Vamos ser sinceros aqui: nenhum ser humano consegue viver sozinho. Podemos não admitir ou não enxergar, mas somos seres gregários, e não há indivíduo que viva fora de uma família, ou grupo, ou sociedade... Portanto, me parece óbvio que existe uma sociedade, a grande questão é o que ela reflete. Pois que toda sociedade reflete o pensamento de seus indivíduos. Quando uma sociedade prefere “fingir que não há sociedade”, é obviamente para o proveito de uma elite, exatamente aquela que “já venceu na vida” – seja no berço, seja através do Mercado.

Por outro lado, pretender que todos os indivíduos de uma sociedade tenham direitos precisamente iguais é uma utopia ainda um tanto quanto inalcançável... Direito a educação básica, a saúde, a uma defesa nos tribunais, ok. Direito a um mesmo salário e um mesmo naco de terra, é hoje obviamente impraticável. Não estamos preparados para a grande utopia da Fraternidade Universal, e a prova disso é que sempre que isto foi tentado, terminou como uma imitação de um feudalismo bizarro, onde o “líder do partido” era uma nova espécie de senhor feudal.

Dizem que não há nada de novo debaixo do Céu, mas ainda que nenhuma substância se perca, apenas se transforme, fato é que tudo muda, tudo vibra, e nada está parado. Os ponteiros sempre se movem no Cosmos, e isto é também válido para este mundo cá embaixo... Você não está parado nenhum segundo, nem quando medita num quarto com as cortinas fechadas. As placas tectônicas se movem e carregam continentes, e este é um movimento lentíssimo... Mas o próprio planeta gira que nem pião ao largo de uma estrela, e esta estrela não está fixa. Sóis como o nosso estão girando em torno de gigantescos buracos negros no centro das galáxias, e mesmo as galáxias estão catapultadas ao Infinito, agrupadas em grandes aglomerados... Mas o conservador gostaria muito de crer que “tudo pode continuar sendo como era antes”!

O que há para se conservar? Certamente, os bons exemplos, os bons pensamentos, as mais belas emoções... Conservemos não uma fronteira ou um sistema político-econômico, mas uma sabedoria muito mais antiga do que a civilização em si. O Chefe Seattle, por exemplo, respondeu assim ao presidente americano (que fez uma oferta pela terra dos indígenas do oeste americano): “Ele diz que deseja comprar nossa terra, mas como pode um homem comprar ou vender a terra, as florestas, os rios, o céu? Esta ideia é estranha para nós”.

O que há para se conservar? Decerto não os hábitos moribundos dos charcos de pensamento estagnado; Decerto não os preconceitos e os dogmas de religiosidade represada; Decerto não a ignorância e o medo do que é novo... São os jovens que herdarão esta terra, aqueles recém-chegados da Mansão do Amanhã. Mas eis que todo o livre-pensador se mantém jovem (ou relembra de sua juventude); e todo poeta, e todo dançarino, recitam, cantam e dançam; e rodopiam num campo de ventos sempre frescos.

Louco não é o dançarino do Cosmos, louco é aquele que acha possível apanhar o vento com as mãos e o trancafiar nalguma “doutrina”... Não há nada de novo debaixo do Céu, exceto o próprio Céu – a cada vez que o ponteiro se move, tudo muda.

E o ponteiro está se movendo neste momento, e os dançarinos estão seguindo o ritmo de seu fluxo divino...

Esta dança não acaba nunca.

***

Crédito da imagem: Scott Barrow/Corbis

Marcadores: , , , , ,

4.4.13

A grama

Trecho do Projeto Rumi:

O mesmo vento que arranca os troncos
faz a grama brilhar.

O vento senhoril ama a fraqueza
e a humildade da grama.
Jamais se vangloria de ser forte.

O machado não se preocupa com a grossura dos galhos.
Ele os corta em pedaços. Mas não as folhas.
Ele deixa as folhas em paz.

Uma flama não considera o tamanho da pilha de lenha.
Um açougueiro não corre de um rebanho de ovelhas.

O que é a forma na presença da realidade?
Muito pobre. A realidade mantém o céu revirado
como um cálice acima de nós, girando. Quem rodou
a roda do céu? A inteligência universal.

E o movimento do corpo
vêm do espírito como uma roda d’água
construída num riacho.

A inalação e a exalação vêm do espírito,
agora raivoso, agora em paz.
O vento destrói, e protege.

Não há realidade que não Deus,
diz o xeique completamente entregue,
que é um oceano para todos os seres.

Os níveis da criação são como pequenas ondulações neste oceano.
Seu movimento provém de uma agitação na água.
Quando o oceano deseja acalmar as ondulações,
ele as envia para perto da costa.
Quando ele as quer de volta, junto as grandes ondas do mar profundo,
faz com elas o mesmo que faz com a grama.

Isso nunca acaba.


Comentário

Os estoicos comparavam nossa vida a vida de um cão atrelado por uma coleira a uma carroça que, a qualquer instante, pode se colocar em movimento.
O comprimento da correia é tal que nos permite certa liberdade de movimento, porém, não nos permite ir aonde bem quisermos...
A carroça hoje está parada, de modo que podemos vaguear um tanto por aqui e acolá. Mas é preciso estar atento e preparado: se ela seguir viagem, se quiser nos levar a outro reino, de nada adiantará lutar contra a coleira – o máximo que conseguiremos é sermos arrastados pela estrada, à força!
Sêneca [1] explicava que “ao lutar contra o laço, o cão o aperta mais... Qualquer cabresto apertado irá machucar menos o animal se ele se mover com ele do que se lutar contra ele. Somente a capacidade de resistência e a submissão à necessidade proporcionam o alívio para o que é esmagador”.

***

Nesta realidade de formas impermanentes, o cão que se adéqua ao cumprimento da própria correia, e se preocupa em passear somente onde lhe é possível passear, é tão humilde quanto uma folha de grama.
A grama, constantemente açoitada pelo vento, mas que não obstante, tem sempre perdurado, junto a suas irmãs, por todas as planícies do mundo...

Que importa se o vento é ameaçador? Enquanto houver um tanto de terra fértil no reino, o sol estará resplandecendo a toda nova manhã, e alimentando a grama, que lhe retribuí com o verde.
Toda manhã traz um novo alento e um novo espírito. Deixemos que a carroça nos conduza seguindo pelos velhos sulcos da terra.

Que importa se o vento é ameaçador?  É o vento quem anuncia a chuva que virá... E enquanto houver chuva, haverá planícies verdejantes, haverá este inefável perfume de grama, haverá vida, haverá eternidade!

***

[1] Lucius Annaeus Seneca, mais conhecido como Sêneca, foi um filósofo estoico. Nasceu no ano 4 a.C. em Córdova e morreu no ano 65 d.C. em Roma: “Se vives de acordo com as leis da natureza, nunca serás pobre; se vives de acordo com as opiniões alheias, nunca serás rico”.

Crédito da imagem: Nathan Griffith/Corbis

Marcadores: , , , , ,

2.4.13

A terra do espantalho crucificado

Dizem que os cruzados queriam retomar a Terra Santa, pela força das armas, em honra ao seu Deus. Mas nem todos seguiram até Jerusalém armados – houve crianças que se dispuseram a libertar sua terra sacra pela força da inocência...

Não se deve subestimar os mitos – os fatos do espírito encenados no mundo. Por vezes, a encenação se torna uma tanto quanto real ou, pelo menos, o tanto quanto é possível “ser real” além da realidade da mente.

Ensinaram a essas crianças os mitos errados. As que não morreram de fome, sede ou doenças pelo caminho, naufragaram no Mediterrâneo ou foram vendidas como escravos por vendilhões pouco entusiasmados com a sua mitologia.

Faz tempo que o homem busca a Deus, seu Reino, ou alguma “santa terra” pelo horizonte... Antes de Maomé, os árabes já circundavam a Ka’bah de Meca. O deus daquela pedra é ainda mais antigo que Allah. De fato, desde a pré-história, toda pedra posta de pé representava algum deus. Desde El Shadai (“o deus da montanha”) até o monólito de 2001 – tudo isso são símbolos que tentam dar conta de falar do que não pode ser dito.

E o que se faz quando um povo é expulso de sua terra estreita, com seus deuses de pedra? Foge-se para o deserto e se atravessa o Mar Vermelho – Moisés foi apenas mais um destes...

Dizem que o povo judeu nunca consegue se estabelecer por muito tempo num mesmo local. Que sua Terra Santa e seu Templo estão sempre sob constante ameaça de invasões e guerras... Besteira! Todo verdadeiro judeu já subiu ao seu próprio Monte Sinai e recebeu sua própria Tábua Sagrada.

Nela, se lê em letras que não devem ser lidas:

“Israel é todo o mundo”.

***

E não obstante, há aqueles que ainda creem que Deus se esconde nalgum palmo de terra ou debaixo do azulejo de algum templo antigo... E não obstante, há aqueles que creem que seu Cordeiro ainda jaz crucificado, a espera da libertação pela força (das armas) – e, dessa maneira, ainda hoje, na Terra Santa, a turba angustiada ainda clama pelo Cristo, mas o que sai de suas bocas (sem que percebam) é um brado de guerra:

“Salvem Barrabás! Salvem Barrabás!”.

O Cristo já saiu da cruz há tempos, e foi libertar aquelas crianças que o perseguiam pela força de sua inocência – pois que nenhum inocente deve ser escravizado...

E não obstante, naquela sacra terra ainda se ergue uma gigantesca cruz com um espantalho crucificado. É este deus, “o deus espantalho”, que os homens ignorantes lutam para libertar.

Mas naquele que teve olhos para enxergar, o Cristo já está liberto, dançando livre por sua terra, por Israel (que é todo o mundo), e dando piruetas dentre os torvelhinhos que também giram, como tudo o mais, dentro do espírito...


raph’13

***

Crédito da imagem: Google Image Search/Anônimo

Marcadores: , , , , , , , , ,