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29.10.12

O homem que aprendeu a sentir a luz

Alexander Levit é um jovem russo que, a despeito de ter nascido praticamente cego, aprendeu a "ver com a mente". Este "super humano", analisado pelo já célebre programa apresentado por Stan Lee no canal History, pode ser um dos casos paranormais mais impressionantes e consistentes da história. Mesmo em total escuridão, e com venda de couro grosso nos olhos, Levit consegue achar objetos (vasos em pedestais) e destruí-los com um golpe de taco de baseball. Mais impressionante ainda, a meu ver, é o fato de ter quase apanhado no ar um objeto que foi arremessado ao seu lado, sem aviso algum, enquanto ele estava vendado.

Como explicar este "supersentido"? Ao que me parece, para além das informações filtradas por nossa consciência, captadas pelos sentidos conhecidos, o mundo está constantemente nos bombardeando com muitas outras informações... Dessa forma, a luz que Levit percebe sem usar os olhos, pode ser a mesma luz que somente a tecnologia moderna consegue detectar, por estar além do espectro visível; Mas, pode ser também alguma energia extra, não detectada, escura. Quem vai saber?


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26.10.12

Em crise no Éden

A origem do termo Éden, em hebraico, parece derivar da palavra acade edinu, que deriva do sumério edin. Em todas estas línguas a palavra significa "planície" ou "estepe". No entanto, o Gênesis nos conta que o Éden era uma espécie de jardim das delícias, com os frutos mais variados e suculentos, onde Adão e Eva viviam em felicidade plena, sem envelhecer, ou trabalhar, ou adoecer. O mito nos conta que Deus havia feito este tal acordo com o primeiro homem e a primeira mulher: poderiam viver indefinidamente em seu jardim, sem conhecer a fome e a morte, contanto que jamais comecem do fruto do conhecimento do bem e do mal.

Mas, estranho de se pensar: seria a ignorância a razão de sua felicidade? Adão e Eva eram imortais, mas todo animal é imortal, na medida em que não desenvolveu a consciência e, dessa forma, não sabe que vai morrer. O mito nos conta que eles foram expulsos do Éden, que "tomaram conhecimento de sua própria nudez", mas não seria este momento exatamente o grandioso despertar da consciência humana? O momento em que souberam que eram um ser a parte, com vontade própria? Quando compreenderam que eram como qualquer outro animal, exceto pelo fato de que sabiam que iriam morrer? Neste sentido, a questão da existência não é a morte em si, que é fato, mas sim o que faremos desta vida, desta angústia quase insustentável de termos uma alma, algo tão infinitamente belo e frágil, sem sabermos ao certo o que fazer dela...

Sigmund Freud certa vez disse que houveram três feridas narcísicas [1] na humanidade que tiveram como consequência uma mudança significativa na forma como o homem vê a si próprio. Os três pensadores responsáveis por elas foram Nicolau Copérnico, Charles Darwin e o próprio Freud. Eu tendo a ver a análise de Freud como a análise de uma crise da alma humana, mas todas as crises geram admiráveis oportunidades para a elevação de nossa consciência, ao menos para aqueles que tem olhos atentos nas leis da Natureza:

Não estamos no centro
Inspirado por ideias de manuscritos antigos, Copérnico foi o primeiro cientista moderno a contrariar a ideia comum de que a Terra estava situada no centro do Cosmos, e que mesmo o Sol girava em seu redor. Com o heliocentrismo, que foi posteriormente comprovado por observações de Galileu Galilei, o homem se viu destituído do centro mítico do universo. Assim como Narciso, que só conseguia admirar sua própria imagem refletida no lago, o homem antigo acreditava que habitava a morada central, algum ponto importante do infinito...

Mas, estranho de se pensar: como pode o infinito ter um centro? Que importa se é a Terra que gira em torno do Sol, ou o contrário, se hoje sabemos que tudo se encontra catapultado em direção a tal imensidão, e que mesmo o nosso Sol é somente um dentre bilhões de outros sóis? Ainda que a Terra gire em seu torno, o Sol não está fixado em centro algum, mas viaja pelo Cosmos como um pedaço de poeira ao vento matinal. No Cosmos, afinal, nada se perde, mas tudo flui, e se metamorfoseia, se transforma. Somos formados por poeira de estrelas, e nossos átomos são emprestados do mesmo conjunto de átomos que forma tudo o que há.

Dessa forma, todos os pontos estão igualados - o centro não existe, mas se encontra espalhado por todos os lugares.

Não fomos criados perfeitos
Diz o mito que uma bela ninfa, chamada Eco, estava perdidamente apaixonada por Narciso. Mas o belíssimo rapaz, embriagado pelo próprio reflexo, se julgava um deus e, dessa forma, indigno da afeição de uma mera ninfa... Talvez tenha sido um pensamento parecido que levou o homem a se julgar um ser superior em meio a natureza e aos demais animais. Havia sido criado perfeito, pelo próprio Deus, ainda no Éden, de onde havia sido expulso por desejar adquirir conhecimentos proibidos. Isto tudo foi questionado pela teoria de Darwin e Wallace, que postulava que o homem não havia sido criado como era hoje, mas que veio evoluindo pela árvore da vida, desde uma simples bactéria, por bilhões de anos, e por milhões de espécies distintas.

Mas, estranho de se pensar: como poderia o homem ser uma criação perfeita se, ainda no Éden, havia muitas coisas que desconhecia? Veja bem: o fruto que comeu, e que causou sua expulsão do jardim das delícias, trazia não somente o conhecimento do mal, como do bem. Se o homem não conhecia o mal, tampouco conhecia o bem. Era, dessa forma, um perfeito ignorante - como vimos, nem mesmo conhecia sua própria mortalidade.

Hoje sabemos, através da biologia, que o homem não surgiu do nada, nem tampouco é perfeito, mas que evoluiu através das adversidades, de sua relação com o meio ambiente a volta. Darwin disse que através da "guerra da fome e da morte", a evolução das espécies "tendia a perfeição". Mas a perfeição a que ele se referia não era uma perfeição final, derradeira, mas um eterno "vir a ser", um aprendizado sem fim. Não há nada mais sinistro do que a perfeição, se o próprio universo fosse perfeitamente simétrico desde o início do espaço-tempo, matéria e anti-matéria teriam se aniquilado mutuamente, e nada mais haveria do que vácuo e vazio - nenhum lampejo de luz numa escuridão fria, simétrica. Para nossa sorte, a Natureza nunca foi totalmente perfeita. E, quem somos nós, senão crianças em constante aprendizado?

Dessa forma, todos temos de seguir nesta trilha ancestral - a perfeição está no caminho, e não na chegada.

Não conhecemos sequer nossa casa
Coube ao próprio Freud redescobrir o inconsciente humano, aquele mesmo que se mostrava, antigamente, nos mais variados mitos. Pois que mitos nada mais são do que os fatos da mente encenados em ficções, histórias que eram passadas adiante pelos contadores e menestréis... Diz ainda o mito de Narciso que Némesis, a deusa da vingança e da ética, condenou-o por haver ignorado solenemente o amor da ninfa, que terminou por definhar em desilusão. Mesmo o próprio Narciso, condenado a contemplar sua bela face no lago, terminou por definhar e morrer, assim como Eco. Mas, quando foram buscar seu corpo, encontraram apenas uma flor, a flor da alma que havia morrido para a beleza do ego, e agora contemplava uma beleza ainda mais profunda.

Se antes Narciso andava distraído por sua própria beleza, e não observava o mundo a volta, agora havia morrido, e renascido. Um belo mito, que demonstra que nem todas as punições divinas são aquilo que imaginamos a primeira vista. Némesis teve sim compaixão, mas sobretudo senso de justiça: todos, afinal, precisam reavaliar seus atos, até que se conheçam verdadeiramente, até que compreendam os meandros e os monstros de seu próprio inconsciente.

Se Freud encontrou tantos traumas e tanta escuridão nas mentes mais comuns, é porque a era moderna carece de seus mitos, de modo que somente alguns poucos conseguem ser, ainda, psicólogos de si mesmos. Toda a filosofia se encontra aí: autoconhecimento. A filosofia é a verdadeira autoajuda, e conhecer aos próprios pensamentos, sem medo, sem culpa, é a única forma de lapidar a alma, transformar chumbo em ouro, e renascer, como a lótus, em meio ao charco dos desejos desenfreados - agora, devidamente controlados pela vontade.

Dessa forma, foi preciso que uma grande crise se abatesse sobre a alma para que percebêssemos o que somos - hóspedes em nossa própria mente, mas sempre a procura do Anfitrião.

O despertar
Assim como Narciso, Adão e Eva despertaram para uma existência própria, e deixaram de contemplar a Deus - seja indiretamente, pelo amor a própria beleza, seja diretamente, pelo espanto ante tal imenso jardim. Estavam em crise em meio ao próprio Éden, mas tal crise lhes trouxe a oportunidade de serem, enfim, seres que possuem vontade. E assim que puderam, finalmente, escolher por conta própria, escolheram caminhar a frente, em Sua direção, para não somente contemplar, mas compreender... E, em compreendendo, tornarem-se nesta Criação, cocriadores!

***

[1] Referência ao mito de Narciso, que ainda é revisitado ao longo do artigo.

Crédito da imagem: Robert Recker/Corbis

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24.10.12

Frases (12)

Mais frases que vieram com o vento, geralmente primeiro aparecem no meu twitter, depois aqui:

"As máscaras são trocadas, e nem sequer percebemos, até que temos uma fantasia totalmente nova posta diante do espelho. Somente o folião por detrás da fantasia, o dançarino, o poeta, o espírito, é quem permanece – este grande ser oculto."

"Muitas máscaras, muitas personalidades, uma essência, uma potencialidade aflorando - um pensamento de cada vez."

"Eu não acredito em idade, mas acredito em almas que, de alguma forma, conseguem permanecer jovens: 'Parabéns por mais um dia de juventude'."

"O tempo pode sim nos fazer esquecer das máscaras, mas não da Essência, que está aqui e agora, além de todo o tempo do mundo, e nossa potencialidade de perceber tal Essência jamais é esquecida."

"O tempo não prometeu cura, apenas tratamento. A alma, a mesma fonte da dor, e do amor, é aquela quem cura a si mesma."


"Para que o primeiro entre nós dissesse 'eu te amo', toda a linguagem humana teve de ser inventada."

"Se o amor é a sua própria recompensa, a falha no amor é uma chaga que sangra até que seja pacificada, harmonizada. Só o amor cura o desamor."

"Desde Demócrito, passando por Galileu e Einstein, não há um cientista que tenha comprovado que o amor existe."

"Buscamos a perfeição nas simetrias, mas se a própria Natureza fosse 100% simétrica, não estaríamos hoje aqui nos espantando com sua beleza."


"Nos vales da sombra e da morte, algo sussurra dentro da minha alma: 'prossiga, na alvorada estaremos face a face, e tudo lhe será revelado'."

"O Un(o)i(n)verso está acontecendo neste momento."

"Tornar-se, na Criação, um criador. No Amor, um amante. Na Magia, um artista. Na Mediunidade, um instrumento de paz. Na Sabedoria, o meio."

"As almas as vezes estão gêmeas, mas isto não dura, pois tudo flui, e nenhuma alma está parada."


"A mudança do mar é o que permite que a arte do surf se realize. Mas nenhum surfista pode surfar todas as ondas..."

"Sim sou contra a pena de morte. Porque? Muito branda."

"Não há nada mais secreto do que o pensamento livre."

"Talvez Deus não ame, talvez Deus seja o próprio Amor..."


"Para que filosofia? Apenas para não se existir automaticamente." (Cortella)

"Magnum miraculum est homo: O homem é um grande milagre." (Hermes)

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Crédito da imagem: Google Image Search (máscara funerária do Egito antigo, 18º dinastia)

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21.10.12

Conversa Alheia: Cosmologia, Amor e Cinema

Com vocês, mais um episódio do Conversa Alheia, onde alguns blogueiros e livres-pensadores falam sobre o que quer que lhes venha a mente...

Episódio #7: Cosmologia, Amor e Cinema.
Tiago Mazzon (nosso convidado, do blog Labirinto da Mente), Igor Teo, Rodrigo Ferreira, Raph Arrais e Josinei Lopes fazem suposições a cerca do Universo, comentam sobre a personalidade introspectiva, discutem sobre o que é uma alma gêmea e revelam o poder do mito na sétima arte.

Citado no programa:
O dia em que a Terra parou (Heliocentrismo)
Os fractais
TED sobre introspecção
Citação de Cortella

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» Ouça aos demais episódios no canal do Conversa Alheia no YouTube

» Para baixar os vídeos do YouTube, você pode usar o complemento Ant Video Downloader (para Firefox)


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18.10.12

Franciscano

» Conto pessoal, da série “Cotidianos”, com breves reflexões acerca dos eventos do dia a dia...

Encontrei uma criança que abençoa as pessoas...

Estou de férias num hotel fazenda no sul de Minas Gerais, dentre a Serra da Mantiqueira, e a encontrei num almoço. A mãe a carregava no colo e nos avisou: “Ele abençoa, querem ser abençoados?”.

Uma amiga avisou que queria, e o garotinho, de não mais do que uns 2 ou 3 anos, levantou a mão pequenina e pousou sobre a fronte dela, para logo após levantar a mão e dizer: “Dá dá!”. Logo após rodou a mesa, no colo da mãe, abençoando a todos.

Uma gracinha, muitos diriam... Também diriam que provavelmente a mãe é evangélica. E provavelmente era mesmo. Na nossa mesa todos eram católicos (exceto eu e minha esposa, que somos, poderíamos dizer, espiritualistas). Ninguém comentou ou quis saber nada sobre as raízes religiosas daquele tipo de benção infantil. Ficou apenas no “uma gracinha” mesmo.

Nos dias de hoje há um certo asco da chamada afirmação evangélica. Sejam jogadores da seleção brasileira que apontam para o céu a cada gol, sejam políticos da chamada bancada evangélica tentando introduzir leis antilaicas no país, sejam os shows da fé que reúnem milhares de pessoas em plena “aceitação do Senhor”, etc. As pessoas não evangélicas ficam assustadas.

Fato é que, bem ou mal, a renovação carismática está a pleno vapor no Brasil e em boa parte da América Latina. É claro que os pastores da madrugada na TV, que pediam 10% e agora pedem “tudo o que se puder doar a Deus”, trazem bons motivos para uma postura crítica e desconfiada de todos nós (inclusive os protestantes). Porém, será que todos os evangélicos são como zumbis que doam tudo a sua Igreja? Se fosse assim, seu dinheiro já teria acabado... Aquele casal tinha dinheiro para pagar diárias de um bom hotel fazenda no sul de Minas Gerais. Algum dinheiro deve ter sobrado.

Em todo caso, uma criança que abençoa não era nenhuma novidade para mim. A única novidade é que ela fingia ser um pastor mirim... Pois, ao menos para mim, todas as crianças nos abençoam. Abençoam com o olhar, com o sorriso, a espontaneidade, e a fragrância que trouxeram consigo da Casa do Amanhã.

Quando vejo uma criança, penso em todas as potencialidades, em toda a dose maciça de sonho e imaginação que carregam consigo. É claro que ainda irão enfrentar a castração da escola e da sociedade, é claro que muito pouco de seu sonho irá sobreviver, mas nada disso me impede de admirar aquele brilho que ainda são capazes de carregar consigo. Toda criança é um milagre em potencial.

Jesus também adorava as crianças, mas não parecia ter a necessidade de ensiná-las a abençoar ninguém... Foi Jesus quem nos relembrou de alguns ensinamentos que todas as crianças trazem consigo, embora muitas se esqueçam, na medida em que moram muito tempo neste mundo:

Todos são filhos de Deus; Todos somos deuses; Amemos ao próximo como a nós mesmos, como a um deus.

Mas então vieram os eclesiásticos, os legisladores da fé. Eles introduziram suas reformas, seus adendos, que não me parecem ter adicionado nada ao sonho original:

Todos são filhos de Deus, mas somente os que aceitarem Nosso Senhor Jesus Cristo obterão a Salvação (seja o que isto for); Todos somos deuses, mas somente através do pastor podemos contatar Deus; Amemos ao próximo como a nós mesmos, como a um deus, mas não esqueçamos que o homossexualismo é uma abominação, etc.

Na entrada da cidade há uma estátua de São Francisco de Assis. Trata-se do primeiro santo ecológico e, em todo caso, provavelmente do maior de todos os santos católicos, ou pelo menos aquele que mais se aproximou de Jesus... Os evangélicos não gostam de santos nem de imagens, sua interpretação dos testamentos arcaicos é um tanto quanto radical. São Francisco não é Baal, e mesmo Baal, coitado, era só um deus da Mesopotâmia que calhou de virar um bode expiatório bíblico. Mas Martinho Lutero viu uma Igreja em decadência, e encontrou no texto bíblico a única fonte realmente confiável para a religação a Deus.

Não foi exatamente assim com Francisco. O santo de Assis achou a Deus dentro de si mesmo, e não num livro. E passou a chamar de irmãos os próprios sinais e atributos divinos: Irmã Brisa, Irmão Vento, Irmã Lua, Irmão Sol, etc. Para Francisco, as plantas e flores, os rios e os lagos, os pássaros no céu e os peixes no mar, e os homens e mulheres, e as crianças, todos eram milagres em plena reforma.

Não coube nenhum adendo ao seu exemplo de vida. Sua reforma antecedeu a de Lutero, e deixou claro, escancarado, o imenso abismo que há entre a Casa do Padre e a Casa do Amanhã.

Se relembrei o que relembrei, é porque também sou um pássaro, a cantarolar, nos ombros de Francisco...

Brother Sun, Sister Moon (Donovan). Retirado do filme homônimo, de Franco Zeffirelli.

***

Crédito da foto: Dany (este sou eu numa pequena igreja dedicada a Francisco)

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17.10.12

Almas a brotar

De um mito antigo, tirado de contexto
Criaram um novo, bem mais sedutor
Mas as almas giram pelo mundo fora de eixo
E ninguém ainda viu seu condutor

As almas, enfim, estão gêmeas
Mas não são
Que as almas não estão paradas
Fluem e dançam na imensidão

Os mitos, afinal, dizem respeito a nós
Se existe uma metade que foi perdida
Nós que a perdemos, na dor da lida

Se queremos amar, de toda alma, ao que está separado
Trabalhemos com afinco no arado
Até que brote, em flor, o Uno Amado

raph'12

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Crédito da foto: Google Image Search

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14.10.12

Conversa Alheia: Comentário sobre hermetismo

No Conversa Alheia gravado esta semana (e que será publicado, após a edição, na próxima), fiz um comentário me referindo ao Hermetismo e ao Heliocentrismo, totalmente inspirado pelos artigos que havia acabado de traduzir e publicar no blog (O dia em que a Terra parou). Agradecendo ao Igor Teo (do blog Artigo 19) pela edição, aqui vai ele:

Em [0:54], está cortado pela edição, mas eu estava falando sobre Cosimo de Medici, grande patrono das artes na época do Renascimento, que mandou que um de seus tradutores interrompesse a tradução da obra de Platão (do grego para o latim) para se focar exclusivamente no Corpus Hermeticum, que havia recentemente sido "encontrado" na Arábia por um de seus "agentes". Maiores detalhes nos artigos citados acima.

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12.10.12

O dia em que a Terra parou, parte final

« continuando da parte 1

Artigo original em inglês por Lynn Picknett e Clive Prince (para a revista Fortean Times), tradução de Rafael Arrais. Algumas das notas ao final também são minhas.

"Se eu vi mais longe, foi por estar de pé sobre ombros de gigantes." (Bernard de Chartres).

A revolução hermética
Voltando a Bruno, em 1592 ele se mudou para Veneza – e conforme as coisas ocorreram após, foi uma decisão equivocada. A república era um viveiro de oposição a autoridade papal, e inclusive haviam movimentos no sentido de se forjar uma aliança política e religiosa com a Inglaterra. As figuras chaves neste plano estavam todas associadas a Bruno, incluindo Traiano Boccalini, autor de Novidades do Parnaso que, explicitamente modelado numa das obras de Bruno, pedia uma “reforma geral de todo o mundo” [1]. Bruno também visitou um antigo contato em Pádua, na República da Veneza, Gian Vincenzo Pinelli, o distinto erudito no centro da rede de intelectuais e pensadores radicais da Europa. Ele hoje é mais conhecido como o mentor de Galileu.

Entretanto, Bruno foi traído e entregue a Inquisição, tendo permanecido na prisão, em Roma, por oito anos, antes de ser queimado na fogueira em Fevereiro de 1600. Seu julgamento final e execução foram presididos pelo Cardeal Inquisidor Roberto Bellarmino, mais tarde um personagem chave do drama envolvendo Galileu.

A saída de cena de Bruno deixou um vazio no palco central, uma grande oportunidade para um intelectual aspirante. Bruno havia aplicado para a cadeira de matemática na Universidade de Pádua, mas após sua detenção o emprego caiu no colo de outro candidato – chamado Galileu Galilei [2]. No entanto, algo de maior impacto imediato foi a chegada, alguns meses após a partida de Bruno, de seu herdeiro no Hermetismo.

As impressionantes similaridades entre as carreiras, filosofias e objetivos de Bruno e Tommaso Campanella (1568-1639) sugerem um plano compartilhado. De fato, a chegada do jovem Campanella (então com apenas 23 anos) na cena hermética italiana, logo após a prisão de Bruno, sugere que ele estava dando continuidade ao que o napolitano foi forçado a largar. Assim como Bruno, Campanella era um napolitano e dominicano que tornara-se um cruzado do Hermetismo. Chegando a Pádua logo após a saída de cena de Bruno, Campanella encontrou-se com Pinelli e Galileu. Foi também em Pádua que ele foi preso pela Inquisição, no início de 1594, e transferido para Roma – para a mesma prisão onde esteve Bruno. Comparado a Bruno, Campanella teve uma pena bem mais branda: após haver abjurado toda sua obra, foi levado a um monastério dominicano e então, logo após, enviado de volta a Nápoles.

Campanella compartilhava da visão de Bruno onde o heliocentrismo seria um gatilho para uma mudança de era – seu maior trabalho foi A cidade do Sol (La città del Sole, escrito antes de 1602; publicado em 1623), onde ele delineou sua visão de uma sociedade ideal amparada pelos princípios herméticos – que ele acreditava que iria se iniciar a partir de 1600 [3]. A aproximação do novo século o encorajou a ser muito mais proativo, politicamente, do que Bruno. Ele ajudou a organizar a Revolta Calabresa, tentando expulsar os regentes espanhóis do Reino de Nápoles para pavimentar o caminho ao estabelecimento de uma república baseada em princípios mágicos, um sistema que iria manter soerguida a tocha da nova era, para que o resto do mundo os seguisse.

Informantes traíram a insurreição em favor da Espanha, e após a organização haver sido impiedosamente esmagada em Novembro de 1599, Campanella e os outros líderes foram presos. Isto quase certamente explica o repentino desejo da Inquisição em se livrar de Bruno, que também protestava contra a regência espanhola e foi o inspirador espiritual da revolta; ele foi para a fogueira praticamente três meses depois. Stephen Mason, da Universidade de Cambridge, argumenta que ele foi executado como forma de exemplo aos rebeldes calabreses, por conta de sua conexão com Campanella [4]. Executando publicamente o líder espiritual dos insurgentes no início de seu ano especial, 1600, foi sem dúvida um movimento calculado [5].

Campanella escapou da pena de morte fingindo-se louco, e foi então sentenciado a pena perpétua em sua própria residência. Mas ele não apenas teve direito ao acesso a livros e materiais de escrita, como também recebia visitas de eruditos, que se asseguravam de que seus escritos fossem publicados na Alemanha. Presumivelmente propinas estavam envolvidas neste processo.

Vista sob a luz das maquinações políticas dos herméticos – especialmente a ameaça dos sombrios Giordanos – a evocação original do nome de Hermes Trimegisto, feita por Copérnico em seu Da Revolução das Esferas Celestiais, era algo que dificilmente teria escapado do olhar dos guardiões da Igreja. Os defensores da Igreja – a Inquisição e os Jesuítas – tinha todas as razões para estarem nervosos. Durante o século 16, a Igreja Romana havia experimentado seu maior trauma, o advento do Protestantismo. Quem poderia dizer o que poderia ocorrer a seguir? Talvez a Inquisição e os Jesuítas tenham reagido de forma desproporcional, mas aqueles tempos despertavam a paranoia.

Enquanto a ideia de Copérnico permanecesse como uma simples teoria, entretanto, as implicações herméticas poderiam ser contidas. Porém, quando um indivíduo declarou que ele havia encontrado uma prova, então a Igreja ficou seriamente preocupada. E a ansiedade eclesiástica cresceu ainda mais com tal ameaça de um associado direto dos místicos revolucionários, Tommaso Campanella e os outros Giordanos suspeitos – em outras palavras, Galileu.

O mensageiro das estrelas
A carreira de Galileu Galilei se iniciou em 1592 aos 28 anos – graças à prisão de Bruno –, quando ele se tornou professor de matemática na Universidade de Pádua. Lá, como vimos, ele se encontrou com Campanella, no que foi o início de uma colaboração de toda uma vida. Outra grande influência foi seu mentor Pinelli, que o introduziu a ciência emergente da ótica, que ajudou a formar sua reputação. Outro associado herege era Traiano Boccalini, autor de Novidades do Parnaso (inspirado em Bruno). Com amigos como esses, Galileu certamente já estava na lista negra da Inquisição desde o início.

Galileu também estava familiarizado com os escritos de Bruno. De fato, após a publicação do primeiro livro de Galileu que tocava esta controvérsia, o astrônomo e matemático alemão Johannes Kepler o criticou por não deixar claro em sua obra o débito intelectual que ela tinha para com as ideias de Bruno.

Foi por volta de 1610, com a nova tecnologia do telescópio, que Galileu fez observações – a superfície acidentada da Lua, as luas de Júpiter, e particularmente as fases “quase lunares” de Vênus – que davam imenso suporte a teoria de Copérnico. Galileu reconheceu o potencial de suas descobertas, e rapidamente resumiu a primeira leva de observações em seu Sidereus Nuncius (O Mensageiro das Estrelas), de 1610. A intelligentsia (grupo de pessoas engajadas em trabalho intelectual) estava entusiasmada: ele rapidamente tornou-se matemático e filósofo da corte de Cosimo de Medici, Grade Duque da Toscana.

Entretanto, Galileu não usou suas descobertas para apoiar a teoria copernicana, mesmo em sendo um defensor ardoroso dela, conforme escreveu a Kepler em 1597, contanto que havia “sido convencido por Copérnico muitos anos atrás”. No Mensageiro das Estrelas, e noutro livro sobre suas descobertas acerca das fases de Vênus, ele meramente apresentou suas observações. Talvez já imaginasse que seria mais seguro não alardear as implicações copernicanas de seus livros.

É claro que o destino de Bruno estava gravado em sua mente como um conto ameaçador. Mas não há nenhuma dúvida de que ele estava totalmente a par da significância do Hermetismo no heliocentrismo. Um de seus mais firmes defensores durante a controvérsia, Campanella escreveu A Apologia de Galileu (Apologia pro Galileo) de sua cela prisional, em 1622. E – então vivendo como um homem livre em Roma sob a proteção do próprio Papa – Campanella ainda se correspondia com Galileu por toda a década seguinte, durante seu período mais difícil, o encorajando a permanecer firme e a lembrar da importância espiritual de seu trabalho [6].

Conforme escreveu Frances Yates, um historiador britânico: “Tanto na Apologia quanto nas cartas a Galileu, Campanella fala sobre o heliocentrismo como um retorno a verdade antiga e o início de uma nova era, usando de linguagem muito similar a de Bruno em A Cena de Le Ceneri [A Ceia da Quarta-Feira de Cinzas, onde ele defende a teoria de Copérnico e declara que o estabelecimento do heliocentrismo iria libertar o espírito humano]... E em outras cartas ele assegura a Galileu que estava construindo uma nova teologia que iria vingá-lo.” [7]

As coisas se encaminharam a uma decisão em 1615 quando Galileu finalmente foi a público, escrevendo: “Eu afirmo que o Sol está localizado ao centro da revolução das órbitas celestes e não se move, e que a Terra gira sobre si mesma e se move em torno do Sol” [8]. Ele tornou-se uma celebridade notória da noite para o dia.

Galileu, Campanella e o Papa
Quando, como resultado da declaração pública de Galileu, o Papa Paulo V ordenou uma investigação em bases teológicas do heliocentrismo, que concluiu que esta teoria era contrária às escrituras, o livro de Copérnico, Da Revolução das Esferas Celestiais, foi finalmente banido, juntamente com outras obras que defendiam o heliocentrismo [9]. Galileu foi chamado a Roma para ser repreendido. O Sol se movia em torno da Terra e não o contrário. Era verdade porque o Vaticano afirmava ser verdade.

Mas houve um subtexto não alardeado: o cardeal que recebeu a tarefa de repreender Galileu foi Roberto Bellarmino, o mesmo que havia interrogado Bruno, o mesmo que havia sido responsável por sua condenação e execução. Isto não foi uma coincidência; Bellarmino havia sido Arcebispo de Cápua desde 1602, porém foi chamado de volta a Roma especificamente para tratar do caso de Galileu.

Bellarmino, é claro, entendia, por experiência própria (tendo lidado com o caso de Bruno), a significância do heliocentrismo para a revolução hermética. Bruno estava morto e Campanella encarcerado em Nápoles, mas eles tinham seguidores – ninguém sabia quantos.  E agora aqui estava Galileu, associado com sujeitos como Campanella, se encaminhando para cada vez mais perto da prova que, segundo Bruno, iria iniciar uma nova era do Hermetismo. Galileu recebeu uma declaração escrita por Bellarmino dizendo que o Papa havia decretado que as ideias de Copérnico não poderiam ser “defendidas ou sustentadas”. Galileu concordou apressadamente.

Ainda mais indicativa foi sua reação imediata: ele pediu a permissão de seu patrono, Duque Cosimo, para viajar a Nápoles – mas esta foi negada. Porque Nápoles? Um ponto crucial do quebra cabeças se encaixou quando lemos num artigo de Olaf Pedersen, um especialista nos aspectos religiosos do caso Galileu, que a razão do pedido de seu pedido e da estranha recusa de seu patrono foi precisamente porque Galileu desejava visitar Tommaso Campanella em sua cela [10]. A Igreja traz de volta o homem que havia condenado Bruno para repreender Galileu, e sua primeira reação é tentar se consultar com o sucessor de Bruno, Campanella...

Ainda que a Galileu tenha sido negada sua viagem, Campanella escreveu A Apologia de Galileu, que foi publicada, em seguida, em Frankfurt, com a ajuda de seus seguidores. No entanto, em se considerando a reputação de Campanella – condenado por heresia e subversão – ele dificilmente ajudaria no caso Galileu. Isto é provavelmente a causa de, em Florença, Galileu ter mantido sua cabeça baixa. Nada no decreto papal proibia a discussão do heliocentrismo como uma hipótese, e muitos intelectuais estavam fazendo exatamente isso, entusiasmadamente. O próprio Galileu não mencionou a questão por muitos anos, embora estivesse claramente esperando por uma oportunidade mais apropriada para retornar a ela.

Então em 1623, um velho amigo, Maffeo Barberini, tornou-se o Papa Urbano VIII. Tomando isto como um sinal de que sua sorte finalmente havia mudado, Galileu foi até Roma visitá-lo pouco depois. A eleição de Urbano era também uma boa notícia para Campanella. Em 1626, Urbano requisitou que o rei da Espanha libertasse-o de sua prisão para que Campanella fosse até Roma realizar magias de proteção. Após 27 anos, Campanella não somente estava livre, como também era o mais novo conselheiro do Papa! Urbano chegou inclusive a lhe dar permissão para fundar uma universidade em Roma para treinar missionários que simpatizavam com suas ideias filosóficas e religiosas. Este favor papal garantido ao seu maior e mais controverso colaborador foi outro bom sinal aos olhos de Galileu.

Galileu decidiu que era seguro escrever seu Diálogo Acerca dos Dois Sistemas Principais do Mundo (Dialogo sopre i due massimi sistemi del mondo), uma discussão cerca do antigo sistema ptolomaico, e do novo sistema copernicano. Com a aprovação prévia da Inquisição, ele foi publicado em Florença em 1632. O Papa apenas pediu a Galileu para que suas próprias ideias anti-heliocêntricas fossem incluídas.

Era significativo, no entanto, que houvessem alguns conceitos próximos entre o Diálogo de Galileu e a obra de Bruno, A Ceia da Quarta-Feira de Cinzas, de 1584. Pode não ter sido uma coincidência, já que esta era exatamente a obra giordana favorita de Campanella. Apesar do mito da “batalha de egos”, ficou claro que Urbano teve de ser “incentivado” a entrar em ação. Seus diversos oponentes dentre os Cardeais Inquisidores estavam começando a sugerir que o aval papal a publicação do Diálogo era um sinal que endossava os crescentes rumores acerca de suas tendências heréticas. Não houve nenhuma batalha de egos. O Papa Urbano estava apenas ficando cada vez mais temeroso.

Um relutante Urbano instruiu a Inquisição a chamar um chocado Galileu até Roma, onde se apresentou diante da Inquisição em Abril de 1633. Ele declarou que seu livro apenas discutia brevemente a teoria de Copérnico, e que até o decreto de 1616 ele não havia considerado nem a hipótese copernicana nem a ptolomaica como definitivas (contradizendo o que escreveu a Kepler 36 anos antes), mas que desde então havia passado a considerar a visão ptolomaica como “verdadeira e além de questionamentos”. Enquanto poucos iriam condenar Galileu por tentar escapar – afinal, esta era a Gestapo do Vaticano – estas palavras dificilmente podem ser imputadas a um nobre defensor da liberdade intelectual, futuro “mártir da ciência”. E ainda assim, Galileu tampouco se pareceu com um velho arrogante que se recusava a admitir que estava errado [11].

Galileu perdeu. Os inquisidores declararam que o Diálogo era uma tentativa dissimilada de promover o heliocentrismo – e nisto provavelmente estavam certos – e que suas desculpas não haviam lhes convencido do contrário. Ele se encontrou “veementemente suspeito de heresia” – apenas um degrau inferior a ser formalmente acusado como herege. Sua única escapatória foi “abjurar e amaldiçoar” as ideias heréticas.

Ajoelhado ante o altar de Santa Maria, no mesmo local onde Bruno foi condenado 33 anos antes, Galileu renegou oficialmente o heliocentrismo. Todas as suas publicações passadas e futuras foram formalmente proibidas, e ele foi condenado a passar o resto de seus dias em prisão domiciliar, embora já tivesse mais de 70 anos na época. Uma de suas primeiras visitas na prisão foi de seu grande colaborador e apologista, Tommaso Campanella.

Conclusão
Apesar do julgamento de Galileu ser sempre citado como o momento onde as forças da razão e do dogma colidiram, o fator hermético é, nós argumentamos, mais importante. A reverência religiosa que os seguidores do Hermetismo davam ao heliocentrismo foi a principal razão que levou a Igreja a condenar tardiamente a teoria de Copérnico, e logo após, ao próprio Galileu. O fator hermético estava lá, mas no pano de fundo, o que é precisamente a causa deste senso de que falta alguma coisa na controversa história deste julgamento.

Entretanto, Galileu de forma alguma era tão inocente quanto parecia. Existem inúmeras questões válidas acerca de sua relação com o movimento undergroud da reforma hermética. Há sua contínua associação e correspondência com Campanella, especialmente seu desejo de visitá-lo logo após a primeira repreensão dada pela Inquisição, em 1616. Campanella dificilmente seria o tipo de companhia que Galileu gostaria de manter, há menos que tivesse relação com os Giordanos.

E há ainda o aparente uso das ideias de Bruno – que, em seu A Ceia da Quarta-Feira de Cinzas, fez a primeira menção ao Sol de Copérnico como o gatilho para uma nova era hermética – como modelo para o seu Diálogo Acerca dos Dois Sistemas Principais do Mundo. Seria esta a forma que encontrou para demonstrar aos Giordanos que era um simpatizante? Ou seria o próprio Galileu um dos membros ativos desta organização revolucionária?

***

[1] Nota dos autores: Esta é descrição da obra de Boccalini declamada no primeiro dos famosos manifestos rosacrucianos de 1614, que incluíam um trecho de Novidades do Parnaso (News from Parnassus), uma dos diversos exemplos da conexão estreita entre o movimento de reforma do Hermetismo italiano e os círculos germânicos de onde o rosacrucionismo surgiu.

[2] Nota dos autores: Timothy Ferris: Coming of Age in the Milky Way, The Bodley Head, 1989, p.85–86.

[3] Devemos levar em consideração que as mudanças de séculos (ao menos no calendário cristão) despertavam muitas ideias de “mudanças de era”. No entanto, há muitos espiritualistas que, como eu, enxergam tais mudanças como processos que levam muitos séculos. Ou, como diz a lei hermética: “Tudo flui, nada está parado”.

[4] Nota dos autores: Stephen Mason: Religious Reformation and the Pulmonary Transit of the Blood, History of Science, vol. 41, part 4, no. 134, Dec 2003, p.468.

[5] Tanto Bruno quanto Campanella eram, afinal, dominicanos, parte da Igreja. Bem ou mal, condená-los a fogueira era algo que “arranhava” a imagem do Vaticano. Desta forma, preferiram queimar apenas um, apenas o líder espiritual, Giordano Bruno. Campanella era somente o “líder de operações”, e por isso foi poupado da fogueira.

[6] Para os “mártires da ciência”, ironicamente, seu próprio trabalho tinha profundo significado espiritual. Campanella estava apenas a reafirmar o que Galileu já sabia desde muito cedo.

[7] Nota dos autores: Frances Yates: Giordano Bruno and the Hermetic Tradition, Routledge & Kegan Paul, 1964, p.383.

[8] Só muito tempo depois se descobriu que mesmo o Sol se move ao redor da Via Láctea, e que mesmo nossa galáxia se move em relação às galáxias próximas, e também em relação ao aglomerado de galáxias locais. Mas as implicações espirituais destas descobertas ainda estão um tanto quanto distantes de serem assimiladas. Talvez o novo guru tenha sido um agnóstico, e não um espiritualista.

[9] É aqui que fica muito claro o caráter de “guerra religiosa” na questão do heliocentrismo. Ainda que Copérnico não declarasse ter provas da teoria, se em sua época ela fosse associada a uma tentativa de derrubada da Igreja em favor de uma nova era espiritual com menos dogmas e mais investigações filosóficas e livre pensamento (o que desejavam os Giordanos), certamente já haveria sido banida muitos anos antes. É precisamente esta história que a Academia e o Vaticano não contam.

[10] Nota dos autores: Olaf Pedersen: Galileo’s Religion, in CV Coyne (ed.): The Galileo Affair: A Meeting of Science and Faith – Proceedings of the Cracow Conference, May 24–27, 1984, Specola Vaticana, Vatican City, 1985, p.97.

[11] Galileu nunca teve um espírito revolucionário da altura de Giordano Bruno. A Inquisição havia queimado o sujeito certo. Mas, como vimos, as ideias de Bruno não puderam ser destruídas junto com seu corpo... Iriam ecoar ainda na mente do próximo gênio da história da ciência, o matemático, físico, alquimista, teólogo, filósofo e ocultista – Sir Isaac Newton. Mas esta é uma outra história.

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Crédito das imagens: [topo] National Geographic Society/Corbis (pintura de Jean-Leon Huens, onde Galileu explica a topografia lunar aos céticos); [ao longo] Gravura de autor anônimo, divulgada primeiramente em um livro de Camile Flammarion

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10.10.12

O dia em que a Terra parou, parte 1

Artigo original em inglês por Lynn Picknett e Clive Prince (para a revista Fortean Times), tradução de Rafael Arrais. As notas ao final também são minhas.

"Nós declaramos esse espaço infinito, dado que não há qualquer razão, conveniência, possibilidade, sentido ou natureza que lhe trace um limite." (Giordano Bruno, Acerca do Infinito, o Universo e os Mundos, 1584).

A acusação da Igreja contra Galileu, por este haver promovido à teoria heliocêntrica – que afirma que o Sol está no centro do Sistema Solar, enquanto a Terra e os planetas giram ao seu redor – é usualmente retratada como um divisor de águas na guerra entre religião e ciência, o momento em que Galileu se tornou o primeiro grande mártir da ciência.

Entretanto, quando revisitávamos a história durante a pesquisa para o nosso livro The Forbidden Universe (O Universo Proibido), nós percebemos que as explicações tradicionais para a determinação da Igreja em agarrar Galileu não faziam sentido. Aplicando uma retrospectiva desavergonhada, os historiadores da ciência o transmutaram num moderno racionalista-materialista nascido fora do tempo, perseguido por supersticiosos – em outras palavras, cretinos – homens cujo intelecto, se podemos os dignificar com tal termo, estava ainda preso na Idade Média.

Esta é a versão preguiçosa da história. A realidade, conforme os fortianos [1] poderiam suspeitar, é que existe muito, muito mais sobre ela do que o que nos foi contado.

De fato, apesar do cenário “ciência contra religião” ainda ser costumeiramente usado para atrair audiência, os acadêmicos há muito reconheceram que se trata de uma explicação moderna demais. Eles hoje veem o assunto mais como uma colisão entre dois egos obstinados, dois homens que “queriam ter razão”: Galileu, que se recusava a ser ordenado sobre o que fazer ou dizer, e o Papa Urbano VIII, implacável contra Galileu (em seu Diálogo sobre o Sistema dos Dois Mundos), tendo colocado sua visão de mundo na boca de um personagem chamado Simplício. Mas algo ainda está faltando – algo que nenhum dos lados gostaria de ver exposto na luz rigorosa do dia...

O que está faltando
A resposta, nós acreditamos, se encontra na tradição hermética – o coração da “filosofia ocultista”, uma síntese de sistemas mágicos, esotéricos e filosóficos – que teve um efeito profundo na formação da cultura ocidental durante a Renascença e o Iluminismo, embora hoje esteja lamentavelmente marginalizada.

Mas o fato é que é impossível compreender o Renascimento sem conhecer a tradição hermética. É como tentar escrever a história do século 20 ignorando o Comunismo, sob a lógica de que conforme ele se comprovou uma ideologia falida, nunca poderia haver sido realmente importante.

Os tratados conhecidos coletivamente como a Hermética, nos quais a tradição está baseada, tiveram o maior efeito sobre a cultura ocidental após a Bíblia – e o maior efeito sobre a cultura ocidental moderna de qualquer texto, inclusive o bíblico. Ainda assim, pouquíssimas pessoas ouviram falar deles.

O nome é derivado do lendário sábio egípcio, Hermes Trimegisto (“O três vezes grande”), tradicionalmente apontado como o autor dos textos. Sua origem exata pode ser controversa, mas indubitavelmente estão datados do antigo Egito, nos séculos próximos ao tempo de Jesus, durante o período da dominação grega e romana – e há um corpo de evidência crescente de que as ideias da Hermética são muito, muito mais antigas.

O livros herméticos foram quase totalmente perdidos na Europa durante a repressão a sabedoria pagã, após o cristianismo ter se tornado a religião oficial do Império Romano, no séc. IV. Mas eles sobreviveram no Oriente Médio, onde pavimentaram o caminho para a ciência árabe medieval [2]. A Europa os redescobriu em 1463, quando um agente atuando em favor do grande patrono renascentista, Cosimo de Medici, retornou a Florença com uma coleção de 14 tratados herméticos, escritos em grego, conhecidos como Corpus Hermeticum. Cosimo inclusive ordenou ao seu maior erudito, Marsilio Ficino, que interrompesse sua tradução épica da obra completa de Platão para o latim, a fim de que pudesse se concentrar nos tratados herméticos, que a seguir influenciaram a todos, de Leonardo a Shakespeare.

Para os eruditos, filósofos e intelectuais da época, a Hermética era a grande sensação, onde se acreditava estar preservada a sabedoria da mais antiga civilização egípcia, dos construtores das pirâmides, sendo ainda mais antiga do que o Velho Testamento. Mas a imagem que ela apresentava da raça humana dificilmente poderia ser mais diversa daquela encontrada no Gênesis. Este era precisamente o maior encantamento da Hermética.

A Igreja havia sempre ensinado que até o homem mais genial (ou mulher, quando se lembravam de mencioná-las) era miserável, pecador, totalmente dependente da misericórdia divina (e o conselho da Igreja, é claro) para a salvação e até mesmo a sua própria existência. Porém, na Hermética, os seres humanos desfrutavam de um potencial ilimitado, sendo inclusive capazes de se tornarem deuses [3]. O maior provérbio hermético é Magnum miraculum est homo (“O homem é um grande milagre”). Ainda mais fantástico para a época, a tradição hermética também incluiu a mulher neste “grande milagre”. E foi este tsunami de autoconfiança renovada que sustentou a pura ousadia intelectual que definiu a Renascença.

Apesar dos historiadores terem reconhecido a influência do Hermetismo nas artes da Renascença, eles tem sido dissimuladamente seletivos. Pois (conforme mostramos em nosso livro), ele também impactou profundamente em cada herói da revolução científica, de Copérnico a Isaac Newton [4].

A nova ordem de Bruno
Entretanto, é um grande erro acreditar que o movimento do Hermetismo atraiu apenas alguns poucos intelectos, embora usualmente grandiosos. Ele também atraiu o interesse de reis e imperadores, e até mesmo de certos papas. Alguns católicos acharam a filosofia hermética tão venerável que defenderam sua incorporação aos ensinos do Cristianismo. Alguns até mesmo arguiram que deveriam fazer o oposto: incorporar o Cristianismo ao Hermetismo [5]. E se há um nome associado a ideia desta associação improvável, este é Giordano Bruno (1548-1600), o monge dominicano que se tornou herege.

Apesar de criminosamente ignorado mundo afora, ele é um favorito entre nós, e recebeu a atenção merecida nos livros de Hunt Emerson e Kevin Jackson, Phenomenomix (trata-se de uma série de 4 livros), sobre suas façanhas. Hoje, Bruno é até mesmo um protagonista dos thrillers bestsellers de SJ Parris, Heresy and Prophecy.

Bruno foi um homem extraordinário, trazendo ao mundo conceitos científicos que estavam muito além de seu tempo – como um universo infinito; ou a existência de outros mundos habitados – os quais derivaram largamente dos princípios herméticos. Mas eles também sustentaram sua campanha por uma reforma das raízes e fundamentos da sociedade – que incluíam religião e política.

Bruno acreditava que o Hermetismo representava a verdadeira religião, a sabedoria do antigo Egito que havia sido corrompida, primeiramente pelos judeus e cristãos. Mas os próprios livros herméticos profetizavam que a “verdadeira religião” do mundo seria um dia restaurada, e Bruno acreditava que isto se aplicava ainda ao seu tempo [6]. Isto causaria, ele acreditava firmemente, ao menos uma reforma radical na Igreja Católica – senão sua substituição completa.

É neste momento que nos pegamos gritando “eles estão atrás de você!” para Bruno. Certamente havia apenas um caminho onde sua paixão pelo Hermetismo poderia acabar? Apesar de seu destino ter sido tão previsível, Bruno tinha razões para crer que poderia escapar dos incendiários homicidas da Inquisição. Apesar de tudo, ele era famoso, desfrutando do patrocínio e proteção de nobres como Elizabeth I, Henri III da França e até mesmo do Sagrado Imperador Romano Rudolph II. Nestas circunstâncias, ele pode ser perdoado por se imaginar em perfeita segurança.

Mas Bruno não era apenas um filósofo errante com uma boa lábia para convencer monarcas e imperadores. Ele também era um militante político. Durante suas viagens pela Europa nos 1580s e início dos 1590s, ele estabeleceu uma sociedade secreta, os Giordanos – ele era bom em autopromoção desavergonhada – para continuar com seu trabalho e campanha pela reforma religiosa. Rumores sobre tal história devem ter tido um efeito similar a cutucar o Papa com um ferrete (de marcar gado). Agora não havia mais a menor chance do Vaticano continuar a ignorar Giordano Bruno.

A crença de Bruno na iminência da era do Hermetismo era também derivada de uma interpretação especial do heliocentrismo, a teoria proposta pelo cânone polonês Nicolau Copérnico cinco anos antes do nascimento de Bruno, e ainda furiosamente controversa. Copérnico teorizou que a Terra gira em torno do Sol em Da Revolução das Esferas Celestiais, de 1543 – mas qual foi sua inspiração? Uma pista pode ser encontrada na mesma página onde seu famoso diagrama demonstra sua visão radicalmente inovadora do Sistema Solar. Quatro linhas após, enquanto discute o significado espiritual do Sol ao centro, ele explicitamente referencia a passagem da Hermética onde Hermes Trimegisto descreve o Sol como um “deus visível”.

De fato todas as noções radicais de Copérnico estão descritas nos livros do Hermetismo. Por exemplo, um dos tratados fala explicitamente sobre a “rotação” do mundo. Ainda mais sugestivo, outro tratado declara que “o Sol está situado no centro do Cosmos, usando-o como uma coroa”, e “Em volta do Sol estão seis esferas que lhe são dependentes: a esfera das estrelas fixas, as esferas dos planetas, e a esfera que engloba a Terra” (“Esferas” correspondem a “órbitas”).

Ao referenciar explicitamente os tratados herméticos na mesma página em que apresenta sua nova ordem cósmica, Copérnico estava tacitamente anunciando que encontrou provas físicas e matemáticas para alguns dos antigos princípios da Hermética.

Outro mito acadêmico diz que as ideias de Copérnico enfureceram tanto a Igreja que ele postergou a publicação de suas ideias até que estivesse no leito de morte, assim evitando a ira eclesiástica. Porém, o Vaticano não tinha problemas teológicos com elas – o secretário do Papa chegou a tentar encorajar Copérnico a tornar suas ideias públicas. Entretanto, quando chegamos ao processo eclesiástico contra Galileu, cerca de 70 anos depois, alguma coisa havia mudado...

Basicamente, tudo se referia a Giordano Bruno, que – se baseando no famoso princípio hermético do “assim em cima, assim embaixo/assim embaixo, assim em cima” – não apenas acreditava que mudanças nos céus causavam ou se refletiam em mudanças na Terra, mas também que uma mudança na percepção humana da ordem celeste iria precipitar a mudança de era. Ele argumentava que se o heliocentrismo pudesse ser estabelecido além da dúvida, isto iria literalmente acarretar numa nova era de iluminação hermética, restaurando a religião do Egito antigo e derrubando o Cristianismo [7]. Até agora, nenhuma pressão em Galileu.

» Na continuação, a revolução abafada pela história.

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[1] Leitores da revista onde o artigo foi publicado originalmente, a Fortean Times. Em inglês: forteans.

[2] Os árabes não salvaram apenas a Hermética da barbárie na Europa, como boa parte dos grandes textos da Grécia antiga, que ainda hoje formam o pilar da cultura ocidental.

[3] E foi um rabi da Galileia quem nos disse: “sois deuses, e dia farão tudo que tenho feito, e ainda muito mais”. João 10:34 e João 14:12 (NT).

[4] Hoje a Academia trata desta “influência ocultista” em seus primeiros heróis científicos como “uma ilusão própria de sua época”, como se o Hermetismo fosse conhecido em toda esquina; Quando, pelo contrário, era algo tão inacessível ao conhecimento do cidadão comum quanto é hoje a física quântica ou a meditação transcendental. Quero com isso dizer que não era suficiente apenas “ler acerca de”, mas sim “praticar, refletir”. Dito isto, o Hermetismo não interessou apenas a artistas e cientistas, como também a nobres e aristocratas, e até mesmo aos altos eclesiásticos.

[5] Há muitos espiritualistas que enxergam um denominador comum entre o Cristianismo e o Hermetismo, ao menos se avaliarmos o Cristianismo pelo que o Cristo realizou, e não pelo que a Igreja fez de sua doutrina...

[6] Talvez seja um processo que ainda vem transcorrendo. Neste caso, devemos realmente agradecer a pequena flama iniciada por Bruno, que se encontra em vias de transformar-se em fogueira, divina fogueira.

[7] E alguém arriscaria dizer, mesmo hoje em dia, que Giordano Bruno estava inteiramente equivocado? Eu não...

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Crédito das imagens: [topo] Ettore Ferrari (escultura de Giordano Bruno, em Roma); [ao longo] Nicolau Copérnico (a página citada, de seu Da Revolução das Esferas Celestiais)

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9.10.12

A morte e o nada

A morte tampouco é o Nada...

Foi Mario Sergio Cortella quem disse que "o homem é o único animal mortal", pois todos os outros animais provavelmente são mesmo imortais: eles vivem este momento, e não se preocupam com a morte, pois tampouco tem consciência da morte (embora alguns elefantes talvez tenham).

E quem somos nós? Os mortais, os que foram expulsos do jardim de delícias, os animais que sabem que vão morrer...

Mas mesmo o fim da vida é alguma coisa. Na verdade é alguma coisa que se ensaia todas as noites, quando vamos dormir... Como bem disse John Galsworthy com suas cascas de sentimento: "O dia chegou novamente. Mas sua face parece um pouco estranha, não mais como fora ontem. Estranho de se pensar, nenhum dia é como o dia que se foi e nenhuma noite como a noite que virá! Porque, então, temer a morte, que é noite e nada mais? Porque se preocupar, se o dia que virá trará uma nova face e um novo espírito?"

Ainda assim, sobre o Nada, não há nada a dizer. Não é possível nem elogiar ou criticar, nem defender ou atacar o Nada. Não é possível filosofar sobre o Nada, mas talvez seja importante se perguntar: "porque existe algo, e não nada?"

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Crédito da imagem: Marco Ciofalo

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8.10.12

Iranianos, nós te amamos

Nunca foi propriamente o povo quem escolheu a guerra, e sim os governantes. E toda a guerra no fundo não é nem realizada propriamente pelo ódio, mas sim pela ganância (de alguns poucos). Mas é claro que alguns governantes trabalham para que um povo odeie o outro, assim fica bem mais fácil invadir outro país. Aquele vídeo que "ridicularizava o profeta Maomé", por exemplo, e que causou tantos transtornos mundo afora, estava "perdido" no YouTube, mas foi achado por um salafita radical, que se deu ao trabalho de traduzi-lo e divulgá-lo no Islã [1]. O ódio de um povo pelo outro interessa sobretudo aos que gostam de guerras: os radicais religiosos e os governantes hipócritas. E todos eles, no fundo, querem só riquezas e territórios; isso nada tem a ver com uma "ideologia", e muito menos com Deus.

Nesta campanha nas redes sociais, iniciada por um designer israelense, isso tudo fica ainda mais claro:

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[1] Ao menos segundo Guga Chacra, correspondente da Globo News em Nova York, e especialista em relações internacionais. Eu realmente não achei a fonte dele.

» Saiba mais sobre guerras na série Todas as guerras do mundo

» Veja também a reportagem da AVAAZ: Quem tem medo da ira muçulmana?

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7.10.12

Conversa Alheia: Arte, Poder e Humor

Com vocês, mais um episódio do Conversa Alheia, onde alguns blogueiros e livres-pensadores falam sobre o que quer que lhes venha a mente...

Episódio #6: Arte, Poder e Humor.
Igor Teo, Rodrigo Ferreira, Raph Arrais e Josinei Lopes falam sobre os diferentes tipos de arte, descobrem o segredo de como ganhar dinheiro, além de comentarem sobre o politicamente incorreto.

Citado no programa:
Citação de Alain de Botton
Crítica do Pablo Vilaça (filme Ted)

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» Ouça aos demais episódios no canal do Conversa Alheia no YouTube

» Para baixar os vídeos do YouTube, você pode usar o complemento Ant Video Downloader (para Firefox)


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6.10.12

Mudando o paradigma da educação

Esta é uma animação da palestra do pensador da educação, Sir Ken Robinson, conforme proferida ao RSA (com a caridosa dublagem de Alexandre Gomes, do blog Brasil Acadêmico).

A educação não está em crise apenas na América Latina, como em todo o resto do mundo. Estamos vivendo no início da era da informação, e nossas crianças estão sendo "bombardeadas" pela maior quantidade de estímulos da história da infância humana... Neste cenário, não é de se surpreender que elas não se interessem pelas "aulas chatas", e sejam diagnosticadas com o transtorno de déficit de atenção (TDA ou TDAH). Segundo Robinson, "anestesiar" nossos filhos com remédios não trata da questão principal, mas pode ter sérias consequências para nosso futuro.

Nos EUA, como na Europa, como no Brasil, é preciso mudar urgentemente as escolas, para que não formem "máquinas pensantes", para que não assassinem a criatividade, para que não obstruam o pensamento livre. A mudança já se faz perceber, mas depende de nós a acelerar enquanto há tempo:

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5.10.12

A descoberta do carma

Texto de Mircea Eliade em "História das crenças e das ideias religiosas, vol. I” (Ed. Zahar) – trechos das pgs. 229 a 231. Tradução de Roberto Cortes de Lacerda. As notas ao final são minhas.

Nos Bramanas [1], os deuses védicos foram radicalmente desvalorizados em benefício de Prajapati [2]. Os autores dos Upanixades prolongaram e encerraram esse processo [3]. Vão, porém, mais longe: não hesitam em desvalorizar o todo-poderoso sacrifício. [...] Segundo a Maitri Up [4], aqueles que nutrem ilusões sobre a importância dos sacrifício são dignos de lástima; porque, depois de terem desfrutado no Céu o lugar de destaque conquistado com suas boas ações, voltarão à Terra ou descerão a um mundo inferior. Nem os deuses nem os ritos contam mais para um verdadeiro rishi [5]. Seu ideal está admiravelmente formulado na prece transmitida pelo mais antigo Upanixade, o Brhadaranyaka: “Do não ser (asat) conduz-me ao ser (sat), da escuridão conduz-me à luz, da morte conduz-me à imortalidade!”

A crise espiritual que explode nos Upanixades parece ter sido provocada pela meditação sobre os “poderes” do sacrifício. [...] Nos Bramanas, o termo karman (karma, carma) denota a atividade ritual e suas consequências benéficas (já que, depois da morte, o sacrificante alcançava o mundo dos deuses). Mas, refletindo sobre o processo ritual de “causa e efeito”, era inevitável que se descobrisse que toda ação, pelo simples fato de obter um resultado, integrava-se numa série ilimitada de causas e efeitos. Uma vez reconhecida a lei da causalidade universal no karman, desfazia-se a certeza fundamentada nos efeitos salutares do sacrifício [6].

Porque a pós-existência da “alma” no Céu era a meta da atividade ritual do sacrificante; mas onde se “realizavam” os produtos de todos os seus outros atos, efetuados durante sua vida inteira? A pós-existência beatífica, recompensa de uma atividade ritual correta, devia portanto ter um fim. Mas, então, o que acontecia com a “alma” (atman) desencarnada? Em hipótese alguma ela poderia desaparecer definitivamente. Restava um número ilimitado de atos efetuados durante a vida, e estes constituíam outras tantas “causas” que deviam ter “efeitos”; em outras palavras, deviam “realizar-se” numa nova existência, aqui na Terra, ou num outro mundo. A conclusão impunha-se por si mesma: depois de haver desfrutado uma pós-existência beatífica ou infeliz num mundo extraterrestre, a alma era obrigada a reencarnar-se. Foi a lei da transmigração, samsara, que, uma vez descoberta, dominou o pensamento religioso e filosófico indiano, não só “ortodoxo” como também heterodoxo (o budismo e o jainismo) [7].

O termo samsara aparece somente nos Upanixades. Quanto à doutrina, ignora-se a sua “origem”. Tentou-se inutilmente explicar a crença na transmigração de alma pela influência de elementos não arianos [8]. Seja como for, essa descoberta impôs uma visão pessimista da existência. O ideal do homem védico – viver 100 anos, etc. – mostra-se ultrapassado. Em si mesma, a vida não representa necessariamente o “mal”, desde que a utilize como meio de livrar-se dos laços do karman. O único objetivo digno de um sábio é a obtenção da libertação, moksha – outro termo que se alinha entre as palavras-chave do pensamento indiano [9].

Uma vez que todo o ato (karman), religioso ou profano, revigora e perpetua a transmigração (samsara), a libertação não pode ser alcançada pelo sacrifício nem por meio de íntimos relacionamentos com os deueses, nem através da ascese ou da caridade [10]. Em seus ermitérios, os rishis procuravam outros meios para se libertar. Uma descoberta importante foi realizada ao se meditar sobre o valor soteriológico (soteriologia – “estudo da salvação”) do conhecimento, já exaltado nos Vedas e nos Bramanas. Evidentemente, os autores dos Bramanas referiam-se ao conhecimento (esotérico) das homologias implícitas na operação ritual. Era a ignorância dos mistérios sacrificais que, segundo os Bramanas, condenava os homens a uma “segunda morte”.

Mas os rishis foram mais longe; dissociaram o “conhecimento esotérico” do seu contexto ritual e teológico; a gnose é agora tida como capaz de apreender a verdade absoluta, revelando as estruturas profundas do real. Tal “ciência” acaba por eliminar literalmente a “ignorância” (avidya), que parece ser o quinhão dos seres humanos (os “não iniciados” dos Bramanas). Trata-se, certamente, de uma “ignorância” de ordem metafísica, pois ela se refere à realidade última, e não às realidades empíricas da experiência cotidiana [11].

[...] Depois de apaixonantes pesquisas e de hesitações, por vezes desfeitas por repentinas iluminações, os rishis identificaram na avidaya (ignorância de ordem metafísica) a “causa primeira” do karman, e por conseguinte a origem e o dinamismo da transmigração. O círculo estava completo: a ignorância (avidaya) “criava” ou reforçava a lei de “causa e efeito” (karman) que, por sua vez, infligia a série ininterrupta de reencarnações (samsara). Felizmente, a libertação (moksha) desse círculo infernal era possível graças à gnose (jñana, vidya) [12].

[...] O pensamento indiano cedo se dedicou a ratificar os diferentes “caminhos” (marga) que conduzem à libertação. O esforço resultou, alguns séculos mais tarde, na famosa síntese proclamada no Bhagavad Gita (séc. IV a.C.). Mas é importante assinalar que desde já [...] a descoberta efetuada, ainda que imperfeitamente sistematizada, nos tempos dos Upanixades, constitui o essencial da filosofia indiana posterior.

Quando Brahman perguntar ao recém-chegado: “Quem és tu?”; Que ele responda: “Eu sou o que tu és”; E quando Brahman perguntar: “Quem sou eu?”; Que ele responda: “A Verdade”; Dessa forma, Brahman lhe dirá: “Aquilo que foi o meu domínio é doravante o teu” (Kausitaki Up, Upanixades)

***

[1] Comentários em prosa, costumeiramente anexados aos Vedas (obras mais antigas do hinduísmo).

[2] Citando o próprio autor, algumas páginas antes: “Tal como é apresentado pelos Bramanas, Prajapati parece ser uma criação da especulação erudita, mas a sua estrutura é arcaica. Esse ‘senhor das criaturas’ aproxima-se dos grandes deuses cósmicos. Ele se assemelha de certa forma ao ‘Um’ do Rig Veda”.
Ou seja, conforme o Rig Veda é o texto mais antigo dos Vedas (c. 1500 a.C.), foi ainda nesta época que os sábios hindus chegaram a concepção do Uno, ideia que também encontrou ressonância no hermetismo (embora provavelmente muitos séculos mais tarde), em Parmênides, em Plotino, em Espinosa, etc.

[3] Os Upanixades também são comentários posteriores acerca dos Vedas. O Bhagavad Gita, o texto mais celebrado do hinduísmo, faz parte deles.

[4] Um dos livros dos Upanixades.

[5] Termo que denota um dos autores dos Vedas ou dos Upanixades. Também pode ser entendido simplesmente como “um sábio”.

[6] Ou, em outras palavras, os sábios hindus reconheceram que a barganha com os deuses (“eu te ofereço isto em troca disto”) não poderia ser uma solução para as questões da alma. Somente o ser em si poderia melhorar a si mesmo. Ser transportado ao Céu após a morte, para depois renascer de novo neste mesmo mundo (ou nalgum inferior a este), não solucionava a questão. Quero dizer é isto: apenas o próprio ser pode cuidar de sua gnosis dei, do conhecimento do Uno. Os deuses aos quais eram ofertados “sacrifícios” não podem lhes auxiliar neste caminho (ou, ainda que possam, não necessitariam de oferendas para tal).

[7] Se vamos considerar que a “descoberta do carma” se deu a partir dos Upanixades, podemos datá-la no início do chamado período bramânico (entre 900 e 500 a.C.). No entanto, a crença na existência de espíritos desencarnados, ou mesmo dos “espíritos dos ancestrais”, é pré-histórica, e surgiu junto com a religião primal e o xamanismo. Me parece que a ideia da reencarnação possa ser ainda mais antiga do que a ideia do carma, e que o carma surgiu como uma espécie de “desenvolvimento filosófico” acerca do tema da reencarnação. Segundo a visão do autor, entretanto, é possível que a ideia da reencarnação tenha surgido do “problema do carma” (portanto, o oposto). Em todo caso, ambas são ideias arcaicas que só encontraram um antagonismo claro na crença da ressurreição, surgida do zoroastrismo e judaísmo (em épocas posteriores).

[8] Os árias são um subgrupo étnico dos indo-europeus. Eles se estabeleceram no planalto iraniano no fim do terceiro milênio a.C., e a partir de 1.500 a.C. colonizaram a península indiana. Os árias foram o povo responsável pela composição dos Vedas. Note que, caso a ideia de reencarnação seja “não ariana”, isso significa que ela seria ainda mais arcaica que os Vedas (conforme eu postulo no comentário acima).

[9] O budismo chamou-o nirvana.

[10] No espiritismo se diz que “fora da caridade não há salvação”, mas segundo os rishis, nem mesmo a caridade garantiria a “salvação”.

[11] Porém, se estamos falando do Uno, todo o conhecimento, seja empírico (ciência) ou mental (religião) ou metafísico (filosofia), é um conhecimento do Cosmos – de seu Mecanismo ou de seu Sentido. É assim que todo conhecimento, esotérico ou exotérico, sempre irá nos auxiliar no samsara, ainda que tenhamos de voltar a este mundo muitas vezes.

[12] E o que aqueles que “se libertaram” fazem após a libertação? Buda foi um excelente exemplo: sua peregrinação e “evangelização” se iniciou após (e não antes) ele ter atingido o nirvana.

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Crédito da imagem: The Bhaktivedanta Book Trust International

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3.10.12

Pé ante pé

Nesta dança em plena imensidão
Existe um momento
Em que pensamos no próximo passo
Que daremos em devoção

Neste distinto momento
Não mais sabemos
Se é o ritmo que nos faz dar o passo
Ou nosso passo que determina o ritmo

Então acontece:
O flautista divino, e o dançarino embriagado...
Eles se encontram
Se reconhecem
Se alimentam mutuamente
E dançam juntos
Pé ante pé

Neste momento há uma dança de Amor
Seus ecos ressoam em todas as almas
Que bailam junto a cada ventania
E cada pequena brisa

Como bem disse Shams:
Cada átomo
Gira apaixonado
Em torno do Sol

Mas e o que diabos
Tudo isso é?
Só a alma o sabe
Pé ante pé

Vem, dancemos então...
Dancemos em silêncio

raph’12

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Crédito da foto: Retirado da página em homenagem a Rumi, no Facebook

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Simpósio de Hermetismo, 2012

O Hermetismo abrange um conjunto de teorias e práticas da filosofia oculta e da magia, conhecidas pela humanidade há milhares de anos. Prima por desvendar o que está além da ciência tradicional, procurando descortinar os segredos do Universo e do ser humano. As Ciências Ocultas buscam embasamento científico para explicar o conhecimento de fundamento místico.

Esta sabedoria antiga, durante muito tempo permaneceu restrita às diversas Ordens ou Escolas Ocultistas, sendo inacessível ao público em geral.

Com realização da Associação Educacional Sirius-Gaia, o Simpósio Brasileiro de Hermetismo e Ciências Ocultas tem por objetivo apresentar e promover o debate sobre as práticas ocultistas voltadas para o autoconhecimento, com a participação de diversas correntes e Escolas Ocultistas, e o compartilhamento de suas filosofias.

Em 2012 o evento ocorrerá na cidade de São Paulo, nos dias 2, 3 e 4 de novembro, no Grande Auditório do Bunkyo, no bairro da Liberdade.


Informações e inscrições:
» www.simposiohermetismo.com.br

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Obs: Conforme prometido ano passado, este ano estarei por lá.

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1.10.12

Os intolerantes

O vídeo a seguir faz parte de uma ópera teatral sobre a história do personagem Alabê de Jerusalém, uma "entidade" que viveu há cerca de 2000 anos na África, e foi contemporâneo de Jesus. Na verdade, se trata de um espetáclo baseado em mais de 20 anos de pesquisas dos antigos mitos africanos, e provavelmente a "grande obra" da vida do músico carioca Altay Veloso, que inclusive chegou a viajar, durante seus anos de pesquisa, a Jerusalém, à Nigéria, a Angola e à Bahia.

Este trecho em específico me parece bastante adequado ao blog, pois se trata de uma crítica "amorosa" a intolerância e ao preconceito religioso, particularmente contra os religiosos ligados as culturas africanas, como é o caso, no Brasil, dos praticantes da Umbanda Sagrada, Candomblé e Tambor de Mina (dentre outras já quase extintas)...

Eu só gostaria de fazer uma ressalva ao trecho do refrão do canto inicial, que diz: "Às vezes corações que creem em Deus, são mais duros que os ateus. E jogam pedra sobre as catedrais dos meus deuses Yorubás". Ora, se vamos criticar a intolerância, devemos levar em consideração que o preconceito que afirma que "ateus são duros de coração, ou frios de sentimentos", é tão somente mais um preconceito mesmo...

Assim como há doutrinas religiosas que sequer "necessitam" da crença em Deus, como o jainismo e algumas vertentes do budismo, o fato de alguém ser ateu não necessariamente indica que esta pessoa é "fria e calculista". Na verdade, há muitos ateus plenos de espiritualidade, a começar por Carl Sagan (na verdade, um agnóstico), que em certos momentos de seu Cosmos mais parece um "profeta da Natureza".

Feita esta consideração, podemos agora apreciar, de alma aberta, aos ecos da antiga sabedoria africana:

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Alguns trechos recitados ou cantados no vídeo:

"Ah, meu Deus! Assisto com muita tristeza a pena da aspereza dilacerando a beleza de uma linda sinfonia. A aguarrás de juizes, ciumentos inflexíveis, descolorindo as matizes de uma linda pintura, só porque não gostam da assinatura?"

"E vai com uma bailarina, com a inocência de menina, dançando em volta do sol, a Grande Mãe Terra. Enquanto muitas nações, governos, religiões ensaiam a dança da guerra."

"Na verdade a bola azul quase nunca foi amada; é sempre penalizada. Tem um trabalho enorme, dedicação e talento para preparar a mistura, juntar os seus elementos para dar forma às criaturas, e elas, depois de paridas, desconhecem a matriarca e dizem, mal agradecidas: que a carne é fraca."

"E quando o planeta gera um Avatá, um iluminado assim como o Nazareno, tem logo quem se apresenta com conhecimento profundo e diz logo: não é desse mundo, só pode ser extraterreno."

"Ah, é difícil entender porque é que o homem, até hoje, cospe no prato que come. Algumas religiões, não sei por qual motivo, dizem que a Terra é um território com vocação pra purgatório, não passa de sanatório... E que nós só seremos felizes longe dela, bem distante, lá onde os delirantes chamam de paraíso."

"Olha, eu vou dizer de coração. Na minha simples, dia após dia, me perdoem a liberdade, mas religião de verdade, mais parecida com a que Jesus queria, talvez seja sentimento de ecologia. Para esse sentimento não tem fronteiras e só reza um mandamento: preservação das espécies com urgência, sem adiamento."

"Hoje, ela pensa nas plantas, nos rios, no mar, nos bichos. Amanhã, com certeza, com a mesma dedicação e capricho, pensará com muito cuidado nos meninos abandonados."

"Ah, se ela tivesse mais força para sustentar sua zanga, evitaria, com certeza a fome cruel de Ruanda. Não tinha maturidade, ainda era uma menina, quando a impertinência sangrou, com a bola de fogo, a pobre Hiroshima. Mas ela cresce, se instala como uma prece no coração das crianças. Tenho muitas esperanças..."

"Eu tenho toda a certeza que nosso planeta um dia, mesmo cansado, exausto, terá toda a garantia e guardado por uma geração vigia, nunca mais verá a espada fria no Holocausto."

"A intolerância, repito, é a mais triste das doenças. Não tem dó, não tem clemência. Deixa tantas cicatrizes nas pessoas, nos países, até as religiões, guardiãs da Luz Celeste, abandonam seus archotes para empunhar cassetete. E o que, na verdade, refresca o rosto de Deus, é um leque, que tem uma haste de Calvino e outra de Alan Kardec."

"Na outra haste, as brisas, que vêm das terras de Shivas, são uma, dos franciscanos, e outra, dos beduínos. Não precisa ir muito longe... Jesus nasce entre os rabinos."

"Às vezes corações que crêem em Deus, são mais duros que os ateus. E jogam pedra sobre as catedrais dos meus deuses Yorubás. Não sabem que a nossa terra é uma casa na aldeia, religiões na Terra são archotes que clareiam."

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Crédito da imagem: James C. Lewis (Olorun, ou Olorum, princípio criador da mitologia dos Yorubás)

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