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7.8.25

Pequeninos

Quando eu era pequenino,
achava que era Cristo.

Quem nunca?
Você não?
Então deixe-me explicar melhor:

Meu Cristo não estava pregado numa cruz dourada,
não decorava gabinetes nem parlamentos,
não servia de escudo para os homens de bem,
não justificava preconceitos nem atrocidades –
o meu Cristo
era o Cristo dos pequeninos.

Esses que sobem em árvores
e lançam somente pipas aos céus;
esses que não contam nem dias nem horas,
e quando têm algum dinheirinho,
torram tudo em balas e figurinhas;
esses que montam times de futebol
em qualquer pedaço de terra,
com qualquer outro pequenino que apareça.

Pois é importante dizer isso deles:
eles não julgam,
não são bons nem maus,
e jamais, jamais
falam em nome do Pai.

Quando eu era pequenino,
achava que era Cristo,
pois que vivia sempre junto dele...

Um dia cresci, e me perdi,
e achei que estava redondamente enganado.
Mas o mais interessante da coisa toda
é que eu não estava!

Depois de muito tempo,
percebi o que o Rabi quis dizer com
“venham a mim os pequeninos,
pois é deles o Reino dos Céus.”

Então descobri que eu realmente fui Cristo,
um Cristo pequenino,
como são pequeninas e sem importância para este mundo
todas as coisas do lado de lá,
do lado que realmente importa,
da vida que verdadeiramente levamos,
ainda que nossa alma esteja tão embaçada.

Quando eu era pequenino,
achava que era Cristo;
hoje sei que não somente eu,
como todos os demais pequeninos
sempre fizemos parte dele,
e ele de nós –
hoje sei que toda a extensão do meu Caminho
reside em voltar a ser
um pequenino.


raph'25

***

Crédito da imagem: Katharina Kammermann/unsplash

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20.5.25

O resto é rio

Ainda me lembro de quando todos nós
sentávamos à mesa da matriarca
para celebrar o nascimento de um deus.
“Deus” ali era o de menos, era só uma palavra;
o fato é que estávamos ali para celebrar
o amor de um pelo outro,
a vida compartilhada, as memórias
e o tempo: isto sim
era Divino.

Ainda me lembro de quando esta nossa comunidade
tinha tempo para estar junta, realmente unida,
nem que fosse uma única noite do ano.

Ainda me lembro de quando nos olhávamos nos olhos,
sem o risco de sermos subitamente interrompidos
por alguma notificação em nossa tela.

Ali, naquela época, havia tempo
para não pensarmos em tempo perdido.
Ali, naquela vida, havia sentido suficiente
para não pensarmos em busca de sentido.
Ali, naqueles dias, não vendíamos nossos minutos,
e toda a arte que apreciávamos era só arte,
não um produto.

E hoje, hoje não sei se vivemos,
acho que somos pautados:
a pauta do dia está lá, em nossa tela,
desde o momento em que abrimos os olhos,
dia após dia.

Hoje nós somos como nossa tela,
sem um tempo que seja só nosso,
sem saber o que somos ou seremos,
e sem querer saber.
Antes nós chegávamos a nos conhecer
pelo desassossego,
mas agora existimos assim,
profundamente sossegados
em nosso próprio aparelho mágico.

E é até engraçado de pensar,
mas não há mágica nenhuma nisso:
somos pautados pelos algoritmos,
e muitos de nós sequer sabem
o que diabos eles são.

Um dia chegamos a crer de pés juntos
que tempo é realmente dinheiro,
e que um crescimento exponencial de recursos
caberia dentro de um planetinha como este.
Um dia realmente achamos que o lucro por si só
resolveria todos os nossos problemas;
e, o que é pior, que a riqueza individual
traria um benefício coletivo.

Não poderia dar certo, e não deu.
Mas até mesmo o fim do mundo, vejam só,
até mesmo ele virou um produto...

Já há muitos filmes e bestsellers sobre o fim dos dias,
que tal um que fale do início de um novo tempo,
bem aqui, bem agora?

Tudo bem, tudo bem,
eu sei que este poema está ficando longo demais,
que está tomando o seu tempo precioso,
mas seja como for, me permita encerrar
com um pensamento:

Tudo o que você tem realmente de se preocupar
é em refletir sobre o que você veio fazer aqui,
neste tempo onde tudo gira
e nada está parado:
esta é a sua âncora,
o resto é rio.


raph'25

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Crédito da imagem: Manu Mateu/unsplash

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12.3.25

Lançamento: Hafiz - A gargalhada de Deus

As Edições Textos para Reflexão retornam à poesia sufi.

Mesmo tendo vivido no séc. XIV, Hafiz de Shiraz é até hoje um dos mais célebres poetas persas, cujos poemas capturaram os corações e as mentes de inúmeras pessoas ao longo dos séculos. Sua coleção de poemas acerca do amor rivaliza tão somente com Rumi em termos de popularidade e influência.

Após ter se aventurado a traduzir os poemas de Rumi e Omar Khayyam, era inevitável que Rafael Arrais chegasse a outro grande expoente da poesia mística do Islam. São pelo menos 60 poemas à espera de serem desvelados e degustados. Boa jornada!

A obra já está disponível na Amazon, em e-book, e também na versão impressa:

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» Leia o prefácio da edição


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