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29.11.09

Na floresta

Na floresta não existe nem rebanho, nem pastor
Quando o inverno caminha, segue seu distinto curso como faz a primavera
Os homens nasceram escravos daquele que repudia a submissão
Se ele um dia se levanta, lhes indica o caminho, com ele caminharão
Dá-me a flauta e canta!
O canto é o pasto das mentes,
e o lamento da flauta perdura mais que rebanho e pastor

Na floresta não existe ignorante ou sábio
Quando os ramos se agitam, a ninguém reverenciam
O saber humano é ilusório como a cerração dos campos
que se esvai quando o sol se levanta no horizonte
Dá-me a flauta e canta!
O canto é o melhor saber,
e o lamento da flauta sobrevive ao cintilar das estrelas

Na floresta só existe lembrança dos amorosos
Os que dominaram o mundo e oprimiram e conquistaram,
seus nomes são como letras dos nomes dos criminosos
Conquistador entre nós é aquele que sabe amar
Dá-me a flauta e canta!
E esquece a injustiça do opressor
Pois o lírio é uma taça para o orvalho e não para o sangue

Na floresta não há crítico nem censor
Se as gazelas se perturbam quando avistam companheiro, a águia não diz: 'Que estranho'
Sábio entre nós é aquele que julga estranho
apenas o que é estranho
Ah, dá-me a flauta e canta!
O canto é a melhor loucura
e o lamento da flauta sobrevive aos ponderados e aos racionais

Na floresta não existem homens livres ou escravos
Todas as glórias são vãs como borbulhas na água
Quando a amendoeira lança suas flores sobre o espinheiro,
não diz: 'Ele é desprezível e eu sou um grande senhor'
Dá-me a flauta e canta!
Que o canto é glória autêntica,
e o lamento da flauta sobrevive ao nobre e ao vil

Na floresta não existe fortaleza ou fragilidade
Quando o leão ruge não dizem: 'Ele é temível'
A vontade humana é apenas uma sombra que vagueia no espaço do pensamento,
e o direito dos homens fenece como folhas de outono
Dá-me a flauta e canta!
O canto é a força do espírito,
e o lamento da flauta sobrevive ao apagamento dos sóis

Na floresta não há morte nem apuros
A alegria não morre quando se vai a primavera
O pavor da morte é uma quimera que se insinua no coração
Pois quem vive uma primavera é como se houvesse vivido séculos
Dá-me a flauta e canta!
O canto é o segredo da vida eterna,
e o lamento da flauta permanecerá após findar-se a existência

Gibran Khalil Gibran
(no vídeo, declamado pela atriz Letícia Sabatella, com fundo musical por Marcus Viana)

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27.11.09

Hawking goes high

Hey, there goes Hawking!
Moving while standing still
What exactly is he doing?
Should not be that much…
People say he’s very ill

Hey, there goes Hawking!
Thinking about a billion worlds
Compressed in a nutshell
People say he’s crazy
But how can he think so well?

Hey, there goes Hawking!
He goes high
Thoughts floating
Over the Cosmos
We can walk
But he can fly

raph'09

***

Hawking vai alto

Ei, lá vai o Hawking!
Movendo-se enquanto permanece parado
O que ele faz exatamente?
Não pode ser muita coisa...
Dizem que ele é muito doente

Ei, lá vai o Hawking!
Pensando em um bilhão de mundos
Comprimidos numa casca de noz
Dizem que ele é louco
Mas como pode raciocinar tão bem?

Ei, lá vai o Hawking!
Ele vai alto
Pensamentos flutuando
Por todo o Cosmos
Nós podemos caminhar
Mas ele pode voar

raph'09 (traduzido do original em inglês)

***

Crédito da foto: Tambako

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Não é preciso perder a esperança

Stephen nasceu em Oxford, na Inglaterra, em 1942. Filho de um biólogo, sempre se interessou por ciência, mas nunca foi um estudante particularmente excepcional. Era mais um jovem inglês, bom aluno, interessado em seguir a carreira em pesquisas científicas. Só isso.

Seu pai desejava que fosse médico, mas Stephen se interessava mais por matemática. Quando entrou no University College de Oxford, foi obrigado a mudar de planos: o curso de matemática não estava disponível, então optou pela física, e se formou em 1962. Interessado em prosseguir seus estudos sobre termodinâmica, relatividade e física quântica, prosseguiu para o doutorado na Trinity Hall em Cambridge.

Mais ou menos na época em que obteve o doutorado, Stephen estava muito desiludido com sua vida[1], não parecia haver nada que vale-se a pena fazer. Talvez o universo não fosse, afinal, tão interessante assim...

Porém, nessa mesma época, Stephen foi diagnosticado com esclerose lateral amiotrófica (ELA), uma rara doença degenerativa que paralisa os músculos do corpo sem, no entanto, atingir as funções cerebrais. Esta é uma doença que ainda hoje não possui cura, e normalmente mata em poucos anos.

Talvez esse fosse o golpe final na esperança de Stephen e no seu interesse pela vida. Mas ocorreu exatamente o oposto: a partir desse diagnóstico, Stephen passou a pensar que se iria morrer de qualquer jeito, era melhor fazer alguma coisa de decente nos anos que lhe restavam. Isso também surgiu de sua constatação, a partir da observação de outros pacientes em condições muito piores que a dele nos hospitais, de que talvez sua condição não fosse tão ruim assim.

Stephen seguiu a vida, namorou, casou-se, teve filhos. Prosseguiu com suas pesquisas em cosmologia teórica e gravitação quântica, especializando-se no estudo e comprovação de teoremas sobre a singularidade dos buracos-negros, dentre inúmeras outras coisas. Enquanto realizava descobertas que iriam colocá-lo na história da ciência moderna, Stephen foi vendo seu corpo perder cada vez mais movimentos, até o ponto em que não podia sequer falar, e tinha de se comunicar com o mundo externo através de um computador e um sintetizador de voz.

Apesar de tudo, não perdeu o bom humor inglês, nem por um momento. Depois de famoso, em suas palestras e aparições na TV sempre teve um comentário mais espirituoso sobre sua condição aparentemente terrível: “o problema com esse sintetizador é que fiquei com um sotaque claramente americano”.

Também já lhe perguntaram se a sua condição física teve alguma influência em seu status de celebridade e gênio da ciência, ao que respondeu: “As pessoas são fascinadas pelo contraste entre minhas limitações físicas e a natureza infinita do universo com o que eu trabalho. Eu sou o arquétipo de um gênio desabilitado, ou um gênio com dificuldades locomotoras, para ser politicamente correto. Ao menos eu obviamente tenho dificuldades locomotoras. Se sou um gênio já está aberto à discussão.[2]”

Fosse Stephen apenas Stephen, e não um dos maiores cientistas e divulgadores de ciência de nosso tempo, ainda assim sua história já seria digna de nota e admiração. Há tantos e tantos que preferem a morte quando tem apenas parte de seus movimentos comprometidos, e Stephen conta praticamente apenas com pequenos movimentos dos dedos das mãos, dos olhos, e alguns músculos da face (ele felizmente ainda pode sorrir). Mas Stephen não teve nem sua mente e, principalmente, nem seu espírito, comprometidos por sua doença. Viveu em função de sua genialidade de raciocínio lógico, mas também em função de sua enorme capacidade emocional de lidar com uma doença que para muitos soa tão avassaladoramente terrível.

Stephen Hawking vive até hoje (fez 67 anos em 2009). Ele diz que teve sorte: “Eu tive esta doença por praticamente toda a minha vida adulta. Ainda assim ela não me impediu de ter uma família linda e ser bem-sucedido no trabalho. Isso graças ao apoio que tenho tido da família, dos amigos, e inúmeras organizações. Eu tenho tido sorte pelo fato de minha doença ter progredido de forma bem mais lenta do que seria o normal. Mas isso mostra que não é preciso perder a esperança.[3]”

***

[1] De acordo com textos publicados por Stephen Hawking em seu site oficial.

[2] De acordo com a seção de Perguntas e Respostas no mesmo site.

[3] Idem a nota #1.

***

Crédito da foto: Rune Hellestad/Corbis

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24.11.09

Reflexões sobre o nada, parte 3

Continuando da parte 2...

O Tao e o vazio em nós

O Caminho é vazio e inesgotável,
profundo como um abismo.
É como se fosse o ancestral das dez mil criaturas.
Suavizai o corte
Desfazei os nós
Diminuí o brilho.
Deixai que as rodas percorram os velhos sulcos.
Devemos considerar nosso brilho
a fim de que nos harmonizemos com a escuridão dos outros.
Como é puro e tranqüilo o Caminho!
Não sei de quem possa ser filho
pois parece ser anterior ao Soberano do Céu.

Verso 4 do Tao Te Ching, O Livro do Caminho Perfeito (tradução de Murillo Nunes de Azevedo)

Lao Tsé era um obscuro funcionário público da China antiga (entre 4 a 7 séculos A.C.), avesso a honrarias e estudioso de filosofia, que ao fim da vida desapareceu na fronteira do oeste, em direção a Ásia Central. Seu legado histórico, o Tao Te Ching, foi escrito a pedido de um guarda fronteiriço, que pediu que o filósofo lhe deixa-se alguns ensinamentos por escrito enquanto aguardava a liberação para prosseguir viagem. Independente de Lao Tsé ser mito ou personagem real, ou uma mistura de ambos (o que é o mais provável), o que nos importa efetivamente é sua sabedoria, que felizmente chegou até nós através do Livro do Caminho Perfeito.

Mais dia menos dia em nossas vidas, todos nos deparamos com este vazio que há em nós, o vazio do sentido da existência. Na ânsia por preencher tal vazio, e eliminar a angústia de se observá-lo, muitas vezes o abarrotamos com qualquer idéia superficial que resolva nosso problema de imediato: “devemos ser bons para ganhar o céu”, “somos filhos de Deus e devemos temê-lo, para fugir de sua punição”, “precisamos meditar por toda uma vida para alcançar a iluminação”, “a ciência e a racionalidade são os únicos caminhos para se explicar a existência”, “não há solução para a dor no mundo, então vamos apenas nos divertir enquanto for possível”, etc.

Não há problema em se seguir um caminho errado – contanto que prossigamos em alguma direção, mais dia menos dia chegaremos a algum beco sem saída que irá nos desviar um pouco mais em direção ao caminho sem fim. No entanto, os sábios deixam que as rodas percorram os velhos sulcos, aqueles percorridos pelos gigantes de outrora, que em suas carroças pesadas e etéreas deixaram-nos o rastro para o que é infinito, inesgotável, e vazio.

O abismo do ser, o vazio em nós, pode mesmo conter um monstro, mas somente se este for alimentado por nossos medos e traumas. Em nossa relação com o mundo, dificilmente percebemos a nós mesmos como parte de um todo, como seres divinos conectados ao que há de sagrado em todas as coisas, das partículas mais diminutas as galáxias mais antigas do Cosmos. Para tal percepção, é preciso suavizar o corte das opiniões dogmatizadas, o corte do preconceito, o corte da ignorância do mundo, e de nós mesmos, o que faz com que nos desconectemos do todo. E, desconectados, o vazio em nós, embora cheio de opiniões superficiais e inúteis, pode se tornar insuportável. No mundo moderno, há quem prefira dar fim a própria vida, na vã esperança de fuga deste vazio.

Há que se desfazer os nós dos traumas passados, de culpas, de medos, de desejos inúteis... Assim o fio condutor para a imensidão do vazio fica desimpedido, a conexão se restabelece, e a experiência com o divino se renova. Assim, vivemos no mundo sem nos apegar, sem termos nossos desejos ditados pelo pensamento alheio – estamos vazios e somos livres para preencher o vazio em nós. Desta vez, preencher de verdade, com parte da substância inesgotável que flui pelo universo, tal qual raios cósmicos carregados de energia.

O sábio que se harmoniza, que se basta em si mesmo, sabe que seu brilho aumenta, mas também sabe que deve ainda se harmonizar com a escuridão dos outros. Pois houve o dia em que ele estava na escuridão, e algum outro veio lhe falar da luz. Eis que o sábio exerce sua autoridade através de sua doçura e simplicidade - Afinal ele sabe que seguimos nessa mesma estrada por incontáveis eras e que, no fim, chegaremos todos de mãos dadas.

E este caminho infinito de seres, como é puro e tranqüilo, como é eterno e incomensurável! Não há como saber até onde possa ir, mas, sobretudo, não há como saber de onde veio. Anterior ao tempo, anterior a existência em si, anterior a todas as coisas... Preenchendo tudo o que há, inclusive aqueles que se fazem vazios para recebê-lo em toda sua plenitude, o Tao é a mesma substância, o mesmo fluido cósmico que filósofos, cientistas e espiritualistas têm reconhecido ao longo de nossa história. O incognoscível, o que parece ser anterior ao Soberano do Céu. O que se opõe ao nada.

***

Crédito das imagens: [topo] Katie Putz (monumentos em torno do monte Tai Shan), [ao longo] Wikipedia (Lao Tsé)

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23.11.09

A galáxia e o furacão

Continuando a assistir a longa e hipnótica palestra de Nassim Haramein no YouTube [1], chagamos agora a um curioso conceito: em padrões fractais todo ponto é um centro em si mesmo. Se o universo é um fractal, cada um de nós pode ser o seu centro, a partir do nosso ponto de vista particular (consciência).

O universo vibra em nosso redor. Porém, tudo que vibra tem um ponto de imbobilidade, a referência de onde tudo gira, o "olho do furação", a singularidade de um buraco-negro... Dá o que pensar.

Com suas demonstrações teóricas, sem medo de misturar ciência com espiritualidade (talvez fosse melhor dizer - geometria antiga e ocultismo), até mesmo por obviamente conhecer bastante dos dois assuntos, Haramein deve no mínimo ser considerado como um potencializador de novas teorias para nossa cosmologia... Interessante que sua previsão de que todas as galáxias teriam em seu centro um buraco negro super-massivo acabou se confirmando, aparentemente, pelo menos em nossa Via Láctea [2].

***

[1] Para continuar vendo, na sequência deste primeiro vídeo no link, basta ir clicando em "Este vídeo é uma resposta a..." logo abaixo dos videos no YouTube.

[2] Maiores informações:
» At the Center of the Milky Way (NASA)
» Buracos Negros Supermassivos no centro de todas as galáxias? (UFRGS)

***

» Todos os posts sobre Nassim Haramein

Nota: Nassim Haramein até hoje não tem trabalhos científicos publicados em sites ou revistas de renome, e suas teorias não são consideradas de forma séria (ao menos até o momento) pela comunidade científica internacional. Isso não quer dizer que seja um charlatão ou uma fraude, apenas um homem com idéias heterodoxas acerca da geometria do Cosmos.

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20.11.09

Reflexões sobre o nada, parte 2

Continuando da parte 1...

Por que existe algo, e não nada?

Outra grande questão filosófica e certamente existencial é a questão da existência em si. Não a existência de nós, seres humanos, ou deste planeta, ou das estrelas nos confins do universo, ou até mesmo do espaço-tempo como um todo... A questão é mais específica: porque afinal existe algo, e não nada?

Essa questão nos obriga a nos aproximar dos limites de nossa razão. Já dissemos que o nada não é o vazio a espera de ser preenchido, que o nada não pode existir já que obviamente alguma coisa existe. Então chegamos a dualidade coisa vs. não-coisa, que não deve ser compreendida como matéria vs. anti-matéria, ou qualquer outra coisa vs. alguma outra coisa qualquer. Esta coisa existe, é fato – e nesse caso, talvez sequer venha ao caso nos perguntar sobre o porque dela existir: se não existisse, não estaríamos aqui para fazer tal pergunta.

Ela compreende tudo que existe, toda matéria detectada e não-detectada, todas as galáxias e campos gravitacionais, todas as partículas em alvoroço quântico (seja em que dimensão ou universo estiverem) e, sobretudo, todos os pensamentos e idéias já formulados. Algo existe, algo incrivelmente infinito, eterno, mas que nos é profundamente desconhecido.

Em sua Ética, Benedito de Espinosa define de forma contundente, simples e genial o que seria esta coisa. Ele preferiu chamá-la de substância. Espinosa dizia que “uma substância não pode criar a si mesma”, e toda a razão e lógica estão ao seu lado. O grande apóstolo da razão era também cientista, e sabia muito bem que as substâncias apenas se transformam umas nas outras, e que absolutamente nada é criado ou aniquilado na natureza. Ora, se todas as bilhões e bilhões de partículas-substância do espaço-tempo não podem ter criado a si mesmas, e se derivam de alguma outra substância primordial, têm-se pela lógica que tal substância-primeira é a origem de tudo o que há. Não pode ter surgido do nada, pois nada pode surgir do nada. Não pode deixar de existir, pois o cerne do que compreendemos como “existir” depende dela. Não pode senão ser a substância primária de onde todas as outras se sub-dividiram e se transformaram.

Sim, Espinosa sabia. Sabia que no início de tudo, quando apenas esta substância fazia sombra a si mesma, nem mesmo o tempo e o espaço como o compreendemos existiam. Era a eternidade. A eternidade é a casa de tal substância, e graças as suas incessantes transformações, vivemos em um sistema-natureza onde o espaço-tempo nos possibilita ter a condição de viver em pelo menos três dimensões espaciais, e num fluxo incessante de tempo, o que possibilita nossa evolução.

Disso também se tira que estamos todos interligados. Como dizia o cientista Neil deGrasse Tyson: “Estamos todos conectados. Um ao outro, biologicamente; A Terra, de forma química; Ao universo, de forma atômica”. Tal é a profunda reflexão que mais dia menos dia chega a todo homem que observa a imensidão do Cosmos. Não necessariamente é preciso ser cientista para chegar a tal compreensão – Há mais de um século o indígena norte-americano, Chefe Seattle, chegou a uma conclusão bem parecida: "Sabemos que a terra não pertence ao homem. O homem pertence à terra. Todas as coisas são interligadas, como o sangue que nos une. O homem não tece a teia da vida – ele é apenas um fio dela. O que fizer à teia, fará a si mesmo."

Seja seguindo a teia do Chefe Seattle, ou aos átomos que apontam que somos poeira de estrelas longínquas, que explodiram em épocas remotas do universo, desejamos chegar ao mesmo lugar: ao local de onde fomos arremessados a incontáveis eras, e para o qual é nosso destino regressar. Este é o eterno retorno, o re-ligare... Porém, em nossa jornada de volta, passaremos de princípios inteligentes a deuses.

“Vós sois deuses”, dizia o rabi da Galiléia. No entanto, obviamente ainda somos deuses em formação, talvez quem sabe alunos do maternal na grande escola do Cosmos. Como fazer para vencer o vazio que há em nós, esta angústia de retornar para casa?

Ora, já dissemos que o vazio não é o nada. O vazio espera ser preenchido. O vazio é o lugar onde um deus em potencial pode se formar. O vazio se conecta a substância-primária – de alguma forma maravilhosa e incompreensível, sentimos que dentro de nós também arde uma fornalha cósmica. Lao Tsé não sabia dar nome a tal experiência, ao contato direto de tal substância incomensurável. Mas terminou por chamá-la simplesmente de Tao.

À seguir, o Tao e o vazio em nós.

***

Crédito da foto: Descubra o Cosmos (NASA)

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18.11.09

Reflexões sobre o nada, parte 1

O que não existe nem nunca existiu

Ao longo da história filósofos têm se digladiado com a questão do nada. Não é para menos, já que grande parte das pessoas não compreende exatamente o cerne do problema: o nada não é um lugar vazio, ou um espaço em branco, ou a escuridão do vácuo no espaço profundo. O nada não existe. O nada nunca pode ter existido.

A ciência nos diz que a história do espaço-tempo é um conjunto gigantesco de ações e reações de partículas. No universo nada se perde e nada se cria, as coisas apenas se transformam, como dizia Lavousier. Coisas são formadas por partículas, em todo caso: a maça que Newton viu cair, era afetada pela gravidade, mas também era composta por partículas que formavam o fruto utilizando a energia proveniente do sol. O sol por sua vez também é afetado pela gravidade das outras estrelas da Via Láctea, além de exercer um campo gravitacional sobre os planetas próximos, como a Terra. Mas o sol também é formado por partículas que se aglutinaram, também por conta da gravidade. E todas as estrelas da Via Láctea, e todas as galáxias, se afastam ou se aproximam de acordo com reações gravitacionais. Não existe espaço para o nada neste universo. Ao menos desde o Big Bang, tudo obedece a elegantes leis de ação e reação.

O vácuo é um espaço não preenchido por qualquer matéria, nem sólida, nem líquida, nem gasosa, nem plasma, nem mesmo a matéria escura. Mesmo assim cada pequeno espaço dele é preenchido por trilhões de neutrinos e outras partículas a vagar pelo cosmos, assim como radiações de luz em diversas freqüências vibratórias, e campos gravitacionais. O vácuo possui energia, e suas flutuações quânticas podem dar origem à produção de pares de partícula e anti-partícula. O vácuo não pode ser o nada.

O vazio seria um espaço em que não houvesse nem matéria, nem campo e nem radiação. Mas no vazio haveria ainda o espaço, isto é, a capacidade de caber algo, sem que houvesse. No universo não existe vazio, pois todo o espaço, mesmo que não contenha matéria, é preenchido por campos gravitacionais e pela radiação que o atravessa, de qualquer espécie. Mas ainda que o vazio existisse no universo, não poderia ser o nada.

O nada não pode ser um espaço a ser preenchido. Em realidade, não pode nem mesmo ser um lugar ou dimensão onde a noção de tempo seja válida. No nada não pode existir o tempo, nem o tempo curto nem o longo. No nada não existe a noção de seqüência de eventos, e ainda que fosse um lugar a espera de ser preenchido, o evento do preenchimento nunca ocorreria, pois demanda que exista o tempo.

Nesse sentido, o nada se assemelha a noção de eternidade dos orientais. Porém, mesmo assim o nada não pode ser a eternidade, pois na eternidade residem as essências das coisas. Ainda que tais essências sejam totalmente imateriais e metafísicas, ainda assim seriam algo, e não nada. O nada não pode ser uma essência, ou idéia, ou conceito, ou pensamento... Nada existe no nada. Nada pode ter algum tempo existido no nada.

O nada não existe sequer como representação mental, ou lingüística. Quando se fala do nada, quando se menciona a palavra como conceito filosófico, obrigatoriamente estamos nos referindo ao conceito do não-existir, e nada mais. Ainda que tenhamos diversas interpretações do nada, nenhuma delas será válida. Nunca. Pois simplesmente não há o que ser interpretado.

Por isso mesmo o nada é um grande problema. Não porque exista, mas exatamente pelo contrário: como o nada não pode existir, nada pode surgir ou ter surgido do nada, nem mesmo este universo.

À seguir, porque afinal existe algo, e não nada?

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16.11.09

Muito além

Estamos nesse mundo de
Luz e sombras,
Trovões e brisas,
Lírios, orquídeas,
Espinhos e cercados...
Usando máscaras
Para a alma.

A alma que quer ver a
Luz na leveza das brisas,
Na beleza das flores,
Por detrás, ou atrás da dor...
A alma que apenas quer
Desmascarar o amor.

Esse amor que passa
Pelas ruas, entre a multidão,
Disfarçado de aparências,
Disfarçado de costumes,
Esse amor que nada vê...
Disfarçado
Para enganar ao ser.

O ser está em busca
Do outro ser...
Ser feliz, ser apenas paz...
Paz para buscar o que?
Sem entender,
Sem querer, o ser
Não quer mais saber.

Estamos nesse mundo e
Buscamos o saber
Do ser que ama
A alma e o mundo,
Que vive a cantarolar,
Bailando com seu par
Pelos bosques, pelo mar,
Além dos cercados,
Além das máscaras,
Muito além... Muito além...

Além da dor,
Na terra do amor,
Muito além... Muito além...

Além desse mundo,
Onde só você vai estar,
Muito além... Muito além...

Onde só você
Vai estar...


raph'02

***

Crédito da foto: Jean-Baptiste Rabouan/Hemis/Corbis

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13.11.09

Poesia em quadrinhos

Ao lado temos um belo exemplo de como poesia também pode ser feita em pequenas tiras de arte seqüêncial, mais conhecida como quadrinhos. Clique na imagem para vê-la em tamanho maior.

Créditos e textos abaixo

Primeira tirinha:
Crédito: Do veterano quadrinista Laerte.
Texto: Vinha lendo, distraido, quando, de repente... (...) Era o mundo.

Segunda tirinha:
Crédito: Por João, o mais jovem quadrinista brasileiro.
Texto: Eu sou o Rei do Mundo!!! (...) Socorro!!!

Terceira e última tirinha:
Crédito: Do genial André Dahmer, nem sempre tão malvado assim.
Texto: "A coragem do primeiro pássaro" - No final das contas, somos todos sobreviventes de nós mesmos / Lá nas prisões do finito, ousar ser eterno: amor como atalho e labirinto / Mas se você não está morto, sonhará porto por perto / Anoiteça o que anoitecer, coração aberto

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11.11.09

Planeta Terra BBC

Trata-se da mais grandiosa produção já feita sobre a natureza e a vida selvagem do nosso planeta. Narrado por Sir David Attenborough, é o olhar definitivo sobre a diversidade da Terra. Uma produção inesquecível da BBC, que vale a pena guardar com carinho em casa [1]. Vejam por exemplo este trecho com cenas do ártico, editado por um fã da banda islandesa Sigur Rós (a música ao fundo é Staralfur):

***

[1] Para quem esta com o bolso vazio, dá para achar muitos episódios no YouTube também, inclusive dublados.

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10.11.09

Estamos todos conectados

Video de autoria de John Boswell, uma tocante homenagem musical ao Cosmo e a cientistas como Carl Sagan, Richard Feynman e outros...

Trecho:
Verdade, sou somente uma partícula
Comparado à uma estrela, o planeta é somente outra partícula
Pensar em tudo isto
Pensar no vasto vazio do espaço
Existem bilhões e bilhões de estrelas
Bilhões e bilhões de partículas
(...)
A beleza de um ser vivo não são os átomos que o formam
Mas a maneira que estes atómos se agrupam
O Cosmo está dentro de nós
Somos feitos de pó estelar
Somos uma maneira do Cosmo se conhecer

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8.11.09

Orwell e Huxley

Texto de "Amusing Ourselves to Death", por Neil Postman. Tradução transcrita do blog de Marcelo Del Debbio.

George Orwell escreveu 1984. Aldous Huxley escreveu Admirável Mundo Novo.

Orwell temia aqueles que banem os livros.
Huxley temia que não houvesse razão para banir livros, por que ninguém mais se interessaria em ler algum.

Orwell temia a censura das informações.
Huxley temia que nos oferecessem tanta informação que seríamos reduzidos à passividade e ao egoísmo.

Orwell temia que a verdade fosse ocultada de nós.
Huxley temia que a verdade fosse soterrada em um mar de irrelevância.

Orwell temia que nós nos tornassemos uma cultura oprimida (capturada).
Huxley temia que nos tornassemos uma cultura irrelevante, trivial, preocupada com "some equivalent of the feelies, the orgy porgy, and the centrifugal bumblepuppy".

Em 1984, as pessoas eram controladas pela dor.
Em Admirável Mundo Novo, elas eram controladas por prazer.

No final, Orwell temia que o medo nos arruinasse.
E Huxley temia que o desejo nos arruinasse.

Qual cenário parece ser mais convincente nos dias de hoje?

***

O próprio Aldous Huxley deu a sua opinião sobre o assunto:

Dá o que pensar, não?

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5.11.09

Pequenas mortes

Durante muitos séculos o conteúdo de nosso crânio foi percebido com algo relativamente sem importância. Quando mumificavam os mortos, os egípcios antigos lhes retiravam o cérebro e os jogavam fora, mas preservavam com todo cuidado o coração. O filósofo grego Aristóteles acreditava que o cérebro fosse um radiador para esfriar o sangue. René Descartes, filósofo e cientista francês, dedicou ao órgão um pouco mais de respeito, concluindo que ele era um tipo de antena pela qual o espírito poderia se comunicar com o corpo. Apenas agora se percebe toda a maravilha do cérebro.

A função básica do cérebro é manter o restante do corpo vivo. Porém, ele é também o órgão que nos possibilita ter a consciência de que estamos vivos, e que eventualmente iremos morrer.

Para os céticos, a morte compreende o cessar da consciência, exatamente quando o cérebro deixa de executar suas funcionalidades. Para os religiosos e espiritualistas em geral, a morte representa apenas uma passagem para um outro mundo, ou uma outra forma de existência, a qual muitos chamam de mundo espiritual. De qualquer forma, existe um sentimento que une a grande maioria de nós, do cético mais pragmático ao crente mais devoto: o medo da morte.

Há esta distinta idéia de retorno à escuridão, ao nada
Onde tudo o que construímos nessa longa estrada
Da vida, nada restará: não há homem são
Que não trema, com um assombro no olhar
Ante tal nefasto pensamento, uma existência inteira
A navegar pelo oceano à beira, tudo em vão,
Tudo perdido neste derradeiro momento:
Da água do mar ficará apenas o gosto amargo do sal
Do mundo, apenas uma brisa, uma curiosidade,
Uma ansiedade por saber de seu final
[1]

Entretanto, poucos se dão conta de que morremos já por todos os dias de nossas vidas.

Sto. Agostinho, o grande filósofo dos primórdios do cristianismo, já havia chegado a uma curiosa conclusão acerca do tempo: se o futuro ainda não existe e o passado já deixou de existir, o único tempo em que vivemos é o presente, ainda que não possamos medi-lo de forma alguma, já que o próprio ato de medir o presente, ou de pensar e refletir sobre o assunto, já o coloca em nosso passado. Todo o tempo que dispomos é este momento, aqui e agora. É aqui que a consciência opera, embora possa nos trazer lembranças do passado e expectativas do futuro, nós estamos sempre num incessante presente.

Há quem tenha se angustiado com tal pensamento, mas isso é uma outra história. O importante é que esta idéia, se bem analisada, pode nos trazer uma bela compreensão acerca da morte, e no mínimo aliviar um pouco nosso medo do Grande Nada. Ora, eis que, se a morte é o cessar da consciência, no momento presente, nós morremos toda vez que vamos dormir, e renascemos toda vez que nossa consciência volta à tona, ao acordarmos. Todos os dias de nossas vidas, além de nossas células que morrem e se renovam com o tempo, também nossa consciência opera pequenas mortes, e passamos praticamente 1/3 da vida “mortos”.

Porque então gostamos tanto de descansar, mas abominamos a idéia de morrer? Talvez porque a morte nada mais seja do que uma idéia, que de concreto não tem nada, a não ser no derradeiro momento em que passamos para o outro lado do véu.

O célebre filósofo grego Sócrates, ao ser condenado a morte pela ingestão de veneno, avisou a seus injustos acusadores de que não se poderia saber quem iria para um lugar melhor: ele, ou aqueles que permaneceriam em Atenas. Já Epicteto, o espírito iluminado do estoicismo grego, dizia que deveríamos viver sempre prontos para quando a embarcação ancorasse no porto e nos chamasse para a próxima viagem: não havia razão para nos digladiarmos com nosso medo da morte, pois que tudo o que está fora do alcance de nossa vontade não deveria sequer ser levado em consideração. Era melhor se preocupar com a vida.

Nossa tendência de evitar a mudança a todo custo é o principal foco de angústias ao longo da vida. É como tentar tapar o raio de sol com a peneira: não adianta, a natureza sempre vence, tudo vibra, tudo muda a todo momento. As células que constituem nosso corpo na idade avançada não são as mesmas células que o constituíam em nossa adolescência, absolutamente nenhuma delas – todas morreram. E quando perdem a capacidade de se renovar, também nosso relógio biológico avisa ao cérebro, o grande comandante: está na hora da próxima viagem.

E existem aqueles que crêem que isso é apenas o fim permanente da consciência. Mas mesmo entre os céticos há alguns mais poéticos, como Carl Sagan, que dizia que “viver na mente e no coração daqueles que nos amam, é viver para sempre”.

Mas não é possível viver para sempre. Graças à natureza, graças à evolução constante e incessante do Cosmos. Absolutamente tudo precisa seguir adiante, se renovar, por caminhos e mecanismos belíssimos e elegantes. A natureza faz com que tudo o que há navegue sempre em direção ao próximo farol, a próxima parada, e não podemos saber ainda aonde tudo isso vai desaguar.

Que se façam novas todas às coisas.
Assim sempre foi e sempre será.

***

[1] Trecho do meu poema, "O assombro no olhar".

Crédito das fotos: [topo] Wikipedia, [ao longo] Gustave Doré (a morte de Abel).

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4.11.09

Poemas presos

muitas doenças que as pessoas têm são
poemas presos
abscessos tumores nódulos pedras são
palavras
calcificadas
poemas sem vazão

mesmo cravos pretos espinhas cabelo
encravado
prisão de ventre poderia um dia ter sido
poema

pessoas às vezes adoecem de gostar de palavra
presa
palavra boa é palavra líquida
encorrendo em estado de lágrima

lágrima é dor derretida
dor endurecida é tumor
lágrima é alegria derretida
alegria endurecida é tumor
lágrima é raiva derretida
raiva endurecida é tumor
lágrima é pessoa derretida
pessoa endurecida é tumor
tempo endurecido é tumor
tempo derretido é poema

palavra suor é melhor que palavra cravo
que é melhor que palavra catarro
que é melhor que palavra bílis
que é melhor que palavra ferida
que é melhor que palavra nódulo
que nem chega perto da palavra tumores internos
palavra lágrima é melhor
palavra é melhor
é melhor poema

(...)

Parte da seqüencia "Poema Preso", por Viviane Mosé

***

Crédito da foto: Juliana Coutinho

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