Placebo-Nocebo

Hipócrates, pai da medicina, dedicou sua vida ao estudo de formas racionais para o tratamento de doenças. Era avesso a superstição e as práticas de "barganha" com os deuses em busca de curas milagrosas. Dizia que "tudo acontece conforme a natureza", a cura "está ligada ao tempo e às vezes também às circunstâncias", e por isso mesmo nenhum médico poderia prometer cura, e sim tratamento: "Tuas forças naturais, as que estão dentro de ti, serão as que curarão suas doenças".
A medicina moderna, no entanto, parece ter a tendência a analisar o corpo como uma máquina. Fascinados pelos avanços da tecnologia, talvez tais médicos pensem que a maquinaria avançada possa fazer todo diagnóstico e tratamento quase que no "piloto automático", e que eles devem tão somente estar muito bem informados acerca das últimas descobertas das ciências médicas... Acupuntura? Homeopatia? Medicina-alternativa? Relação amorosa entre médico e paciente? Tudo isso se resume a pseudociências que não tem quase nenhum efeito no tratamento como um todo. Os poucos que admitem algum efeito, o colocam na conta do fenômeno placebo-nocebo.
Em qualquer tratamento farmacológico, os efeitos terapêuticos relacionam-se a dois tipos de fatores: específicos (dose, duração, via de administração, farmacodinâmica, farmacocinética, interações medicamentosas, etc.) e não específicos (história e evolução natural da doença, regressão à média, aspectos sócioambientais, variabilidade inter e intraindividual, desejo de melhora, expectativas e crenças no tratamento, relação médico-paciente, características não-farmacológicas do medicamento, etc). O fenômeno placebo-nocebo faz parte destes últimos.
Etimologicamente, o termo placebo se origina do latim placeo, placere, que significa agradar, enquanto o termo nocebo se origina do latim nocere, que significa inflingir dano. De forma generalizada, entende-se efeito ou resposta placebo como a melhoria dos sintomas e/ou funções fisiológicas do organismo em resposta a fatores supostamente inespecíficos e aparentemente inertes (sugestão verbal ou visual, comprimidos inertes, injeção de soro fisiológico, cirurgia fictícia, etc.), sendo atribuível, comumente, ao simbolismo que o tratamento exerce na expectativa positiva do paciente.
Para muitos céticos, basta taxar toda melhora ou cura efetiva conseguida através de tratamentos da medicina-alternativa como efeito placebo (como é mais conhecido o fenômeno) para se livrarem, como que num piscar de olhos, do problema de ter de explicar tais fenômenos fora do âmbito científico tradicional. Ora, mas não basta apenas classifica-los como placebo, é preciso compreender o que exatamente é o fenômeno em si. Do contrário, ficará parecendo, para quem tem a compreensão um pouco mais profunda, que os céticos estão apenas afirmando algo como: "Não fazemos a menor idéia de como isso ocorre, mas é um efeito que chamamos de placebo, e por enquanto basta-nos saber disso." - Ou seja, é a mesma coisa que não afirmar objetivamente nada.
Felizmente, também há céticos que se aprofundam um pouco mais no problema: "Médicos em um estudo eliminaram verrugas com sucesso, pintando-as com uma tinta colorida e inerte, e prometendo aos pacientes que as verrugas desapareceriam quando a cor se desgastasse. Em um estudo de asmáticos, pesquisadores descobriram que podiam produzir a dilatação das vias aéreas simplesmente dizendo às pessoas que elas estavam inalando um broncodilatador, mesmo quando não estavam. Pacientes sofrendo dores após a extração dos dentes sisos tiveram exatamente tanto alívio com uma falsa aplicação de ultrassom quanto com uma verdadeira, quando tanto o paciente quanto o terapeuta pensavam que a máquina estava ligada. Cinqüenta e dois por cento dos pacientes com colite tratados com placebos em 11 diferentes testes, relataram sentir-se melhor -- e 50 por cento dos intestinos inflamados realmente pareciam melhores quando avaliados com um sigmoidoscópio." - Tudo isso foi retirado de um artigo cético sobre o assunto.
Um dos maiores placebos da história é aquele que diz que a vitamina C evita resfriados. Quem não toma vitamina C para evitar resfriados? Quem não conhece alguém que toma? No entanto, tudo indica que qualquer melhora nesse sentido é causada muito mais por nossa crença na melhora do que por algum fator químico da própria vitamina C. Então, após todos esses anos, será que ninguém parou para se perguntar: "Então se a vitamina C não trata a gripe comum, o que diabos trata?"
Não sabemos exatamente como o fenômeno funciona, mas temos quase certeza que seu mecanismo passa pela mente. Nesse sentido, se faz necessário voltar os olhos para a milenar medicina oriental, e sua defesa de que praticamente toda doença tem origem na mente, ou no espírito, sendo o efeito físico apenas o estágio final de um processo que conhecemos muito pouco na chamada "medicina moderna". E não seria extremamente desconcertante descobrirmos que, talvez no final, a medicina altamente tecnológica esteja apenas queimando dinheiro em tratamentos avançados para doenças que poderiam ser evitadas de formas um tanto mais simples, humanas, econômicas? Ora, era Hipócrates quem dizia que são nossas própria forças quem curam nossas doenças, o tratamento visa principalmente, estimular nosso ânimo para a melhora... Ou, em outras palvaras, "mente sã, corpo são".
A acupuntura, por exemplo, é amplamente utilizada na veterinária. Porque ninguém questiona a acupuntura veterinária, mas questiona a acupuntura em humanos? O princípio do tratamento não é o mesmo? - Obviamente que a medicina-alternativa não serve para todo tratamento, e nem deve ser utilizada em substituição a convencional, mas em sua complementação. Na saúde pública brasileira, por exemplo, há relatos de experiências de substituição de analgésicos (para a dor) por seções de acupuntura, com enorme sucesso: os analgésicos saem muito mais caro, e se as pessoas conseguem deixar de sentir dor apenas com acupuntura, isso é uma economia imediata da verba pública. Além disso, a acupuntura tem bem menos contra-indicação do que a grande maioria dos remédios [1].
Patch Adams, um dos maiores médicos de nosso tempo, é provavelmente quase que ignorado nos grandes centros acadêmicos. Mas sua terapia do amor é uma enrome esperança para os que defendem que a medicina seja humanizada, e passe a utilizar a tecnologia em seu favor, e não continue como que sendo utilizada pela tecnologia, confundindo homens com máquinas. Seria injusto generalizar e afirmar que toda doença tem cunho psicológico, e que nosso humor é o único responsável por nossas enfermidades. Por outro lado, sabemos que a dor é vital para a melhora, e que sem a capacidade de sentir dor, provavelmente estaríamos extintos a muito tempo. Ora, existem dores de origem claramente física, como a dor decorrente de uma contratura muscular, ou de um vírus transmitido por um mosquito, por exemplo... Mas em relação a grande maioria das dores que nos acometem na vida, não podemos afirmar se são apenas físicas, ou emocionais - e, se forem primordialmente emocionais, psicológicas, mentais, é da mente que devemos tratar primeiro, e não do corpo. Do contrário, corremos o risco de ficarmos tal qual aqueles que tentam tapar a luz do Sol com a peneira, ou retirar água do poço com um balde furado.
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[1] Estudes recentes chegaram inclusive a resultados curiosos onde a acupuntura "falsa" obteve resultado mais positivo do que a medicina tradiconal, e tão positivo quanto a acupuntura "real". Fonte: Acupuntura "falsa" supera medicina comum em teste (Folha de S.Paulo).
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Artigos científicos recomendados:
» Acupuntura: bases científicas e aplicações.
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Crédito da foto: Wikipedia (Patch Adams)
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