No  primeiro dia de 2021 entra em domínio público em todo o planeta (exceto os EUA)  toda a obra de Eric Arthur Blair, mais conhecido pelo seu célebre pseudônimo:  George Orwell.
Orwell  foi um peso pesado da literatura do século XX, e duas de suas obras são best-sellers  praticamente eternos: 1984 e A Revolução dos Bichos. Desde o início  de Maio deste ano eu tenho me dedicado a traduzir ambas.
  A  última, uma tradução consideravelmente mais curta, foi finalizada há algumas  semanas, e recentemente eu finalmente dei início à tradução da primeira.
Sim, é  isso mesmo: neste momento eu, Rafael Arrais, estou no início da tradução de 1984. É importante deixar isso divulgado  aqui, pois tenho certeza de que não serei o único a publicar traduções de  Orwell ano que vem, seja na Amazon ou nas outras plataformas de autopublicação.
Se tudo  correr bem, as Edições Textos para Reflexão iniciarão o ano que vem em grande estilo, com lançamentos das traduções das  obras já citadas em versão digital e impressa [1]; além de, pela primeira vez  na história da editora, estarmos preparando um lançamento na própria língua  inglesa. Quem viver verá!
Na  sequência, trago um trecho da minha tradução de 1984:
Parte 1, Capítulo 1
[...] Winston  despertou de seus devaneios e se acomodou melhor na cadeira. Soltou um arroto.  Era o gim em seu estômago começando a subir.
Seus  olhos voltaram a focar a página. Constatou que durante o tempo em que esteve  ali sentado em devaneios, sentindo-se só e desamparado, havia continuado a  escrever, numa espécie de ação automática. E já não era mais a letra pequenina  e desajeitada de antes. A sua pena havia deslizado como uma libertina através  do papel macio, escrevendo em letras grandes e nítidas:
ABAIXO O  GRANDE IRMÃO
  ABAIXO O  GRANDE IRMÃO
  ABAIXO O  GRANDE IRMÃO
  ABAIXO O  GRANDE IRMÃO
  ABAIXO O  GRANDE IRMÃO
Muitas  vezes. Elas preenchiam a metade de uma página.
  Ele não  conseguiu deixar de sentir uma pontada de pânico. Era absurdo, já que ter  escrito aquelas palavras não era nada mais perigoso do que o próprio ato de  iniciar um diário; mesmo assim, por um momento, teve a tentação de rasgar as  páginas já escritas e abandonar por completo aquela ideia toda.
  Não o  fez, porém, porque sabia ser algo inútil. Quer tivesse ou não tivesse escrito  ABAIXO O GRANDE IRMÃO, era algo inteiramente irrelevante. Não fazia a menor  diferença prosseguir ou não com aquele diário. A Polícia do Pensamento o  descobriria de um jeito ou de outro. Ele havia cometido – ainda que não tivesse  escrito nada no papel – o crime essencial, que englobava todos os demais dentro  de si. Era chamado de pensamento-crime. O pensamento-crime não era algo que  pudesse ser ocultado indefinidamente. Seria possível escondê-lo durante algum  tempo, às vezes por anos a fio, no entanto mais cedo ou mais tarde o criminoso  sempre era pego.
  E era  sempre à noite – as prisões invariavelmente ocorriam à noite. A interrupção  súbita do sono, a mão bruta sacudindo o ombro, as luzes cegando os olhos, o  círculo de rostos impiedosos em torno da cama. Na grande maioria dos casos não  havia julgamento, nem mesmo o registro da prisão. As pessoas simplesmente desapareciam,  sempre durante a noite. Seus nomes eram removidos dos registros, todas as  menções a qualquer coisa que tivessem realizado eram apagadas, suas existências  anteriores eram negadas e logo mais totalmente esquecidas. Você era abolido,  aniquilado: VAPORIZADO era o termo corriqueiro.
  Por um  momento, Winston foi tomado por um ataque de histeria. Assim, foi logo  escrevendo, em garranchos apressados:
me darão um tiro que isso me importa  me darão um tiro na nuca não me importa abaixo o grande irmão eles sempre  atiram na nuca não me importa abaixo o grande irmão...
Ele se  recostou outra vez na cadeira, ligeiramente envergonhado de si mesmo, e largou  a pena. Logo em seguida levou um susto imenso. Batiam na sua porta.
  Já?! Ele  permaneceu sentado, imóvel como um rato, esperando que a pessoa fosse embora  sem insistir. Mas não, bateram outra vez. Seria ainda pior se atrasar para  atender. Com seu coração batendo tal qual um tambor – mas com o rosto  provavelmente sem expressão alguma, fruto do velho hábito – ele se levantou e  se dirigiu à porta, pé ante pé.
(tradução  de Rafael Arrais)
***
[1] Infelizmente será praticamente impossível  finalizar a longa e desafiadora tradução de 1984 até o início de 2021, mas espero publicá-la até a metade do ano, possivelmente  ainda no primeiro trimestre. Já a minha tradução de A Revolução dos Bichos será lançada logo no início de 2021.

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