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31.1.13

Declama-te

Tu que me lês...

Tu não és corpo
Sombra de vestes que lhe encobrem
Onde és profundo

Tu não és mente
Posta secretamente ao fundo
De um rio que corre eternamente

Tu não és sequer ser
Ou és?

Não me importa...
O que sei é que és assim infinito
Flutuando a margem da linguagem:
És ser
E não és ser

Ser é apenas uma palavra
Que só deve ser declamada
No silêncio da lavra

E o que cultivou dentro de ti?
O que descobriu, ó literato?
Diga-me se sabes dizer quem és...

Diga-me teu nome
Que eu lhe digo quem és tu!

Diga-me neste silêncio
Que em silêncio lhe responderei:

Tu és poema, ó questionador...
Finda dessa forma toda esta separação
Esqueça-te do esquecimento
Lembra-te do teu eu mais profundo:
Declama-te!

raph’13

Crédito da imagem: raph

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29.1.13

O software angélico que roda no eixo do mundo, parte final

« continuando da parte 2

Eu tendo a pensar o Paganismo como um tipo de alfabeto, de linguagem. É como se todos os deuses fossem letras dessa linguagem. Elas expressam nuances, sombras de uma espécie de significado ou certa sutileza de ideias, enquanto o Monoteísmo é só uma vogal, onde tudo está reduzido a uma simples nota, e quem a emite nem sequer a entende (Alan Moore).

“Watson derrota a humanidade”
Essa foi uma das manchetes para a vitória de Watson, um computador que ganhou dos melhores competidores que a raça humana tinha disponível no Jeopardy!, um jogo de perguntas e respostas da TV americana. Como seus concorrentes humanos, Watson não estava ligado à internet. Tudo o que ele tinha à disposição era uma memória de 15 mil gigabytes com alguns milhões de textos arquivados e uma capacidade de processamento equivalente à de 2.800 micros caseiros. Um computadorzão bem programado, só isso.
Os cérebros humanos por trás são tão importantes que o próprio Watson errou questões por bobeira de programação. Um dos deslizes: perguntaram qual categoria da elite do automobilismo tem o nome de uma tecla de computador. "F-1" era a resposta. Qualquer batedeira tem capacidade de processamento para cruzar uma lista de nomes de teclas com uma de categorias de corridas. Mas a coisa mais próxima que Watson tinha para dizer era "Nascar". Falha dele? Não, dos programadores - a Fórmula 1 é solenemente ignorada nos EUA.
O erro nessas horas é imaginar que as máquinas são uma espécie à parte. Computadores são só alicates e martelos mais complexos. E quando você marreta o dedo não é culpa da natureza do martelo, mas sua, que não soube "programar" a martelada. A vida é melhor com martelos. Com supercomputadores também [1].
O que os bons observadores constatam, portanto, é que não existe nem existirá exatamente uma inteligência artificial, mas apenas uma ferramenta que é a extensão de alguma inteligência natural, que a programou. Computadores somente computam informação, mas são os seres que as interpretam, são os seres que as moldam em suas mentes, e as passam adiante, com uma nova forma e uma nova luz. E quem sabe disso, torna-se, nesta Criação, um cocriador.

Os muwakkals
Os sufis, místicos do Islã, dizem que assim como no corpo físico de um indivíduo muitos germes nascem e se desenvolvem como seres vivos, de forma análoga, existem também muitos seres no plano mental, chamados muwakkals ou elementais. Estes são entidades ainda mais etéreas nascidas do pensamento humano, e assim como os germes vivem no corpo humano, tais elementais sobrevivem de seus pensamentos. Segundo os místicos do Islã, o homem muitas vezes imagina que seus pensamentos não têm vida; ele não percebe que eles são mais vivos do que os germes físicos, e que eles também passam por nascimento, infância, juventude, velhice e morte. Eles trabalham contra ou a favor dos homens de acordo com sua natureza. Os sufis afirmam que os criam, elaboram e controlam. Um sufi os repete e os educa através de sua vida; ele forma seu exército e subjuga seus desejos.
Para os descrentes, a possibilidade de que nossa mente possa criar “pensamentos vivos”, e os educar para que sigam adiante com vidas próprias, pode parecer algo mais próximo do pensamento mágico do que da ciência. Mas, se procurarem saber o que Richard Dawkins, apóstolo do ateísmo, descreveu tão bem em sua obra prima, O gene egoísta, chegarão a um conceito muito próximo dos muwakkals sufi – apenas Dawkins os chamou de memes.
Sejam o que for, entretanto, estamos aqui analisando a possibilidade lógica de que seres possam ser criados “com algum grau de perfeição” do nada, sem passar por evolução alguma. Sejam robôs com inteligência artificial, sejam memes, sejam muwakkals, todos estes são candidatos, mas absolutamente nenhum deles é realmente capaz de se enquadrar no que buscamos. Pois o que buscamos, de fato, não existe: uma ferramenta, um computador, um algoritmo, um pensamento vivo – todos são tão somente extensões da mente que os criou em primeiro lugar, e não seres que evoluem por conta própria. No fim, um robô será sempre um robô.

O Grande Desconhecido
Conforme já dissemos, muitas mitos de criação das mais diversas e antigas culturas humanas falam de um “deus obscuro e ocioso”, que criou tudo o que há, inclusive os demais deuses, e depois se retirou. Olorun, afinal, não aceita oferendas, pois já possuí todas as oferendas do Cosmos, pois que é o próprio Cosmos, e estamos neste momento, como em todos os outros, encharcados por sua substância divina. No Evangelho de Tomé, Jesus também diz que o Reino de Deus se encontra espalhado pela Terra, mas os homens não o veem. No taoismo, o Tao é aquela substância “anterior ao Soberano do Céu”, um “vazio” que a tudo preenche, profundo e inesgotável. Benedito Espinosa a chamou de “a substância que não poderia haver criado a si mesma”. Mesmo o cristão de religiosidade mais superficial a conhece como algum elemento estranho chamado de Espírito Santo...
Mas e qual é o santo, iogue, rabi ou guru, que pode bater no peito e bradar: “Eu sei o que é Deus”? E, ainda que saiba, será mesmo que qualquer outra mente, qualquer outra máquina de interpretar a realidade, poderá chegar exatamente a mesma concepção? Como saber de que forma seu amante lhe ama? Como saber de que forma uma pessoa sente dor?
Para criar uma torta de maçã a partir do nada, antes seria preciso criar todo o universo... Para compreender exatamente como outro ser sente, ama ou sofre, antes seria preciso ser todo o universo.
Seria preciso conhecer o Grande Desconhecido, o Inefável, o Inalcançável, como ele mesmo se conhece. E esta é a aventura, a jornada, o prazer de todo verdadeiro religioso: religar-se a Deus.

O software angélico que roda no eixo do mundo
Tendemos a ver o xamanismo, o politeísmo e o paganismo em geral com certa desconfiança, particularmente no Ocidente. O que o monoteísmo sempre nos ensinou é que os pagãos são incapazes de perceber a mais básica das ideias: que tudo o que existe necessariamente surgiu de algo eterno e incriado, um Deus antes dos deuses... Entretanto, como já vimos, sempre existiram pagãos que sabiam perfeitamente disso, e devemos antes nos sentir orgulhosos destes sábios ancestrais, que muito antes dos hebreus já haviam chegado a tal concepção maravilhosa: a ideia de que há um Deus, uma substância ou ser incriado, anterior a tudo, causa primeira de tudo, o que se opõe ao nada... Aquele quem primeiro disse, quem sabe, “Eu sou”.
Como podemos ter alguma esperança de conhecer este Infinito? Ora, da mesma forma que temos esperança de um dia conhecer todas as leis da Natureza... A ciência nos ensinou, na verdade, uma lição que lhe era ainda muito anterior: separar o Infinito em pequenas partes, em aspectos e reflexos, para quem sabe um dia, estudando e compreendendo, amando e sentindo, uma a uma, cheguemos a uma compreensão melhor e mais profunda daquele Ser que tanto incomodou a Nietzsche: “Eu quero Te conhecer, Desconhecido” – disse o alemão quando ainda jovem, para uma plateia de jovens.
Assim como a ciência elaborou a Biologia, a Física, a Química ou a Neurologia, a mitologia elaborou o Soberano do Céu, Palas Atena, Hermes, Odin, Oxalá, e tantos outros deuses (e orixás) que são tão somente pequenas partes do Uno, aspectos do Infinito... Os deuses são o alfabeto com o qual a mente humana é capaz de reencenar, neste mundo objetivo, os fatos subjetivos de sua própria alma. Toda a mitologia é uma encenação da alma humana, toda a mitologia diz respeito a você: “Você venceu o seu monstro interior? Você morreu para seu lado animal, para renascer, três dias depois, como um novo ser?”.
Mas, seja este Grande Desconhecido quem for, talvez tenha tanta necessidade de nos amar, e reconhecer a si mesmo, através de nós, quanto nós temos esta necessidade ancestral de caminhar em sua direção – cada vez mais adentro. Nesta grande aventura, talvez também sejamos como o João no Pé de Feijão, que precisa escalar o axis mundi, e retornar com a galinha dos ovos de ouro... Ou talvez sejam precisas várias tarefas de Hércules, muitas e muitas aventuras, e inúmeras vidas.
Podemos então precisar de aliados, pois a longa jornada por vezes vai além de nossas capacidades humanas... E se o Grande Desconhecido não pode se revelar ainda, se é ainda muito arriscado que o vejamos face a face, sem estarmos amadurecidos para tal momento, quem sabe ele não nos ajude de outra forma?
Um software é uma sequência de instruções a serem seguidas e/ou executadas, na manipulação, redirecionamento ou modificação de uma informação ou acontecimento. Na mente divina existe tudo o que há, o Todo é mental. Na própria engenharia da realidade, ou mesmo no eixo que liga a Terra ao Céu, e o consciente ao inconsciente, pode sim haver um software rodando sem que o percebamos. Não fomos nós os programadores – os anjos podem ser robôs, portanto, mas robôs programados pelo Grande Arquiteto, o Programador dos programadores, o Deus dos deuses.
Eles são o Seu presente para esta grande aventura, e dizem que existem 72 deles a bailar pelo axis mundi. De vez em quando, um poeta vê uma de suas asas no céu, e de alguma forma sabe que não se trata apenas de um pássaro...

***

[1] O texto dos últimos 3 parágrafos foi retirado de um artigo de Pedro Burgos e Alexandre Versignassi para a revista Superinteressante, edição 290.

Crédito da imagem: Latajace

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28.1.13

O software angélico que roda no eixo do mundo, parte 2

« continuando da parte 1

E foram todos os dias de Enoque trezentos e sessenta e cinco anos. E andou Enoque com Deus; e não apareceu mais, porquanto Deus para si o tomou. (Gênesis 5:23-24).

Seriam os anjos e demônios seres como nós?
Se até agora tendemos a concluir que os deuses e orixás não poderiam ser seres pessoais, conquanto não poderiam haver passado por alguma espécie de evolução, o mesmo não necessariamente se aplica aos anjos e demônios.
É claro que nos mitos monoteístas, diz-se que os anjos foram criados como seres já perfeitos, servos eternos dos desígnios de Deus. Neste caso, seriam algo similar aos deuses, que operam as forças naturais. Mas o problema desta linha de pensamento é que esses mesmos mitos também nos contam que há alguns anjos que se rebelaram contra o Criador, e que desde então foram condenados a habitar o Inferno e, quem sabe, serem sempre maus, por toda a eternidade.
Com isso se quer dizer que o livre-arbítrio foi inventado, precisamente quando um anjo chamado Lúcifer (portador da luz) decidiu se rebelar contra a “programação” do Criador. Afinal, qualquer ser criado “já perfeito, pronto e acabado”, não passou por evolução alguma e, dessa forma, não é “perfeito” pelo seu próprio mérito, mas antes por alguma forma de “programação”. Tais anjos seriam então como robôs, autômatos sem vontade própria. Mas, se não teriam vontade, como diabos Lúcifer teve a vontade de contrariar seu Pai?
Eu penso que este problema tem duas soluções lógicas, e não mais do que duas: (a) Lúcifer na realidade também foi “programado” para contrariar a Deus, e tudo o que têm feito desde então, em realidade, é tão somente o que foi “programado” para fazer [1]; (b) Lúcifer na verdade seria um ser como nós, e sua decisão de contrariar ao Criador denota, metaforicamente dentro deste mito profundo, o estágio em que o ser se torna autoconsciente, que “desperta” para o conhecimento do bem e do mal, da vida e da morte, e para o fato de que possuí uma alma capaz de interpretar o mundo e fazer escolhas [2].
Ora, se ficarmos com a última opção (que, no meu entendimento, faz mais sentido), temos que anjos e demônios nada mais são do que espíritos, como nós mesmos, em maior ou menor grau de evolução cognitiva, moral e espiritual. Certamente pode parecer complicado “classificar” aos seres por sua suposta “evolução moral”; mas, na prática, é isto o que tentamos fazer todos os dias. Sempre que conhecemos algum novo amigo (ou inimigo), uma de nossas primeiras preocupações é tentar situar em que “nível de moralidade” ele opera. Claro que, muitas vezes, temos julgado errado [3], mas isto não significa que não exista uma distinção clara entre seres amorosos, sábios e morais, e seres indiferentes, ignorantes e imorais.
Antes, porém, de habitarem reinos fantásticos, acima ou abaixo do mundo, anjos e demônios talvez devam ser classificados pelo estado em que se encontram suas mentes, sua consciência, sua paz de espírito. Anjos seriam, portanto, aqueles seres com maior consciência da própria liberdade, e maior controle da própria vontade; ao passo que demônios seriam o oposto, ou seja: seres atolados num charco de desejos desenfreados, facilmente manipulados por vontades alheias, perdidos de si mesmos.

O que isto tudo quer dizer é isto aqui: anjos e demônios habitam mesmo este mundo, e não poderia ser diferente.

Os exus e as pambu njilas
Nas mitologias africanas (e, particularmente, na dos iorubás), deuses são chamados orixás, conforme já vimos. Pois bem, ocorre que no caso da umbanda sagrada, religião de origem brasileira [4], anjos e demônios são chamados de exus e pambu njilas. Exus nada mais seriam que espíritos como nós, no período entre vidas, do gênero masculino. Pombagiras seriam exus do gênero feminino (seu nome é uma corruptela do pambu njila, de origem angolana) [5].
Dessa forma, na umbanda, nem todo exu é demônio. De fato, a imensa maioria dos praticantes desta doutrina lida mesmo é com exus de amor e moral elevados – anjos, portanto.
Em todo caso, não devemos confundir os exus anjos e demônios com o Exu orixá (um dos deuses iorubás)...

O axis mundi
Me disseram que o termo Exu é derivado de “Eixo”, mas isto não posso confirmar. Em todo caso, é algo que faz sentido: o orixá Exu é o deus mensageiro, o responsável por fazer a conexão entre um mundo que está no plano com um outro mundo que está acima ou abaixo. No nosso caso, costuma-se dizer que Exu forma o eixo entre a Terra e o Céu, mas também poderia formar um eixo, igualmente, entre a Terra e o Inferno, dependendo de nossa intenção e vontade ao invocá-lo.
Desnecessário dizer que estas ideias de um axis mundi (Eixo do Mundo), e de deuses mensageiros que o percorrem, trazendo e enviando mensagens entre um plano médio e um superior (ou inferior), são abundantes em diversas mitologias. Geralmente, os deuses inventores da escrita (Toth-Hermes; Odin-Wotan) encontraram esta incrível descoberta exatamente enquanto viajavam através do Eixo, indo e retornando de um plano superior. Odin, por exemplo, chegou a se enforcar neste Eixo, que era a própria Yggdrasil (“o eixo do mundo”), e após alguns dias de “transe xamãnico”, trouxe o conhecimento das runas (forma de escrita) aos homens nórdicos.
Entretanto, isto vocês devem lembrar: dizíamos há pouco que os deuses eram forças da natureza, e não seres pessoais, que evoluem, como nós. Ora, e não é exatamente disto que se trata o orixá Exu? Uma força natural, um instrumento pelo qual nossas mentes conseguem entrar em estados alterados e acessar informações que antes nos eram ocultas?
No fundo, não importa muito ao médium ou magista se os deuses existem fora ou dentro de suas mentes... Na prática, o axis mundi poderia ser um pé de feijão mágico cujo caule gigantesco toca o próprio céu, ou o eixo interno da própria alma, que liga o plano médio, consciente, ao plano oculto, inconsciente. Dessa forma, se em nosso inconsciente há um reino celeste, ou infernal, isto depende unicamente de onde sintonizamos nosso pensamento e nossa vontade.

» Em seguida, finalmente, o software angélico...

***

[1] Apesar de eu mesmo não acreditar na hipótese, admito que ela explicaria o fato de Lúcifer ser eternamente mau, sem a possibilidade de se arrepender: é que foi “programado” para assim o ser.

[2] Neste caso, o mito de Lúcifer teria vários outros paralelos na mitologia. Mesmo no próprio Gênese, o mito da Eva que comeu a fruta proibida da Árvore da Ciência do Bem e do Mal, seria essencialmente uma metáfora muito parecida. Talvez surgido num tempo próximo, mas em outra parte do mundo, temos o mito de Prometeu, o titã que roubou o fogo dos deuses, e depois foi punido. Não obstante, houve tempo de presentear este fogo aos homens, o que os tornou “superiores” aos demais animais: ou seja, eram, conforme Adão e Eva, os primeiros seres humanos conscientes de si mesmos e da própria liberdade (vontade). Também haviam conquistado a ciência do bem e do mal (graças ao sacrifício de um ser “sobre-humano”, mas que foi punido pelos deuses por sua ousadia).

[3] O massacre dos indígenas da América pelos colonizadores vindos da Europa é um belo exemplo. Os colonizadores se julgavam “seres de moral superior”. Mas por tudo o que fizeram, pelo exemplo que foi dado, fica muito claro que os ditos “selvagens” estavam, muitas vezes, num estágio moral muito mais elevado do que os ditos “civilizados”.

[4] Surgida há pouco mais de um século, em Niterói, Rio de Janeiro.

[5] Muitas vezes a umbanda também lida com espíritos que, em sua última encarnação, não eram de origem africana, mas indígena. Normalmente são chamados de caboclos ou cabocladores, e não de exus. Eles são o que restou dos indígenas devastados pelos “homens civilizados”. E eles nos perdoaram: voltam para nos ajudar, sobretudo, por amor.

Crédito das imagens: [topo] Fantasy Flight Games; [ao longo] Tetra Images/Corbis

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27.1.13

O software angélico que roda no eixo do mundo, parte 1

O único lugar em que os deuses e demônios existem indiscutivelmente é na mente humana, onde são reais em toda a sua grandiosidade e monstruosidade (Alan Moore).

Há muitas coisas a se falar acerca de deuses, anjos e demônios. Para não tornar este texto excessivamente longo, estarei iniciando no meio do caminho, de forma que é recomendável que primeiramente leiam estas duas séries de artigos, antes da leitura deste aqui: A roda dos deuses e Os corvos de Wotan.

Se não entenderem muita coisa a partir daqui, não digam que não avisei!

Seriam os deuses forças da natureza?
Segundo muitos estudantes de mitologia e ocultistas, os deuses nada mais seriam do que imensos conjuntos de símbolos resumidos nalgumas imagens ou histórias, que foram passadas adiante pela cultura humana mesmo antes de a escrita haver sido inventada [1]. Existiriam, dessa forma, tão somente na mente humana, esta incrível força capaz de interpretar a realidade. Mesmo que este fosse o caso, o fato de existir somente na mente não necessariamente torna os deuses “assunto irrelevante”, principalmente pelo fato de que toda a realidade, de certa forma, existe na mente – na medida em que o resultado final dela é processado na mente.
Mas é óbvio que há muitos religiosos, dogmáticos ou não, que consideram ou creem piamente na possibilidade dos deuses existirem também fora da mente, na realidade objetiva. Ora, isto gera pelo menos duas questões lógicas de solução não exatamente trivial:

(1) Se os deuses existem objetivamente, quem os criou?
(2) Se os deuses são seres individuais, conscientes, de que forma ocorreu sua evolução?

Para respondermos a primeira pergunta, precisamos considerar o problema da existência, ou o problema do ser, que na filosofia postula, basicamente, que nada pode surgir do nada [2]. Trata-se de um problema muito antigo, que consta tanto nos Upanixades hindus quanto no taoismo, tanto na filosofia de Parmênides e Plotino quanto na monumental síntese moderna de Benedito Espinosa, que postula que “uma substância não pode criar a si mesma ou alguma outra substância totalmente dissociada de si”.
Ora, pela lógica mais pura e básica, isto significa que algo sempre existiu, e jamais foi criado, exatamente porque o nada não existe. Desta forma, isto também significa que, acaso os deuses existam objetivamente, mesmo eles precisam haver sido criados, e quem ou o que os criou, este sim é o chamado Criador.
A despeito da ignorância de muitos eclesiásticos monoteístas acerca do tema, em realidade o politeísmo sempre contou com alguns grandes sábios e/ou místicos que sabiam muito bem que “teria de haver um Deus anterior aos demais, e este seria o Criador, e ele teria de ser único”. Desta forma, a ideia central do monoteísmo, longe de ser alguma novidade lógica, é apenas uma conclusão tardia que, por alguma razão, preferiu discriminar ou ignorar a possibilidade da existência dos deuses.
De fato, há muitas mitologias arcaicas [3] que falam acerca de um Criador que, após haver criado o mundo e os deuses, se tornou um “deus ocioso”. O fato de ser “ocioso”, entretanto, não necessariamente significa que “não faça nada”, mas sim que “não fazemos sequer ideia do que ele é ou faz”.  
Na mitologia iorubá, que teve grande influência no Brasil através do candomblé e da umbanda sagrada, que lhe são derivadas, há o exemplo do Deus Criador: Olorun. Ora, foram os deuses (orixás) quem criaram os homens [4], e são eles quem “os influenciam” na Terra (Ayie). Mesmos estes orixás, porém, foram criados por Olorun, que hoje reside no Céu (Orun). Bem, sabemos que nos ritos do candomblé, por exemplo, há oferendas para os orixás. Para Olorun, porém, jamais é feita oferenda alguma. E o motivo é mesmo óbvio: Tudo o que existe, tudo o que pode ser ofertado, já lhe pertence em todo caso! Eis uma profundidade de pensamento que muitos críticos dos iorubás ignoram ou desconsideram.
E Olorun é também “ocioso”, antes por não ter nenhuma participação nos ritos e rituais, do que propriamente por não fazer nada. Ora, são os homens quem não sabem o que ele faz ou deixa de fazer, e que, portanto, disseram que ele “se tornou ocioso” – ou seja, além de nossa capacidade de compreensão do que uma ou outra ação sua significaria.
Seja Olorun da África, ou El da Mesopotâmia (que foi sincretizado com o deus bíblico), ou o próprio Tao, “anterior ao Soberano do Céu”, do taoismo: todos estes nomes se referem ao Criador, ao Uno, a substância tão sabiamente definida por Espinosa. E os deuses nada mais são do que seus filhos, assim como nós mesmos [5].

Para respondermos a segunda pergunta, precisamos considerar que todo ser vivo há que haver evoluído de um princípio simples para uma entidade complexa, consciente. Pois, assim como não há árvore que antes não tenha sido semente, e não há espécies complexas sem que antes haja existido espécies tão simples como uma simples bactéria, da mesma forma ocorre com o espírito. Se os deuses, portanto, fossem espíritos, teriam de haver evoluído da mesma forma, sabe-se lá onde, sabe-se lá quando.
O grande problema desta hipótese é que os deuses representam as forças da natureza, e estas não podem simplesmente ter passado por uma evolução. Pelo que sabemos, a gravidade precisa existir, da mesma forma como é hoje, desde os primeiros momentos deste espaço-tempo. E, ainda que existam outros universos num hipotético multiverso, pela lógica seria muito complexo supormos que, nalgum outro universo qualquer, a gravidade possa ter “evoluído passo a passo, assim como nós”.
Pode ser estranho para alguns associar um conceito científico, a gravidade, com o conceito dos deuses entendidos como forças da natureza. Mas para mim é uma associação muito proveitosa... Para Empédocles (filósofo pré-socrático), por exemplo, a gravidade era chamada de amor: o que unia não somente os seres, como todas as coisas do Cosmos. Ora, se a gravidade deixasse de existir por um momento sequer, podemos imaginar o caos que ocorreria em todo o universo. Não há como haver universo, ao menos um universo onde haja sóis, planetas e vida, sem a gravidade, sem o amor de Empédocles. Portanto, este amor tem de haver existido desde sempre.
Se formos então transportar esta ideia para o conceito dos deuses enquanto representantes e agentes das forças naturais, temos que eles não somente não são seres individuais, ou espíritos como nós, como tampouco tem exatamente uma vontade própria. Se existe alguma vontade nalgum deus, esta vem como reflexo da vontade do Deus Criador, pois que tudo o que os deuses fazem é legislar com as leis que existem na própria engenharia da realidade...
Isto é, se é que os deuses existem fora da mente humana.

» Em seguida, anjos e outros mensageiros atuando no eixo do mundo...

***

[1] Há muitos deuses que inclusive fazem parte da própria narrativa da descoberta da escrita, como é o caso de Toth-Hermes ou Odin-Wotan. Eles têm em comum pelo menos o fato de terem sido aqueles que “trouxeram o conhecimento da escrita para a humanidade”. Entretanto, também existem ou existiram outras doutrinas espiritualistas, como a druídica e boa parte das antigas doutrinas xamãnicas e indígenas, que ou jamais descobriram a escrita, ou preferiram não utilizá-la, temendo que ela terminasse por reduzir à experiência religiosa a mera teoria (provavelmente Sócrates sentia o mesmo, tanto que faz uma curiosa crítica ao discurso escrito no Fedro).

[2] Recomendamos a leitura da série Reflexões sobre o nada.

[3] E recomendamos, ainda uma vez mais neste blog, a leitura do monumental História das crenças e ideias religiosas, de Mircea Eliade (Ed. Zahar). Trata-se de uma série de 3 volumes, no qual o primeiro volume, por tratar do início, é obviamente o mais importante (ao menos no contexto do que estamos refletindo aqui).

[4] Bem, em algumas interpretações desta mitologia, Olorun também foi responsável pela criação dos homens. Mas no contexto de nossa reflexão, isto não fará muita diferença prática.

[5] Não à toa o rabi da Galileia nos disse: “sois deuses”. E, mesmo isto não era nenhuma novidade, pois há uma frase mística muito mais antiga que afirmava: “eu também sou da raça dos deuses”.

Crédito da imagem: Encontrada em UNEGRO

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25.1.13

O último enigma, parte 4

« continuando da parte 3

O dogma e a paixão

“Devo confessar que é deveras divertido ouvir as suas indagações acerca da existência, ó seres do mundo...” – sorriu o anjo glacial – “Mas atentem que tais incursões a terras tão distantes de sua própria realidade de nada adiantam se antes vocês não se colocarem em humilde posição diante deste todo grandioso que é o universo: o mundo e o além-mundo.

Acaso assim tivessem feito desde o início de suas dúvidas, teriam hoje mais competência para estudar o que ainda estão longe de conhecer. Pois que se assim o fosse, saberiam que desde o início de tudo houve um Criador Primordial. E quanto mais conhecessem este Criador, quanto mais saberiam de enigmas dos quais nem sequer podem hoje sonhar em solucionar!”.

“Ora, meu caro arcanjo, não sei se pretende me confundir com tais afirmações. Eu já disse que não acredito nem desacredito em Deus, mas tenho a convicção de que poderemos sim decifrar a todos esses enigmas, ou a maioria deles, sem o auxílio de um Ser Todo Poderoso!

Ora, como poderia acreditar que para estudarmos e aprendermos sobre as coisas, nós antes teríamos de crer nalgum Criador? Acaso não foi exatamente o dogma medieval que nos deixou cegos para a ciência e o estudo dos astros, até há bem pouco tempo atrás?” – desafiou o homem que diziam ser ateu.

“Você é muito presunçoso de sua própria capacidade enquanto homem e somente homem, ser ateu...” – prosseguiu o anjo como quem pretendesse falar a uma criança – “Acaso não acha que nós anjos, a serviço do próprio Criador, não tivemos nossa parcela de contribuição em suas recentes descobertas? Ora, é claro que um dogma capaz de deixar os seres tão cegos a ponto de serem incapazes de admitir que é o Sol o astro fixo no centro, e não a Terra, a despeito de tudo o que tem sido observado pelos amantes das lunetas, será um dogma problemático...

Mas antes educar aos seres com dogmas do que deixá-los a mercê da selvageria e ignorância humana... Antes manter uma civilização às escuras do que arriscar que este mundo termine num colossal campo de batalha entre bárbaros ignorantes!”.

Já há algum tempo o demônio de um só chifre sentia-se incomodado com o raciocínio do ser alado, mas foi após esta explanação que se deu ao direito de ousar interrompê-lo:

“E eu aqui intercedo, nobre arcanjo, para lembrá-lo de que até hoje não se sabe de nenhum dogma que tenha sido efetivamente mais positivo do que negativo para a evolução dos homens.

Querer que os homens aceitem máximas religiosas, pretendendo que isso por si só os garanta uma boa conduta, é o mesmo que oferecer a esmola ao esfomeado, mas não ensiná-lo a plantar o próprio alimento... Acaso esqueceste de que o livre-arbítrio foi concedido aos homens exatamente para que eles investiguem e descubram a verdade por eles mesmos? Ou seja, sem que alguém chegue para eles com uma verdade gravada nalguma tábua e lhes diga: ‘Esta agora é a nova verdade do mundo!’. Meu caro arcanjo, deixe que os homens gravem suas própria tábuas”.

Ao que o anjo glacial, agora sombreado, respondeu:

“Me surpreende ouvir tamanha besteira de um demônio que encontrou a luz, ó ser infernal! Não és tu agora um aspirante das terras superiores: Não és tu aquele que aceitou a Deus e se redimiu?”.

“Aceitei a Deus?” – de volta ao demônio – “Não fui eu quem aceitei a Deus, foi ele quem me aceitou, quando clamei desesperado com vergonha da minha própria escuridão, pedindo uma nova chance!

Sim, meus caros, estava eu atolado no charco dos desejos desenfreados, na lama dos setores inferiores do mundo, onde tudo cheira a podridão e esquecimento, e o remorso é o pesado arauto da consciência... Pois ainda que não lembremos sequer da ínfima parcela de nossos atos na ignorância da luz, de algo lembramos, e isto nos dói profundamente.

E a dor não passa jamais, exceto quando compreendemos finalmente que estamos no caminho circular, que não chega a lugar algum, e clamamos por ajuda... Foram os anjos do alto, os misericordiosos das falanges de resgate e cura, estes que me retiraram do charco, que me cuidaram, e que possibilitaram que um novo ser nascesse no fundo de mim mesmo.

E ainda que eu tenha um longo débito com as leis do Criador, por tudo de mal que havia feito, por ignorância, aos seres, a natureza e a mim mesmo, ainda assim ele me aceitou de volta!

E se hoje eu tenho ainda que pagar por todos esses anos na escuridão, minha vergonha se foi, e minha alma se torna mais leve a cada nova manhã. Pois que hoje eu sei: estou no caminho certo, o único que segue a frente.

Digo mais, nobre arcanjo... Não foram os dogmas que me salvaram, mas minha própria consciência, que bem ou mal, sempre soube exatamente de cada pequeno passo meu, em direção a luz, ou a escuridão. Ela nunca desistiu de tentar me mudar, pois que guarda alguma espécie de substância, de marca ou sinal, do Criador.

Eu mudei por amor, pelo amor que vem do alto, e tal como os raios solares, jamais deixou de penetrar mesmo nos corações mais sombrios.

Como explicar o que ele fez por mim? Como justificar minha crença aos outros? Muito bem, afirmo que minha crença não é uma crença baseada num dogma ou numa santíssima tábua, meus amigos... Eu acredito e compreendo a um Deus, como quem compreende e aceita estar apaixonado!

Como explicar ou ensinar a paixão? Apenas pretendo servir de exemplo, para que outros se apaixonem também, e possam me seguir neste caminho. Assim andaremos juntos, sabe-se lá até onde...”.

***

Foi aqui que terminei de escrever no caderninho.

Não me arrependo de haver desistido deste formato, pois embora o aspecto mitológico e fantástico possa ser atraente, acredito que haveria me limitado muito. Não poderia falar de assuntos da modernidade, pois o diálogo discorre nalgum tempo não muito após o Renascimento. Além disso, os personagens parecem caricatos demais para serem verossímeis (e isto nada tem a ver com serem anjos, demônios, etc.).

Em Ad infinitum, quero crer que tenha conseguido tornar os personagens mais verossímeis, menos caricatos, e de pensamento mais aprofundado. Pelo que tenho ouvido até aqui dos que iniciaram a leitura, parece que tive algum grau de sucesso.

» Ad infinitum está à venda na versão impressa e eBook, somente pelo Clube de Autores.

***

Crédito da imagem: Anônimo

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24.1.13

In my soul I know

poema que chegou em inglês, a tradução segue abaixo...


In my soul
I think I know…
Should I think so?

Or should I think:
At least I’m on the way;
If I do look back
I see all my footsteps
Right beside the ruts
Of your chariot, Jalal ud-Din…

It’s silent in the way
And, sometimes
It’s also silent in my soul

When I come to this coffee shop
And ask for one
The attendant smiles
Cause she already know me
For quite some time…
But then, I suddenly think:
Does she know that I’m a poet?
Should I think so?

Or should I think:
At least I say “thank you”
When the coffee arrives…

Look at all the lovely people
And look at all those blind ones;
Someday they will see, Jalal ud-Din…
And, in that day
Let’s hope they do not blink their eyes
Because in that blinking
In that moment
Eternity could pass away!

I’m, I try to be, an attendant
An attendant for eternity;
And, when the attendant brings me my cup
I say, from the deep of my soul:
“Thank you”;
But, shouldn’t I say:
“I’m you”?

In my soul, I know


***

Em minha alma
Eu acho que sei...
Deveria pensar assim?

Ou deveria pensar:
Pelo menos estou no caminho;
Se olho para trás
Vejo todas as minhas pegadas
Bem ao lado dos sulcos
De sua carroça, Jalal ud-Din...

É silencioso no caminho
E, às vezes,
É silencioso também em minha alma

Quando venho neste café
E peço por um
A atendente sorri
Porque já me conhece
Há um bom tempo...
Mas então, subitamente, eu penso:
Ela sabe que sou um poeta?
Deveria pensar assim?

Ou deveria pensar:
Pelo menos eu digo “obrigado”
Quando o café chega...

Olhe para todas essas pessoas amáveis
E para todas estas ainda cegas;
Um dia elas verão, Jalal ud-Din...
E, neste dia,
Tenhamos esperança que não pisquem os olhos
Porque ao piscar
Neste momento
A eternidade pode passar desapercebida!

Eu sou, tento ser, um atendente
Um atendente para a eternidade;
E, quando a atendente me trás minha xícara
Eu digo, do fundo da minha alma:
“Agradeço a você”;
Mas, não deveria dizer:
“Eu sou você”?

Em minha alma, eu sei

raph’13

***

Crédito da foto: Kunal Kalro (um café sufi)

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22.1.13

O último enigma, parte 3

« continuando da parte 2

Doce curiosidade

O último convidado daquela discussão, o qual os demais chamavam de ateu, começou por esquivar-se daquele enigma que o sábio havia lhe endereçado:

“Sua palavras soaram muito sábias agora há pouco, ó ancião. Sem dúvida, diferentes pontos de vista são nada mais que diferentes opiniões.

Vocês me chamam de ateu, mas eu não sei o que isso significa exatamente. Assim como não sei o que significa ser um ‘não ateu’... Ora, eu sei das coisas do mundo, ou melhor: sei algumas coisas das infinitas coisas do mundo. Foi isto que vim aqui discutir.

Me parece que você voa muito alto quando de indaga sobre o que havia antes desta luz, meu caro sábio... Ora, o anjo e o demônio podem até saber sobre tal assunto, pois que vivem além deste mundo, mas o que nós que aqui habitamos pretendemos saber de um enigma tão distante de nossa realidade?”.

O ancião, incomodado com sua esquiva, retrucou:

“Meu querido, se não queria discutir sobre assunto tão distante, que não houvesse comparecido a este encontro, posto que o combinado seria discutirmos o mundo, este mundo. E, para fazê-lo, começamos de seu início, para eventualmente viajarmos mesmo muito adiante dele...

Mas, afinal, como não fazê-lo? Como ignorar certos enigmas se é exatamente isto que pretendemos ser – decifradores?”.

Neste momento o último convidado levantou-se, em postura acusadora:

“Pretendemos tal coisa? Ora, meu caro sábio, você já viveu muitas primaveras para que houvesse se esquecido da primeira de todas as sabedorias... Não foi acaso um outro sábio quem disse a máxima antiga: ‘tudo que sei é que nada sei’?”.

“E o que sabemos, o que sabemos meu caro?” – prosseguiu o ancião – “Sabemos pouco ou muito pouco, sabemos menos que o cego mais cego, pois que mesmo o cego pôde um dia enxergar ou, ao menos, escutar o trovejar das tempestades escuras; Mas nós que nem sequer além deste mundo enxergamos ou escutamos, queremos saber sobre o que havia antes dele, queremos enxergar antes de existir a luz!

Somos ousados, ó ateu. Mas o somos porque temos vontade para ser, porque amamos o saber. Longe de nós saber tudo, pois o que nos impulsiona é precisamente esta doce curiosidade do saber”.

Ante esta resplendorosa resposta, o homem que era chamado de ateu soltou um largo sorriso e se calou, visto que percebera ser a vez do nobre arcanjo retornar com sua explanação...

» A seguir, "O dogma e a paixão"

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Crédito da imagem: Anônimo

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21.1.13

A jornada do herói

Nesta animação de parte da palestra de Matthew Winkler para o TED, vemos um rápido resumo da Jornada do Herói, baseado na teoria do Monomito de Joseph Campbell (com legendas*):

ps. Não esqueçam, moças e rapazes, todos os mitos dizem respeito a você: "Você enfrentou seu maior monstro interno? Você morreu para o seu lado animal e renasceu com uma nova consciência do mundo a sua volta?"... Conforme dizia o Tio Ben, "com grandes poderem vem grandes responsabilidades". E todo ser que possuí uma alma possuí uma grande responsabilidade!

***

(*) Caso a legenda não abra automaticamente, clique em "CC" na barra inferior do vídeo e escolha a opção "Portuguese (Brazil)".

Vejam também:

» O poder do mito

» Xamãs, heróis e dragões

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20.1.13

Faz o homem gemer sem sentir dor

Diziam que assuntos filosóficos e científicos afastam o público feminino. Mas quem dizia isso ficou enterrado na história. Esta é uma história nova, e fico muito feliz em informar que os quase 3 mil seguidores do Textos para Reflexão na página do Facebook chegaram hoje ao equilíbrio de 50% de homens e mulheres (há não muito tempo os homens eram ainda 60%). Não tenho dúvidas de que em mais alguns meses serão mais mulheres do que homens - mulheres que se interessam em assuntos filosóficos e científicos mas, sobretudo, em assuntos espirituais. Pois o amor é espiritual.

Esta música vem de uma época onde a música popular brasileira usava mais as partes superiores do corpo do que as inferiores. Composta por Zé Ramalho e Otacilio Batista, e interpretada pela voz inefável de Amelinha: Mulher nova, bonita e carinhosa. E qual mulher que reconhece a própria alma não é assim?


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18.1.13

O último enigma, parte 2

« continuando da parte 1

Antes da luz

Não era comum ver um anjo arregalar os olhos. Parecia que aquela pergunta era em si um enigma até para o mais nobre dos seres de luz – mas após um curto momento o anjo se recompôs e respondeu ao sábio como quem transmite a verdade do mundo a um grupo de camponeses (ou, pelo menos, como quem acredita nisso):

“Ora, meu caro sábio, quem pode dizer de onde vem o sol? Decerto que este que agora pouco se despediu do dia veio do além horizonte, como tem feito desde que essa terra nasceu; Decerto é este o mesmo astro que cultiva nossos campos e aquece nossos corpos há anos e anos.

Mas no mundo, no mundo que nós anjos podemos perceber, existem incontáveis terras e incontáveis sóis... Um deles, no entanto, teve de preceder os demais. Um deles teve de vencer a tenebrosa escuridão do Grande Nada.

Um deles foi o primeiro explorador do vácuo que existia entre a não existência e a consciência. Um foi o Primeiro Sol, aquele que primeiro iluminou o mundo, mas que veio a ser ainda antes que a luz o fosse.

E o que havia antes da luz? Ó sábio ancião, isso é matéria escura até para os mais iluminados dentre os arautos desse grande Primeiro Sol, desse grande Deus!”.

As palavras do nobre arcanjo soavam ora doces e melodiosas, como uma leve sinfonia composta de brisas matinais, ora profundas e ameaçadoras, como um relâmpago que anuncia o trovão raivoso. Isso parecia irritar aquele que caminhava para a luz, mas que era ainda tão somente um demônio redimido:

“Porque insistes em invocar o nome dele como se fosse uma grande ameaça, uma grande punição que paira sobre aqueles que ainda não são capazes de o ver de certa maneira?

Eu lhe digo, nobre arcanjo, que eu mesmo já maldisse esse nome inúmeras vezes... Eu mesmo já me rebelei contra ele por não aceitar as injustiças que eram feitas em seu nome – e como foram terríveis e cruéis muitas delas!

Não preciso aqui citar algumas das mais santas guerras e das mais santas fogueiras de homens e mulheres acendidas em seu nome...

Os pretensos donos da verdade diziam que essa luz só se aproxima daqueles que seguem os mais estúpidos rituais e as mais ridículas leis... Sabe, eu fui inimigo dessa luz por muito tempo, até que eu descobri que não existe uma única verdade, e que com certeza não poderia ser esse, justamente esse, o deus responsável pelas blasfêmias que se realizavam em seu nome.

Eu encontrei a verdadeira luz, nobre arcanjo, e foi pela dor! Aquela que veio do Primeiro Sol, e que penetrou invicta aos corações mais obscurecidos... Essa luz ilumina a todos, e não somente aqueles que usam auréolas na cabeça.

Mas, sobretudo, ó arcanjo, eu aprendi a falar dele de maneira doce e suave, posto que ele é agora o meu melhor amigo.

Sou apenas um demônio, e tenho carregado esta pata de bode e este único chifre, mas se me permite, gostaria de lhe dar um conselho: Fales de maneira doce e gentil quando invocardes o nome de Deus, para que não faça com que aqueles que lhe ouvem, e ainda o desconhecem, corram apavorados desse todo poderoso juiz que surge da tua fala trovejante”.

Nalgum momento daquele extenso comentário do demônio, o anjo iluminado pareceu sombrear de raiva; mas, como é dado aos anjos, por fim se desculpou, com a voz ainda mais melodiosa do que outrora:

“Decerto posso lhe compreender, aspirante da luz. Eu mesmo um dia ouvi o nome dele e estremeci ante o poder – mas já faz muito tempo, e talvez eu tenha me esquecido disto.

Desculpas, peço, pois que não é minha intenção afastar os seres desta luz, mas, pelo contrário, atraí-los a ela...”.

Os seres do Além Mundo trocaram então olhares cordiais, no que o silêncio foi subitamente interrompido pelo sábio ancião:

“Nossa conversa se deteve no enigma do que haveria antes do Primeiro Sol; Talvez fosse deveras interessante perguntar agora aquele que não acredita neste sol o que haveria então ali, visto que uma diferente crença fatalmente nos leva a uma diferente opinião”.

E, nesse momento, todos se voltaram curiosos e de ouvidos abertos para o homem que era ateu...

» A seguir, "Doce curiosidade"

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Crédito da imagem: euphoricarythmia.com

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16.1.13

O último enigma, parte 1

Agora que lancei meu livro, Ad infinitum, posso lhes trazer aqui o que foi, na realidade, seu primeiro “esboço”, escrito cerca de 2 anos antes (embora não lembre mais ao certo, pois escrevi a mão num caderninho e não coloquei a data). Neste outro projeto, também temos 4 personagens que “discutem acerca do mundo”, mas aqui eles são mais mitológicos, mais fantásticos, mais enigmáticos...

Discutir o mundo

Era já um novo entardecer na Cidade da Encruzilhada, e tanto os pássaros quanto os mercadores pareciam ter se retirado há uns bons minutos, visto que naquele momento o céu inteiro parou em silêncio, como que numa bela arte renascentista.

“Como é belo ver o sol se despedir do horizonte” – pensou o homem que vinha pela estrada a pé – “Faz tempo desde a última vez que parei para dar adeus ao sol, tenho que me lembrar disso de vez em quando”.

A Cidade da Encruzilhada era assim chamada por ser o grande centro de comércio daquela região do mundo – muitos eram os caminhos que ali se encerravam ou entrecruzavam. Dessa forma, havia sido o local escolhido pelos quatro viajantes para o grande encontro...

O primeiro deles, que vimos há pouco a observar o entardecer, era o último dos quatro a cruzar os portais da cidade. Vinha numa passada ligeira com suas botas de couro já gastas, acusando-o ser um nômade já experiente.

Carregava apenas uma sacola de pano e uma capa acinzentada – a sacola vinha com algumas frutas e pães, assim como um cantil d’água, e a capa era para as chuvas. Completava-o uma bela túnica branca (no entanto, também já gasta e maltratada) e um fino cinto adornado por uma fivela de prata, de onde pendia um saco de couro com suas poucas moedas e pertences.

Pois bem, era precisamente esta figura que se aproximava do pequeno bosque, no entorno da cidade, onde eles iriam discutir o mundo.

Os outros lá já estavam: um era ancião de aparência inofensiva e olhar penetrante; outro, um ser bizarro de pele avermelhada, tinha um pequeno e solitário chifre brotando da fronte esquerda, e uma pata de bode que se encontrava no lugar de sua antiga perna direita; finalmente, tínhamos um belíssimo homem de pele glacial, tão alto que sua face parecia atrair os últimos raios e sol do fim do horizonte. Foi este último quem falou, com uma voz poderosa:

“Ora, ora, porque demoraste, filho do destino? Será que foi por conta do belo entardecer que vimos há pouco?” – indagou o ser angelical.

O último convidado riu-se enquanto sentava próximo aos amigos na relva – “Verdade, nobre arcanjo, não fosse por esta nossa conversa há muito planejada eu teria perdido este espetáculo”.

“Espetáculo? Ah! Espetáculo, dizes... Mas o que um ateu entende dos milagres da natureza? Acaso já ocorreu a você algum dia verificar de onde vem o sol do Oriente e por onde passeia após cruzar o Ocidente?” – prosseguiu o anjo.

O homem ateu não respondeu, apenas cumprimentou o sábio ancião e o demônio redimido (nossos últimos personagens a serem apresentados); Entretanto, uma leve tensão sacudia o ar, pois que na discussão que se seguiria, um enigma já havia sido lançado...

E o velho sábio, com sua fala mansa e serena, deu o primeiro empurrão na roda – “Pois bem, nobre arcanjo, tu dizes coisas bonitas acerca do mundo e dos seres. O sol é a luz do mundo, sem ele nada seríamos senão pequenas larvas a rastejar na fria escuridão... Acaso podes iniciar nossa pequena conversa? Acaso tu sabes de onde vem o sol?”.

» A seguir, "Antes da luz"

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Crédito da imagem: Jesper Lund

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13.1.13

Lançamento: Ad infinitum

Hoje, 13.01.13, lancei meu livro, Ad infinitum.

Quando comecei a escrevê-lo, em meados de 2009, não fazia ideia de que hoje existiria um serviço como o Clube de Autores, que permite que lancemos um livro com o controle total do resultado final, de cada vírgula do texto a diagramação da capa, contracapa e orelhas. Tampouco poderia prever que hoje teria uma página do meu blog, no Facebook, com quase 3 mil seguidores; ou que meu próprio blog, o Textos para Reflexão, teria uma média de visitas diárias de mais de mil acessos; muito menos que seria um colunista regular de um grande portal de ocultismo e espiritualidade, o Teoria da Conspiração [1].

Quando a ideia para este livro me veio, martelando a cabeça, quis que fosse embora. Daria muito trabalho levá-la adiante. Quando finalmente comecei a escrever, tive medo de não estar à altura da tarefa. Quando enviei os primeiros dois capítulos a leitores que considero cultos e exigentes, e eles gostaram do que leram, tive medo de não saber como terminar o restante do livro. Agora, no entanto, me sinto aliviado, realizado. Este livro não é mais uma questão minha, não é mais o meu livro, mas o livro de vocês, leitores. O que virá daqui para frente dependerá muito mais de vocês do que de mim.

Com este livro, procurei demonstrar como num diálogo amigável de quatro personagens com crenças e descrenças diversas, ainda assim podemos chegar a grandiosos acordos. E, mesmo quando não chegamos a um acordo geral, nada deveria indicar que um desacordo de crenças e ideias leva, necessariamente, a inimizades.

A existência é muito grandiosa, complexa, inefável e brutal, para que percamos tempo em brigas inúteis. Os personagens no fim são todos aspectos de mim mesmo (e de todos nós, quem sabe) que são capazes de se tornar amigos uns dos outros: uma filósofa, um cético, um espiritualista, um crente. Por que não?

Neste livro falaremos de Deus, do Cosmos, de fé e razão, ciência e religião, arte e espiritualidade, filosofia e ceticismo, etc. Tudo para que estas ideias possam melhorar a vizinhança.

Já me disseram que meus textos mudam as pessoas. Não é verdade: as pessoas é que mudam elas mesmas, e a vizinhança em torno (e quem sabe o mundo todo), quando mudam seu pensamento. O que escrevo sobre os ombros de gigantes, como Benedito Espinosa, Hermes Trimegisto, Carl Sagan e Gibran Khalil Gibran, dentre outros, é apenas uma mensagem. Uma luz. Reflitam adiante, ad infinitum!

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» Baixe gratuitamente uma amostra do livro (25 páginas, PDF)

» Conheça a simbologia do Ouroboros e da Árvore da Vida (capa do livro)

» Veja a galeria do livro em nossa página no Facebook

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Algumas perguntas e respostas sobre o livro:

Ele pode ser encontrado em livrarias?
Não. No momento só pode ser comprado pelo site do Clube de Autores, na versão impressa ou em PDF; ou pela Amazon Brasil, na versão digital (eBook).

Como faço para comprar na Amazon? Preciso de um Kindle para ler a versão digital?
A Amazon é a maior livraria online do mundo, e você poderá começar a ler meu livro literalmente minutos depois da compra. Caso não tenha um Kindle, poderá lê-lo em Tablets, Smartphones, Laptops ou PCs, bastando para tal instalar os aplicativos gratuitos de leitura específicos de cada plataforma. Saiba mais sobre o lançamento para Amazon Kindle.

Posso confiar no Clube de Autores? Quais são as formas de pagamento e envio?
O Clube de Autores é a maior comunidade de autores do país, e vende livros por demanda, impressos com qualidade profissional. Você poderá pagar com cartões Visa e Mastercard, boleto bancário, PagSeguro e/ou transferências online. O livro impresso será enviado para seu endereço pelos Correios, sendo possível rastrear a encomenda a qualquer momento do processo. A versão em PDF será disponibilizada para download imediatamente após a confirmação da compra.

Posso confiar na revisão e diagramação do livro?
O livro foi diagramado conforme exemplos de livros profissionais, composto com as fontes mais legíveis do mercado, e com os devidos cuidados de revisão gramatical. Você também pode conferir uma amostra do livro (25 páginas, PDF).

Posso confiar na qualidade do conteúdo?
Depende. Se você gosta do que escrevo em meu blog (Textos para Reflexão), é bem provável que o livro lhe agrade. Se, por outro lado, não conhece ainda o meu blog, talvez seja melhor primeiramente navegar por lá e ver se gosta do que tenho a refletir.

Você desistiu de tentar publicar o livro por uma editora de grande distribuição?
Pelo contrário, ainda nem comecei. Este será o segundo passo. O fato de o livro estar sendo vendido online não significa que eu tenha perdido os direitos sobre ele. Pelo contrato do Clube de Autores, posso cancelar a venda a qualquer momento, e o farei, caso alguma boa editora se interesse por publicá-lo. Mas, se nenhuma se interessar, fato é que os leitores do meu blog já terão acesso a ele, e isso já é suficientemente extraordinário para mim.

***

“Gostei do livro! Como posso ajudar a divulgá-lo?”

1 – Boca a boca: é a alma do negócio!

2 – Você pode entrar na página dele no Clube de Autores e comentar, ou avaliar (clicando nas estrelinhas), ou recomendar nas redes sociais, etc.

3 – Você pode tirar uma foto sua com o livro nas mãos (mesmo sendo a versão eBook), e nos enviar por nossa página no Facebook (clique em mensagens e mande uma mensagem com a imagem em anexo). Contanto que dê permissão para que eu possa publicar sua foto nas galerias de imagens por lá. Acredite, isto já será uma baita ajuda...

4 – Você pode comprar outros livros e dar de presente para quem ama.

5 – Caso seja amigo de algum editor, você pode recomendar o livro a sua editora (contanto que ela tenha uma boa distribuição nas livrarias).

6 – Você pode ajudar de alguma outra forma criativa, que não consta nesta lista, contanto que seja de coração...

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[1] Não poderia deixar de agradecer imensamente ao irmão Del Debbio pela oportunidade, assim como aos demais colunistas.


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10.1.13

Ad infinitum: a capa está pronta!

A capa do meu livro, Ad infinitum, acabou de ficar pronta...

Se tudo correr bem, o resultado final ficará muito parecido com o que podem ver nesta galeria em nossa página no Facebook:

» Vejam a galeria com as imagens da capa

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Também podem visualizar a imagem da capa completa, em tamanho grande:

» Capa completa

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O livro está bem próximo de ser lançado. O que será, é claro, anunciado neste blog :)


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8.1.13

O Ouroboros e a Árvore da Vida

Trecho do meu livro, Ad infinitum, que será lançado em 2013. Esta é uma nota acerca do símbolo representado na capa do livro...

Penso que os símbolos expostos na capa merecem alguma explicação:

A serpente formando um círculo quase perfeito, mordendo a própria cauda, representa o ouroboros. O nome vem do grego antigo, uma junção de oura (cauda) com boros (devora, devorar). Este símbolo antigo está relacionado à ideia de eternidade, e dos ciclos ininterruptos da existência: a serpente morde a própria cauda e forma um novo ser, assim como pode se livrar da pele antiga, e formar uma nova, embora sempre continue a ser, em essência, serpente. É possível que o símbolo matemático do infinito (∞) tenha se originado a partir da representação de dois ouroboros lado a lado. Finalmente, conforme o círculo formado pela serpente nunca será um círculo perfeito, isto nos remete a ideia de que a busca pelo conhecimento é um eterno “vir a ser”, sem que necessariamente devamos nos preocupar com a ideia opressora de “chegarmos à perfeição final”, pois talvez algo assim sequer exista. Agostinho de Hipona resumiu melhor: “Crer para compreender, compreender para crer; Buscar para encontrar, e então continuar buscando”.

Já a árvore no interior do círculo formado pela serpente pode remeter a pelo menos três simbologias distintas:

(a) A Árvore da Vida na Cabala, que representa um sistema hierárquico que pode ser lido de duas formas: De cima para baixo, se inicia na centelha divina (Kether), e vai se tornando mais “densa”, até atingir o mundo físico (Malkuth). De baixo para cima, se inicia na consciência “mundana”, que vai se elevando, esfera por esfera, até que se abra inteiramente para a comunhão com a divindade do Cosmos. Estes dois caminhos representam tanto a criação de tudo que há a partir desta substância primeira, como o caminho de religação que a consciência humana precisa galgar para que consiga se reunir novamente com sua origem divina;

(b) A Árvore da Ciência do Bem e do Mal, que no mito bíblico representa ao mesmo tempo o perigo e a benção de se tomar conhecimento da própria mortalidade. Afinal, os animais irracionais são imortais, na medida em que não têm a ciência da própria morte. O ser humano se torna mortal a partir do momento em que começa a desenvolver a própria racionalidade, o próprio conhecimento, o próprio sentimento, a própria intuição. Este é o caminho que todos precisamos percorrer – “sair do Éden” para, depois de muito esforço, descobrir finalmente que o Éden não foi nem será, mas é, e sempre esteve em nossa própria consciência, a ciência do nosso ser;

(c) A árvore filogenética, que na biologia representa as relações evolutivas entre várias espécies ou outras entidades que possam ter um ancestral comum. Na árvore de todas as espécies de vida que existem ou já existiram na Terra, o ser humano é apenas um pequeno galho, bem lá no topo, um recém-chegado no teatro ancestral da vida...

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Crédito da imagem: Ayon (o símbolo referido na nota acima)

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6.1.13

Não há prova final

Já trouxemos aqui no blog a primeira das lendárias entrevistas de Richard Feynman para a BBC, em 1981. Pois bem, dois anos depois ele deu uma nova entrevista, onde demonstra como um cientista que se diverte com a natureza, e é capaz de imaginar "como as coisas realmente são" para onde quer que olhe, pode ser, quem sabe, algo mais que um cientista. Alguns diriam "gênio", outros "artista", mas eu não consigo ver nele nada mais (nem menos) do que um genuíno amante da natureza. Nesta primeira (de 12*) partes legendadas da entrevista, Feynman nos introduz ao mundo imaginário dos átomos, onde tudo ocorre devido ao movimento e o repouso. Apreciem com imaginação, e não se preocupem com a prova final, pois que não haverá uma prova final:

O vídeo abrirá diretamente no site do YouTube.


(*) Na realidade ainda estão no processo de publicação da entrevista completa e legendada no YouTube, de modo que por enquanto só temos as partes 1-5 e a 7. Mas, para quem consegue compreender o inglês falado, podem ver a entrevista completa aqui (sem legendas): Richard Feynman: Fun to Imagine


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4.1.13

Nuvens

» Conto pessoal, da série “Cotidianos”, com breves reflexões acerca dos eventos do dia a dia...

No ciclo de final de ano, todos procuram retornar as suas casas para as comemorações. Como minha casa fica perto das montanhas do litoral, e moro no planalto, voo muito de avião por estas épocas...

Há algo de espiritual em se voar (de avião ou não). Talvez ajude o fato de termos de esperar horas nos embarques e escalas, sentados em cadeiras semiconfortáveis e, principalmente, com bastante tempo de sobra para se ler algum livro. Quando se lê, se imagina. Há algo de espiritual em se imaginar (lendo um livro ou não).

Por exemplo, não sou adepto daqueles fetiches que os homens midiaticóides têm das aeromoças. Para mim elas estão apenas fazendo o seu trabalho, e me interessa mais sua gentileza que sua beleza... Imagino, isto sim, quando alguma garota bonita senta ao meu lado. Ambos viajando sozinhos – mas será que nalgum universo paralelo poderíamos ser amantes viajando juntos? Dizem que os físicos quânticos dizem que essas coisas podem acontecer. E eu acho que até podem, mas que isto nada tem a ver com a indeterminação da Natureza.

A priori, segundo Jesus Cristo, todos nós somos amantes que viajam juntos. A dificuldade está em imaginar a verdade dita, isto é: em vivenciá-la.

Outra coisa que me assalta a mente durante o voo são as turbulências. Antes tinha medo delas, acreditava que poderiam derrubar um avião... Talvez até possam, mas hoje prefiro acreditar que a grande parte delas é apenas um aceno dos silfos que vivem na alta atmosfera. Silfos, como devem saber, são os espíritos do ar... Seria realmente falta de educação atravessar sua casa com tamanha quantidade de metal e combustível e não dar sequer um aceno de volta. Eu também faço isto com a imaginação.

Algumas vezes os silfos também estão celebrando alguma coisa (talvez o final do ano deles?), e convidam as ondinas, sereias e até, nalgumas ocasiões, algumas das nereidas. Conforme construímos nossos aeroportos sem antes consultar seus locais de festividades, algumas vezes há o inconveniente de termos de pousar aviões em meio a tempestades (que é o que ocorre quanto silfos chamam os espíritos da água para o céu)...

Nesses momentos geralmente tememos por nossa vida. Dizem que o pouso em meio à chuva forte é muito perigoso, mas segundo as estatísticas é consideravelmente menos perigoso do que dirigir um automóvel nas mesmas circunstâncias (os gnomos mandaram dizer que sentem saudades de nossas antigas carruagens decoradas). Ainda assim por vezes cremos piamente que iremos morrer, como se a morte fosse algo muito diferente do que deitar a cabeça no travesseiro de nossa cama, à noite, e dormir.

Eu também chegava a temer por minha vida, mas isto foi somente até uma vez em que o avião em que estava arremeteu em meio aos prédios de São Paulo, isto é: abortou o pouso. Como isto nunca havia ocorrido comigo até então, deveria estar morrendo de medo. Mas não estava – simplesmente porque estava apertado para ir ao banheiro. Tudo o que pensava era quando o banheiro seria liberado, independente se o avião faria ou não algum pouso forçado. Por breves momentos, a vontade do número um foi mais forte do que o medo da morte...

Ah, metáforas, metáforas, o que seria de um escritor sem elas! Por exemplo, quando voamos a noite, por vezes é difícil distinguir onde termina a terra dos gnomos, e onde começa o reino dos silfos. Isto é: as luzes das cidadezinhas do planalto se confundem com as estrelas no céu, e por detrás é tudo muito escuro... Mas há uma certa beleza, uma certa metáfora, em imaginarmos que as estrelas do céu podem muito bem ser pequenas cidadezinhas do planalto cósmico, e que as luzes das casas podem marcar as estrelas que vivem em seu interior. Já disseram que todo homem e toda mulher é uma estrela. Os cães e gatos talvez sejam estrelas em formação (os gnomos mandaram dizer que preferem coelhos, mais silenciosos!).

Mesmo Bernardo Soares haveria de se tornar um pouco mais otimista se pudesse viajar da Rua dos Douradores para a Lapa, pelo espaço e pelo tempo, nalgum avião moderno. Não se sabe se acharia mais belas as praias ou as montanhas do Rio de Janeiro – gostaria de viajar ao seu lado só para saber.

Dizem que o avião foi inventado para que o homem pudesse se locomover rapidamente pelos continentes. Outros diriam que foi inventado para que bombas pudessem ser derrubadas em cidades (pequenas ou grandes). Eu já acredito que o avião foi inventado para que pudéssemos conhecer as nuvens.

Claro que todo bom montanhista já conheceu as nuvens, isto é: as observou de cima para baixo. E também é bem conhecido dos anais da história que todo homem, mulher ou criança, montanhista ou não, já percebeu as mais variadas formas sendo brevemente esculpidas pelos silfos em meio às nuvens. Mas o que quero dizer é que somente os primeiros homens voadores puderam atravessar as nuvens do alto, como águias e condores já o fazem há milênios.

Há algo de profundamente espiritual em se atravessar nuvens no reino dos silfos, principalmente quanto o sol está nascendo de manhã, e as salamandras vem surfando seus raios por entre as grandes montanhas brancas a flutuar em lugar algum. Digo, lugar algum, pois quando estamos passando por tal experiência não estamos mesmo um nenhum lugar – exceto, quem sabe, nalgum reino da imaginação.

O homem inventou o avião, mas seria incapaz de inventar as nuvens. Estranho de se pensar: talvez seja isto o que Deus seja afinal... Não as nuvens, nem sequer a escultura que os silfos fizeram delas, mas a experiência de se contemplar uma nuvem em pleno céu, quando já estamos no céu.

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Crédito da foto: Richard Carlson

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O ano do desassossego, parte 2

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Texto de Bernardo Soares (semi-heterônimo de Fernando Pessoa) em "O livro do desassossego” (Ed. Cia. das Letras) – trechos das pgs. 48 a 49, 108 a 109, e 131 a 132.

A vida é para nós o que concebemos dela. Para o rústico cujo campo próprio lhe é tudo, esse campo é um império. Para César cujo império lhe ainda é pouco, esse império é um campo. O pobre possui um império; o grande possui um campo. Na verdade, não possuímos mais que nossas próprias sensações; nelas, pois, que não no que elas veem, temos que fundamentar a realidade da nossa vida.

Isto não vem a propósito de nada.

Tenho sonhado muito. Estou cansado de ter sonhado, porém não cansado de sonhar. De sonhar ninguém se cansa, porque sonhar é esquecer, e esquecer não pesa e é um sono sem sonhos em que estamos despertos. Em sonhos consegui tudo. Também tenho despertado, mas que importa? Quantos Césares fui! E os gloriosos, que mesquinhos! César, salvo da morte pela generosidade de um pirata, manda crucificar esse pirata logo que, procurando-o bem, o consegue prender. Napoleão, fazendo seu testamento em Santa Helena, deixa um legado a um facínora que tentara assassinar a Wellington. Ó grandezas iguais às da alma da vizinha vesga! Ó grandes homens da cozinheira de outro mundo! Quantos Césares fui, e sonho todavia ser.

Quantos Césares fui, mas não dos reais. Fui verdadeiramente imperial quando sonhei, e por isso nunca fui nada. Os meus exércitos foram derrotados, mas a derrota foi fofa, e ninguém morreu. Não perdi bandeiras. Não sonhei até o ponto do exército, onde elas aparecessem em meu olhar em cujo sonho há esquina. Quantos Césares fui, aqui mesmo, na Rua dos Douradores. E os Césares que fui vivem ainda na minha imaginação; mas os Césares que foram estão mortos, e a Rua dos Douradores, isto é, a Realidade, não os pode conhecer.

Atiro com a caixa de fósforos, que está vazia, para o abismo que a rua é para além do parapeito da minha janela alta sem sacada. Ergo-me na cadeira e escuto. Nitidamente, como se significasse qualquer coisa, a caixa de fósforos vazia soa na rua que me declara deserta. Não há mais som nenhum, salvo os da cidade inteira. Sim, os da cidade inteira – tantos, sem se entenderem, e todos certos.

Quão pouco, no mundo real, forma o suporte das melhores meditações. O ter chegado tarde para almoçar, o terem-se acabado os fósforos, o ter eu atirado, individualmente, a caixa para a rua, a má-disposição por ter comido fora das horas, ser domingo a promessa aérea de um poente mau, o não ser ninguém no mundo, e toda a metafísica.

Mas quantos Césares fui!

***

Penso às vezes com um agrado (em bissecção) na possibilidade futura de uma geografia da nossa consciência de nós próprios. A meu ver, o historiador futuro das suas próprias sensações poderá talvez reduzir a uma ciência precisa a sua atitude para com a sua consciência da sua própria alma. Por enquanto vemos em princípio nesta arte difícil – arte ainda, química de sensações no seu estado alquímico por ora. Esse cientista de depois de amanhã terá um escrúpulo especial pela sua própria vida interior. Criará de si mesmo o instrumento de precisão para a reduzir a analisada. Não vejo dificuldade essencial em construir um instrumento de precisão, para uso autoanalítico, com aços e bronzes só do pensamento. Refiro-me a aços e bronzes realmente aços e bronzes, mas do espírito. É talvez mesmo assim que ele deva ser construído.

Será talvez preciso arranjar a ideia de um instrumento de precisão, materialmente vendo essa ideia, para poder proceder a uma rigorosa análise íntima. E naturalmente será necessário reduzir também o espírito a uma espécie de matéria com uma espécie de espaço em que existe. Depende tudo isso do aguçamento externo das nossas sensações interiores, que, levadas até onde podem ser, sem dúvida revelarão, ou criarão, em nós um espaço real como o espaço que há onde as coisas da matéria estão, e que, aliás, é irreal como coisa.

Não sei mesmo se este espaço interior não será apenas uma nova dimensão do outro. Talvez a investigação científica do futuro venha a descobrir que tudo são dimensões do mesmo espaço, nem material nem espiritual por isso. Numa dimensão viveremos corpo; na outra viveremos alma. E há talvez outras dimensões onde viveremos outras coisas igualmente reais de nós. Apraz-me às vezes deixar-me possuir pela meditação inútil do ponto até onde esta investigação pode levar.

Talvez se descubra que aquilo a que chamamos Deus, e que tão patentemente está em outro plano que não a lógica e a realidade espacial e temporal, é um nosso modo de existência, uma sensação de nós em outra dimensão do ser. Isto não me parece impossível. Os sonhos também serão talvez ou ainda outra dimensão em que vivemos, ou um cruzamento de duas dimensões; como um corpo vive na altura, na largura e no comprimento, os nossos sonhos, quem sabe, viverão no ideal, no eu e no espaço. No espaço pela sua representação visível; no ideal pela sua apresentação de outro gênero que a da matéria; no eu pela sua íntima dimensão de nossos.

O próprio Eu, o de cada um de nós, é talvez uma dimensão divina. Tudo isto é complexo e a seu tempo, sem dúvida, será determinado. Os sonhadores atuais são talvez os grandes precursores da ciência final do futuro. Não creio, é claro, numa ciência final do futuro. Mas isto nada tem para o caso.

Faço às vezes metafísicas destas, com a atenção escrupulosa e respeitosa de quem trabalha deveras e faz ciência. Já disse que chega a ser possível que a esteja realmente fazendo. O essencial é eu não me orgulhar muito com isto, dado que o orgulho é prejudicial à exata imparcialidade da precisão científica.

***

[...] Considero a vida uma estalagem onde tenho que me demorar até que chegue a diligência do abismo. Não sei onde ela me levará, porque não sei nada. Poderia considerar esta estalagem uma prisão, porque estou compelido a aguardar nela; poderia considerá-la um lugar de sociáveis, porque aqui me encontro com outros. Não sou, porém, nem impaciente nem comum. Deixo ao que são os que se fecham no quarto, deitados moles na cama onde esperam sem sono; deixo ao que fazem os que conversam nas salas, de onde as músicas e as vozes chegam cômodas até mim. Sento-me à porta e embebo meus olhos e ouvidos nas cores e nos sons da paisagem, e canto lento, para mim só, vagos cantos que componho enquanto espero.

Para todos descerá a noite e chegará a diligência. Gozo a brisa que me dão e a alma que me deram para gozá-la, e não interrogo mais nem procuro. Se o que deixar escrito no livro dos viajantes puder, relido um dia por outros, entretê-los também na passagem, será bem. Se não o lerem, nem se entretiverem, será bem também.

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Crédito da imagem: Eric Peterson/Corbis

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