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31.10.16

Platão comunista

“Críton, somos devedores de Asclépios, devemos-lhe um galo, pois bem, paga minha dívida, não te esqueças.”

Essas foram às últimas palavras de Sócrates, grande sábio da antiguidade grega, já após haver bebido do veneno, e cercado de seus discípulos mais próximos. Logo, o veneno fez seu efeito...

O filósofo com olhos de touro havia sido condenado pelo Estado ateniense à morte, e a contragosto daqueles que lhe amavam, mas permanecendo fiel ao que acreditava, escolheu seguir a vontade da polis, e jamais considerou a possibilidade de se exilar.

A acusação afirmava que ele era “culpado por não aceitar os deuses que são reconhecidos pelo Estado, por introduzir novos cultos e, também, por corromper a juventude”. Na época Platão tinha em torno de 30 anos, e como jovem discípulo de Sócrates, jamais se recuperou do trauma de se ver privado de sua divina companhia pela decisão democrática (ele foi julgado por um tribunal popular).

Sobretudo por parte da linhagem de sua mãe, Platão tinha parentes diretamente envolvidos na política de Atenas. Era um aristocrata, como tantos outros jovens seduzidos pela sabedoria socrática. Mas nada disso evitou que se tornasse um profundo crítico do sistema político ateniense, e até mesmo que se aventurasse a criar suas próprias versões utópicas para tentar substituir ou reformar o sistema que havia assassinado o melhor homem que ele havia conhecido.

O termo utopia, é preciso lembrar, foi inventado muito após a época platônica. No entanto, uma de suas definições, isto é, “uma descrição imaginária de uma sociedade ideal, fundamentada em leis justas e em instituições político-econômicas verdadeiramente comprometidas com o bem-estar da coletividade”, certamente se aplica ao que Platão tentou realizar em duas de suas obras mais complexas, A República e As Leis.

Platão foi profundamente conservador em suas ideias, ao ponto de estabelecer (em As Leis) regras estritas para os padrões da música, do canto e da dança na educação moral. Para resumir, e mal comparando, se Platão houvesse vivido no século XX, seria um dos primeiros a abominar o Rock & Roll. Talvez exatamente por isso seja chocante para muitos a defesa que o filósofo grego fez de uma espécie de revolução comunista, muitos séculos antes de Karl Marx.

Assim como o termo utopia deve ser aqui considerado com parcimônia (como dito acima), o mesmo sem dúvida vale para o termo comunismo. Dito isto, que cada um julgue por si só o quanto Marx bebeu de Platão, ou pelo menos quantos pontos em comum podem ser encontrados nas suas ideias políticas...

Em A República, sempre partindo de um conservadorismo arcaico, quase profético, Platão afirma que “nos primórdios da civilização grega” existiu um Estado ideal. Cita, nesse sentido, Hesíodo, e mostra como através dos tempos os homens foram se corrompendo: em consequência do desenvolvimento do espírito de lucro, surgiram as discórdias. Deste modo, nasceu a guerra de todos contra todos, até que por fim os homens entraram em acordo e resolvem dividir as terras e as casas, para implantar a propriedade privada e dividir a sociedade em amos e escravos.

Mas sem uma educação filosófica os homens, logo depois, não mais se contentam com a satisfação das próprias necessidades materiais. São dominados pela ambição e desejam viver luxuosamente. É então que surge a riqueza excessiva, e com ela a cobiça e as guerras de conquista. Tal situação explica o aparecimento de um exército permanente. O Estado se complica.

A insaciabilidade dos ricos determina a pobreza das massas. Afinal, a luta entre as classes termina com a vitória dos pobres, que sempre são mais numerosos, e a implantação da democracia. Mas a democracia, segundo Platão, logo cede lugar à tirania, isto é, ao domínio de indivíduos que enganam as massas para melhor oprimi-las. E é precisamente aqui que o trauma de seus 30 anos o influencia decisivamente em sua utopia comunista: Platão defende sim uma sociedade baseada em valores morais conservadores e em uma distribuição igualitária de terras e riquezas, mas isso não passa por decisões democráticas.

Segundo ele, enquanto os homens sensatos não estiverem à frente do governo, ou enquanto os reis e os príncipes não resolverem governar com inteligência e brandura, os governos não poderão suprimir os males que afligem os Estados e o gênero humano. Platão queria não uma monarquia, mas uma sucessão de reis filósofos, que deveriam ser os verdadeiros guardiões do Estado, procurando o auxilio dos funcionários e dos guerreiros para poderem realizar a sua missão. E as camadas dirigentes, em virtude de seu nível intelectual e moral superior, deveriam ficar situadas acima do povo.
 
Ou seja, no comunismo platônico, a distribuição de terras e riquezas não seria garantida pela ascensão das classes trabalhadoras e pobres a posições de comando, tanto o contrário: a sua utopia deveria ser garantida pela sabedoria dos reis filósofos, que deveriam zelar pelo bem de todos. Nada, em nenhum momento, foi dito sobre a situação dos escravos – o mundo humano, afinal, sempre evoluiu bem devagar.

Dizem os analistas que em A República Platão tentou revolucionar o Estado. Já em As Leis, seu último livro, que de fato deixou incompleto, ele já havia compreendido que uma revolução não seria possível nem desejável, mas sim uma reforma.

Para elaborar tal reforma ele toma como norte que o melhor Estado, a melhor Constituição e as melhores leis aparecerão quando a sociedade tiver por lema: tudo é comum entre amigos. Dessa forma, não é necessário buscar em parte alguma um modelo de Constituição ideal. Basta que os homens sejam fieis a esse lema ou que, pelo menos, se esforcem para atingi-lo.

E como fazer? Bem, tudo se iniciaria pela repartição de todas as terras. A divisão deveria ser feita de tal forma que cada um considere a porção que lhe coube como parte integrante da propriedade coletiva. Nessa altura Platão era consideravelmente mais pragmático, e mesmo dentro de sua utopia considerava que tais terras deveriam ser inicialmente inabitadas (coisa bem mais fácil de se achar na época), isto é: era a fundação de um novo Estado, e não uma revolução dentro de um já existente.

No entanto, a ideia de Platão era construir um Estado tão perfeito que eventualmente o seu sistema seria implementado pelo menos em toda a Grécia. Se obtivesse sucesso, a nobreza intelectual dirigiria o Estado, e os agricultores e os artesãos cuidariam exclusivamente das suas atividades profissionais, com o fim de desenvolver ao máximo todas as aptidões, nos limites da respectiva esfera profissional. Os trabalhos manuais penosos ou degradantes não seriam realizados pelos gregos, mas pelos estrangeiros ou pelos escravos. Os gregos deveriam se dedicar unicamente as suas obrigações de cidadãos ou desempenhar as profissões mais nobres.

Finalmente, ninguém poderia ter ouro, prata ou dinheiro em quantidade excedente às necessidades quotidianas. Ninguém poderia processar o Estado, e a justiça comum só valeria entre os cidadãos ou, claro, no caso do Estado precisar condenar algum crime. Para Platão, no entanto, um julgamento trágico como o de Sócrates jamais ocorreria, ele tinha plena convicção de que os reis filósofos, ou os governantes nobres, julgariam com mais sabedoria do que a população comum.

O seu objetivo não era conquistar riqueza e poder, mas sim erigir uma vizinhança mais nobre, um mundo mais justo... Os cínicos, obviamente, dirão que o Inferno está cheio de boas intenções, não sem alguma razão, devo admitir.

É sempre chocante analisar como um filósofo tão grandioso, tão essencial para o pensamento ocidental (incluindo aí o cristianismo), pôde ter ideias tão claramente desconexas de nossa realidade habitual. A despeito da diferença das eras, o comunismo platônico já era claramente inviável na sua época (e eu nem falei sobre a supressão das famílias, diga-se de passagem).

No entanto, se formos comparar sua utopia com o pensamento político dos últimos dois séculos, veremos que ali se encontram representadas não somente algumas das ideias marxistas, normalmente rotuladas de extrema esquerda, mas também ideias puramente conservadoras, próprias até mesmo de uma extrema direita que, por tampouco crer na democracia, pede por intervenções estatais que possam fazer a sociedade rumar novamente para “aquela época antiga onde o que valia eram a moral e os bons costumes”.

No fundo, ao menos em nossa época, os extremos se encontram e dão as mãos, embora não queiram enxergar. Já na antiguidade grega, onde tudo era novo e onde o mundo humano ainda estava sendo pensado e elaborado, é perfeitamente perdoável que Platão tenha escorregado aqui e acolá. É talvez por isso que os filósofos continuarão sendo filósofos, e os políticos continuarão sendo políticos. Tudo o que eles precisam, tudo o que nós precisamos, é de uma boa conversa.

***

Nota: seguidores do blog me alertaram que não se pode falar em "Estado comunista" em Marx. Como digo no texto, falo de possíveis pontos em comum entre Platão e Marx, pois certamente Platão não foi comunista, uma vez que o termo não existia na sua época. Dito isso, me parece claro que nas tentativas práticas de implementação do comunismo no "mundo real", sempre tivemos um Estado comunista (ou pelo menos na grande maioria das vezes).

Crédito da foto: Google Image Search + raph

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27.10.16

Frases (20)

Palavras nômades que vêm e vão. Costumam aparecer primeiro no meu twitter, e depois aqui:


"O amor é a essência da realidade. De tudo o que vê, de tudo o que tomou conhecimento, saiba que somente o amor persistirá."

"Melhor ter fama ou prestígio? Melhor é esquecer do ego: o que passa dessa vida é o que se é, não o que se tem."

"Relaxem, até hoje não encontraram nenhum gene do pecado original. Nascemos do amor, não do pecado."


"O amor tem essa capacidade mágica de erguer pontes sobre qualquer abismo."

"No fundo o amor já se basta em si mesmo: amar por amar."

"Daí naturalmente começamos a perceber a ânsia da vida por si mesma, que já estava lá antes, mas não percebemos. E essa ânsia, esse amor, é a única coisa que passa desta vida. É, de fato, a essência da realidade. Mas nada disso é para ser dito..."


"O amor não se ganha ou perde, no sentido que damos aos termos neste mundo, onde as coisas podem ser contadas e medidas."

"O amor não segue a lógica do mercado: oferta, demanda, exportação, importação. Sempre dá prejuízo financeiro, mas é infinitamente lucrativo."

"Mas no amor o ego é sempre perdedor... Onde ele está? O ego faliu na crise, virou indigente, foi servir a quem vence o vencedor."


"Todos os deuses, signos e símbolos estão dentro do ser que os interpreta, todos os mitos dizem respeito a você." (após Campbell)

"Espaço e tempo são uma coisa só, que coisa!"


"Política é o encontro da Esquerda com a Direita, o embate de ideias, mas não o extermínio de uma ou de outra... Isso se chama Ditadura."

"Não existe ninguém a favor da corrupção, pelo menos quando estão tirando foto."


"Um ateu tem que saber muito mais do que eu sei. Um ateu é alguém que sabe que não existe um Deus." (Carl Sagan)

"A ciência moderna se baseia num princípio: dê-nos um milagre espontâneo e a gente explica o resto. Este milagre se chama Big Bang." (McKenna)

"Quando Deus é tão bom para os campos, de que uso são as palavras, essas pobres cascas de sentimento?" (John Galsworthy)

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Crédito da foto: Google Image Search

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21.10.16

E se a morte se apaixonasse pela vida?

Parece que foi tentando responder a essa pergunta que a jovem animadora holandesa Marsha Onderstijn realizou esta pequena pérola, The life of death [A vida da morte], um curta que guarda uma importante reflexão ao final - quem sabe, para ser saboreada junto com uma, ou algumas lágrimas... Não há nada mais que possa ser dito:

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19.10.16

As cartas de Rilke

Introdução
Para um poeta que dedicou boa parte da vida a escrita, Rainer Maria Rilke nos deixou uma obra poética relativamente curta. Apesar de haver capturado a imaginação de músicos, filósofos, artistas, escritores, e até mesmo de membros das castas mais nobres de sua época, ao ponto de ser considerado o maior poeta da língua alemã do século XX, tudo levava a crer que, tal qual Fernando Pessoa, Rilke deixou vasta obra por publicar após sua morte. Foi isso que Ulrich Baer, especialista em sua obra, foi investigar – e desta investigação surgiram milhares de cartas que Rilke trocou durante toda a vida com correspondentes de toda a parte da Europa, e até mesmo fora dela. A seleção das melhores passagens destas cartas, traduzida do alemão por Milton Camargo Mota, é o que compõe o excelente e intrigante Cartas do poeta sobre a vida, da Marins Fontes, livro do qual trago alguns trechos abaixo:

Não pense que quem procura consolá-lo vive sem esforço em meio às palavras simples e serenas que às vezes confortam você. A vida dele tem muita tribulação e tristeza e permanece muito aquém da sua. Mas, se fosse diferente, ele jamais poderia ter encontrado tais palavras...

Da vida
Nós, seres do aqui e agora, não estamos satisfeitos por um só momento no mundo do tempo, nem presos a ele; nós sempre vamos além e além, até os de outrora, até nossa origem e àqueles que parecem vir depois de nós. Nesse mundo “aberto” ao máximo, não se pode dizer que todos são “contemporâneos”, pois juto a revogação do tempo acarreta que todos são. A transitoriedade cai em toda parte num profundo ser.

E, assim, todas as formas do aqui não devem ser usadas apenas dentro de limites temporais, mas, tanto quanto possível, devem ser postas naqueles significados superiores de que participamos. Mas não no sentido cristão; ao contrário, numa consciência puramente terrena, profundamente terrena, jubilosamente terrena, é nossa tarefa introduzir o [que foi] visto e tocado aqui no círculo mais vasto, o mais vasto de todos. Não em um além, cuja sombra escurece a Terra, mas em um todo, no Todo.

A natureza e as coisas de nosso entorno e uso são preliminares e transitórias, mas são, enquanto estamos aqui, nossa posse e nossa amizade, cúmplices de nosso sofrimento e alegria, tal como elas já foram os confidentes de nossos antepassados. É essencial, portanto, não apenas não caluniar e rebaixar as coisas do aqui, mas também pelo caráter provisório que elas compartilham conosco, compreender e transformar esses fenômenos e coisas com o mais íntimo entendimento.

Transformar? Sim, pois é nossa tarefa gravar em nós essa terra provisória, efêmera, de forma tão profunda, tão sofrida e tão apaixonada que sua essência de novo ressuscita “invisível” dentro de nós. Somos as abelhas do invisível. Apaixonados colhemos o mel do visível, para acumulá-lo no grande favo de ouro do Invisível.

Da convivência
Sou da opinião de que o “casamento” como tal não merece tanta ênfase quanto acumulou pelo desenvolvimento convencional de sua natureza. A ninguém ocorre a ideia de exigir de um indivíduo que seja “feliz” – mas, quando alguém se casa, todos ficam muito espantados por ele não ser feliz! (E, além do mais, não é nem um pouco importante ser feliz, seja como solteiro ou casado). Em vários aspectos, o casamento é uma simplificação das condições de vida, e a união decerto soma as forças e vontades de dois jovens, de modo que, em conjunto, eles parecem alcançar mais longe no futuro do que antes. Só que isso são meras impressões, das quais não se pode viver.

Antes de tudo, o casamento é uma nova tarefa e uma nova seriedade – uma nova demanda e um desafio à força e à bondade de cada participante, e um novo grande perigo para ambos. Pelo que sinto, não se trata de no casamento criar uma rápida união pela demolição de todas as fronteiras. Ao contrário, o bom casamento é aquele em que um designa o outro como guardião de sua solidão e lhe demonstra a maior confiança que ele tem a conceder.

Uma vida conjunta de duas pessoas é uma impossibilidade e, quando ela todavia parece existir, é uma limitação, um acordo mútuo, que priva uma parte ou ambas de sua mais plena liberdade e desenvolvimento. Mas, contanto que se reconheça que mesmo entre as pessoas mais próximas subsistem distâncias infinitas, pode se estabelecer entre elas uma coabitação maravilhosa, tão logo consigam amar a vastidão entre elas que lhes dá a possibilidade de se verem um ao outro em sua forma total e diante de um céu imenso!

Por tal motivo, isto também deve servir como critério para a rejeição ou a escolha: a possibilidade de desejar velar pela solidão de outra pessoa e de estar inclinado a colocar essa mesma pessoa nos portões de nossa própria profundidade, da qual ela só tomará conhecimento graças àquilo que emerge da grande escuridão, festivamente trajado.

Do trabalho (ou missão)
Antes que tivessem conhecimento autêntico do trabalho, as pessoas inventaram a distração como um desprendimento e um oposto do falso trabalho. Ah, se tivessem esperado, se tivessem tido um pouco mais de paciência, então o verdadeiro trabalho teria estado um pouco mais ao seu alcance, e elas teriam percebido que o trabalho não pode ter um oposto, assim como o mundo não pode ter, nem deus, nem viva alma. Pois ele é tudo, e o que ele não é – é nada e lugar nenhum.

Da infância
A infância – o que ela realmente foi? O que foi ela, a infância? Não se pode indagar sobre ela senão com essa atônita pergunta – o que foi ela? Aquele arder, aquele espantar-se, aquele contínuo não-poder-fazer-de-outro-modo, aquele doce, profundo, irradiante sentir-as-lágrimas-aflorarem? O que foi isso?

A maioria das pessoas absolutamente não sabe como o mundo é belo e quanto esplendor se revela nas menores coisas, em alguma flor, uma pedra, uma casca de árvore ou uma folha de bétula. Os adultos, que têm negócios e preocupações e se atormentam com puras mesquinharias, aos poucos perdem totalmente o olhar para essas riquezas, que as crianças, se boas e atentas, logo notam e amam de todo o coração. E, contudo, seria a coisa mais sublime se quanto a isso todo mundo permanecesse sempre como crianças boas e atentas, ingênuas e pias no sentimento, e não perdesse a capacidade de se alegrar de modo tão intenso com uma folha de bétula ou uma pena de pavão ou a asa gralha-cinzenta como com uma cordilheira ou um palácio suntuoso.

O pequeno não é pequeno, tal como o grande não é grande. Uma beleza grande e eterna atravessa o mundo todo e se distribui de modo justo sobre as coisas pequenas e grandes, pois, no que é importante e essencial, não há injustiça em lugar algum sobre a Terra.

Da escola
Todo saber que a escola precisa oferecer deve ser dado com afeto e generosidade, sem restrição e reservas, sem intenção e por um indivíduo apaixonado. Nela, todas as disciplinas deveriam tratar da vida, como o único tema que está por trás de todos os outros. Então, todas elas, em seus limites mais externos, nunca cessariam de tocar os grandes contextos que geram religião inesgotavelmente.

Das profundezas de nosso interior
De fato é assim: cada um, nas profundezas de seu interior, é como uma igreja, e as paredes estão adornadas com solenes afrescos. Na primeira infância, em que o esplendor ainda está exposto, é muito escuro lá dentro para se ver as imagens, e, quando o salão aos poucos vai ganhando luz, vêm as loucuras adolescentes, os falsos anseios e a vergonha sedenta e cobrem de cal parede após parede. E algumas pessoas avançam longe vida adentro e a atravessam sem suspeitar do antigo esplendor sob a sóbria pobreza.

Mas bem-aventurado aquele que o sente, encontra-o e secretamente o desvela. Ele se dá um presente. E volta ao lar de si mesmo.

Da arte
Arte significa não saber que o mundo já é, e fazer um. Não destruir nada que se encontra, mas simplesmente não achar nada pronto. Nada mais que possibilidades. Nada mais que desejos. E, de repente, ser realização, ser verão, ter sol. Sem que se fale disso, involuntariamente. Nunca ter terminado. Nunca ter o sétimo dia. Nunca ver que tudo é bom.

Insatisfação é juventude.

***

Crédito da foto: Google Image Search/Leonid Pasternak (o poeta)

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14.10.16

Vera Cruz

Há um canto sussurrante
nesta terra ancestral,
algum som de pura angústia errante
de almas presas ao varal;
sibilo de ideias que não seguem adiante,
e dor, dor imemorial...

Desde a Mantiqueira a chorar sangue,
ao grande mercado da Central,
desde o sertão até o mangue
há este antigo canto marginal
que voa e volta como bumerangue,
e não vê final.

Assim somos todos aprendizes
nesta nação sem igual:
os pandeiros e macumbas vibram as matizes
dos seres que se elevam além do mal...

Vocês podem ouvi-los?

Das aldeias, dos terreiros,
ecoa este canto de guerreiros,
a unir aqueles que vieram acorrentados
aos que foram, em casa, massacrados...

Sim, ouçam!

As almas cantam a pouca luz,
vivas ou mortas, elas cantam por todos os lados...
Vozes belas e profundas de Vera Cruz,
a terra de todos os refugiados.


raph'16

***

Crédito da imagem: Alfredo Roque Gameiro (O desembarque dos portugueses no Brasil ao ser descoberto por Pedro Alvares Cabral em 1500)

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13.10.16

Parem as máquinas, um bardo acaba de ganhar o Nobel!

O cantor e compositor americano Bob Dylan foi anunciado no dia de hoje o ganhador do Prêmio Nobel de Literatura 2016.

Além de ícone da música, Dylan é poeta e já escreveu dezenas de livros, assim sendo podemos de fato anunciar: um bardo ganhou o Nobel!

Ainda que não conheça muito sobre Dylan, certamente já deve ter ouvido suas músicas, senão da própria voz do artista, de muitos outros músicos que lhe regravaram e prestaram homenagens. Em todo caso, abaixo segue praticamente tudo o que precisa para começar a conhecê-lo:

***

Crédito da foto: Daniel Kramer (o bardo, quando jovem...)

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7.10.16

A Imperatriz

Este é o Tarot da Reflexão, uma antiga e elaborada história em quadrinhos sobre nós mesmos. Eu decidi embarcar nesta aventura com o meu amigo e ilustrador, Roe Mesquita, que desde o início tem dado o sangue para tornar imagem – belíssimas imagens cheias de cor e de vida – o que antes era pura intuição, pura brisa etérea chegando sabe-se lá de que canto do universo em meu coração.

Hoje encontramos A Imperatriz:

Rafael Arrais é autor do blog Textos para Reflexão e receptor do livro 49 noites antes da Colheita, com poemas sobre a Kabbalah e o Sefirat ha Ômer.

Roe Mesquita é artista profissional e ilustrador do cardgame Pequenas Igrejas Grandes Negócios, uma crítica bem humorada ao charlatanismo espiritual.

***

O Tarot da Reflexão é um projeto em andamento. Se um dia for publicado, vocês serão avisados! Enquanto isso, no entanto, vocês já podem acessar o Tarot da Reflexão Online.

Sintam-se a vontade para comentar e nos dizer como vocês interpretam os símbolos da carta acima...

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