Rabia Basri foi uma santa dos primórdios do sufismo, o misticismo do Islã. Sua poesia avassaladora influenciou diretamente grandes místicos sufis que lhe sucederam, como Farid ud-Din Attar e Jalal ud-Din Rumi. Eu conto mais sobre as lendas da sua vida em outro artigo.
Aqui trago apenas alguns dos seus poemas, que farão parte do meu próximo livro sobre Rumi, intitulado Rumi – Além das ideias de certo e errado (veja a capa ao final):
[Se eu lhe adorar pelo medo do Inferno]
Se eu lhe adorar pelo medo do Inferno,
me queime no Inferno;
se eu lhe adorar pelo anseio do Paraíso,
me expulse do Paraíso;
mas se eu lhe adorar pelo que você é,
não esconda de mim a sua face!
[Minha paz]
Irmãos, minha paz é minha solitude.
Meu Amado está a sós comigo nessa paz,
ele sempre esteve.
Em todas as terras e mundos,
jamais encontrei nada
que fosse equivalente ao seu amor:
este amor que arrasta as montanhas
das areias do meu deserto.
Se eu fosse morrer de desejo,
e meu Amado ainda não estivesse satisfeito,
o meu desespero seria eterno.
Abandonar tudo o que ele criou,
mas agarrar firme em minhas mãos
a prova derradeira de que ele sempre me amou:
é esse o nome e o destino da minha busca.
[A porteira]
Eu tenho todas as qualificações para trabalhar como porteira, e essas são as razões:
O que está dentro de mim, eu não deixo sair.
O que está fora de mim, eu não deixo entrar.
E se alguém adentra meu território,
logo mais sai outra vez.
Eu não lhe digo respeito, ele não me diz respeito;
pois eu sou uma Porteira do Coração,
não um bocado de argila molhada.
[Outra noite se vai]
Ó Amado, outra noite se vai,
outro dia se eleva.
Me diga se minha conduta foi boa esta noite,
para que eu possa estar em paz;
ou se foi mais um dia perdido,
para que eu possa chorar o que foi perdido.
Eu juro que desde o primeiro dia
em que você me trouxe de volta à vida,
desde que tornou-se meu Amado,
eu não dormi outra vez.
E ainda que você me enxote da sua porta,
eu juro que jamais iremos nos separar de novo,
pois em meu coração você arde,
em meu coração você vive
para sempre.
[Em minha alma]
Em minha alma
há um templo, um santuário, uma mesquita, uma igreja
onde eu me ajoelho.
A oração deveria nos levar a um altar
onde não existem
nem muros nem nomes.
Acaso não há uma região do amor
onde o altar real sequer é iluminado pelas velas,
onde o êxtase derrama-se em si mesmo
e se perde,
onde as asas estão plenamente vivas,
mas já não possuem nem mente
nem corpo?
Em minha alma
há um templo, um santuário, uma mesquita, uma igreja
que se dissolvem...
Neste momento
onde eu me ajoelho
todas as construções se dissolvem,
tudo se dissolve
em Allah.
Veja mais poemas de Rabia em nosso próximo livro sobre Rumi, que deve ser lançado até o final de 2021 (em e-book e versão impressa):
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Crédito das imagens: [topo] Light in Babylon (Michal Elia Kamal); [ao longo] Lance Gerber/Desert X Al Ula; Rafael Arrais e svklimkin/unsplash license (capa do livro).
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