O filósofo suíço Alain de Botton pode não ter idéias tão originais, mas é exatamente na sua releitura de praticamente toda nossa filosofia que ele se supera, tornando-se um os escritores mais agradáveis de se ler atualmente.
Alain desmistifica a filosofia, numa clara intenção de trazer o conhecimento "para as massas". Quando vejo um de seus livros entre os mais vendidos, fico feliz em saber que mais pessoas estão a algumas páginas de serem "fisgadas" pelo amor ao saber.
Felizmente, Alain não se limita aos livros em seu trabalho. A BBC lançou uma pequena série a alguna anos, onde ele apresenta, a cada episódio, um filósofo e uma grande teoria (ou descoberta) em aproximandamente 25 minutos. Esta série foi lançada no Brasil pela Editora Abril: Filosofia para o dia a dia
Veja aqui um trecho da série (sobre Schopenhauer e o amor):
Porque crer em Deus? - Há de me perguntar o materialista, que acredita que o Big Bang, a explosão que iniciou esse universo em que estamos a bilhões de anos, ocorreu apenas porque havia muita matéria densa concentrada num ponto único do espaço... E que "espaço" era esse? E que "matéria" era essa? Será a mesma matéria primordial que forma os blocos indivisíveis dos atomistas da antiguidade? Será que tudo se explica por processos físicos, fisiológicos, orgânicos, etc... Será enfim que nosso pensamento é fruto apenas de reações químicas causadas por nossas experiências sensoriais. Será que somos o observador que altera a própria matéria a sua volta nos experimentos de física quântica? Possibilidades inúmeras...
Porque crer em Deus? - Assim como os físicos não conseguiram ainda achar esse tal observador que teoricamente estaria dentro de nosso cérebro, o materialismo não pode se basear somente na matéria, pois essa mesma sequer existe segundo alguns mesmos físicos. No campo do "muito pequeno" as leis físicas "normais" se alteram, átmos são enormes bolhas de elétrons viajantes que mal param no lugar, o próprio núcleo fica mais tempo "em algum lugar" do que na nossa "realidade material"... Literalmente, tudo o que existe é relativo, tão sólido quanto um imenso balão de ar quente, tão "material" quanto um pensamento ou emoção...
Porque crer em Deus? - Ora, os humanistas vieram nos trazer a boa nova de que não há "salvação" ou "punição eterna", de que somos os responsáveis por nós mesmos. Se é que existe Deus, ele não interfere diretamente, as suas leis são imutáveis e tudo o que podemos fazer é estuda-las, e estudar-mos a nós mesmos, para evoluir enquanto entendemos mais acerca do universo como um todo, incluindo nosso próprio universo interno. Sim, o ser humano é uma máquina maravilhosa, mas não só máquina, como "algo a mais". Não fomos criados perfeitos, se é que nossa criação tende a perfeição... Mas só poderemos ser destinados a seguir passo a passo rumo a essa perfeição, quase como se estivesse escrito no nosso "manual de utilização": "Vai e se torne perfeito!"
Porque crer em Deus? - Se ele não interfere diretamente, qual a diferença entre crer ou não crer? E, se no final, na hora de nossa morte, não existir Deus? Não existir nada além do grande e eterno Nada? - Ora, se não existir nada, não estaremos mais aqui para nos preocupar com isso... Mas, se existir sim "algo a mais", não seria muito mais recompensador sabermos que vivemos nossa vida com a leve e consoladora esperança de que tudo o que aqui está foi criado com um propósito? Que assim como as marés e os planetas estão sempre atados a leis universais de gravidade e energia, nós também fazemos parte disso? Que o Tudo não poderia ter simplesmente saído do Nada? E finalmente, que nesse grande universo, nada se perde porém tudo se transforma?
Porque crer em Deus? - Porque não basta estarmos limitados aos princípios da ciência materialista, que se baseia na premissa de que tudo o que existe é "matéria"... Não basta para nós nos limitarmos no campo do visível, é preciso sim se aventurar no invisível, sempre! Sem dogmas, sem doutrinas, sem pecados, mas com a responsabilidade ética de nos comprometermos com nossas próprias ações, que tudo o que somos, que o lugar onde estamos, social, financeiro ou moral, depende e sempre dependeu apenas de nós mesmos... Há que se seguir o glorioso caminho do meio, nem muito na matéria pela matéria, nem muito no dogma ou doutrina que não nos oferece por ora explicação racional.
E então sua religião será seu próprio pensamento, sua igreja estará edificada em seu coração, sua vida cobrirá vastas páginas de sua própria bíblia, e Deus será seu amor. - E onde está o amor? Será que você pode vê-lo, agora mesmo, a sua volta? Claro que não, mas você sabe que ele existe, só você sabe... Creia nisso.
Você pisou em meu coração De maneira doce e suave, como quem caminha entre pombos
Sem no entanto fazê-los debandar em revoada Você marcou minha alma com pegadas De amor e carinho, como quem sempre deseja o bem
Sem nunca exigir algum bem de troca
E após seus pés vieram as flores
Rosas, hortências, girassóis e gérberas
Vindas da semente da paixão verdadeira
Que ilumina e iluminou o mundo, desde o início...
Como o sol brilhante ou a noite mais estrelada
A anunciar o verão de nossas vidas
Você pisou em meu coração Mas depois veio o longo inverno, e você se foi
De volta a um dos Sete Céus de onde viera Você marcou minha alma com pegadas Essas estão ainda hoje lá, fossilizadas
A espera do arqueólogo que descobrirá nosso amor
Desde o início do cristianismo uma questão assola os fiéis: "Se Deus é bom, ele não pode ser todo-poderoso. Se Deus é todo-poderoso, ele não pode ser bom." - Pois para muitos, o fato de existir o mal no mundo significa que existe uma força opositora a bondade de Deus, de modo que ele não pode ter realmente poder sobre tudo, do contrário não permitiria que o mal existisse.
Diz-se que mesmo antes de Adão e Eva e do primeiro pecado do homem, já havia no mundo a tal serpente... Diz-se também que Lúcifer foi expulso do paraíso muito antes do homem ser criado, e que portanto a representatividade do mal já existia antes sequer de chegarmos a esta terra. Pois bem, me parece que o homem em sua fé infantil mais peca pela ignorância da realidade divina do que por falta de fé na onipotência de Deus.
De fato, se a intenção de Deus era que todos vivessemos em paz e felicidade eterna, existindo somente no solo fértil e florido da bondade desde o princípio, seria muito estranho, no mínimo, que ele tenha permitido atrocidades como as fogueiras da Inquisição, as Cruzadas, as Guerras Mundiais, as Bombas Atômicas e os atos de Terrorismo... só para citar algumas. Ocorre que, é teoria comum entre as mais variadas correntes de misticismo das mais variadas religiões que, efetivamente, Deus não quis que fossemos criados perfeitos, como autômatos, robôs que já sairam de fábrica sabendo tudo e agindo de forma perfeita... Deus quis que nós aprendêssemos a perfeição, passo a passo, numa longa jornada da qual aparentemente estamos apenas no princípio...
A maldade que há no mundo é tão somente reflexo da maldade que há na própria raça humana, ainda ignorante do grande destino para o qual foi realmente criada: a perfeição! E, se essa perfeição pode se assemelhar a uma equação muito complexa, como aquelas que muitos de nós tiveram grandes dificuldades de resolver quando estudamos matemática ainda jovens, Deus interfere com pequenas mensagens de apoio, que muitas vezes nos apontam um caminho a seguir, mas que nunca irão resolver a equação para nós.
Com suas leis imutáveis, o universo não permite passes de mágica, estamos todos subordinados as leis da física... É verdade que muitas dessas leis ainda estamos por descobrir, mas também é verdade que Deus não irá aparecer no meio da terra e resolver nossos problemas para a gente. Se antes iámos a estádios ver gladiadores lutando até a morte, hoje ao menos vamos apenas ver esportes inofensivos... Estamos numa lenta ascendência moral, mas nossas conquistas se devem a nós, e somente a nós. As dicas, as pequenas mensagens de apoio, Deus nos enviou através de seres proféticos como Lao Tsé, Buda, Jesus ou Santo Agostinho... Mas o principal, a evolução moral em si, depende somente de nós.
Antes interpretar as parcas mensagens que recebemos do Alto e nos guiarmos no caminho certo da consciência de si mesmo, do que nos atermos a alegorias infantis ou esperarmos de Deus exatamente aquilo que ele não quer e não irá nos dar: a salvação. A salvação, se é que existe ou é tão necessária, se faz pela evolução interna, o lento progresso moral, ao qual estamos destinados a percorrer, quer queiramos ou não, por longos e longos séculos de vidas e vidas. O que fazemos hoje, para esta terra e para nosso próprio povo, é o que fazemos a nós mesmos, é a herança que deixamos, pois não teremos outra casa para habitar por um bom tempo. Cuida bem da terra, da natureza e do seu próprio coração, porque quem espera a salvação há de se desiludir mais cedo ou mais tarde. Tudo o que tu és e há de ser, dependerá apenas de si mesmo.