Papo de Quinta (no Instagram)

Recentemente meu amigo Igor Teo (psicólogo, filósofo, escritor e taoista) me convidou para participar de uma Live ao vivo no seu canal no Instagram. A princípio a gente mal sabia do que iria se tratar nosso bate-papo, não tínhamos sequer um título para a coisa. Mas no finalizinho da primeira Live já surgiu o nome: Papo de Quinta. No Papo de Quinta a gente fala sobre filosofia, espiritualidade, ciência, política, redes sociais, escrita e mercado editorial, dentre outros assuntos.
Assim, para quem tiver interesse em acompanhar, recomendo que sigam nossos canais no Instagram (@rarrais e @cuide.si) para ficarem sabendo com antecedência do horário da próxima Live. Hoje não teve, mas quinta que vem deve ter... Abaixo, trago os dois primeiros episódios:
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Lançamento: Questões para a Vida e a Morte

As Edições Textos para Reflexão publicam mais um livro gratuito, especialmente para a sua quarentena.
Questões para a Vida e a Morte nasceu da necessidade de quatro amigos de falarem sobre Deus, o sentido da vida, a morte, o amor, o sexo e outras questões universais. Saído das mentes de Taoana Padilha, Caio Ribeiro Chagas, Igor Teo e Rafael Arrais.
Um ebook já disponível na Amazon, Google Play e Kobo:
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Marcadores: Caio Ribeiro Chagas, eBooks, Edições Textos para Reflexão, espiritualidade, filosofia, Google Play, Igor Teo, Rafael Arrais, Taoana Padilha
Lançamento: Como alcançar o sucesso e inevitavelmente morrer

As Edições Textos para Reflexão publicam novamente um livro de Igor Teo, colunista do portal Teoria da Conspiração:
"Em Como alcançar o sucesso e inevitavelmente morrer, o autor recupera o antigo estilo libertário de Michel de Montaigne para compor uma obra que nos interroga acerca da busca pela felicidade, passando por temas como amor, amizade, sucesso profissional e até mesmo a morte. Pontuada por relatos pessoais, a discussão é mais do que um questionamento filosófico, é também o relato de um percurso próprio. Numa linguagem descomplicada sem ser simplista, o leitor não será o mesmo depois de atravessar essas páginas."
Um livro digital disponível para download gratuito em pdf, ou em versão impressa, no formato "pocket book":
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Marcadores: amor, Edições Textos para Reflexão, filosofia, Igor Teo, morte
Entrevista com Raph Arrais

Embora nem sempre esteja muito evidente, tanto Raph quanto Rafael Arrais são a mesma pessoa, e é esta a mesma quem escreve este blog. Nessa entrevista para meu amigo Igor Teo [1], falo um pouco mais sobre a história do blog, assim como sobre poesia, criatividade, morte, amor, e algumas coisas mais...
Lá pelas tantas, em homenagem ao saudoso Abujamra, tento até mesmo responder a pergunta "o que é a vida?":
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[1] O Igor, que alguns devem conhecer dos livros que publicamos pelas nossas Edições Textos para Reflexão, está com um projeto de popular o seu canal no YouTube com uma variedade de vídeos. Alguns são só dele, mas noutros temos hangouts com mais pessoas. Para quem se interessar, semana passada também participei do primeiro episódio do Hangout Reflexões
Crédito da imagem: raph + Prisma (sim este sou eu)
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Lançamento: Desperte para uma vida melhor

As Edições Textos para Reflexão publicam novamente um livro de Igor Teo, colunista do portal Teoria da Conspiração:
"A dificuldade em lidar com certos aspectos de si mesmo é uma questão frequente na atualidade. Muitas vezes precisamos procurar ajuda porque nos sentimos sucumbidos à tristeza, não controlamos a nossa raiva, não conseguimos sentir alegria ou entusiasmo pela vida, estamos excessivamente ansiosos com certos eventos, entre outros problemas de foro emocional. Por outro lado, muitas pessoas têm encontrado também na meditação um alívio para seus conflitos.
Apesar da meditação ser comumente associada a um contexto espiritual, Igor Teo explora neste livro o aspecto científico da prática, apoiado nos estudos das neurociências. Através de um método sistemático, este livro oferece aos seus leitores, além da compreensão teórica, um conjunto de exercícios para aqueles que desejam trilhar um caminho em busca de uma melhor qualidade de vida para si."
Um livro digital disponível para download gratuito, ou em versão impressa, no formato "pocket book":
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Abaixo, segue um trecho do capítulo "Ser Humano"...
Do que somos feitos?
Talvez você já tenha se feito essa pergunta. Segundo os cientistas, somos feitos da poeira das estrelas. A combinação aleatória de uma matéria originada bilhões de anos no passado no big bang, e que ao longo do tempo, devido a sucessivas transformações e ao processo evolução da espécie, fez de nós o que somos hoje. Isto é, somos matéria. Somos corpos que andam, cheiram, tocam, são tocados e interagem entre si. Mas não somos apenas isso. Também falamos, pensamos, refletimos... sentimos! Em algum momento da história da espécie, essa matéria começou a agir e reagir mais do que por simples respostas a estímulos externos do ambiente. Esse momento se deu quando adquirimos a linguagem.
Linguagem é diferente de comunicação. Muitos mamíferos superiores, como os golfinhos e abelhas, possuem um sistema de comunicação muito bem elaborado e eficiente. Mas a linguagem propriamente dita é a capacidade de utilizar meios simbólicos para se expressar, podendo um mesmo símbolo/significante ser usado em contextos diferentes. Por exemplo, dizemos que está calor quando está quente e a temperatura está alta. Mas também falamos em calor quando queremos comunicar que uma pessoa é calorosa, demonstrando um calor humano. A linguagem, deste modo, é a capacidade da utilização de símbolos como mediação entre pensamentos, emoções e seres humanos. Como ela não é fechada e unívoca constantemente está passível a “mal entendidos”. O que faz das relações humanas serem tão complexas.
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Lançamento: Entre a Esquerda e a Direita

As Edições Textos para Reflexão trazem mais um e-book gratuíto, desta vez tratando de Política...
Em Entre a Esqeurda e a Direta: Uma reflexão política, a minha ideia foi chamar dois debatedores para falar de Política – Alfredo Carvalho e Igor Teo – cada um representando um dos seus espectros ideológicos.
Eu enviei perguntas para que ambos os convidados respondessem sem que soubessem previamente da resposta um do outro. O meu intuito foi poder demonstrar que o embate de ideias é não somente saudável, como extremamente necessário para a boa Política. Afinal, a política comprada pelos grandes corruptores não tem mais quase espaço para qualquer tipo de ideologia – é o que eu costumo chamar de Grande Negócio Eleitoral.
E, também vale lembrar, o objetivo final do embate de ideias não é “exterminar” a opinião contrária – isto sim, seria uma Ditadura, quando alguém se presta a governar sem dar chance da oposição se manifestar. Aqui ambos os convidados tiveram pleno espaço para a manifestação e, quem sabe até, algumas conclusões em comum.
Rafael Arrais
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» Veja também a série original que deu origem ao livro, aqui no blog
Marcadores: Alfredo Carvalho, Brasil, economia, Edições Textos para Reflexão, Entre a esquerda e a direita, Igor Teo, política
Lançamento: Lições do Caminho

As Edições Textos para Reflexão publicam novamente um livro de Igor Teo, colunista do portal Teoria da Conspiração:
"Neste livro, o autor mergulha nos mistérios do taoísmo para recolher ensinamentos práticos para uma vida saudável. Buscando inspiração no Tao Te Ching, O Livro do Caminho e da Virtude, Teo integra a sabedoria desta tradição com a perspectiva moderna da psicologia e da psicanálise.
Chegar ao seu próprio Caminho, singular e particular a cada sujeito, e desenvolver-se nele, é também conduzir-se a uma vida simples, virtude encontrada nos ensinamentos taoístas. Deste modo, ao longo de 50 reflexões, encontram-se não apenas lições, mas diários de um Caminho e um caminhante (afinal, não há como separar aquele que caminha do seu caminho) para a elaboração pessoal do leitor."
Um livro digital disponível para download gratuito em diversos formatos, ou em versão impressa, no formato "pocket book":
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Abaixo, segue na íntegra o capítulo 30 da obra...
Quem busca conhecimento, aprende algo novo a cada dia. Quem busca o caminho, desaprende algo a cada dia.
Na vida, muitas vezes possuímos certas ideias preconcebidas de como as coisas devem ser. Acreditamos que aprender é como construir um edifício, onde sempre se acrescenta um andar. Como se sempre fosse uma operação de acréscimo.
Ao trilhar o caminho, no entanto, o homem descobre que muitas vezes é o contrário que deve ser feito. Isto é, se despir de certas ideias, retirar aquilo que lhe foi colocado pela vida, para então poder viver de forma plena.
Tal operação se assemelha a uma escultura que chega ao escultor como uma pedra bruta. É no trabalho de elaboração que o escultor vai quebrando a pedra, retirando o excesso, para modelar sua bela arte.
Assim procede o mestre de si, retirando de si um pouco mais a cada vez. A tarefa de autoconhecimento não é um acumulo de mais saber, mas se despir dos excessos para descobrir que, ao fim, nada resta além do próprio caminho.
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Lançamento: A fórmula do ateísmo

As Edições Textos para Reflexão publicam novamente um livro de Igor Teo, colunista do portal Teoria da Conspiração:
"Este livro não é apenas sobre religião. Numa sociedade marcada cada vez mais pelo espírito cético e pós-tradicional, Igor Teo demonstra como o fundamento da crença é o que temos de mais básico em nossa relação com o mundo. Estamos a todo o momento acreditando em algo, e agindo no mundo segundo uma crença. Acreditamos não apenas que Deus exista ou não, mas também na ordem econômica, na ordem social, na nossa identidade, na forma que nossas relações com as outras pessoas supostamente devem acontecer.
Nossas crenças sobre nós mesmos e o funcionamento do mundo constituem a fantasia subjetiva que herdamos da sociedade e da relação com o Outro. É com nossas próprias fantasias sobre o mundo que temos que viver e lidar inevitavelmente. Através da psicanálise, o autor busca entender a instituição da crença na nossa vida, discutindo a questão levantada por Jacques Lacan como a “verdadeira fórmula do ateísmo”, em que se entende que tal fórmula não seria de que Deus está morto, mas que na verdade Deus é inconsciente."
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Abaixo, segue o prefácio do livro, por Rafael Arrais:
Sócrates foi acusado de ateísmo, e condenado à morte pela ingestão de veneno.
Jesus de Nazaré foi acusado de ateísmo, e condenado à morte pela crucificação.
Benedito Espinosa foi acusado de ateísmo, e excomungado do judaísmo por sua comunidade.
Já Albert Einstein, a despeito de ser um grande simpatizante do deus da filosofia de Espinosa, certamente foi acusado de ateísmo por tantos outros. Para a sorte do cientista alemão, no entanto, em sua época o ateísmo já não era mais um crime passível de excomunhão de comunidades, ou de penas de morte.
Em sua origem na Grécia antiga, pouco antes dos tempos socráticos, o termo atheos significava “sem Deus”, ou “aquele que cortou seus laços com os deuses”. Ele era aplicado a todos aqueles que abandonavam, ou tentavam deturpar, as crenças oficiais de suas respectivas comunidades.
Hoje em dia, no entanto, há muitos autoproclamados ateus que efetivamente não creem em seres sobrenaturais de qualquer espécie. Eles costumam dizer que a sua única diferença para com os crentes é o fato de eles “crerem num deus a menos”. Mas, será mesmo?
O que este livro vem nos mostrar, através da sua análise didática do pensamento de Sigmund Freud, Jacques Lacan, Slavoj Žižek e alguns outros pensadores da psicologia humana, é que os antigos estavam certos: de fato, é mesmo impossível sermos “totalmente ateus”, pois é impossível sermos “100% céticos” – acreditamos num deus a menos, está bem, mas quem disse que isso nos faz descrentes de todos os deuses?
Afinal, se não cremos em Javé, Allah, Krishna, ou nem mesmo no deus de Espinosa, isso não significa que sejamos ateus para o deus do consumo, o deus do comunismo, ou o deus do liberalismo. Se todos os deuses são ficções, coisas que se passam na mente humana, e não na realidade objetiva, então a Declaração dos Direitos Humanos, o Manifesto Comunista e a Bíblia Sagrada estão todos no mesmo barco, e ele se chama linguagem.
Dessa forma, talvez o melhor caminho para compreendermos a inefável natureza da Natureza seja voltar nosso olhar para aquele deus que é capaz de contemplar, elaborar e interpretar o que há no tempo e no espaço: nós mesmos.
Pois, seja sobrenatural ou não, fato é que ele reside num mar profundo e pouco navegado. Este livro, como tantos outros, não lhe servirá de muito auxílio se você mesmo não se resolver a arriscar um mergulho dentro de si.
Na filosofia, a única certeza que temos é de que existe algo, e não nada. Ironicamente, o que muitos místicos navegantes descobriram a duras penas é que, no fim das contas, não necessitamos realmente de nenhuma outra.
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A quem interessa a polarização entre PT e PSDB?

[Raph] A democracia surgiu na Grécia antiga, no século V a.C. Como a própria etimologia do termo sugere, a democracia é uma forma de governo que se propõe a ouvir a voz do povo, da maioria do povo, e não somente de uma elite (seja ela monárquica, aristocrática ou religiosa). Neste sentido, a política nada mais é do que a atividade de tentar criar o melhor consenso possível entre grupos com ideias opostas, através do diálogo, sempre visando o bem da pátria.
Como ideias opostas sempre existirão, a chamada polarização política é não somente inevitável como por vezes bem vinda: quando a política é bem conduzida, novas ideias surgem da faísca do choque entre as pedras. No entanto, há momentos em que a polarização é tão radical que o choque das pedras faz com que tirem lascas umas das outras, sem produzir nada de bom, e paralisando o próprio governo.
Nós já vivemos mais de duas décadas de polarização entre dois partidos, PT e PSDB, e parece que já estamos num estágio de esgotamento. Aparentemente, ninguém quer mais chegar a um consenso, apenas destruir a imagem um do outro, custe o que custar...
Ainda assim, vai eleição e vem eleição, todo o esquema eleitoral, do financiamento as coligações, parece estimular cada vez mais tal cenário, para que siga exatamente como já está posto. É precisamente aqui que coloco a minha última questão: a quem interessa a manutenção desta polarização PT vs. PSDB?
[Teo] Tanto o PT quanto o PSDB possuem uma política mais centralista. Ambos concordam quanto a uma posição de social democracia, e de que as instituições do capitalismo não devem ser revolucionadas, mas transformadas ou melhoradas (dependendo da posição respectiva de cada partido) a partir de reformas graduais através de políticas de Estado. No entanto, ainda que próximos, tais partidos se enviesam em sentidos distintos em suas matrizes ideológicas.
O PSDB faz uma posição de centro tendendo mais para a direita, flertando com ideias neoliberais, como a redução do Estado, a redução das condições de bem-estar social em função do mercado e a privatização de áreas fundamentais à nação. Quanto ao último, pode se questionar como este processo ocorrido no governo PSDB foi permeado por denúncias de corrupção. Entregues à gestão privada, os serviços não melhoraram, seus preços subiram acentuadamente e se traduziram em problemas para o Judiciário. A receita neoliberal, em nome de índices econômicos de fachada e o lucro exorbitante das grandes empresas estrangeiras, deixa por onde passa como rastro o crescimento abismal da desigualdade social.
O PT, por sua vez, tem uma posição de centro tendendo para a esquerda. Economicamente assumiu um neodesenvolvimentismo, buscando valorizar a produção nacional e tornar o país menos refém do capital estrangeiro. Associou-se com países latino-americanos de forma a criar um eixo cultural e econômico alternativo ao ditado pela dominação dos países europeus e dos Estados Unidos. Socialmente buscou implementar projetos sociais que visassem à erradicação da miséria. Ainda assim, costuma-se ouvir que o PT traiu a esquerda. Por quê?
Para chegar ao poder o PT associou-se com grupos que são dominantes no país desde a República Velha. A implementação de seus programas sociais foi sempre tacanha, na medida em que não podiam ameaçar completamente os interesses desses grupos. Na luta por direitos os avanços sempre foram lentos demais, e estão ainda longe do que se esperava. Em resumo, pode-se dizer que para chegar ao poder o PT se vendeu ao instituído, fez acordos que para mantê-lo em sua posição o fez refém daqueles que deveriam combater. O PT nunca representou uma ameaça às instituições do capitalismo, e inúmeras vezes jogou muito bem segundo suas regras na promessa de um reformismo tardio.
A resposta à recente crise com austeridade apenas demonstra que Dilma está mais próxima de Margaret Thatcher do que, por exemplo, Rosa Luxemburgo. Isto é muito diferente das tentativas de grupos como o Syriza na Grécia e o Podemos na Espanha que possuem a posição de que não é o povo que deve pagar pela crise dos grandes capitalistas, mas eles próprios.
Por trás desta disputa binária reside ainda o PMDB, o maior partido brasileiro mesmo sem nunca ter elegido nenhum presidente. O PMDB possui alianças extremamente maleáveis segundo seus interesses (na última eleição no Rio de Janeiro, por exemplo, o governador pemedebista apoiou os dois candidatos à presidência simultaneamente no segundo turno). Respondendo mais diretamente à questão principal do Raph, cabe lembrar que quem cresceu com a disputa PT e PSDB nas últimas eleições foi o PMDB, se tornando hoje maioria no Senado. De certo modo, o PMDB está sempre do “lado vencedor” em seu jogo político a favor dos interesses privados que os beneficiam e os financiam no poder.
Nos últimos anos é possível perceber uma crise do centro em se mostrar capaz de lidar com os problemas estruturais ao nosso modelo socioeconômico. A democracia representativa no modelo instituído igualmente vem ganhando descrédito. Deste modo, alas mais radicais de ambos os lados tem crescido. Na direita, vemos o crescimento dos grupos fundamentalistas (como a bancada evangélica) e reacionários (como Bolsonaro e afins). Na esquerda, crescem grupos como o PSOL, que mostram uma saída possível aos nossos problemas institucionais pela esquerda crítica.
Radicalismo por si mesmo não é o problema. Em tempos de uma política centralista que não apresenta nenhuma perspectiva de mudança, colaborando com o instituído, atitudes radicais são o que pode fazer alguma diferença. Mas mesmo em posições radicais, o diálogo é sempre fundamental na medida em que é a partir dele que podemos produzir conscientização e agenciamentos políticos. E justamente diálogo é o que parece faltar a essa direita que luta contra os direitos fundamentais das mulheres, homossexuais, e por ai vai.
Faltam mudanças radicais. Mudanças que afetem à estrutura do poder instituído, sua distribuição e seu modo de reprodução. Pois comumente se fala em combater os males sociais, como a extrema desigualdade social e a corrupção, mas todas as ações se dão em nível superficial. Luta-se com os galhos secos de uma árvore morta, mas não se possui coragem para enfrentá-la pela raiz.
Neste sentido é que necessitamos de reformas estruturais. Reformas que atuem nos problemas estruturais do capitalismo, nos modos como a riqueza é distribuída, nos modos de produção, em seus meios de reprodução. Particularmente, minha visão é de que precisamos de uma esquerda radical (que não é sinônimo de comunismo, vale lembrar) que se oponha à ideologia hegemônica do capital e dialogue com as diferentes camadas sociais, tendo como agenda reformas estruturais. Uma esquerda que não esteja compactuada com o capital. Um posicionamento político que responda aos problemas da democracia não com fascismo, mas com novos modelos de organização social (como a organização social em rede), que visem aprimorar a democracia, e não dissolvê-la.
Hoje se fala da tão necessária reforma política, mas essas não são ideias essencialmente novas. O presidente João Goulart, apoiado por nomes como Leonel Brizola, já tinha na década de 1960 um projeto denominado reformas de base que incluíam reformas bancária, fiscal, urbana (contra a tão atualmente crítica especulação imobiliária), eleitoral, agrária e educacional. Desde a democratização da terra à valorização da educação, as reformas de base tinham como objetivo combater a desigualdade estrutural da sociedade brasileira. Antes de meros paliativos ou políticas populistas que nada alteram a hierarquia nacional, reafirmando apenas as relações de poder instituídas, as reformas de base miravam nos pontos cruciais e estruturais que determinam até hoje nossos problemas mais críticos.
Entretanto, tais medidas incomodavam à elite dominante e, apoiados pelos Estados Unidos, que viam no Brasil mais um de seus quintais, as camadas conservadoras instituíram o Golpe Militar em 1964 usando como desculpa a falsa e fajuta “ameaça comunista”, dando início a um período de sangrenta opressão, cujas consequências nefastas são sentidas até hoje, sobretudo na precarização da educação. Talvez se as reformas tivessem ocorrido, uma trajetória menos trágica existiria atrás de nós hoje.
Deste modo, assim como já começa a se desenhar na Grécia, e que se tentará estender também à Espanha, Portugal e recentemente Irlanda, apenas corajosas reformas estruturais podem mudar os rumos desse jogo viciado.

[Carvalho] Partindo de uma análise histórica das diversas experiências democráticas, em especial as mais recentes, amadurecidas e consolidadas no formato representativo, muitos filósofos e cientistas políticos tendem a concordar que o fenômeno da polarização entre alguns poucos partidos, geralmente dois, é recorrente e até mesmo necessário para o adequado funcionamento das modernas repúblicas constitucionais. Isso equivale a dizer que quando não há a disputa entre pelo menos duas forças políticas de interesses contrários, não há democracia, ou há apenas uma democracia doente.
Evidentemente, essa não é a única condição para manter a vitalidade democrática de uma nação. Existem mais elementos, tais como o império da lei, a separação entre os poderes, a liberdade de imprensa, e diversos outros. Cada um deles exercendo um papel específico e importante para o quadro geral. Basta retirar qualquer um e o edifício democrático logo começa a dar sinais de ruína. É mesmo uma harmonia delicada, de modo que o filósofo Olavo de Carvalho, para citar um exemplo, define a “democracia saudável” como “a administração bem sucedida de um conflito insolúvel, destinado a perpetuar-se entre crises e não a produzir a vitória definitiva de uma das facções”. E continua dizendo que “desde o início, a democracia tem encontrado no equilíbrio instável a regra máxima do seu bom funcionamento”.
O grande problema é que o mundo real é sempre mais complexo do que se espera. Assim, nos casos concretos, nas democracias “de carne e osso”, embora o conflito entre diferentes forças políticas sempre exista em algum nível, a forma como ele se dá nem sempre é compatível com o que prescrevem os teóricos e analistas da democracia. A experiência democrática que vivemos no Brasil desde meados da década de 1980 padece desse tipo de mal desde a sua criação, mas com duas fases bastante distintas: uma com a hegemonia do PMDB, quando as forças políticas mais relevantes coabitavam ou orbitavam o mesmo partido, mesmo com ideologias ou interesses conflituosos; e a outra com a polarização “para inglês ver” entre PT e PSDB.
A primeira fase representa o surgimento de um mecanismo que o professor Marcos Nobre chamou de peemedebismo, o qual ele descreve da seguinte maneira: “É um modo de fazer política que franqueia entrada no partido a quem assim o deseje. Pretende, no limite, engolir e administrar todos os interesses e ideias presentes na sociedade. Em segundo lugar, garante a quem entrar que, caso consiga se organizar como grupo de pressão, ganhará o direito de vetar qualquer deliberação ou decisão que diga respeito a seus interesses. Foi assim que o PMDB se organizou a partir da década de 80. Como se o partido fosse, em si mesmo, um governo de união nacional”.
Resumida dessa forma, como se pode perceber, a tese é bastante interessante e sua ideia central me parece acertada. Isso não quer dizer, entretanto, que os detalhes do diagnóstico, do prognóstico e tampouco da terapia indicados pelo filósofo sejam consistentes. Ele insiste, por exemplo, na capciosa retórica esquerdista de aplicar o rótulo de “conservador” a tudo e todos que ofereçam resistências às propostas de transformação defendidas por ele próprio, aproveitando-se da confusão comum que se faz entre as acepções política e vulgar do termo. Mas não se pode negar, enfim, que, embora o fenômeno não seja tão maquiavélico quanto Nobre o pinta, o peemedebismo percebido por ele parece ser mesmo uma realidade e um defeito da política brasileira, no sentido de fechá-la em si mesma, relegando os atritos democráticos ao submundo.
A segunda fase, conquanto não tenha suplantado em definitivo a influência de fundo da primeira, começou, curiosamente, durante o mandato do então peemedebista Itamar Franco e tem como marco inaugural a implantação do Plano Real, sob os cuidados do ministro Fernando Henrique Cardoso, que na sequência viria a vencer as eleições presidenciais. Naquele momento foi inaugurada a polarização entre PT e PSDB, que predomina entre altos e baixos em todas as eleições presidenciais desde 1994.
Ao contrário do que acontecia antes, com o sufocamento das controvérsias no interior de um único partido hegemônico, o problema passou a ser o banimento das controvérsias relevantes para fora do ringue político, por meio do destaque de apenas dois partidos cujas divergências eram, e ainda são, apenas secundárias ou circunstanciais. Como bem disse o ex-presidente FHC, em 2004, em uma interessante entrevista concedida ao então senador do PT, Cristovam Buarque, “nós não discutimos nem disputamos ideologia, é poder, é quem comanda”. Ao que foi complementado por Buarque, “antigamente a gente brigava para a ideia da gente prevalecer; agora a gente briga para que o outro não seja dono da ideia da gente”.
PT e PSDB são ambos partidos “de esquerda”, sendo o primeiro um pouco mais estatista e controlador que o segundo. A retórica dos partidos socialistas mais radicais – como PSOL, PCdoB, PSTU e PCO – segundo a qual, “na verdade”, aqueles seriam “de direita”, não passa de mais uma balela na farsa democrática que vivemos há tantas décadas. Ora, se as concessões que esses dois partidos fizeram ao capitalismo significassem algum tipo de “direitice”, teríamos que colocar até Lênin e o Partido Bolchevique no mesmo saco, o que é, evidentemente, um disparate. O PT, aliás, com a sua versão “made in Cuba” da Terceira Internacional – cujos partidos membros atualmente governam 17 dos 21 países da América Latina – tem feito um lento mas eficientíssimo trabalho de consolidação da hegemonia esquerdista em todo o nosso continente. No fim das contas, portanto, a resposta não poderia ser outra, quem ganha com a polarização mequetrefe da nossa política nos últimos vinte anos é, sem sombra de dúvida, a esquerda, em especial, infelizmente, a sua vertente de tendências totalitárias.
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Esta foi a sexta e última pergunta desta série. Agradeço mais uma vez aos participantes pela generosidade e o entusiasmo com que responderam questões marcadamente complexas. Quando esta série voltar a aparecer aqui no blog, será com os meus comentários gerais acerca de boa parte da gama de assuntos abordados... Até lá! (Raph)
Crédito das imagens: Guilherme Bandeira
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É viável tornar o capitalismo sustentável?

[Raph] O capitalismo é o sistema econômico com hegemonia mundial. A despeito dos seus defensores e críticos, fato é que ele não irá embora tão cedo. Entretanto, já seria de grande ajuda se as multinacionais seguissem as regulamentações do próprio mercado. O monopólio, por exemplo, deveria ser algo a ser combatido, evitado ao máximo, e nas últimas décadas o que vem ocorrendo é exatamente o oposto: no Brasil, dez grandes companhias (entre elas Unilever, Nestlé e Coca-Cola) abocanham até 70% das compras de uma família nos supermercados, o que sobra é disputado por cerca de 500 empresas menores, regionais. Tal cenário parece ser muito mais benéfico para as multinacionais do que para a população em geral.
O grande mal do capitalismo moderno, no entanto, me parece ser o consumismo desenfreado. Se todos os africanos e indianos tivessem os mesmos padrões de consumo de um cidadão norte-americano, seria necessário mais de um planeta Terra para dar conta dos recursos naturais necessários para a produção de bens. Mesmo a China, teoricamente um sistema comunista, abraçou tal sistema com grande voracidade. Mas já sabemos que a conta não fecha, e a agenda da sustentabilidade se torna cada vez mais urgente. Diante disso, é viável tornar o capitalismo sustentável?
[Carvalho] Os grandes sistemas econômicos não possuem um conjunto exato e monolítico de regras. Semelhantemente ao que ocorre com as espécies biológicas, eles variam no tempo e no espaço, adaptando-se às circunstâncias – e também aos hábitos políticos, econômicos, sociais e culturais de cada época e de cada povo. O feudalismo europeu do século V, por exemplo, era muito diferente daquele que perdurou na Rússia até o século XX. Da mesma forma, o socialismo soviético não era idêntico ao chinês, nem ao cubano, e muito menos ao Venezuelano. E se mesmo tais sistemas, um sustentado por valores fortemente hierarquizantes, como a noção de direito divino dos reis, e o outro pela persistente obsessão de impor a igualdade material a qualquer custo, adaptaram-se às condições circundantes, porque não se adaptaria o capitalismo, fundado em valores que enfatizam a liberdade individual?
Portanto, sim, é possível transformar o capitalismo e torná-lo mais sustentável. Na verdade, se mais nações capitalistas realmente adotassem políticas econômicas liberais – em vez de políticas desenvolvimentistas, keynesianas, etc. – não haveria muito que se falar em tornar o capitalismo sustentável, pois, em tais condições, ele simplesmente tende a tornar-se sustentável, por meio de processos adaptativos mais ou menos espontâneos resultantes, não de intervenções e regulações estatais, mas dos comportamentos dos próprios indivíduos. E não digo isso com base em uma crença quase dogmática nos conceitos abstratos de “livre mercado” ou “mão invisível”, que os liberais e libertários frequentemente são acusados de possuir. Apenas me respaldo em evidências razoavelmente convincentes de que o liberalismo costuma ser mesmo mais eficiente e funcional que outras filosofias políticas quando se trata de questões econômicas, incluindo aí seus aspectos social e ecológico.
Na obra Free Market Environmentalism, por exemplo, os economistas Terry Anderson e Donald Leal apresentam uma série de exemplos em que soluções de mercado foram muito mais eficazes ao lidar com problemas ambientais do que as regulações estatais, e fazem uma brilhante análise das condições institucionais e políticas que permitiram que isso acontecesse. O ponto principal, inspirado em um famoso teorema do economista Ronald Coase, é que quando os direitos de propriedade são claramente definidos, as disputas sobre a justa utilização dos recursos naturais geralmente podem ser resolvidas nos âmbitos locais e de forma cooperativa.
São vários os estudos de caso apresentados no livro, envolvendo temas como: gestão de reservas minerais, parques naturais, mananciais de água e disposição do lixo, dentre outros. E em todos eles a lógica se repetiu: contanto que os direitos de propriedade fossem bem definidos e protegidos, as soluções de preservação ambiental emergiam naturalmente a partir dos conflitos entre os cidadãos. “A primeira premissa do Ambientalismo de Livre Mercado”, disse Terry Anderson em uma entrevista, “é de que ‘quanto maior a riqueza, maior a preservação’, no sentido que os mercados geram a riqueza que nos fornece meios de lidar com os problemas ambientais. Embora muitas pessoas pensem, de forma equivocada, que os mercados só geram consumismo e outras porcarias, são os mercados que produzem riqueza e, desse modo, ajudam o meio ambiente”.
De fato, apesar do ambientalismo anticapitalista dominante tentar sempre passar uma impressão contrária, países que decidem adotar políticas econômicas mais liberais tendem a melhorar seus indicadores ambientais de forma proporcional aos indicadores econômicos e sociais. Uma forma interessante de verificar isso é comparando a colocação dos países nos rankings dos índices de Liberdade Econômica, Performance Ambiental e Desenvolvimento Humano. A correlação entre eles é gritante. Se um país está entre os primeiros em um dos rankings, é muito provável, com raras exceções, que também esteja entre os primeiros nos outros dois, e vice-versa. Mesmo países com histórico de pobreza e dominação colonial – como Singapura, Lituânia, Hong Kong e Ruanda – conseguiram melhorias significativas depois de abraçarem o livre mercado.
Uma breve apreciação dos subcomponentes do índice de liberdade econômica, a propósito, nos permite compreender que em países como Brasil, México e China, com forte presença de multinacionais monopolistas, as instituições que poderiam garantir o verdadeiro livre mercado são muito enfraquecidas, ao passo que países como Noruega e Dinamarca – que fascinam os anticapitalistas de todas as estirpes – devem sua sustentabilidade econômica e ambiental a um capitalismo vigoroso e livre, apesar de seus estados inflados e não por causa deles.
É claro que não podemos tomar índices como referências definitivas do que quer que seja. As composições de todos eles sempre envolverão ao menos algum tipo de deficiência metodológica, assim como quaisquer outras tentativas de traduzir aspectos da realidade em números. Da mesma forma, não podemos crer que o livre mercado seja uma entidade miraculosa, capaz de resolver todos os problemas. O capitalismo possui mesmo contradições internas, de modo que ele tende a corromper a ordem moral e institucional que o gerou e o sustenta. Entretanto, o livre mercado ainda é a nossa melhor opção disponível, capaz de levar prosperidade econômica, social e, sim, ambiental, a um número de pessoas jamais imaginado em outras épocas. Por isso, antes de nos metermos a elogia-lo, criticá-lo, aprimorá-lo ou mesmo tentar substituí-lo, o primeiro passo talvez seja aprendermos a diferenciar bem o que ele realmente é do que ele não é, nem nunca foi.
[Teo] Como demonstrou o economista francês Thomas Piketty na sua obra O Capital no Século XXI, o capital tende a concentrar-se com o passar do tempo, isto é, produzir uma desigualdade cada vez maior em que poucos possuem grande parte da riqueza, enquanto a maior parte da população se encontra socialmente marginalizada. Isto aponta para a primeira parte da pergunta do Raph: antes de ser um mero mal ocasional do capitalismo, a acumulação de capital é estrutural a sua própria forma de organização. No entanto, a produção da desigualdade não é a única característica estrutural ao capitalismo, mas também o consumismo e a exploração dos recursos humanos e naturais. Isto faz com que toda tentativa de tornar o capitalismo sustentável tenha como destino o fracasso.
A subjetividade ocidental moderna, atravessada pela ideologia do capitalismo, marca-se pelo sempre mais (mais consumir, mais explorar, mais ganhar, mais prazer etc). Produz-se e consome-se cada vez mais novos produtos tecnológicos, roupas da nova tendência da moda, entre outros, de forma que nosso consumo e produção ultrapassa em muito o que é estimado como o suficiente. Na mesma medida em que cada vez mais exploramos os recursos naturais de forma a produzir nossos bens de consumo, o que consumimos, devido à condição intensa e fugaz da modernidade, rapidamente se torna lixo. Como não é a totalidade do nosso lixo que pode ser reciclado, consequentemente acumula-se um excedente cada vez maior de poluentes que não possuem um destino seguro. Afinal, por que consumimos tanto?
O espaço é curto para adentrar em todas as questões biológicas, psicológicas, sociológicas e filosóficas envolvidas. Pode-se dizer por alto que o ser humano, como um ser cultural, é essencialmente faltoso. Diferente do animal que tem a sua vida regulada por instintos pré-definidos biologicamente, a vida humana não tem nenhum destino a priori que não seja atravessado pela cultura, isto é, a subjetividade e o desenvolvimento histórico-social. Se essa falta em outros tempos pode ter sido preenchida pelos mais diversos significantes, em nossa sociedade pós-industrial capitalista é a ideologia do consumo que surge como discurso-mestre. Como afirma o psicanalista Antonio Quinet, o discurso capitalista produziu um sujeito animado pelo desejo capitalista, onde sua falta estrutural (falta-a-ser) é interpretada como falta-a-ter. Deste modo, acreditamos que no consumo poderemos adquirir aquele objeto imaginário que nos tornará mais felizes, belos, amados e desejados. Seja o novo iphone que todo mundo legal tem, a confortável casa de campo que sempre foi sonhada, o carro do ano para passear com a família no final de semana etc. O problema é que, ainda quando se adquire o objeto desejado, a falta permanece.
Consumir é mais do que simplesmente comprar um produto. Antes disto, deveríamos nos perguntar o que nos faz desejar o que desejamos. Por trás do nosso desejo pelos bens de consumo que nos são apresentados reside um horizonte histórico-cultural que sustenta que possuir um determinado objeto é importante, valorizado e que todos nós deveríamos desejá-lo. Não há nenhum tipo de crítica moral nisso, pois todos nós, devidos à nossa característica social, estamos sempre desejando objetos mediados socialmente. Ainda quando desejamos um objeto diferente do padrão hegemônico – digamos assim, alternativo – estamos visando atender certo padrão imaginário estabelecido num coletivo. Quero dizer, “não estar na moda” também é uma moda.
Consumir, neste sentido, é afirmar um estilo de vida. A publicidade sabe muito bem disto. Por este motivo, os comerciais costumam associar beber a “cerveja x” a conquistar a mulher do corpo socialmente valorizado, possuir o “carro y” a alcançar um determinado patamar social, geralmente um emprego, e por aí vai. Karl Marx já tinha percebido isto ao falar do fetiche da mercadoria: quando compramos um produto, estamos comprando muito mais que a materialidade daquela mercadoria. Estamos comprando a nossa própria fantasia de que ao adquirir determinado produto alcançaremos determinado status, certo grau da felicidade prometida, que não está propriamente nas qualidades materiais, mas no imaginário.
Com o fracasso da mercadoria desejada em oferecer a completude esperada, o sujeito se vê acreditando que no próximo produto que adquirir aí sim vai estar realmente sua felicidade. Não no iphone 5, mas no iphone 6, 7, 8... e assim pessoas vivem vidas inteiras. Isto deveria ser alvo de nossa crítica não por uma suposta moralidade espiritualizada, mas pelo fato de que esse modo de existência é causa de grande sofrimento mental para muita gente, e, além disso, vivemos num planeta de recursos finitos. Assim como a água de alguns estados brasileiros, outros recursos indispensáveis a nossa sobrevivência estão comprometidos devido a nossa exploração insaciável.
Para que o capitalismo funcione é necessário o constante consumo. Para que as indústrias operem, para que produtos sejam comercializados, e assim o capital continue rodando, girando a grande máquina do capital, as empresas possuem as mais distintas estratégias para que o consumo não reduza, desde a obsolescência perceptiva (a ideia de que seu iphone 5, ainda que perfeitamente funcional, será eventualmente para você indesejável visto que há produtos com aparência inovadora no mercado, mesmo que eles na verdade tenham apenas pequenas mudanças funcionais), à obsolescência programada (o fato de que as indústrias constroem produtos com vida útil cada vez menor, para darem defeito mais rápido, e que você tenha que comprar um novo produto delas: você deve lembrar que a geladeira da sua avó durou mais de 50 anos enquanto a sua não dura nem 5, né?).
Com a ascensão da consciência ecológica de que nosso planeta e nossa existência estão sendo destruídos pelas nossas próprias mãos, surgiu uma nova onda no pensamento ocidental: o ecocapitalismo. Sob a roupagem da sustentabilidade, esta visão propõe um modelo de desenvolvimento sustentável, em que a produção capitalista deveria se pautar idealmente por “soluções verdes”, equilibrando a busca por lucros com o investimento na natureza. Este talvez tenha sido o maior engodo que o capitalismo propôs nas últimas décadas.
A conscientização ocidental, não apenas em relação à ecologia, mas também em relação à pobreza, tem causado nas pessoas a sensação de que “algo deve ser feito”. Entretanto, antes desta sensação se situar como uma crítica ao capitalismo enquanto sistema intimamente implicado em tais males, o marketing corporativo tem se servido muito bem desta comoção. Por exemplo, empresas como Starbucks e McDonald’s afirmam destinar porcentagem das suas vendas para uma reconhecida instituição de caridade mundial. De acordo com o marketing das empresas, quando você está comprando um café ou um hambúrguer, você está fazendo algo mais que isso: você está comprando a experiência de ajudar alguém. Tal é a armadilha do capitalismo e das empresas que visam aumentar suas vendas ao se apoiarem na necessidade de redenção do consumidor, culpado diante do fato de que o sistema capitalista que ele alimenta é a causa de tantos males sociais.
Se as empresas têm publicamente afirmado nas últimas décadas seu interesse e comprometimento com o desenvolvimento sustentável, sabe-se que no capitalismo competitivo as empresas dependem da vantagem comparativa que consigam obter em relação a seus concorrentes, onde a legitimidade, a boa imagem corporativa e a maior visibilidade no mercado decorrente da adoção de programas de responsabilidade social são essenciais. Ser uma “empresa verde” é uma forma de angariar mais consumidores e, consequentemente, ganhar vantagem na competição do mercado. Aumentando a produção e venda, caímos no ponto contraditório: defendemos a tal “sustentabilidade” na mesma medida em que cada vez consumimos mais.
Ideias como “consumo consciente”, mesmo que bem intencionadas, são utópicas por diversos fatores, tais quais: 1) o consumidor nunca dispõe de informações suficientes sobre a procedência do que consome, ainda mais quando sabemos que a divulgação de informações é determinada pelo capital, que serve a interesses privados; 2) ainda quando dispõe de informação, o consumidor individualmente não tem poder de intervir na produção (este é o papel de entidades reguladoras para intervir em nome de interesses coletivos); 3) mesmo no ecocapitalismo, não é seguro contar com consumidores animados pelo desejo capitalista. Por exemplo, notícias como a de que a Apple tem condições de trabalho degradantes em suas fábricas não causam mudanças significativas em suas vendas.
Neste sentido, não há engano: o ecocapitalismo é o mesmo capitalismo, com todos seus males estruturais, mas transvestido com uma sustentabilidade de fechada apenas para aliviar nossa sensação de culpa. Se analisarmos seu funcionamento, veremos que sob uma roupagem de preocupação social, que raramente o consumidor pode fiscalizar (ou está interessado em fiscalizar), reside a exploração dos recursos naturais e humanos em função do potencial de lucro.
É neste sentido que o filósofo Slavoj Žižek concentra sua crítica social: na crença atual de que o capitalismo é um mal irremediável, que deveríamos aceitá-lo em seus termos, e que nos restaria apenas tentar torná-lo menos trágico, tentando conciliá-lo com vagas ideias como sustentabilidade. Se quisermos pensar num desenvolvimento verdadeiramente sustentável, precisamos estar dispostos a repensar o próprio capitalismo, encarar seus problemas estruturais. Isto é especialmente importante num tempo em que se critica muito a política e o Estado, mas não se percebe que existem empresas maiores que os países em que operam.
O governo é apenas um boneco de Judas, e os grandes empresários e banqueiros capitalistas, por terem a política em suas mãos, decidem muito mais o destino das coisas que aquele político que tanto se fala mal. A macropolítica apenas herda um viciado jogo de interesses estrutural ao próprio capitalismo. Neste sentido que se tornam vazios discursos como sustentabilidade ecológica no mercado, marcha contra a corrupção etc. Acontece que estamos lidando com problemas estruturais a nossa organização social, política e ideológica como se fosse questão de moralidade. Cabe questionar antes disso o que engendra essa moralidade duvidosa, pois culpamos pessoas e partidos, mas seguimos ufanistas das marcas de nossos carros ou gadgets, ingerindo substâncias duvidosas processadas com aparência de comida, vestindo e exibindo nossa vaidade ideológica.
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Crédito da imagem: Convergence Alimentaire (pode-se considerar a Kraft Foods e a Mondelez International como sendo a mesma empresa...)
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Como blindar a democracia dos projetos de poder?

[Raph] Recentemente se completaram 25 anos da queda do Muro de Berlim, que simbolizou, na época, o triunfo do regime econômico ocidental sobre o regime comunista do leste europeu e da então União Soviética. Quando um governo precisa construir um muro para evitar que seus cidadãos escapem dos limites do seu país, não é preciso ser analista político para notar que algo está errado. Infelizmente algum resquício de feudalismo, de regimes totalitários onde a promessa do desenvolvimento social é massacrada pelo projeto de poder de uma elite, ainda perdura em partes do mundo até hoje. Mesmo o Brasil passou por 21 anos de um regime militar brutal que somente em 2014 admitiu a prática de tortura. Ditaduras, enfim, não são mesmo exclusivas de um único espectro político. Qual a melhor forma de evitá-las, como blindar a democracia dos projetos de poder?
[Teo] A questão do poder é amplamente discutida na obra do filósofo francês Michel Foucault. No senso comum, tendemos a associar o poder como algo que “vem de cima para baixo”, sendo o Estado o coroamento deste poder. Foucault entende que o poder não se exerce de cima para baixo, mas opera através de ramificações reticulares, formando uma complexa rede. O poder não está apenas no Estado ou com alguns grupos, mas inclusive nos seus subordinados que o afirmam e reproduzem. Entretanto, falar em organização reticular do poder não implica dizer que se trata de uma distribuição equitativa: o poder se destaca justamente pela assimetria que imprime a estas ramificações.
No prefácio ao Anti-Édipo, Foucault afirma que “o fascismo está em nós todos, que martela nossos espíritos e nossas condutas cotidianas, o fascismo que nos faz amar o poder, desejar esta coisa que nos domina e nos explora”. Na mesma obra, Gilles Deleuze e Félix Guattari afirmam que aquele que melhor entendeu o fenômeno social foi Wilhelm Reich, que ao invés de invocar a teoria da ilusão das massas para explicar o fascismo, disse que as massas não foram enganadas: “elas desejaram o fascismo em certo momento” (como, por exemplo, o nazismo que subiu democraticamente ao poder na Alemanha).
O que ambos pensadores apontam é que o problema do fascismo é menos uma questão de ideologia – embora as ideologias obviamente possam ser mais ou menos fascistas – e mais uma questão de desejo, o que aponta em última instância para nós mesmos: nós temos atitudes fascistas, e não a direita ou a esquerda (pois como bem sabemos, existiram ditaduras sangrentas de ambas matrizes ideológicas). Quando achamos que nossa opinião é a melhor e que ela deve se impor a qualquer custo, nós estamos sendo fascistas. Quando vemos uma produção cultural diferente da nossa – como uma “música das massas”, por exemplo – e a julgamos inferior por isto, nós estamos sendo fascistas. Quando não suportamos que os desejos dos outros possam ser distintos dos nossos, nós estamos sendo fascistas.
É óbvia nossa crítica às formas totalitárias do poder, mas mesmo nas democracias liberais devemos nos atentar que ele não está igualmente distribuído. O discurso liberal tenta associar sua oposição a regimes totalitários, mas ao fazer isso, cega-se para as relações de poder que ocorrem em seu próprio seio. De fato, existiram ditaduras supostamente de esquerda, assim como de direita, e a elas não devemos poupar críticas por sua história tenebrosa. Mas associar a democracia liberal à conquista irrestrita de liberdade demonstra desconhecimento das relações estruturais ao seu próprio modelo político. As democracias liberais não solucionaram a questão do exercício do poder, mas apenas o tornou mais eficiente e silencioso.
No totalitarismo, o horror é reconhecível. Todos podem identificá-lo: dizemos “que horríveis são essas gulags”. As estratégias de dominação e opressão nos são claras. Nas democracias liberais, por sua vez, as estratégias de dominação e opressão se aperfeiçoaram, tornando-se “invisíveis”, nos fazendo até desejá-las. Na fantasia do liberalismo democrático, somos sedados em relação ao horror de nossa sociedade, e assim sedados podemos dormir tranquilamente todas as noites sabendo que existem milhares de moradores de rua no país, que os produtos que consumimos são produzidos a partir de trabalho escravo, que milhares de crianças morrem de fome pelo mundo devido à desigualdade econômica e social que fundamenta a própria estrutura capitalista de acumulação de riquezas.
As democracias liberais operaram uma propaganda ideológica muito mais eficaz que qualquer regime totalitário. Como Foucault discute em Vigiar e Punir, somos meticulosamente produzidos por nossas instituições, como escolas, prisões, hospitais, quartéis, fábricas, entre outros dispositivos de vigilância e controle, funcionando a partir da medição de aptidões e treinamento para entrarmos na grande lógica do capitalismo, de modo a nos tornarmos indivíduos aptos para trabalhar e produzir, e sedentos para explorar e consumir. Todos aqueles que não se enquadram são vistos como marginais cuja vida não possui muito valor. Se na sociedade capitalista as democracias liberais “venceram”, não foi por sua superioridade moral, mas por terem se tornado um meio mais efetivo de normalização social, esta última sob a ordem do capital. A liberdade do liberalismo só existe até o ponto em que o indivíduo está docilizado e operando segundo as regras pré-determinadas de produtividade e consumo.
Um morador de rua é simplesmente visto como alguém que não se esforçou o suficiente. Tampouco as pessoas se importam com a exploração do trabalhador em condição de miséria desde que os produtos cheguem com preços baixos aos consumidores com poder aquisitivo. Neste sentido, o discurso liberal se tornou um excelente anestésico social: o problema nunca é o capitalismo e as relações de poder que reproduzimos diariamente, mas sempre o outro que não adentrou suficientemente no sistema capitalista. Só que nesse discurso ignora-se que a marginalidade é produzida pelo próprio sistema.
Devemos ser críticos ao totalitarismo, mas não podemos crer que a instituição da democracia ocidental por si só seja a alternativa salvadora. Mesmo nas democracias não estamos livres de um cotidiano de violência decorrente da criminalidade, fruto de uma sociedade desigual; não estamos livres da miséria de situações de extrema pobreza; não estamos livres do morticínio nas guerras financiadas por grandes indústrias armamentistas; entre tantos outros massacres já socialmente naturalizados que se fizéssemos uma real contabilidade da mortalidade e da miséria, veremos como o capitalismo é uma gulag muito mais eficiente. E ainda somos ensinados a desejá-lo através das promessas ideológicas de felicidade através do capital e do consumo.
Respondendo à pergunta, não há como evitar os projetos de poder, pois a própria democracia não deixa de ser um destes. As relações de poder são constituintes da própria sociedade. O que ocorre é que estamos sempre a afirmar os poderes instituídos, reproduzindo-os, mas pouco acostumados a refletir e exercer o poder por nós mesmos. O que precisamos é liberar o poder de modelos unitários e totalizantes. Isto não quer dizer acabar com o Estado, mas alterá-lo em sua organização. A proposta de por fim ao Estado soa ingênua, pois antes de redistribuir o poder, ela estaria entregando o poder a outros (no caso do capitalismo, aos detentores do capital). O que precisamos é tomar o poder para nós, dar maior voz à micropolítica, esta que fazemos no cotidiano, em oposição à macropolítica, ditada pelos grandes burocratas e detentores do capital.
Neste sentido, há a organização social em rede, em oposição à atual piramidal e burocrática. Na organização social em rede o poder é descentralizado, dando maior autonomia às partes para se articularem diante das problemáticas da sua realidade. No entanto, isto não significa prescindir completamente de organizações macropolíticas. Elas resguardam sua importância em diversos contextos, mas em outros, a autonomia é fundamental. Do mesmo modo, a responsabilidade de atuação é coletiva, e não centrada em líderes que atuam enquanto a maioria permanece passiva. Exemplos de sucesso dessa forma de organização tem se dado no campo da saúde mental, onde o Brasil é referência internacional.
Criticar a democracia não significa se opor a ela, mas pensar em maneiras de efetivá-la, já que estamos aquém do que ela representa. Minha resposta já se alongou demais, então deixo tal ideia para que o leitor possa se interessar e pesquisar por si mesmo, e quem sabe, não apenas pensar o Estado através dessa perspectiva, mas também as demais instituições (como escolas, hospitais e até mesmo empresas) que atualmente funcionam sob modelos hierárquicos e disciplinadores. Na organização social em rede, o coletivo e o individual são postos para funcionar de modo complementar, de forma a exercitar algo que Jürgen Habermas chamou de razão comunicativa, onde exercícios de alteridade e questionamentos éticos fazem parte do cotidiano por uma vida não fascista.
[Carvalho] O conservadorismo político moderno, dizem, nasceu no final do século XVIII, partindo das Reflexões Sobre a Revolução em França, de Edmund Burke. Nesta obra, o filósofo irlandês analisou e criticou duramente os fundamentos da Revolução Francesa, chegando mesmo a prever em detalhes, de forma quase profética, o processo de instabilidade política e de degeneração tirânica que levaria ao período do Terror jacobino e, mais tarde, à ascensão de Napoleão Bonaparte, dois e nove anos após a publicação do texto, respectivamente.
Burke inaugurou uma linhagem de pensadores que cultivou um grande interesse pela análise crítica dos processos políticos revolucionários, bem como da mentalidade que lhes serve de fundamento, procurando demonstrar a relação destes com a ocorrência ou o agravamento de períodos de instabilidade social, e também com o despertar de tiranos de toda espécie. E, em vista disso, é apoiando-me em alguns desses autores que me aventuro a propor uma receita para proteger a nossa tão estimada democracia.
Pois bem, para começar, a primeira coisa que eu diria é que não existe receita alguma. Isso mesmo. Pelo menos não uma solução geral, supostamente dedutível através da razão. A crença de que tal coisa pode ser alcançada se enquadra naquilo que o filósofo conservador inglês Michael Oakeshott chamou de racionalismo em política. Uma mentalidade que tende a sobrepor a razão à experiência e que acaba, sorrateiramente, infestando o debate político de uma retórica excessivamente abstrata, muito pouco útil na tarefa de resolver problemas concretos, mas incrivelmente competente na arte de seduzir consciências.
Assim, o racionalista em política é aquele indivíduo que, quando fala, usa e abusa de termos vagos como liberdade, igualdade, justiça e democracia, mas que reflete pouco sobre a experiência concreta desses conceitos, tendendo a adotar, quanto a eles, quase sempre uma atitude utópica. Ele crê firmemente, por exemplo, que a entidade abstrata que ele chama de democracia, se radicalizada e levada às últimas consequências, seria uma espécie de solução geral para todos os conflitos sociais e políticos, mas tal crença, segundo o filósofo inglês Roger Scruton, “é baseada no desprezo pelas condições históricas e culturais, e no fracasso em perceber que a democracia só se fez possível por meio de outras instituições mais profundamente ocultas”, como a independência judicial, os direitos de propriedade, a liberdade de discurso e de expressão e a liberdade de oposição.
De fato, quase todos os planos “para um mundo melhor” e “para o bem de todos”, arquitetados nas cabeças dos racionalistas políticos, são profundamente utópicos e fundamentados em conceitos abstratos e vagos. Às vezes até envolvem raciocínios bastante sofisticados, mas, a exemplo dos antigos sofistas gregos, tais raciocínios não levam a lugar nenhum, e muitas vezes nem seus próprios autores os compreendem. A única coisa efetivamente inteligível e clara em seus projetos é a oposição intransigente a um ou mais aspectos da realidade presente, como o capitalismo ou as religiões organizadas, supostamente responsáveis por desviar o mundo dos belos ideais abstratos que têm em mente.
É justamente aí, segundo o filósofo brasileiro Luiz Felipe Pondé, que reside a semente da tirania e do autoritarismo, a tentação totalitária. Como seus ideais são extremamente imprecisos, mas sempre imantados com uma irrefutável aura de verdade, humanidade e racionalidade, os utopistas políticos, sem perceber, facilmente acabam corrompendo seus valores morais, permitindo-se utilizar meios espúrios em nome de fins tão virtuosos . Afinal, alguém que vá contra a democracia, a liberdade, a igualdade ou a justiça - na verdade, os simulacros nebulosos que eles crêem ser tais coisas - só pode ser um inimigo a ser neutralizado, não é? E no fim das contas, mesmo cidadãos comuns, corretos e pacatos, acabam apoiando e colaborando com regimes totalitários assassinos, sem nem notar a gravidade da situação.
Evidentemente, nem todo utopista irá degenerar seu comportamento de forma tão trágica. Alguns, na verdade, quando confrontados com a fonte infinita de tensões e discordâncias que é a sociedade real, passam pelo processo de desilusão de forma relativamente saudável e apenas adotam uma postura mais cética e ranzinza em relação à política. O problema é que, antes de atingirem esse estágio, eles acabam servindo como sustentação e massa de manobra para uma outra classe de pessoas, os psicopatas políticos, que estão sempre infiltrados em tudo que cheire a poder. E estes, mesmo tendo uma certa imunidade ao apelo emocional da retórica política abstrata, já identificam, antes de todos, aquela competência para sedução de consciências que mencionei antes, e a utilizam em favor de si mesmos, fascinando uma horda de idiotas úteis sugestionáveis que fará de tudo por eles ou pela ideologia que representam.
Por fim, considerando tudo o que foi dito, o mais próximo de uma receita conservadora para nos proteger dos regimes autoritários e totalitários seria, justamente, nos manter longe das receitas fáceis e do modo utópico de pensar a política. Como disse Roger Scruton, em As Vantagens do Pessimismo, “esse modo de pensar, ao perseguir uma solução única e geral para os conflitos humanos, uma solução que elimine para sempre o problema, destrói as instituições que nos permitem resolver os problemas um a um”, e continua, “as soluções para os conflitos humanos são descobertas caso por caso, e são consubstanciadas em precedentes, costumes e leis. A solução não existe como um plano, um projeto ou uma utopia. É o resíduo de uma miríade de acordos e negociações, preservados nos costumes e nas leis. As soluções raramente são previsíveis por antecipação, mas regularmente vão se acumulando por meio do diálogo e da negociação”.
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Crédito da imagem: Google Image Search (A queda do muro de Berlim, em 1989)
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