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27.7.17

O campo além das ideias

Caminhando junto ao poente numa das regiões mais inóspitas do planeta, as margens do grande Kalahari, deserto ao sul da África, Pedro se impressiona com os hábitos de seus companheiros (além do guia turístico, é claro): os bushmen, ou povo san, caçadores-coletores que vivem em torno dos poucos poços d’água subterrânea na região há dezenas, quiçá centenas de milhares de anos.

“É interessante como a gente anda neste lugar e é incapaz de observar o que eles observam. Eles veem cada planta, fruta, cada detalhe da paisagem com outro olhar, pois isso tudo faz parte da sua sobrevivência” – conclui Pedro, ou Pedro Andrade, jornalista apresentador do programa Pedro Pelo Mundo, do canal de TV a cabo GNT. Neste episódio ele decidiu retornar a Botswana, antigo protetorado britânico que, após adquirir sua independência em 1966, multiplicou seu PIB per capta em dezenas de vezes e se encaminha para a prosperidade sem ter passado por guerra civil ou períodos ditatoriais, algo extremamente incomum para um país africano.

Mas a grande característica de Botswana é precisamente estar tão isolado do resto do mundo que, por algum milagre, o povo san pôde viver relativamente intocado até os dias atuais, preservando uma cultura e estilo de vida arcaicos, o que também pôde ser comprovado pela ciência. Segundo estudos modernos, os san possuem um dos mais elevados graus de diversidade do DNA mitocondrial dentre todas as populações humanas, o que indica que eles são uma das mais antigas comunidades do globo. O seu cromossomo Y também sugere que, do ponto de vista evolucionário, os san se encontram muito perto da “raiz” da espécie humana (homo sapiens).

No fim da noite, Pedro participa como observador dos rituais e cânticos dos san. Em torno de uma pequena fogueira, as mulheres cantam e batem palmas sentadas, e os homens dançam enfileirados em círculo. Mas não é só isso: após entrarem em transe, alguns dos xamãs [1] san incorporam seus próprios antepassados e entidades da natureza. Até mesmo o guia turístico, um branco ocidental que se apaixonou pela região e pelos san, pratica a incorporação para virar ele mesmo um xamã entre o povo ancestral. Afinal, os san são antigos o suficiente para saber que, sejamos brancos ou negros, todos somos um mesmo povo, todos saímos dali, ou de bem perto dali, há centenas de milhares de anos, para povoar o resto do planeta.

Alguma coisa antiga e profunda tocou Pedro nesta viagem, e principalmente neste breve contato com os san. É isto pelo menos que ele próprio confessa ao fim do episódio, muito embora “não saiba explicar ao certo o que é exatamente”. Decerto, o mesmo deve ocorrer com muitos ditos civilizados que têm a oportunidade de realizar este tipo de contato. Seria inútil perguntar ao próprio guia turístico e aprendiz de xamã o que é que o fez trocar a vida ocidental pela vida como guia turístico no Kalahari. Há alguma coisa de transcendente nos san, alguma alma ancestral que, de muitas formas, é também a nossa alma.

E decerto de nada adiantaria escrever um tratado sobre o assunto. Ainda que os san aprendessem inglês ou português, jamais seriam capazes de colocar em palavras as experiências místicas que, de tão constantes, quase diárias, são praticamente o seu dia a dia. Os san vivem até hoje noutro mundo, o mesmo mundo que toda a nossa espécie viveu um dia, mas que vem sendo gradativamente esquecido. Neste mundo, não faz sentido se falar em mundo material e espiritual, em vivos e mortos, em coisas sagradas: no dia a dia dos san, o material e o espiritual são basicamente uma coisa só, os vivos e os mortos jamais deixaram de se comunicar, e não há nada, absolutamente nada, que não seja sagrado.

E, como as palavras por si só são inúteis, precisamos recorrer à poesia. Como bem resumiu o poeta persa Jalal ud-Din Rumi: “Além das ideias de certo e errado há um campo, eu lhe encontrarei lá. Quando a alma se deixa naquela grama, o mundo está preenchido demais para que falemos dele. Ideias, linguagem, e mesmo a frase cada um já não fazem mais nenhum sentido”.

Para boa parte do planeta, os san são um povo selvagem que permaneceu atrasado e perdido nalgum deserto africano. Para os san, ou para os seus espíritos ancestrais, o restante do planeta é nada mais do que a família que resolveu ir caminhar para as regiões mais afastadas, até que se esqueceu de retornar. E, segundo a ciência moderna, são os san quem estão com a razão [2]. Dá o que pensar.

É costume do Ocidente avaliar a “evolução” de um povo ou civilização pela sua capacidade filosófica e científica, em suma, pela sua racionalidade. No campo espiritual, porém, as coisas são um tanto mais complexas de se julgar. O povo san, por exemplo, não pratica canibalismo, não faz sacrifícios de sangue aos deuses, não devasta o seu meio ambiente de forma predatória. Um teólogo de certo renome poderá dizer: “Ok, tudo bem, mas eles são incapazes de reconhecer um Deus único”... Mas, será que isso é algum parâmetro razoável para determinar sua “evolução espiritual”?

Há muitos reinados milenares do continente africano que veneravam os chamados orixás, que são basicamente os correspondentes dos deuses das mitologias gregas ou egípcias, e possivelmente até mais antigos. No entanto, entre diversos mitos de Criação africanos, temos um “Ser Supremo quem criou os orixás e os homens”, e seu nome é Olorum. Ao contrário dos demais orixás, Olorum não possui nem culto direto nem templo individual, além é claro de não receber oferendas, sejam de animais ou frutas ou o que for, já que Olorum “já é tudo”. Ora, muito embora seja complexo associar Olorum diretamente com Javé ou Allah, fica muito claro que, no fundo, a religião dos orixás também é, e sempre foi, monoteísta. Portanto, os africanos antigos já conheciam um Deus Criador único, e isso não foi invenção exclusiva dos povos do Oriente Médio.

Claro que nem todos os povos africanos ao longo dos últimos milênios chegaram à mesma profundidade de compreensão espiritual. Mas nós ocidentais não podemos nos gabar de estarmos muito na frente deles. Até pouco tempo atrás, nossas doutrinas mais elaboradas ainda aceitavam, na prática, que escravos não tinham alma, e que precisavam ser batizados para conseguirem sua entrada no Céu. Foi assim que muitos ditos cristãos arrancaram milhões de africanos a força de suas casas e, através de grilhões e açoites, os trouxeram para trabalhar na América. Trabalho não assalariado, evidentemente.

Nem mesmo seus nomes eles puderam trazer na bagagem. Chegando ao Novo Mundo, eram batizados com nomes como Joaquim de Jesus ou Maria de Fátima. Mas, ainda que os nomes tenham se perdido, seus espíritos ancestrais jamais lhe abandonaram. Foi assim que, no Brasil, o maior país negro do mundo, surgiu o samba, o Candomblé, a Umbanda etc. Os sobrinhos dos san perderam suas casas e seus nomes, mas os orixás persistiram, afinal aqui eles também estavam dentro de Olorum. Não há nada “lá fora”.

E, apesar dos grilhões, dos açoites e do preconceito que surge da ignorância persistente dos ditos civilizados, lá naquele campo onde vivem os poetas e os místicos, lá, além das ideias de certo e errado, lá, onde habitam os deuses e dançam os xamãs, eles nos perdoaram, eles nos aceitaram de volta, de braços abertos, de alma aberta.

E, aqueles que, como Pedro, estiveram por lá, ainda que por pouco tempo, ainda que por uma noitinha só, compreenderam: a África é todo o mundo!

***

[1] O termo “xamã” se originou do estudo dos povos indígenas da Sibéria, mas na realidade se aplica para povos ancestrais em todo o mundo. No Brasil, por exemplo, um xamã pode ser conhecido como pajé.

[2] Há diversas teorias para as origens da humanidade, mas o mais aceito atualmente é que nossa espécie surgiu na África e depois migrou para o resto do globo. Em todo caso, ainda que tenha surgido no mesmo período na Europa, teria a pele tão negra quanto à dos africanos, visto que a mutação que possibilitou a pele branca é relativamente recente, de cerca de 8.000 anos atrás (portanto mais nova que o próprio povo san).

Crédito da imagem: Google Image Search/Latinstock (povo san)

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25.7.17

Nosso lugar é aqui

Em homenagem ao dia do escritor venho trazer, pela primeira vez neste blog, um texto de Mariana Castañon, que por um acaso vem a ser a minha prima.


Todo dia quando acordo eu sinto falta de alguém que não conheci, faço uma oração que não aprendi e alimento-me de um amor que nunca vi.
Todo dia quando durmo eu oro ao tempo pelos minutos que não vivi, reclamo ao vento as palavras que nunca foram ditas e declamo ao relento o poema que não escrevi.
Todo dia enquanto durmo acordo aos suspiros do que não sofri, encontro em meus olhos uma paixão que nunca senti e lanço no espaço estrelas que estão por vir.
Nasço e renasço espalhando sons que ainda não criei, acordo todo dia pensando no mundo que vai nascer e durmo com a certeza de que a completude já está em mim.
Que esteja nas palavras dos livros que não escrevi e na cova das filosofias que ainda não pratiquei.
Que estejas em mim através de cada segundo, cada olhar, cada procura e cada suspiro que já encenei, que esteja em mim o que está de ti no universo invisível que criaremos, na sinestesia que representamos, do que respiramos, amamos, dormimos, vivemos e morremos, todo dia carregando a certeza de um ser que vive nos dias que ainda não vivi.
Porque estás nos olhos de todos os amantes exasperados, de todos os nefastos cânticos de solidão que nunca cantei. Não precisamos nos tocar para sermos reais e, se necessário, te darei voz através de cartas, poemas ou pensamentos levianos para resgate futuro, dentro de mim.
Que rasgue minh'alma quem quiser te encontrar, eu já comecei. Nosso lugar é aqui, em mim, em nós. Em toda pronúncia de vocais que ainda não inventamos e em toda palavra que o meu espírito colorir com pigmentos que meus olhos ainda não enxergam.

M. Castañon

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ps.: a Mari deveria escrever mais, não acham?

Crédito da imagem: Josh Adamski/unsplash

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16.7.17

A demissão

Quando você está há mais de uma década trabalhando na mesma empresa, quando se sente bem nela ao ponto de sequer se preocupar em acompanhar o quanto o seu passe está valendo no mercado, você parece ter uma parte essencial da vida moderna resolvida: a caça. Isto é, uma caça regulamentada, com dias e horários pré-determinados, férias e décimo terceiro. Você se torna uma espécie de caçador pacato, que finge não haver competição, ou a bem da verdade, sequer se lembra dela.

Quando você tem a sorte de poder trabalhar de casa, e ganha algumas horas que gastaria no seu deslocamento diário para fazer basicamente qualquer coisa que quiser, você pode se tornar até mesmo acomodado. A minha acomodação foi criar um blog e desafiar as páginas em branco, ou telas vazias do Word, no lugar de desafiar a hora do rush. Minha vida estava, portanto, indo muito bem. Mas, como sabemos, a existência teima em ser profundamente impermanente. Talvez, por já saber tão bem disso, tenha me resguardado algo absolutamente essencial: saber viver com pouco.

Como disse o sábio Mujica, “nós inventamos uma sociedade de consumo, e como a economia tem de crescer (ou acontece uma tragédia), inventamos uma montanha de consumos supérfluos. Vive se comprando e se descartando, mas o que estamos gastando é tempo de vida. Porque quando eu ou você compramos algo, não compramos com dinheiro, compramos com o tempo de vida que tivemos de gastar para conseguir esse dinheiro. Mas há um detalhe: a única coisa que não se pode comprar é a vida. A vida se gasta. E é miserável gastar a vida para se perder a liberdade.”

Num dia qualquer de trabalho, pouco antes do feriado de Semana Santa, aconteceu à suposta tragédia: meu chefe, e também grande amigo, me ligou e avisou, com certa dificuldade e voz embargada, que a crise estava muito aguda, que nunca tinham visto nada igual, que tentaram segurar o máximo que foi possível, mas que não dava mais, eu estava demitido, sem justa causa. Assim, era evidente que a minha economia iria parar de crescer, mas não era aquilo que me afligia naquele exato momento. A primeira coisa que pensei, para falar a verdade, é que provavelmente nunca mais iria trabalhar com aquela espécie de família da qual participei, com orgulho, por mais de uma década.

Afinal, eu nunca me senti gastando a vida enquanto trabalhei por lá. Lógico que nem sempre fiz tudo o que gostaria de fazer. Numa empresa de tecnologia da informação você pode participar de muitos projetos legais, ter muita liberdade criativa, mas você ainda vai ter de cadastrar aquelas centenas de conteúdos de teste mais dia menos dia, porque não há estagiário que dê conta de tamanha chatice todo o tempo. Mas o mais importante é que numa empresa deste tipo, quiçá o símbolo da nova economia, não há tanta hierarquia, ninguém se achando muito acima ou abaixo de ninguém, e todos podem muito bem pensar que estão numa grande brincadeira entre amigos. Às vezes vimos clientes chatos e desbocados, mas meu cargo era mais técnico do que de gerência ou atendimento, mesmo disso eu estava livre.

Parecia, enfim, que a vida me havia colocado por pouco mais de uma década naquele homeoffice abençoado, onde além de trabalhar com amigos, tinha tempo de escrever um blog e muitas outras coisas, mas que a minha grande sorte tinha acabado... teria de voltar a caça e a coleta, teria, quem sabe, de voltar a gastar um pouco de vida para perder um pouco de liberdade. Bem, isso me valeu algumas noites de insônia, mas nada de muito grave – grave seria, isto sim, se eu precisasse de muito para viver. Fiz os cálculos e, se fosse necessário, poderia tirar o ponto extra da TV a cabo, viajar menos vezes por ano para visitar a família em meu estado natal, comprar mais e-books nas promoções da Amazon, essas coisas...

Passou a Semana Santa e já havia conseguido manter uma consultoria pelos próximos três meses, como freelancer. Ou seja, estava oficialmente de volta a época do emprego temporário, sem tantos direitos além da própria negociação meio boca a boca, meio contratual, havia voltado no tempo junto com o resto do país. Tudo bem, mas o que mais me preocupava era encontrar alguma caçada mais fixa onde pudesse sobrar tempo de tocar o meu blog, ainda que noutro ritmo.

Em meio à crise, morando num estado onde nunca de fato trabalhei, sem muitas possibilidades de recorrer a “quem indica”, passei por algumas entrevistas sem sucesso para a minha área de caça, e logo comecei a imaginar outras possibilidades. Coisa de imaginador mesmo...

Via as atendentes do Café onde vou religiosamente todas as tardes, logo após o almoço, e imaginava se não seria um emprego legal, independente do salário é claro... mas logo me lembrei que eles não contratavam homens para esse tipo de serviço, deve ser alguma norma da empresa: para servir café, somente mulheres por favor.

Depois, rodando pelo shopping, me lembrei da minha loja preferida, que obviamente era uma livraria. Lá havia um vendedor mais velho, que provavelmente já deveria ter se aposentado mas continuava trabalhando, pois estamos no Brasil certo, enfim, me lembro de quando estava dando uma olhada no Zaratustra de Nietzsche, e ele me disse assim: “heh, Deus está morto né?”

Mas ele me disse isso com um tal sorriso no olhar, e no canto da boca, que não parecia ser a exclamação de um ateu, mas justamente a conclusão de alguém que havia lido Nietzsche e o compreendido plenamente: que só pode existir um Deus vivo que saiba dançar, junto conosco! Em todo caso, naquele dia minha resposta foi mais um “pois é”.

Meses ou anos depois, sempre retornando a livraria, pude ver que aquele mesmo vendedor sempre me acompanhava pela loja, curioso, provavelmente, pela variedade de prateleiras que eu visitava, desde poesia e literatura fantástica a filosofia, divulgação científica, e até mesmo aquela estante onde só havia livros da Madras!

Me lembro bem de como noutro dia deste rio da memória, estava ali perto da estante da Madras dando uma boa olhada em 20 Casos Sugestivos de Reencarnação, de Ian Stevenson, e ele se aproximou novamente e soltou no ar: “isso daí é bem impressionante, não acha?”. Desta vez, já quase como um amigo distante, respondi: “De fato, é o que acontece quando um cientista é livre para pesquisar o que bem entender”. Ele sorriu e respondeu, “vai levar?”. “Vou”. “Então deixa eu lhe dar o ticket”. Eu apresentei o ticket, comprei o livro, e saí satisfeito, sabendo que meu quase amigo ficaria com alguma parte da minha compra.

Retornando das águas do rio, imaginei que seria excelente trabalhar indicando livros de filosofia, ou poesia, ou literatura clássica, ou o que for, para as pessoas em geral, e ainda ganhar alguma coisa por cada ticket, além do salário, seja ele qual fosse. Eu pensei comigo: ainda que sobrasse menos tempo para escrever, era bem possível que pudéssemos ficar lendo nas horas vagas... Bem, na verdade não sei se seria, talvez fosse melhor fazer como Pessoa e procurar uma vaga nalguma biblioteca.

E assim, me imaginando nos empregos dos outros, e não me sentindo nem menor nem maior por conta disso, fui reparando a mágoa da demissão. O freelance de três meses foi estendido, em sucessivos contratos de adição, para mais de um ano, e estou até hoje nesta bela caçada alternativa... com ainda mais tempo livre para tocar o blog e nossas traduções e edições de e-books para a Amazon; sem estar no controle de nada, e não precisando estar.

Os estoicos tinham toda razão. Preocupemo-nos com o que podemos mudar. Neste rio da existência, o melhor mesmo é aproveitar a passagem, e gastar a vida mais sendo levado pela correnteza do que tentando remar contra a maré. Mas eu tive sorte, tive oportunidades e as soube aproveitar razoavelmente bem. Infelizmente, não é o que ocorre com a maioria dos brasileiros. Para a maioria, ser demitido ainda é uma situação consideravelmente mais desesperadora do que foi a minha. Se é que vale de algo, dedico este conto a vocês. Força pessoal!


raph’17

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Crédito da imagem: Google Image Search

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6.7.17

O Imperador

Este é o Tarot da Reflexão, uma antiga e elaborada história em quadrinhos sobre nós mesmos. Eu decidi embarcar nesta aventura com o meu amigo e ilustrador, Roe Mesquita, que desde o início tem dado o sangue para tornar imagem – belíssimas imagens cheias de cor e de vida – o que antes era pura intuição, pura brisa etérea chegando sabe-se lá de que canto do universo em meu coração.

Hoje encontramos O Imperador:

Rafael Arrais é autor do blog Textos para Reflexão e receptor do livro 49 noites antes da Colheita, com poemas sobre a Kabbalah e o Sefirat ha Ômer.

Roe Mesquita é artista profissional e ilustrador do cardgame Pequenas Igrejas Grandes Negócios, uma crítica bem humorada ao charlatanismo espiritual.

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O Tarot da Reflexão é um projeto em andamento. Se um dia for publicado, vocês serão avisados! Enquanto isso, no entanto, vocês já podem acessar o Tarot da Reflexão Online.

Sintam-se a vontade para comentar e nos dizer como vocês interpretam os símbolos da carta acima...

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1.7.17

Lançamento: A Origem das Espécies

As Edições Textos para Reflexão trazem a você a obra que mudou o mundo, A Origem das Espécies de Charles Darwin, exclusivamente para o seu Amazon Kindle.

Esta obra, apesar de essencialmente acadêmica, mudou para sempre a nossa concepção da vida e da natureza, e serve até hoje de alicerce primordial para ramos científicos como a biologia e a genética, que desabariam sem a teoria da seleção natural. Você já pode começar a ler em poucos minutos, pelo preço de um café:

Comprar eBook (Kindle)

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À seguir, trazemos alguns trechos selecionados de nossa edição digital:

[Cap. 6]

É certamente verdadeiro que se veem raramente aparecer num indivíduo novos órgãos que parecem ter sido criados com um fim especial; é mesmo o que demonstra o velho axioma de história natural de que se tem exagerado um pouco a significação: Natura non facit saltum [a natureza não dá saltos].

A maior parte dos naturalistas experimentados admitem a verdade deste adágio; ou, para empregar as expressões de Mine Edwards, a natureza é pródiga em variedades, mas avara em inovações. Para que haverá, na hipótese das criações, tantas variedades e tão poucas novidades reais? Por que é que todas as partes, todos os órgãos de tantos seres independentes, criadas, como se supõe, separadamente para ocupar um lugar distinto na natureza, estiveram tão ordinariamente ligadas umas às outras por uma série de gradações? Por que não teria passado a natureza simultaneamente de uma conformação para outra? A teoria da seleção natural faz-nos compreender claramente porque não sucede assim; a seleção natural, com efeito, atua apenas aproveitando leves variações sucessivas, não pode pois jamais dar saltos bruscos e consideráveis, só pode avançar por graus insignificantes, lentos e seguros.

[Cap. 15]

A disposição semelhante dos ossos na mão humana, na asa do morcego, na barbatana do golfinho e na perna do cavalo; o mesmo número de vértebras no pescoço da girafa e no do elefante; todos estes fatos e um número infinito de outros semelhantes explicam-se facilmente pela teoria da descendência com modificações sucessivas, lentas e ligeiras. A semelhança de tipo entre a asa e a perna do morcego, ainda que destinadas a usos tão diversos; entre as maxilas e as patas do escaravelho; entre as pétalas, os estames e pistilos de uma flor, explica-se igualmente em grande escala pela teoria da modificação gradual das partes e dos órgãos que, num antepassado afastado de cada uma dessas classes, eram primitivamente semelhantes. Vemos claramente, segundo o princípio de que as variações sucessivas não sobrevêm sempre numa idade precoce e apenas são hereditárias na idade correspondente, porque os embriões de mamíferos, de aves, de répteis e de peixes, são tão semelhantes entre si e tão diferentes no estado adulto. Podemos cessar de nos maravilhar de que os embriões de um mamífero de respiração aérea, ou de uma ave, tenham fendas branquiais e artérias em rede, como no peixe, que deve, por meio de guelras bem desenvolvidas, respirar o ar dissolvido na água.

[...] Não é possível supor que uma teoria falsa pudesse explicar, de maneira tão satisfatória, como o faz a teoria da seleção natural, as diversas grandes séries de fatos de que nos temos ocupado. Tem-se recentemente objetado que está nisto um falso método de raciocínio; mas é o que se emprega para apreciar os acontecimentos ordinários da vida, e os maiores sábios não têm desdenhado em o seguir. É assim que se chega à teoria ondulatória da luz; e a crença da rotação da Terra no seu eixo só recentemente encontrou o apoio de provas diretas. Não é uma objeção valiosa dizer que, no presente, a ciência não lança luz alguma sobre o problema bem mais elevado da essência ou da origem da vida. Quem pode explicar o que é a essência da atração ou da gravidade! Ninguém hoje, contudo, se recusa a admitir todas as consequências que ressaltam de um elemento desconhecido, a atração, posto que Leibnitz tivesse outrora censurado Newton de ter introduzido na ciência “propriedades ocultas e milagres”.

Não vejo razão alguma para que as opiniões desenvolvidas neste volume firam o sentimento religioso de quem quer que seja. Basta, além disso, para mostrar quanto estas espécies de impressões são passageiras, lembrar que a maior descoberta que o homem tem feito, a lei da atração universal, foi também atacada por Leibnitz, “como subversiva da religião natural, e, nestas condições, da religião revelada”. Um eclesiástico célebre escrevia-me um dia, “que tinha acabado por compreender que acreditar na criação de algumas formas capazes de se desenvolver por si mesmas noutras formas necessárias, é ter uma concepção bem mais elevada de Deus, do que acreditar que houvesse necessidade de novos atos de criação para preencher as lacunas causadas pela ação das leis estabelecidas”.

[...] O resultado direto desta guerra da natureza que se traduz pela fome e pela morte, é, pois, o fato mais admirável que podemos conceber, a saber: a produção de animais superiores. Não há uma verdadeira grandeza nesta forma de considerar a vida, com os seus poderes diversos atribuídos primitivamente pelo Criador a um pequeno número de formas, ou mesmo a uma só? Ora, enquanto que o nosso planeta, obedecendo à lei fixa da gravitação, continua a girar na sua órbita, uma quantidade infinita de belas e admiráveis formas, saídas de um começo tão simples, não têm cessado de se desenvolver e desenvolvem-se ainda hoje!

(Charles Darwin; tradução de Joaquim Dá Mesquita Paul)


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