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7.8.09

O elo perdido da mente

Texto de Steven Mithen em "A pré-história da mente " (Editora Unesp, tradução de Laura de Oliveira). As notas do texto são minhas.

Para encontrar as origens da mente moderna temos que mergulhar na escuridão da pré-história. Voltar ao tempo que antecede as primeiras civilizações, e que começa há apenas cinco mil anos. Voltar ao período anterior às domesticações iniciais de animais e cultivo de plantas, há dez mil anos. Temos que olhar num relance para a origem da arte, há três mil anos, mesmo aquela criada pela nossa própria espécie, Homo sapiens sapiens (atualmente o homem moderno recebe a denominação H. sapiens), no registro fóssil de cem mil anos de idade. Nem mesmo o tempo remoto de dois milhões e meio de anos, quando as primeiras ferramentas de pedra apareceram, é adequado. Nosso ponto de partida para um pré-história da mente não pode retroceder menos que seis milhões de anos, porque nesse período viveu um símio cujos descendentes seguiram dois caminhos evolutivos distintos. Um deu origem aos símios modernos, os chipanzés e os gorilas, e outro aos humanos modernos. Consequentemente, esse antepassado é chamado ancestral comum.

Não apenas ancestral comum, mas também elo perdido. É a espécie que nos conecta com os símios atuais - e continua ausente nos testemunhos fósseis. Não temos nem sequer um fragmento fóssil de evidência, mas é impossível duvidar que o "elo perdido" existiu. Os cientistas estão no seu encalço. Medindo as diferenças de constituição genética entre símios e humanos modernos e estimando a taxa de aparecimento das mutações genéticas, eles estipularam que o elo perdido existiu cerca de seis milhões de anos atrás. E podemos estar certos de que esse antepassado viveu na África, porque - como bem disse Darwin - é lá que realmente parece ter sido o berço da humanidade. Em nenhum outro continente encontram-se fósseis que pudessem de fato contrariar essa hipótese (realmente a teoria mais aceita atualmente é a de que o homem moderno surgiu ainda na África, migrando somente depois para outros continentes).

Seis milhões de anos é um vasto intervalo de tempo. Começar a compreendê-lo, a captar o padrão de eventos que apresenta, passa a ser mais fácil se pensarmos nos acontecimentos como uma peça de teatro, o drama do nosso passado. Uma peça muito especial, porque ninguém escreveu o roteiro: seis milhões de anos de improvisações (Mithen é obviamente totalmente anti-criacionista, ainda que seja adepto da evolução cognitiva da mente). Nossos ancestrais são os atores, suas ferramentas são os objetos de cena e as incessantes transformações do ambiente em que viveram são as mudanças de cenário. Mas não considerem a peça um suspense, em que a ação e o final é o que importam. Porque já conhecemos o epílogo - nós o estamos vivendo. Todos os neandertais e outros atores da Idade da Pedra se extinguiram, deixando apenas um sobrevivente, o Homo sapiens sapiens.

[Retirado do início do capítulo 2: O drama do nosso passado]

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Pouco a pouco, na busca pelo suposto "elo perdido", talvez a ciência e a religião finalmente se reunifiquem novamente... Em todo caso, este e outros livros de Mithen são altamente recomendados. Sem dúvida é um dos maiores especialistas em sua área de estudo.

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Crédito da foto: Becoming Human

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4.8.09

O caminho de cada um

Texto de Gibran Khalil Gibran

Homem algum poderá revelar-vos senão o que já está meio adormecido na aurora do vosso entendimento.

O mestre que caminha à sombra do templo, rodeado de discípulos, não dá de sua sabedoria, mas sim de sua fé e de sua ternura. Se ele for verdadeiramente sábio, não vos convidará a entrar na mansão de seu saber, mas vos conduzirá antes ao limiar de vossa própria mente.

O astrônomo poderá falar-vos de sua compreensão do espaço, mas não vos poderá dar a sua compreensão.

O músico poderá cantar para vós o ritmo que existe em todo o universo, mas não poderá dar o ouvido que capta a melodia, nem a voz que a repete.

E o versado na ciência dos números poderá falar-vos do mundo dos pesos e das medidas, mas não vos poderá levar até lá.

Porque a visão de um homem não empresta suas asas a outro homem.

E assim como cada um de vós se mantém isolado na consciência de Deus, assim cada um deve ter sua própria compreensão de Deus e sua própria interpretação das coisas da terra.

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Crédito da foto: Jonny Rewind

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O Mundo Médio de Dawkins

Nesta breve palestra encontramos Richard Dawkins no que ele faz de melhor: refletindo sobre a biologia, a evolução, os mecanismos da mente, e finalmente, a estrenheza do mundo quando analisado considerando-se as descobertas da ciência moderna. Ainda que de modo assumidademente mecanicista e materialista, acredito que seu tempo seja bem melhor utilizado assim (em oposição a inutilidade de se atacar crenças alheias).

Citando o que ele diz em (20:20), já perto do minuto final: "Evoluímos para questionar o comportamento dos outros ao nos tornar brilhantes psicólogos. Tratar pessoas como máquinas pode ser cientifica e filosoficamente correto, mas é uma grande perda de tempo se quisermos entender o ser humano." - Existe uma contradição aí?

Para ver com legendas em português: clicar no link "view subtitles" e selecionar "portuguese (brazil)" na lista.

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Reflexões sobre a reencarnação, parte 3

continuando da parte 2...

Terminarei esta série de artigos considerando algumas peculiaridades da crença na reencarnação, e talvez consiga mostrar como mesmo os reencarnacionistas nem sempre pensam na vida sob esta ótica mais "abrangente".

Toda e qualquer idade

Na linguagem vulgar, um adulto é um ser humano que é considerado pelos restantes como tendo atingido uma idade que lhe permite contrair casamento e, em geral, realizar outras ações que são restritas a esses indivíduos. A definição legal de entrada na idade adulta varia entre os 16 e os 21 anos, dependendo da região. Algumas culturas africanas consideram adultos todos os maiores de 13 anos, mas a maior parte das outras civilizações enquadram essa idade na adolescência. Aqui está resumida a questão principal pela qual as pessoas insistem em classificar umas as outras pela idade; É uma questão sobretudo de padronização social, as pessoas gostariam muito de poder classificar umas as outras pelo tempo em que estão pelo mundo: "esta já pode casar", "aquela já pode trabalhar", "aquela outra já pode se aposentar". Nada mais lógico, de fato esse tipo de classificação ajuda muito na organização da sociedade em geral... Mas, será que ela é realmente determinante sobre o que uma pessoa estaria ou não apta a realizar, ou sobre o que uma pessoa deveria ou não ter a liberdade de fazer?

Sabemos, decerto, que um ser humano tem sua personalidade mais ou menos formada na época em que é considerado adulto. Isso, porém, talvez não seja verdade em algumas culturas africanas - talvez com 13 anos uma personalidade não esteja ainda muito bem formada. Será? Quem pode dizer?

Este é um dos mistérios que a ciência ainda não alcança. Porque uns levam décadas para atingir seu potencial cognitivo, não muito acima ou abaixo da média geral, enquanto outros praticamente "nascem sabendo", tem idéias inatas, "relembram" as coisas - ao invés de as aprender, apenas as reaprendem. Lembro que não pretendo convencer ninguém, mas para quem já acredita na reencarnação, tais exemplos são evidentes, de fato tão evidentes quanto um elefante andando no corredor de um shopping: impossível não ver. O que são então crianças, adolescentes, adultos, idosos? São espíritos milenares habitando corpos com maior ou menor tempo de decomposição. A cada dia que passa, os corpos morrem, e os espíritos se desenvolvem em suas potencialidades, desde que estejam administrando bem suas próprias existências.

Como dizia Gibran: "vossos filhos não são vossos filhos, são os filhos e as filhas da ânsia da vida por si mesma". É evidente, corpos geram corpos, mas espíritos foram gerados há muito mais tempo. Toda e qualquer potencialidade, desde a capacidade de respirar de modo inconsciente até a capacidade de, conscientemente, controlar a própria respiração a níveis refinadíssimos, foram construídas, desenvolvidas, desveladas pelo próprio espírito a navegar pelo turbilhão de eras cósmicas. Se um Mozart tem "facilidade" para a música, isso decerto não foi um "dom divino" nem uma "configuração fortuita de partículas no cérebro" - que Deus não distribui "dons" a bebês que por ventura lhe pareçam mais simpáticos a cada dado nascimento, assim como não é de uma combinação aleatória de partículas que este nasce um gênio e aquele um néscio. É o espírito milenar quem toca as teclas do cérebro, quem comanda a sinfonia do corpo, quem orquestra a valsa de sua própria vida.

E, perto de tantas vidas, perto de tantas eras e civilizações dos homens, o que é a idade senão um número que consta em um registro de cidadãos de algum país? Talvez mais uma informação "relevante" para as revistas de celebridades...

Aliás, o que diabos é um país? Quem já viu uma fronteira? Se viu, por acaso fotografou, tem a prova? Até agora as únicas "fronteiras" que eu vi me pareceram mais como muros e grades com tamanhos variados, frequentados por homens de farda e outros que creem piamente que uma barreira de pedras pode separar um homem de outro. Então os homens cercados por muros acreditam que todos aqueles que estão "de um lado do muro" pertencem a um mesmo grupo, e devem torcer para a mesma seleção de futebol, e cantar o mesmo hino, e venerar a mesma bandeira... Todos os que estão "do outro lado do muro" podem ser inimigos, não fazem parte do mesmo grupo, e muitas vezes o comandante de um grupo irá até mesmo convencer alguns de seus membros a invadir o muro alheio, e matar qualquer outro homem fardado (isto é, com a farda estrangeira) que por ventura se interponha em seu caminho.

Mas o passado é uma nação estrangeira. A história foi escrita pelos vencedores das guerras por fronteiras ilusórias dentro de uma mesmo pedaço de pedra chamado Terra... Quem será que pode nos trazer a visão da história dos perdedores de guerras? Dos mutilados por hordas de bárbaros e dos torturados por não aceitarem os dogmas de fé? Talvez, nós mesmos. Que o vento do espírito sopra onde é enviado por seres com muito mais conhecimento e sabedoria do que nós. Ora podemos ser o invasor, ora o invadido. Ora aquele que mata, ora aquele que morre. Desde épocas já esquecidas pelos livros de história, o próprio sistema da natureza, e sua Lei de Causa e Efeito, tenta nos passar uma mensagem adiante - todos somos espíritos.

Qual minha nacionalidade? O Cosmos. Qual minha raça? Um corpo de alguma espécie adequada a potencialidade de meu espírito. Qual minha idade? Milhares, milhões de anos, quem sabe. Qual o meu time de futebol? Torço para o time dos filósofos gregos. Sim, estou apenas querendo fazer você refletir sobre como são relativos tais conceitos...

A lógica da reencarnação nos traz uma visão muito mais abrangente da existência, mas não me parece que ainda tenhamos uma compreensão plena dela. Em suma, não a vivemos em plenitude. Reflita sobre isso, quando se pegar pensando que "está ficando velho", ou que não deveria mais frequentar este ou aquele lugar, ver este ou aquele filme, ler este ou aquele livro, por não serem adequados a sua idade. Que é idade? Que conceito é esse que nos tortura? A natureza nos presenteia a cada dia, diante de nossos olhos pouco atentos, uma imensidão de ciclos de mortes e renascimentos. Não existe vida sem morte, nem morte sem vida, mas a vida é atemporal, um caminho do qual não vemos o final, e a morte é apenas um momento que se repete algumas vezes durante o longo percurso. Diante dessa infinitude de vidas e de seres, toda e qualquer idade não poderia ser nada mais do que a idade em que o ser se coloca, a idade que ele acredita ter.

Ó reencarnacionista, qual é a sua idade... De verdade?

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Crédito da foto: jakza

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