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2.1.24

Lançamento: Vidas Secas, a obra-prima de Graciliano Ramos

As Edições Textos para Reflexão retornam a literatura nacional com a obra-prima de Graciliano Ramos.

Com a sua narrativa intimista de uma família de retirantes do sertão nordestino, o autor traz um retrato brutalmente realista da vida dos homens do campo no início do século 20, que já se viam quase que arrastados para a vida nas cidades, visto que era cada vez mais difícil sobreviver às secas. A sua leitura é uma verdadeira experiência literária: quase podemos sentir o calor do sertão irradiando de suas palavras.

Vidas Secas já está disponível na Amazon, em e-book:

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16.10.18

Como sobreviver ao segundo turno (Reflexões no YouTube)

Neste vídeo vamos nos arriscar a falar de Política e diálogo em tempos de cólera e polarização. Veremos como a divisão entre Direita e Esquerda tem origens nas ideias dos filósofos Thomas Hobbes e Jean-Jacques Rousseau, e faremos uma breve reflexão sobre Liberdade e Segurança. Ao final, ainda trago a minha teoria acerca do pêndulo hermético, e de como ele parece explicar porque o Brasil já não consegue mais achar o seu centro político.

Se gostaram, não esqueçam de curtir, compartilhar e se inscrever no canal!


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22.8.17

Ilusionismo e Política - Os Empréstimos Subsidiados

A política, em grande parte, é a arte de mobilizar as pessoas de modo a atingir seus objetivos. Durante a história do Brasil uma coisa é unânime, os políticos sempre fizeram todo o possível para enriquecer os seus aliados às custas da maior parte da população.

Porém a única forma garantida de redirecionar os recursos sem despertar a revolta geral é através de um modo que a grande maioria sequer perceba o que está acontecendo.

Para tal existem duas formas principais: as contratações de empresas para fazer grandes obras públicas e os empréstimos subsidiados.

A primeira, que já está aparecendo nos escândalos da operação Lava-Jato e similares, já não é tão invisível para nós (apesar de incrivelmente quase ninguém reparar fazem apenas alguns anos). Já a segunda ainda não percebemos direito.

Como Miriam Leitão explica bem em seu livro A Saga Brasileira, sobre a história da inflação no Brasil, por muito tempo a principal forma dos grandes proprietários de terras ganharem dinheiro sequer era plantando, mas sim pedindo empréstimos subsidiados para os outrora numerosos bancos públicos.

O truque era o seguinte: se pedia um empréstimo para um banco público com taxa de juros de, por exemplo, 15% ao ano. Como a inflação era de mais de 200% ao ano ninguém em sã consciência emprestaria dinheiro por tal taxa, já que receberia no final um valor real muito menor do que emprestou. Mas com a justificativa de “estimular a agricultura” (e outras similares) os bancos públicos forneciam esse tipo de empréstimo em grande quantidade e volume.

Independentemente do que fosse feito com o valor adquirido (fosse realmente plantar ou aplicar no mercado financeiro) o empréstimo era facilmente pago, pois com a alta inflação a dívida final era muito menor do que a inicial. Ninguém podia dizer que estavam roubando, uma vez que para a grande maioria da população “um simples empréstimo é diferente de roubo”. Assim se transferia riqueza de maneira praticamente invisível e transparente.

Alguns beneficiados chegavam ao cúmulo de sequer pagar o empréstimo depois, pois sabiam que os governantes não teriam coragem e força política para cobrá-los. Desse modo os bancos públicos tinham enormes rombos, que eram maquiados pela alta inflação e um esquema bizarro de contas internas, como a famigerada “conta-movimento” do Banco do Brasil, que na prática permitia que ele emitisse dinheiro diretamente, sem limite.

Claro que essa prática aumentava ainda mais a inflação, o que mantinha um círculo vicioso que destruiu a economia brasileira por muitos anos.

Com o Plano Real e muita briga política essa prática foi parcialmente diminuída, até que voltou com toda a força através dos empréstimos do BNDES.

O BNDES capta dinheiro do Tesouro Nacional (ou seja, da dívida pública) e empresta a aliados políticos por uma taxa bem menor, fazendo com que na prática a dívida pública alimente os amigos dos governantes.

Durante o governo Lula, em especial, as torneiras foram abertas e um grande volume de crédito foi distribuído, sendo parte da explicação para o alto nível de popularidade do governo em todas as esferas da sociedade. Claro que se você não era um aliado político você só viu esse dinheiro de segunda mão, seja pelo aquecimento artificial da economia ou pelo crescimento da empresa em que você trabalhava.

Em alguns casos bizarros, como o da Grendene, o empréstimo foi tão grande que a empresa não encontrou nem como investir o dinheiro, e como não pode distribuí-lo para os acionistas ele fica simplesmente aplicado no mercado financeiro até hoje, rendendo mais do que seu custo de captação. Curiosamente os rendimentos podem ser distribuídos.

A transferência de riqueza através do crédito subsidiado em geral ainda é desconhecida do grande público, mas aos poucos está sendo combatida, novamente com muita resistência. Uma das iniciativas é a mudança da TJLP (Taxa de Juros de Longo Prazo) do BNDES para a TLP (Taxa de Longo Prazo), que ainda está sendo negociada no congresso e diminui o subsídio igualando o custo de captação com o custo do empréstimo.

Enquanto não entendermos como a política e a economia realmente funcionam seremos iludidos achando que estamos levando vantagem quando na verdade podemos ser os grandes prejudicados da história.

Gustavo Rocha Dias é um apaixonado por entender como o mundo funciona, o que o levou a se aprofundar em tecnologia, economia e filosofia. Você pode acompanhá-lo no Facebook.

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Comentário
Sim, após mais de uma década de blog, esta é a primeira vez que temos um colunista, o que também significa que o Gustavo pode e deve voltar a escrever por aqui.
Um motivo: desde as manifestações de Junho de 2013 no Brasil, tenho gradativamente me interessado mais pela Política, muito mais num sentido de tentar auxiliar na mediação de debates mais produtivos e interessantes do que propriamente para defender exclusivamente este ou aquele ponto de vista.
Outro motivo: o Gustavo sempre me surpreendeu pelo conhecimento de política e economia que demonstrou em nossos diálogos e debates nas redes sociais; e, após alguns anos, finalmente achei um tema bom o suficiente para inaugurar sua coluna. Bom porque trata de um assunto que vai além da polarização usual de esquerda vs. direita; bom, também, porque ele entende muito mais de economia do que eu, e pode trazer ao debate algo que eu não saberia trazer com a mesma profundidade. Espero que seja proveitoso!

raph

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Crédito da imagem: Rafael Andrade/Folhapress

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27.7.17

O campo além das ideias

Caminhando junto ao poente numa das regiões mais inóspitas do planeta, as margens do grande Kalahari, deserto ao sul da África, Pedro se impressiona com os hábitos de seus companheiros (além do guia turístico, é claro): os bushmen, ou povo san, caçadores-coletores que vivem em torno dos poucos poços d’água subterrânea na região há dezenas, quiçá centenas de milhares de anos.

“É interessante como a gente anda neste lugar e é incapaz de observar o que eles observam. Eles veem cada planta, fruta, cada detalhe da paisagem com outro olhar, pois isso tudo faz parte da sua sobrevivência” – conclui Pedro, ou Pedro Andrade, jornalista apresentador do programa Pedro Pelo Mundo, do canal de TV a cabo GNT. Neste episódio ele decidiu retornar a Botswana, antigo protetorado britânico que, após adquirir sua independência em 1966, multiplicou seu PIB per capta em dezenas de vezes e se encaminha para a prosperidade sem ter passado por guerra civil ou períodos ditatoriais, algo extremamente incomum para um país africano.

Mas a grande característica de Botswana é precisamente estar tão isolado do resto do mundo que, por algum milagre, o povo san pôde viver relativamente intocado até os dias atuais, preservando uma cultura e estilo de vida arcaicos, o que também pôde ser comprovado pela ciência. Segundo estudos modernos, os san possuem um dos mais elevados graus de diversidade do DNA mitocondrial dentre todas as populações humanas, o que indica que eles são uma das mais antigas comunidades do globo. O seu cromossomo Y também sugere que, do ponto de vista evolucionário, os san se encontram muito perto da “raiz” da espécie humana (homo sapiens).

No fim da noite, Pedro participa como observador dos rituais e cânticos dos san. Em torno de uma pequena fogueira, as mulheres cantam e batem palmas sentadas, e os homens dançam enfileirados em círculo. Mas não é só isso: após entrarem em transe, alguns dos xamãs [1] san incorporam seus próprios antepassados e entidades da natureza. Até mesmo o guia turístico, um branco ocidental que se apaixonou pela região e pelos san, pratica a incorporação para virar ele mesmo um xamã entre o povo ancestral. Afinal, os san são antigos o suficiente para saber que, sejamos brancos ou negros, todos somos um mesmo povo, todos saímos dali, ou de bem perto dali, há centenas de milhares de anos, para povoar o resto do planeta.

Alguma coisa antiga e profunda tocou Pedro nesta viagem, e principalmente neste breve contato com os san. É isto pelo menos que ele próprio confessa ao fim do episódio, muito embora “não saiba explicar ao certo o que é exatamente”. Decerto, o mesmo deve ocorrer com muitos ditos civilizados que têm a oportunidade de realizar este tipo de contato. Seria inútil perguntar ao próprio guia turístico e aprendiz de xamã o que é que o fez trocar a vida ocidental pela vida como guia turístico no Kalahari. Há alguma coisa de transcendente nos san, alguma alma ancestral que, de muitas formas, é também a nossa alma.

E decerto de nada adiantaria escrever um tratado sobre o assunto. Ainda que os san aprendessem inglês ou português, jamais seriam capazes de colocar em palavras as experiências místicas que, de tão constantes, quase diárias, são praticamente o seu dia a dia. Os san vivem até hoje noutro mundo, o mesmo mundo que toda a nossa espécie viveu um dia, mas que vem sendo gradativamente esquecido. Neste mundo, não faz sentido se falar em mundo material e espiritual, em vivos e mortos, em coisas sagradas: no dia a dia dos san, o material e o espiritual são basicamente uma coisa só, os vivos e os mortos jamais deixaram de se comunicar, e não há nada, absolutamente nada, que não seja sagrado.

E, como as palavras por si só são inúteis, precisamos recorrer à poesia. Como bem resumiu o poeta persa Jalal ud-Din Rumi: “Além das ideias de certo e errado há um campo, eu lhe encontrarei lá. Quando a alma se deixa naquela grama, o mundo está preenchido demais para que falemos dele. Ideias, linguagem, e mesmo a frase cada um já não fazem mais nenhum sentido”.

Para boa parte do planeta, os san são um povo selvagem que permaneceu atrasado e perdido nalgum deserto africano. Para os san, ou para os seus espíritos ancestrais, o restante do planeta é nada mais do que a família que resolveu ir caminhar para as regiões mais afastadas, até que se esqueceu de retornar. E, segundo a ciência moderna, são os san quem estão com a razão [2]. Dá o que pensar.

É costume do Ocidente avaliar a “evolução” de um povo ou civilização pela sua capacidade filosófica e científica, em suma, pela sua racionalidade. No campo espiritual, porém, as coisas são um tanto mais complexas de se julgar. O povo san, por exemplo, não pratica canibalismo, não faz sacrifícios de sangue aos deuses, não devasta o seu meio ambiente de forma predatória. Um teólogo de certo renome poderá dizer: “Ok, tudo bem, mas eles são incapazes de reconhecer um Deus único”... Mas, será que isso é algum parâmetro razoável para determinar sua “evolução espiritual”?

Há muitos reinados milenares do continente africano que veneravam os chamados orixás, que são basicamente os correspondentes dos deuses das mitologias gregas ou egípcias, e possivelmente até mais antigos. No entanto, entre diversos mitos de Criação africanos, temos um “Ser Supremo quem criou os orixás e os homens”, e seu nome é Olorum. Ao contrário dos demais orixás, Olorum não possui nem culto direto nem templo individual, além é claro de não receber oferendas, sejam de animais ou frutas ou o que for, já que Olorum “já é tudo”. Ora, muito embora seja complexo associar Olorum diretamente com Javé ou Allah, fica muito claro que, no fundo, a religião dos orixás também é, e sempre foi, monoteísta. Portanto, os africanos antigos já conheciam um Deus Criador único, e isso não foi invenção exclusiva dos povos do Oriente Médio.

Claro que nem todos os povos africanos ao longo dos últimos milênios chegaram à mesma profundidade de compreensão espiritual. Mas nós ocidentais não podemos nos gabar de estarmos muito na frente deles. Até pouco tempo atrás, nossas doutrinas mais elaboradas ainda aceitavam, na prática, que escravos não tinham alma, e que precisavam ser batizados para conseguirem sua entrada no Céu. Foi assim que muitos ditos cristãos arrancaram milhões de africanos a força de suas casas e, através de grilhões e açoites, os trouxeram para trabalhar na América. Trabalho não assalariado, evidentemente.

Nem mesmo seus nomes eles puderam trazer na bagagem. Chegando ao Novo Mundo, eram batizados com nomes como Joaquim de Jesus ou Maria de Fátima. Mas, ainda que os nomes tenham se perdido, seus espíritos ancestrais jamais lhe abandonaram. Foi assim que, no Brasil, o maior país negro do mundo, surgiu o samba, o Candomblé, a Umbanda etc. Os sobrinhos dos san perderam suas casas e seus nomes, mas os orixás persistiram, afinal aqui eles também estavam dentro de Olorum. Não há nada “lá fora”.

E, apesar dos grilhões, dos açoites e do preconceito que surge da ignorância persistente dos ditos civilizados, lá naquele campo onde vivem os poetas e os místicos, lá, além das ideias de certo e errado, lá, onde habitam os deuses e dançam os xamãs, eles nos perdoaram, eles nos aceitaram de volta, de braços abertos, de alma aberta.

E, aqueles que, como Pedro, estiveram por lá, ainda que por pouco tempo, ainda que por uma noitinha só, compreenderam: a África é todo o mundo!

***

[1] O termo “xamã” se originou do estudo dos povos indígenas da Sibéria, mas na realidade se aplica para povos ancestrais em todo o mundo. No Brasil, por exemplo, um xamã pode ser conhecido como pajé.

[2] Há diversas teorias para as origens da humanidade, mas o mais aceito atualmente é que nossa espécie surgiu na África e depois migrou para o resto do globo. Em todo caso, ainda que tenha surgido no mesmo período na Europa, teria a pele tão negra quanto à dos africanos, visto que a mutação que possibilitou a pele branca é relativamente recente, de cerca de 8.000 anos atrás (portanto mais nova que o próprio povo san).

Crédito da imagem: Google Image Search/Latinstock (povo san)

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16.1.17

Eles não sabem o que fazem

Noite na periferia paulista. José havia acabado de voltar do hospital com a filhinha de 8 meses. Quase teve um troço com o diagnóstico do médico, “sífilis congênita”, mas ficou mais tranquilo quando lhe explicaram que não era nada grave. Na calçada em frente de casa, José explicava a dois amigos como tinha sido a viagem até o hospital. Todos jovens, na casa dos 20 e poucos anos, mas apenas ele já havia se tornado pai. Foi “sem querer”, e a filhinha ficava mais na casa da avó materna. “Pelo menos não abandonei minha filha” – gostava de dizer aos amigos, o que sempre deixava sua própria mãe, Dona Maria, orgulhosa (ela havia criado José sem ajuda de pai algum).

De repente, um barulho de correria. Passaram pela calçada uns 3 ou 4 sujeitos correndo apavorados. “Foge, polícia!” – um deles gritou... Na verdade José mal teve tempo de entender o que estava acontecendo, logo cerca de 3 motos da polícia militar de São Paulo cercaram a todos, e mandaram encostar no muro do outro lado da rua, com as mãos para cima. Na revista, foram encontrados com o grupo 20 pinos de cocaína, uma quantidade irrisória de maconha, e cerca de 37 reais. Os 37 reais estavam justamente com José, que era o troco dos 50 reais que sua mãe havia lhe emprestado para levar a bebê no hospital e “tomar um suco”. Ele era ajudante de pedreiro, mas estava desempregado.

“Manda todos os vagabundos para a delegacia”, disse um dos policiais. Naquele dia José foi liberado, mas depois teve de ir com a mãe se defender da acusação de tráfico de drogas na audiência do Tribunal de Justiça. Dona Maria não pôde entrar... Antes de José o seu advogado, um defensor público, fez perguntas aos policias: “Vocês já o conheciam?”. A resposta foi “não”. “A droga estava no bolso da blusa ou da calça?”. “Da blusa”. “Havia mais gente na rua?”. “Sim, mas alguns conseguiram fugir”. A promotoria não se manifestou.

Durante os cerca de 3 minutos que teve para se defender na frente da juíza, José explicou que havia acabado de voltar do hospital (como sua mãe lhe instruiu a fazer). “Sífilis?”, perguntou a juíza. “Sim”, respondeu José. “Quantos anos ela tem?”. “8 meses”. “Não deve ser nada grave”, amenizou a juíza... O advogado também tentou tranquilizar José: “Foi o que falei, você é réu primário. Vão negar nosso recurso, normal. Você vai ficar oito meses preso e depois entra no regime semiaberto”. Antes de sair, algemado, José pediu ao advogado para que ele mandasse um beijo para a mãe dele.

Tal relato é uma ficção, mas baseado em fatos reais e corriqueiros. Desde 2006, com a promulgação de uma nova lei de combate às drogas, o crescimento de casos como esse foi vertiginoso. Segundo dados de 2014, grande parte dos encarcerados no Brasil tem o ensino fundamental incompleto (53%) e está na cadeia por conta de tráfico de drogas (27%). No mesmo relatório, vemos que apenas 1% dos presos têm o ensino superior completo, e aqueles presos por casos envolvendo assassinato, como homicídio ou latrocínio, não chegavam a 20% do total.

A primeira coisa que um réu primário como José precisa decidir ao entrar na cadeia é se vai ou não se juntar a uma das facções criminosas. Em se tratando de São Paulo, é quase certo que a única opção disponível seja mesmo o Primeiro Comando da Capital (PCC), que já domina as prisões paulistas há tempos, visto que também administra o próprio tráfico de drogas na Grande São Paulo.

O PCC surgiu no início da década de 1990 num presídio do interior paulista. Oito presidiários se juntaram para formar uma espécie de “irmandade” e assim tentar se proteger da violência nas cadeias. Antes do PCC os réus primários geralmente sequer tinham essa opção de “se juntar a irmandade para se proteger”. Muitas vezes, eram “vendidos” como escravos sexuais para os presos de alta periculosidade, os “bandidões”. Eram usados de todas as formas, até como “cofre” para guardar objetos no ânus ou no estômago. Apesar de tudo, antes do PCC, o destino de gente como José era geralmente muito mais trágico. Hoje, gente como José pode optar por se juntar ao PCC e se manter vivo, pelo menos nas prisões onde não há guerra de facções criminosas.

Outra grande facção criminosa no país é o Comando Vermelho (CV), ainda mais antiga que o PCC. Até outro dia, o CV, que é carioca, dominava o negócio de drogas no maior ponto de vendas da América Latina, a Rocinha. O PCC tomou o ponto sem disparar um único tiro, apenas pela via da negociação comercial. Explica-se: faz alguns meses, o PCC se internacionalizou ao assassinar de forma cinematográfica o “rei do tráfico” no Paraguai, e agora controla boa parte da plantação da maconha no país vizinho. Ora, se a maconha responde por cerca de 80% das vendas do tráfico, não deve ser difícil imaginar como o PCC simplesmente “cooptou” a Rocinha ao oferecer o seu produto de maior destaque por um preço bem mais barato do que o dos demais atravessadores.

A resposta do CV foi tentar investir na outra via de comércio ilegal de drogas e armas no país: ao invés de recorrer à via Paraguai-Bolívia, teve de se voltar para a via amazônica. Talvez por isso as recentes rebeliões e chacinas nos presídios brasileiros tenham se iniciado justamente em Manaus. Mas claro, não deve terminar por lá, e de fato já se espalhou pelas cadeias de todo país, uma espécie de “guerra interna” entre PCC e CV.

Um ex-Ministro da Justiça já afirmou que nossos presídios são como “masmorras medievais”. Se a maior autoridade de segurança no país disse isso, é porque de fato já não era segredo para ninguém. Há muitos “homens de bem” que passaram a crer justamente que as chacinas seriam a solução para a nossa criminalidade. Bem, se fossem, as estatísticas de violência já teriam diminuído há décadas, justamente antes da criação do PCC, quando ocorriam bem mais assassinatos dentro das prisões (só não dava manchete nos jornais porque não tinham decapitações em série).

Quando imaginamos a prisão como uma espécie de “limbo” ou “buraco negro” de onde os presos jamais sairão, estamos simplesmente ignorando a realidade do ciclo de violência no Brasil: ora, é justamente porque em geral a sociedade pouco se interessa pelo que ocorre dentro das cadeias que facções como o PCC proliferaram à vontade. Pense só, num estado como São Paulo, é a própria Justiça que ajuda o PCC a estar sempre recrutando novos funcionários. Ao misturar réus primários ou não violentos com a “nata da bandidagem”, damos um fluxo gratuito e contínuo de gente para o PCC; afinal não é bem a questão de escolher entre “ser honesto ou criminoso dentro da cadeia”, é antes algo como “viver ou morrer”. Darwin explica.

Assim, o Estado paga caro para manter um sistema que não só não ressocializa ninguém para a vida em sociedade, como funciona mais como uma verdadeira “fábrica de criminosos”, onde gente como José, se tiver sorte, sairá muito, muito pior do que entrou. E, se não tiver sorte, pode nem sair vivo, mas tal fato não diminuí o ciclo da violência, apenas aumenta. O Karma explica.

Afinal, se o PCC pode até funcionar como um “agente de proteção social” dentro dos presídios, fora deles pratica sequestros, assassinatos, e outros crimes, além de intimidar agentes da lei e políticos ou, muitas vezes, simplesmente comprá-los para o seu lado. Quando necessário, o PCC também pode muito bem atuar “fora dos presídios”, causando um verdadeiro caos nas grandes cidades. Da última vez que algo assim ocorreu, em São Paulo, pouco mais de uma década atrás, foram às próprias autoridades quem correram para chegar a um acordo de “cessar fogo” com a facção, e o acordo saiu. Mas, e se não tivesse saído? E se o PCC resolver voltar a “se manifestar” fora das cadeias, como será? O que podemos dizer hoje é: cada vez pior.

Se voltarmos ao exemplo de José, veremos que ele pelo menos teve um julgamento, enquanto cerca de 40% dos nossos presos aguardam por um. E pelo menos teve um defensor público, coisa inexistente em mais da metade dos estados...

Você pode me dizer que na verdade a história de José era mesmo uma baita mentira, que ele de fato estava correndo junto com os outros traficantes que passaram pela calçada da sua casa, que ele também era um deles. Tudo bem, você pode até julgar daí que José era mesmo um bandido. E, ainda que o mantra “bandido bom é bandido morto” possa lhe soar como a solução derradeira de todos os problemas, devo lhe dizer que é justamente por pensamentos como este que chegamos na situação em que chegamos. Morram quantos Josés forem, eles continuarão nascendo, e a violência continuará ardendo mais e mais nesta imensa pira de ignorância.

E, se queremos manter os presos realmente perigosos e violentos dentro das cadeias, é justamente tratando réus primários como José de uma outra forma, liberando espaço e recursos no sistema penitenciário, que teremos alguma chance de começar a mudar este cenário.

Afinal, não foi nos países onde há pena de morte que a violência se reduziu ao ponto de faltarem presidiários para popular as cadeias, pelo contrário, foi nos países que tratam mais a causa do que os sintomas, em todas as dimensões que envolvem o crime: na educação, na ressocialização, na política em relação às drogas etc. Sim, ainda estamos muito distantes do nível de desenvolvimento humano dos países escandinavos, mas até quando vamos permanecer ignorantes dos exemplos que deram certo? Até quando vamos continuar vendo nossos criminosos com um olhar tão arcaico, alimentando infindavelmente este ciclo macabro de decapitações e banhos de sangue?

Há dois mil anos, o doce Rabi da Galileia, aquele quem nos ensinou toda a profundidade do Amor, também cumpria sua pena ao lado de dois bandidos, todos crucificados ao público. A sua volta, o povo gritava a sua própria versão de “bandido bom é bandido morto” para a época. Segundo Lucas 23:34, esta foi a sua resposta:

Pai, perdoa-lhes, pois eles não sabem o que fazem.

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Créditos das imagens: [topo] Salve Geral/Divulgação; [ao longo] Google Image Search

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14.10.16

Vera Cruz

Há um canto sussurrante
nesta terra ancestral,
algum som de pura angústia errante
de almas presas ao varal;
sibilo de ideias que não seguem adiante,
e dor, dor imemorial...

Desde a Mantiqueira a chorar sangue,
ao grande mercado da Central,
desde o sertão até o mangue
há este antigo canto marginal
que voa e volta como bumerangue,
e não vê final.

Assim somos todos aprendizes
nesta nação sem igual:
os pandeiros e macumbas vibram as matizes
dos seres que se elevam além do mal...

Vocês podem ouvi-los?

Das aldeias, dos terreiros,
ecoa este canto de guerreiros,
a unir aqueles que vieram acorrentados
aos que foram, em casa, massacrados...

Sim, ouçam!

As almas cantam a pouca luz,
vivas ou mortas, elas cantam por todos os lados...
Vozes belas e profundas de Vera Cruz,
a terra de todos os refugiados.


raph'16

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Crédito da imagem: Alfredo Roque Gameiro (O desembarque dos portugueses no Brasil ao ser descoberto por Pedro Alvares Cabral em 1500)

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30.1.16

Lançamento: Entre a Esquerda e a Direita

As Edições Textos para Reflexão trazem mais um e-book gratuíto, desta vez tratando de Política...

Em Entre a Esqeurda e a Direta: Uma reflexão política, a minha ideia foi chamar dois debatedores para falar de Política – Alfredo Carvalho e Igor Teo – cada um representando um dos seus espectros ideológicos.

Eu enviei perguntas para que ambos os convidados respondessem sem que soubessem previamente da resposta um do outro. O meu intuito foi poder demonstrar que o embate de ideias é não somente saudável, como extremamente necessário para a boa Política. Afinal, a política comprada pelos grandes corruptores não tem mais quase espaço para qualquer tipo de ideologia – é o que eu costumo chamar de Grande Negócio Eleitoral.

E, também vale lembrar, o objetivo final do embate de ideias não é “exterminar” a opinião contrária – isto sim, seria uma Ditadura, quando alguém se presta a governar sem dar chance da oposição se manifestar. Aqui ambos os convidados tiveram pleno espaço para a manifestação e, quem sabe até, algumas conclusões em comum.

Rafael Arrais


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» Veja também a série original que deu origem ao livro, aqui no blog


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30.5.15

O país do futuro

No país do futuro
há muitas criancinhas
que brincam pelas ruas
de catar balas de fuzil
dos tiroteios das madrugadas;
enquanto outras, mais grandinhas,
que já aprenderam a correr e pular,
brincam de subir o morro e gritar:
Vem aí os alemão!

No país do futuro
há jovens sem pai nem mãe
nem escola nem sociedade...
O que eles querem?
O tênis da moda,
a camisa do shopping,
o celular novo do comercial...
Mas, como já disse o poeta,
o seu cartão de crédito
é uma navalha.

No país do futuro
os homens de bem se trancam
em suas vilas, condomínios,
e malls maravilhosos,
cheios de grades, câmeras
e sentinelas...
Mas, quando se arriscam a sair
e apreciar a paisagem,
muito cuidado!
Eis que podem ser perfurados
pela realidade!

No país do futuro
há muitos que parecem temer
que todos esses que vivem nas encostas
subitamente resolvam descer ao asfalto,
juntos, e revoltados...
Porém, há muitos que se entreolham
nas praias, nos parques, nos estádios,
e nas vias comuns,
e indagam a si mesmos:
Mas não disse o rabi
que éramos todos irmãos?

No país do futuro,
que importa, afinal,
quem sobe
e quem desce?

No entanto, no país do hoje,
é preferível ainda
enviar todas essas criancinhas,
e jovens, e seres
condenados a viver a margem
para os morros
e as masmorras,
a depender, é claro,
do merecimento de cada um!

Depois ainda não sabem
porque diabos esse tal futuro
não chega nunca...


raph'15

***

Crédito da foto: Wilton Júnior/AE

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7.5.15

Toren

No próximo 12 de Maio sai, para PC e PS4, o primeiro game brasileiro a ser beneficiado pela Lei Rouanet, uma forma de incentivo cultural procedente de renúncias fiscais (até um certo limite). Para além da boa nova de constatarmos que o governo brasileiro está finalmente investindo num mercado promissor, que já há anos tem renda global maior do que o mercado cinematográfico, o game em si parece não somente belíssimo e promissor, como fruto da imaginação de pessoas que leem sobre muito do que falamos neste blog, particularmente de mitologia [1].

Em Toren, jogamos com uma personagem desde sua infância até a idade adulta. A Criança da Lua está enclausurada em uma espécie de gigantesca "torre de Babel", e precisa enfrentar muitos desafios enquanto sobe seus andares, até o alto do céu, para finalmente se libertar... O grande inimigo é o Dragão que vigia a torre e tenta, a todo custo, impedir que a Criança escape. Felizmente, ela ainda conta com a ajuda de dois personagens: o Cavaleiro, enviado há eras pelo Sol para auxiliar na jornada dos escaladores da torre, que pode ser visto a distância, pela lente de telescópios; e o Mago, um dos antigos construtores da torre, que pode se comunicar com a Criança somente através de sonhos...

Obviamente, o jogo se parece muito mais com uma narrativa simbólica do que com uma história superficial qualquer... Neste sentido, fica evidente a sua inspiração em jogos clássicos parecidos, como Shadow of the Colossus e Ico. Abaixo, vocês podem ver o trailer:

***

[1] Segundo o Marcelo Del Debbio, autor do blog Teoria da Conspiração, o líder de criação do Toren (Alessandro Martinello) é leitor assíduo dos nossos textos, e muito da pesquisa sobre hermetismo e árvore da vida foi feita no próprio TdC e na Wikipedia de Ocultismo.

Crédito da imagem: Divulgação/Toren

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2.4.15

Entre a esquerda e a direita: os comentários (parte 1)

Parte da série “Entre a esquerda e a direita”, onde Alfredo Carvalho e Igor Teo responderam minhas perguntas, e agora estou comentando os assuntos abordados. Para conhecer mais sobre a proposta da série e seus participantes, não deixe de ler nossa apresentação.

O futuro em primeiro lugar
Recentemente assisti o programa Clube dos Correspondentes na GloboNews, onde três jornalistas correspondentes de outras partes do mundo falavam sobre suas impressões acerca das manifestações do dia 15/03/15, e de como a crise política brasileira era vista no exterior.

Uma das correspondentes era Lotten Collin, jornalista de uma rádio sueca. Tendo coberto in locco as manifestações em Copacabana, no Rio de Janeiro, ela me pareceu ter uma opinião muito embasada acerca do que viu por lá:

“O que era muito impressionante para mim é que tinha algumas pessoas pedindo intervenção militar. E eram jovens, que nem sabem como foi a época da Ditadura.”

Que este tipo de pessoas, ainda que minoria, estivessem em uma manifestação democrática, que na quase totalidade criticava a gestão do atual governo, não pareceu algo absurdo somente para Collin, mas para boa parte dos analistas políticos do país, sejam eles alinhados a ideais de esquerda ou de direita. Afinal, só se faz Política numa democracia, numa Ditadura o que vale é a opinião de quem tomou o poder à força.

Ora, é exatamente para não chegarmos a esse ponto que devemos exercitar a Política, a verdadeira, que é basicamente a arte do diálogo entre ideologias e ideias contrárias, visando sempre o melhor consenso possível, para que todo um país caminhe à frente, tanto economicamente quanto socialmente, sem deixar de ouvir as opiniões e as demandas de seus grupos e setores sociais e ideológicos, sejam eles minoritários ou majoritários. Exigir a intervenção de uma força armada, para que “a sua opinião do que é o melhor para o país prevaleça”, é exatamente a receita para a não-política, o não-diálogo, o desastre completo...

O que pretendi, ao convidar para esta série dois genuínos pensadores a esquerda e a direita, que certamente entendem muito mais de Política do que eu, foi precisamente demonstrar o quanto os verdadeiros embates se dão no campo das ideias, e que sempre que saímos deste campo para o campo do embate pessoal, é a Política que sai perdendo, é o país como um todo que perde. Imaginem se as nossas eleições trouxessem debates tão civilizados como este que ocorreu ao longo das respostas e dos comentários desta série – daí já estaríamos na Suécia [1].

Voltemos ao relato de Collin:

“Eu senti que as pessoas entrevistadas tinham queixas reais, sobre a economia, a política, a corrupção, a qualidade dos serviços públicos... Mas em geral eram muito emocionais, não sabiam explicar exatamente qual era o problema. Por exemplo: ninguém fala dos problemas mais concretos da economia, como o papel do BNDES na Copa e noutros momentos, que nunca está muito claro. Elas querem os corruptos na cadeia, mas isso é exatamente o que já vem ocorrendo, os processos judiciais que podem prender muitos corruptos estão ocorrendo neste momento... Eu achei o protesto um pouco superficial.”

Para uma sueca, acostumada com altos níveis de escolaridade, civilidade e, particularmente, politização de sua população, deve ter sido realmente um choque constatar o quanto ainda estamos no início deste longo caminho, que infelizmente ainda pode levar gerações, mas que não obstante precisa ser trilhado, e cada passo dado há que ser comemorado.

Mas, enquanto não chegamos lá, vale considerar com muito carinho o que Collin considerou “a principal lição que o Brasil tem a aprender com a Suécia”, já ao final de sua participação no programa:

“Nesse momento na Suécia há uma negociação entre a direita e a esquerda, porque a eleição de setembro [2014] teve um resultado muito apertado, com margem muito pequena entre os dois principais blocos políticos... Bem, isso seria uma coisa boa para ocorrer aqui no Brasil também.”

De fato, o ambiente político sueco, normalmente estável, entrou em convulsão em dezembro [2014], quando o primeiro-ministro Stefan Lofven disse que planejava voltar às urnas após seu orçamento ter sido rejeitado pela oposição de centro-direita e os democratas suecos. Lá o principal debate se dá no âmbito das leis imigratórias, e do custo da imigração para os cofres públicos. O atual governo, de centro-esquerda, conseguiu costurar um acordo de até 8 anos com a oposição, de centro-direita, para garantir que a extrema direita, grande crítica da imigração, não “travasse” o país ao criar entraves para a aprovação do orçamento de 2015.

Segundo Lofven, “o acordo é um jeito de mostrar que nós tomamos responsabilidade por garantir que a Suécia possa ser governada; que colocamos o futuro do país em primeiro lugar”.

Enquanto isso, aqui em nossas terras tropicais, a nossa noção de “governabilidade” se resume praticamente a “agradar o PMDB”... Ainda falta muito para chegarmos a ser uma Suécia tropical. Mas, será que tal ideia já não seria uma ilusão a priori?


A Suécia tropical
Esta expressão curiosa foi cunhada por Roberto Mangabeira Unger, filósofo brasileiro respeitado em todo o mundo, e atual ministro de assuntos estratégicos. Ele a criou como forma de crítica ao que considera “uma ilusão perigosa”:

“A Suécia real passou por décadas de luta sobre o acesso ao poder político e as oportunidades econômicas. Depois, ao final, veio a organização de políticas sociais. Nós queremos ter o epílogo sem ter a narrativa anterior. Isto é a Suécia tropical. Nós temos uma vida política viciada nesta retórica barata. Os dois partidos que se tem na conta de modernos no Brasil, PT e PSDB, são as duas vertentes, as duas vozes desta ideia. O que se dá como moderno no Brasil é na verdade retrógrado. Para mudar, teríamos de romper com isto.”

De fato, se hoje o modelo econômico dos países escandinavos (norte europeu) é aquele que atinge os maiores índices de desenvolvimento humano, tal conquista não se deu de um ano para o outro, tampouco pela mera decisão política de um ou outro governante.

Nas décadas de 1970 e 1980 eles eram, em geral, estados inchados, com altos impostos e baixa competitividade, embora já dessem grande importância para o aspecto social. A guinada que os alçou ao pedestal de “modelo a ser seguido” veio nas últimas décadas...

Para começar, os estados racionalizaram seus gastos e criaram as mais fantásticas políticas de transparência do mundo, permitindo à população fiscalizar seus governantes e reduzir a gastança. Na Suécia, políticos de alto escalão moram em quitinetes, lavam a própria louça e usam transporte público ou bicicleta. Além disso, a burocracia caiu quase a zero e esses países viraram paraísos do empreendedorismo, de fazer inveja ao Vale do Silício com suas histórias de sucesso (Skype, Angry Birds, Spotify etc.).

Mas isso foi feito sem sucatear o estado nem prejudicar a população. As reformas do estado foram feitas com um objetivo claro: manter a qualidade do serviço público, ou, se possível, aumentá-la. Essa lógica ajuda a entender o que aconteceu com a saúde e a educação pública nesses países. O governo continua atuando, provendo serviços de qualidade, mas empresas privadas também podem entrar na competição. Os cidadãos recebem do governo vouchers de saúde e educação e podem decidir usá-los em escolas e hospitais públicos ou privados. Na Escandinávia, o estado continua grande, mas uma coisa fundamental mudou: ele agora funciona [2].

Se começássemos agora, talvez em 20 a 30 anos conseguíssemos chegar perto do estágio atual da Suécia e seus vizinhos. Mas então não seríamos uma Suécia tropical, mas quem sabe, finalmente, o país do futuro...

Segundo Mangabeira, o modelo de redistribuição de renda do socialismo brasileiro não se sustenta por muito tempo com o atual sistema tributário e somente com programas sociais voltados para as camadas mais pobres. É um contrassenso, realmente, crer que somente programas como o Bolsa Família, embora vitais, possam resolver a equação das injustiças sociais do país. Ainda falaremos mais sobre isso, mas não faz o menor sentido distribuir bolsas de um lado, enquanto de outro temos talvez o sistema tributário mais injusto do mundo, fortemente ancorado em impostos indiretos, que independem da renda. Vivemos no país onde um milionário paga exatamente o mesmo imposto que um miserável quando vai ao supermercado comprar um quilo de arroz ou feijão.

Mangabeira também nos dá sua receita para que um dia cheguemos a ser “uma Suécia”:

“O binômio perverso – juros altos, câmbio baixo – deve ser substituído pelo binômio virtuoso – juros baixos, câmbio alto. A condição para isso é reduzir drasticamente o gasto público, sem deixar de pagar os juros da dívida pública. Essa mudança deve ser combinada com reforma tributária que extraia renda dos endinheirados para financiar uma política social compensatória, dirigida aos brasileiros mais pobres. Afora isso, basta educar o povo e melhorar a eficiência do governo. O mercado e o social produzirão juntos a Suécia tropical.”

Temos certa dificuldade em situar pensadores como Mangabeira Unger “a esquerda ou a direita”. Penso que isso também ocorra com muitos outros analistas políticos e econômicos de ideias mais profundas, e até mesmo com alguns políticos... Não quer dizer que os centristas sejam “superiores”, quer dizer que talvez a rotulação costumeira de esquerdista ou direitista seja bidimensional, em suma, pobre demais.

No fundo, a única boa Política possível é a que é conduzida tendo sempre em vista não somente dois lados, mas todos os lados.

» Em breve, falaremos sobre bois e diagramas...

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[1] Em nome dos participantes "oficiais" da série, Alfredo Carvalho e Igor Teo, agradeço a todos os que comentaram, tanto no blog quanto no Facebook, e tornaram o debate mais aprofundado e produtivo. Alguns de vocês vão perceber que também estou levando em consideração seus comentários ao longo do restante da série... Claro que os textos continuarão online, de modo que qualquer um ainda pode adicionar comentários em qualquer parte desta série.

[2] Os dois últimos parágrafos foram retirados do excelente artigo de Denis Russo Burgierman, diretor de redação da Superinteressante: A maldição do esquerdo-direitismo.

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Crédito da foto: Marcos de Paula/Estadão

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22.3.15

A quem interessa a polarização entre PT e PSDB?

Parte da série “Entre a esquerda e a direita”, onde Alfredo Carvalho e Igor Teo respondem a uma mesma pergunta (a cada post). Para conhecer mais sobre a proposta da série e seus participantes, não deixe de ler nossa apresentação.

[Raph] A democracia surgiu na Grécia antiga, no século V a.C. Como a própria etimologia do termo sugere, a democracia é uma forma de governo que se propõe a ouvir a voz do povo, da maioria do povo, e não somente de uma elite (seja ela monárquica, aristocrática ou religiosa). Neste sentido, a política nada mais é do que a atividade de tentar criar o melhor consenso possível entre grupos com ideias opostas, através do diálogo, sempre visando o bem da pátria.
Como ideias opostas sempre existirão, a chamada polarização política é não somente inevitável como por vezes bem vinda: quando a política é bem conduzida, novas ideias surgem da faísca do choque entre as pedras. No entanto, há momentos em que a polarização é tão radical que o choque das pedras faz com que tirem lascas umas das outras, sem produzir nada de bom, e paralisando o próprio governo.
Nós já vivemos mais de duas décadas de polarização entre dois partidos, PT e PSDB, e parece que já estamos num estágio de esgotamento. Aparentemente, ninguém quer mais chegar a um consenso, apenas destruir a imagem um do outro, custe o que custar...
Ainda assim, vai eleição e vem eleição, todo o esquema eleitoral, do financiamento as coligações, parece estimular cada vez mais tal cenário, para que siga exatamente como já está posto. É precisamente aqui que coloco a minha última questão: a quem interessa a manutenção desta polarização PT vs. PSDB?

[Teo] Tanto o PT quanto o PSDB possuem uma política mais centralista. Ambos concordam quanto a uma posição de social democracia, e de que as instituições do capitalismo não devem ser revolucionadas, mas transformadas ou melhoradas (dependendo da posição respectiva de cada partido) a partir de reformas graduais através de políticas de Estado. No entanto, ainda que próximos, tais partidos se enviesam em sentidos distintos em suas matrizes ideológicas.

O PSDB faz uma posição de centro tendendo mais para a direita, flertando com ideias neoliberais, como a redução do Estado, a redução das condições de bem-estar social em função do mercado e a privatização de áreas fundamentais à nação. Quanto ao último, pode se questionar como este processo ocorrido no governo PSDB foi permeado por denúncias de corrupção. Entregues à gestão privada, os serviços não melhoraram, seus preços subiram acentuadamente e se traduziram em problemas para o Judiciário. A receita neoliberal, em nome de índices econômicos de fachada e o lucro exorbitante das grandes empresas estrangeiras, deixa por onde passa como rastro o crescimento abismal da desigualdade social.
        
O PT, por sua vez, tem uma posição de centro tendendo para a esquerda. Economicamente assumiu um neodesenvolvimentismo, buscando valorizar a produção nacional e tornar o país menos refém do capital estrangeiro. Associou-se com países latino-americanos de forma a criar um eixo cultural e econômico alternativo ao ditado pela dominação dos países europeus e dos Estados Unidos. Socialmente buscou implementar projetos sociais que visassem à erradicação da miséria. Ainda assim, costuma-se ouvir que o PT traiu a esquerda. Por quê?

Para chegar ao poder o PT associou-se com grupos que são dominantes no país desde a República Velha. A implementação de seus programas sociais foi sempre tacanha, na medida em que não podiam ameaçar completamente os interesses desses grupos. Na luta por direitos os avanços sempre foram lentos demais, e estão ainda longe do que se esperava. Em resumo, pode-se dizer que para chegar ao poder o PT se vendeu ao instituído, fez acordos que para mantê-lo em sua posição o fez refém daqueles que deveriam combater. O PT nunca representou uma ameaça às instituições do capitalismo, e inúmeras vezes jogou muito bem segundo suas regras na promessa de um reformismo tardio.

A resposta à recente crise com austeridade apenas demonstra que Dilma está mais próxima de Margaret Thatcher do que, por exemplo, Rosa Luxemburgo. Isto é muito diferente das tentativas de grupos como o Syriza na Grécia e o Podemos na Espanha que possuem a posição de que não é o povo que deve pagar pela crise dos grandes capitalistas, mas eles próprios.

Por trás desta disputa binária reside ainda o PMDB, o maior partido brasileiro mesmo sem nunca ter elegido nenhum presidente. O PMDB possui alianças extremamente maleáveis segundo seus interesses (na última eleição no Rio de Janeiro, por exemplo, o governador pemedebista apoiou os dois candidatos à presidência simultaneamente no segundo turno). Respondendo mais diretamente à questão principal do Raph, cabe lembrar que quem cresceu com a disputa PT e PSDB nas últimas eleições foi o PMDB, se tornando hoje maioria no Senado. De certo modo, o PMDB está sempre do “lado vencedor” em seu jogo político a favor dos interesses privados que os beneficiam e os financiam no poder.

Nos últimos anos é possível perceber uma crise do centro em se mostrar capaz de lidar com os problemas estruturais ao nosso modelo socioeconômico. A democracia representativa no modelo instituído igualmente vem ganhando descrédito. Deste modo, alas mais radicais de ambos os lados tem crescido. Na direita, vemos o crescimento dos grupos fundamentalistas (como a bancada evangélica) e reacionários (como Bolsonaro e afins). Na esquerda, crescem grupos como o PSOL, que mostram uma saída possível aos nossos problemas institucionais pela esquerda crítica.

Radicalismo por si mesmo não é o problema. Em tempos de uma política centralista que não apresenta nenhuma perspectiva de mudança, colaborando com o instituído, atitudes radicais são o que pode fazer alguma diferença. Mas mesmo em posições radicais, o diálogo é sempre fundamental na medida em que é a partir dele que podemos produzir conscientização e agenciamentos políticos. E justamente diálogo é o que parece faltar a essa direita que luta contra os direitos fundamentais das mulheres, homossexuais, e por ai vai.

Faltam mudanças radicais. Mudanças que afetem à estrutura do poder instituído, sua distribuição e seu modo de reprodução. Pois comumente se fala em combater os males sociais, como a extrema desigualdade social e a corrupção, mas todas as ações se dão em nível superficial. Luta-se com os galhos secos de uma árvore morta, mas não se possui coragem para enfrentá-la pela raiz.

Neste sentido é que necessitamos de reformas estruturais. Reformas que atuem nos problemas estruturais do capitalismo, nos modos como a riqueza é distribuída, nos modos de produção, em seus meios de reprodução. Particularmente, minha visão é de que precisamos de uma esquerda radical (que não é sinônimo de comunismo, vale lembrar) que se oponha à ideologia hegemônica do capital e dialogue com as diferentes camadas sociais, tendo como agenda reformas estruturais. Uma esquerda que não esteja compactuada com o capital. Um posicionamento político que responda aos problemas da democracia não com fascismo, mas com novos modelos de organização social (como a organização social em rede), que visem aprimorar a democracia, e não dissolvê-la.

Hoje se fala da tão necessária reforma política, mas essas não são ideias essencialmente novas. O presidente João Goulart, apoiado por nomes como Leonel Brizola, já tinha na década de 1960 um projeto denominado reformas de base que incluíam reformas bancária, fiscal, urbana (contra a tão atualmente crítica especulação imobiliária), eleitoral, agrária e educacional. Desde a democratização da terra à valorização da educação, as reformas de base tinham como objetivo combater a desigualdade estrutural da sociedade brasileira. Antes de meros paliativos ou políticas populistas que nada alteram a hierarquia nacional, reafirmando apenas as relações de poder instituídas, as reformas de base miravam nos pontos cruciais e estruturais que determinam até hoje nossos problemas mais críticos.

Entretanto, tais medidas incomodavam à elite dominante e, apoiados pelos Estados Unidos, que viam no Brasil mais um de seus quintais, as camadas conservadoras instituíram o Golpe Militar em 1964 usando como desculpa a falsa e fajuta “ameaça comunista”, dando início a um período de sangrenta opressão, cujas consequências nefastas são sentidas até hoje, sobretudo na precarização da educação. Talvez se as reformas tivessem ocorrido, uma trajetória menos trágica existiria atrás de nós hoje.

Deste modo, assim como já começa a se desenhar na Grécia, e que se tentará estender também à Espanha, Portugal e recentemente Irlanda, apenas corajosas reformas estruturais podem mudar os rumos desse jogo viciado.

[Carvalho] Partindo de uma análise histórica das diversas experiências democráticas, em especial as mais recentes, amadurecidas e consolidadas no formato representativo, muitos filósofos e cientistas políticos tendem a concordar que o fenômeno da polarização entre alguns poucos partidos, geralmente dois, é recorrente e até mesmo necessário para o adequado funcionamento das modernas repúblicas constitucionais. Isso equivale a dizer que quando não há a disputa entre pelo menos duas forças políticas de interesses contrários, não há democracia, ou há apenas uma democracia doente.

Evidentemente, essa não é a única condição para manter a vitalidade democrática de uma nação. Existem mais elementos, tais como o império da lei, a separação entre os poderes, a liberdade de imprensa, e diversos outros. Cada um deles exercendo um papel específico e importante para o quadro geral. Basta retirar qualquer um e o edifício democrático logo começa a dar sinais de ruína. É mesmo uma harmonia delicada, de modo que o filósofo Olavo de Carvalho, para citar um exemplo, define a “democracia saudável” como “a administração bem sucedida de um conflito insolúvel, destinado a perpetuar-se entre crises e não a produzir a vitória definitiva de uma das facções”. E continua dizendo que “desde o início, a democracia tem encontrado no equilíbrio instável a regra máxima do seu bom funcionamento”.

O grande problema é que o mundo real é sempre mais complexo do que se espera. Assim, nos casos concretos, nas democracias “de carne e osso”, embora o conflito entre diferentes forças políticas sempre exista em algum nível, a forma como ele se dá nem sempre é compatível com o que prescrevem os teóricos e analistas da democracia. A experiência democrática que vivemos no Brasil desde meados da década de 1980 padece desse tipo de mal desde a sua criação, mas com duas fases bastante distintas: uma com a hegemonia do PMDB, quando as forças políticas mais relevantes coabitavam ou orbitavam o mesmo partido, mesmo com ideologias ou interesses conflituosos; e a outra com a polarização “para inglês ver” entre PT e PSDB.

A primeira fase representa o surgimento de um mecanismo que o professor Marcos Nobre chamou de peemedebismo, o qual ele descreve da seguinte maneira: “É um modo de fazer política que franqueia entrada no partido a quem assim o deseje. Pretende, no limite, engolir e administrar todos os interesses e ideias presentes na sociedade. Em segundo lugar, garante a quem entrar que, caso consiga se organizar como grupo de pressão, ganhará o direito de vetar qualquer deliberação ou decisão que diga respeito a seus interesses. Foi assim que o PMDB se organizou a partir da década de 80. Como se o partido fosse, em si mesmo, um governo de união nacional”.

Resumida dessa forma, como se pode perceber, a tese é bastante interessante e sua ideia central me parece acertada. Isso não quer dizer, entretanto, que os detalhes do diagnóstico, do prognóstico e tampouco da terapia indicados pelo filósofo sejam consistentes. Ele insiste, por exemplo, na capciosa retórica esquerdista de aplicar o rótulo de “conservador” a tudo e todos que ofereçam resistências às propostas de transformação defendidas por ele próprio, aproveitando-se da confusão comum que se faz entre as acepções política e vulgar do termo. Mas não se pode negar, enfim, que, embora o fenômeno não seja tão maquiavélico quanto Nobre o pinta, o peemedebismo percebido por ele parece ser mesmo uma realidade e um defeito da política brasileira, no sentido de fechá-la em si mesma, relegando os atritos democráticos ao submundo.

A segunda fase, conquanto não tenha suplantado em definitivo a influência de fundo da primeira, começou, curiosamente, durante o mandato do então peemedebista Itamar Franco e tem como marco inaugural a implantação do Plano Real, sob os cuidados do ministro Fernando Henrique Cardoso, que na sequência viria a vencer as eleições presidenciais. Naquele momento foi inaugurada a polarização entre PT e PSDB, que predomina entre altos e baixos em todas as eleições presidenciais desde 1994.

Ao contrário do que acontecia antes, com o sufocamento das controvérsias no interior de um único partido hegemônico, o problema passou a ser o banimento das controvérsias relevantes para fora do ringue político, por meio do destaque de apenas dois partidos cujas divergências eram, e ainda são, apenas secundárias ou circunstanciais. Como bem disse o ex-presidente FHC, em 2004, em uma interessante entrevista concedida ao então senador do PT, Cristovam Buarque, “nós não discutimos nem disputamos ideologia, é poder, é quem comanda”. Ao que foi complementado por Buarque, “antigamente a gente brigava para a ideia da gente prevalecer; agora a gente briga para que o outro não seja dono da ideia da gente”.

PT e PSDB são ambos partidos “de esquerda”, sendo o primeiro um pouco mais estatista e controlador que o segundo. A retórica dos partidos socialistas mais radicais – como PSOL, PCdoB, PSTU e PCO – segundo a qual, “na verdade”, aqueles seriam “de direita”, não passa de mais uma balela na farsa democrática que vivemos há tantas décadas. Ora, se as concessões que esses dois partidos fizeram ao capitalismo significassem algum tipo de “direitice”, teríamos que colocar até Lênin e o Partido Bolchevique no mesmo saco, o que é, evidentemente, um disparate. O PT, aliás, com a sua versão “made in Cuba” da Terceira Internacional – cujos partidos membros atualmente governam 17 dos 21 países da América Latina – tem feito um lento mas eficientíssimo trabalho de consolidação da hegemonia esquerdista em todo o nosso continente. No fim das contas, portanto, a resposta não poderia ser outra, quem ganha com a polarização mequetrefe da nossa política nos últimos vinte anos é, sem sombra de dúvida, a esquerda, em especial, infelizmente, a sua vertente de tendências totalitárias.

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Esta foi a sexta e última pergunta desta série. Agradeço mais uma vez aos participantes pela generosidade e o entusiasmo com que responderam questões marcadamente complexas. Quando esta série voltar a aparecer aqui no blog, será com os meus comentários gerais acerca de boa parte da gama de assuntos abordados... Até lá! (Raph)

Crédito das imagens: Guilherme Bandeira

O debate continua nos comentários, não deixem de acompanhar.

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16.1.15

A incrível história de Zé Perri

Recentemente se completaram 70 anos da morte de Antoine de Saint-Exupéry, e toda a sua obra literária entrou em domínio público (em quase todo o mundo, exceto EUA e França). Isso incluí, é claro, sua obra mais conhecida, um dos livros mais vendidos do século passado e deste, O Pequeno Príncipe. Porém, como descrito no epílogo da minha tradução [1] de Le Petit Prince (o original, em francês, pois as traduções são consideradas obras variantes e, em sua grande maioria, não entraram em domínio público), Saint-Exupéry foi muito mais do que um escritor de contos infantis... Para começar, já há uma longa discussão sobre se O Pequeno Príncipe é ou não uma obra infanto-juvenil, e pela longa duração deste debate (praticamente 70 anos, desde o lançamento nos EUA) há um certo consenso em que ela é mesmo uma obra infanto-juvenil, e não é, ao mesmo tempo...

E se no campo literário Saint-Exupéry nos deixou obras-primas desconhecidas da maioria dos admiradores do seu príncipe pequenino, como Terra dos homens e Cidadela (que permaneceu inacabada após sua morte), a própria vida do escritor foi muito mais fantástica do que muitos podem imaginar... Muitos sabem que ele serviu na guerra como piloto do exército francês, mas talvez o início de sua carreira como aviador seja o período que tenha definido a maior parte das influências que nos traz em seus livros, seja literalmente, seja por grandiosas metáforas:

Saint-Ex, como era chamado pelos amigos, foi um dos jovens pilotos que se aventuraram pelos ares nos primórdios da aviação, na década de 1920. Como piloto da extinta Aéropostale (que mais tarde viria a ser uma das companhias aéreas que deram origem a Air France), Saint-Exupéry sobrevoou não somente a Europa e a África, como também a América do Sul e o Brasil... Ou pelo menos é o que conta mais uma das lendas acerca de sua vida.

A cidade de Florianópolis acabou entrando para o rol das poucas cidades brasileiras a receber os aviões da Aéropostale entre 1927 e 1931. E, por extensão, uma parte de seus moradores conviveu com os estrangeiros que transportavam cartas e encomendas de outros países. No caso, franceses que pousavam na ilha para abastecer e realizar pequenos reparos nas aeronaves sempre que faziam a rota Rio de Janeiro-Buenos Aires. Saint-Exupéry não estava oficialmente nesse grupo, mas, como então diretor de exploração da companhia Aeroposta Argentina (cargo que assumiu em 1929, com 29 anos), teria dado seus pulos em Florianópolis para visitar os amigos e inspecionar a linha aérea ao longo de 1930.

Provavelmente o fazia sem alarde, já que o único registro comprovado de sua estada na ilha se contrapõe aos relatos de um tal Zé Perri que esteve no bairro do Campeche umas dez vezes e gostava de comer peixe e conversar com um pescador em especial, seu Deca (Manoel Rafael Inácio), à época um jovem de 20 anos, que gostava de tocar sanfona e papear...

Aí começa toda a celeuma. Embora seja indiscutível a assimilação de Saint-Ex, ou Zé Perri, pela cultura local, há uma pequena corrente de defensores da ideia de que o escritor não esteve na ilha como creem muitos moradores. À frente dessa corrente está o engenheiro aposentado João Carlos Mosimann, estudioso do tema há mais de 20 anos. "Não há nenhum documento que prove que Saint-Exupéry tenha estado aqui tantas vezes. No dia em que houver, acredito nessa história."

Talvez o maior documento que comprove esta e outras histórias acerca de Saint-Ex ou do que surgiu de sua vasta imaginação seja, exatamente, a sua persistência na história. Saint-Ex, o pequeno príncipe ou mesmo Zé Perri não irão embora, eles viverão no coração dos seus admiradores, sejam pessoas grandes ou pequeninas.

Vejam abaixo o documentário da AMAB (Associação Memória da Aéropostale no Brasil) sobre a incrível história de Zé Perri (aprox. 48 min.):

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[1] Adquiram o e-book com minha tradução de O Pequeno Príncipe, pelo preço de um café!

Crédito da imagem: Google Image Search/raph

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7.11.14

Entre a esquerda e a direita

Com as manifestações de Junho de 2013, até hoje longe de terem sido compreendidas mesmo pelos mais proeminentes analistas políticos, tive a esperança de que o debate político tivesse uma nova “primavera” no Brasil, já que contamos com muitos jovens que mal viveram a época da Ditadura Militar, e talvez nunca tenham se dado conta do quão importante é um engajamento político genuíno – ainda que seja somente para arejar as ideias.

Por alguns meses, acreditei piamente que a Reforma Política voltaria ao centro do debate, e que o sistema de financiamento das eleições, que hoje são caríssimas, fosse discutido exaustivamente. Mas veio o segundo turno das eleições presidenciais deste ano como uma pá de cal em qualquer sonho que eu pudesse nutrir de um debate político mais construtivo e menos “desconstrutivo” (para usar um termo em voga entre os marqueteiros).

Foi então que me veio a mente a ideia de trazer de volta um formato de “debate” que utilizei aqui no Textos para Reflexão há alguns anos, quando convidei um ocultista (Marcelo Del Debbio) e um cético (Kentaro Mori) para falarem sobre espiritualidade e ciência. Desta feita, é claro, a minha ideia foi chamar dois debatedores para falar de Política – cada um representando um dos seus espectros ideológicos.

Nesta série, portanto, enviarei perguntas para que ambos os convidados respondam, sem que saibam previamente da resposta um do outro. Espero, com isso, poder demonstrar que o embate de ideias é não somente saudável, como extremamente necessário para a boa Política. Afinal, a política comprada pelos grandes corruptores não tem mais quase espaço para qualquer tipo de ideologia – é o que eu costumo chamar de Grande Negócio Eleitoral. E, também vale lembrar, o objetivo final do embate de ideias não é “exterminar” a opinião contrária – isto sim, seria uma Ditadura, quando alguém se presta a governar sem dar chance da oposição se manifestar.

Aqui ambos os convidados terão pleno espaço para a manifestação e, quem sabe até, algumas conclusões em comum. Bem, faltou somente apresentá-los:


Alfredo Carvalho é engenheiro civil e servidor público federal, com atuação em diversos empreendimentos de infraestrutura do país. Paralelamente, dedica-se ao estudo autodidata de temas em filosofia, religião, esoterismo e política, e é editor dos recém-criados Blog do Alfredo Carvalho e Editora Alta Cultura.

Igor Teo escreve para internet abordando temas como psicologia, espiritualismo e questões sociais. Academicamente, tem atuado tanto em pesquisa na área historiográfica, como em atendimento psicoterapêutico de orientação psicanalítica. É autor dos livros A terapêutica da palavra e Conhecendo a Psicanálise, publicados nas Edições Textos para Reflexão.

***

Antes de prosseguir, gostaria de deixar claro que não pretendo comentar nenhuma resposta da série, ao menos até o seu final (teremos 6 perguntas no total)... Depois pretendo publicar diversos artigos onde comentarei as respostas como um todo.

Vocês, no entanto, não têm porque se abster de comentar, e pensar, e divulgar. O debate político da vizinhança agradece!


Perguntas respondidas (6 de 6)
» O que são, afinal, a direita e a esquerda?
» Como trazer as ideologias de volta a política?
» Qual é a reforma fiscal ideal?
» Como blindar a democracia dos projetos de poder?
» É viável tornar o capitalismo sustentável?
» A quem interessa a polarização entre PT e PSDB?


Comentários gerais*
» Os comentários (parte 1)
» Os comentários (parte 2)
» Os comentários (parte 3)
» Os comentários (parte 4)
» Os comentários (parte 5)
» Os comentários (parte final)

(*) Obs.: Meus comentários não se referem a perguntas específicas da série, mas tratam de falar de todos os assuntos abordados, como um todo.


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» Baixe esta série inteira em formato e-book

» Veja também a série Reflexões Políticas

Crédito da foto [topo]: André Coelho/Agência O Globo (Manifestações de Junho de 2013, na capital do país)

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21.8.14

Marina e o Tao da Política

Quero me desculpar uma vez mais com os leitores por ter de me aventurar novamente na política, e mais precisamente no atual momento político do Brasil. Eu sempre tento evitar tocar no tema, mas desta vez não tive como me segurar, é algo que precisa sair de mim, transbordar em palavras... Portanto, como não sou nenhum especialista em ciências políticas, vou tratar do tema através do que eu entendo, e que a meu ver está em sua essência, o taoísmo (ou a arte de se perceber e compreender os opostos).

“Não sou nem de esquerda nem de direita”. Há muitos especialistas em ciências políticas que abominam quando alguém diz isto. Para os especialistas da chamada “direita”, denota algum grau de alienação. Para os especialistas da chamada “esquerda”, denota que “o sujeito é de direita, mas não quer admitir”. Então, vamos lá, eu admito, sou de Esquerda. Mas não a esquerda dos projetos de poder, não a esquerda do neofeudalismo, não a esquerda das revoluções pela força das armas...

Eu bem sei que o Che Guevara vende muitas camisetas, mas não posso concordar com ele quando diz que “há que endurecer, mas sem perder a ternura”. Para mim, não há como endurecer sem perder a ternura, uma coisa é totalmente incompatível com a outra. A Revolução que eu acredito não é armada, é a Revolução da liberdade das ideias, do compartilhamento de informações, da junção de etnias, culturas e visões de mundo diversas. Meu revolucionário não se chama Che, mas Aaron, Aaron Swartz, o homem do amanhã (que infelizmente, foi massacrado pelo mundo do ontem).

E, se eu sou de Esquerda, devo agradecer todos os dias por haver Direita. E devo respeitá-la quando o respeito é recíproco. Num país do século 21 onde não há oposição, onde não há visões contrárias, não há Política e tampouco liberdade. Há feudalismo (ou neofeudalismo), há sobretudo um grande resquício de Idade Média. Por outro lado, nem sempre os “sonhos de soberania do reinado” vêm do governo; tantas vezes vêm daqueles que controlam o sistema, a informação, e que se veem cada vez mais desesperados num século onde o conhecimento é cada vez mais livremente compartilhado, onde os pensamentos voam cada vez mais libertos.

“É somente porque há escuridão que sabemos o que é a luz. É somente porque há frio que sabemos o que é o calor. É somente porque há tempestade que sabemos o que é a tranquilidade”. Taoísmo básico. Uma eterna dança de opostos – e o mesmo, é claro, ocorre na Política. O problema está em associar o “bem” a um dos lados, e o “mal” ao outro. Os extremistas são grandes especialistas neste tipo de coisa, os verdadeiros mestres da falácia do “8 ou 80” – “ou está comigo, ou está contra mim”.

No entanto, é até estranho de se pensar, mas os extremistas necessitam ardentemente uns dos outros. Bin Laden necessitava ardentemente de George Bush, e vice versa. O Hamas necessita ardentemente de um governo de extrema direita em Israel, e vice versa. Até mesmo aqui pelo Brasil, como vimos nas manifestações populares de Junho de 2013 e nos meses subsequentes, os Black Blocs necessitavam ardentemente de uma polícia militarista e violenta, e vice versa... Um antigo rabino já havia resumido muito bem, “Quem com ferro fere, com ferro será ferido”.

O que muitos de nós que são seduzidos pelas extremidades não percebem é que os extremistas acabam por ajudar uns aos outros. O maior “mal” dos extremistas não é o “lado oposto”, mas o fim do conflito, o mundo dos moderados, dos pacíficos, dos mansos. Dizem que os mansos estão “em cima do muro”, que são “alienados” e etc. Um antigo andarilho (que também era muito manso) já havia resumido isto também:

“A alma vem primeiro. Se você não mudar o que a alma deseja, você irá apenas substituir a dominação romana por outra dominação, e nada nunca irá mudar. Primeiro você deve mudar o homem por dentro. Então o homem pode mudar o que está a sua volta. É o desejo de riquezas e poder que faz com que o homem queira dominar os outros. É o desejo que precisamos mudar, precisamos primeiro libertar a alma. Com amor.” [1]

Então chegamos ao atual momento político do país, onde dois partidos que vieram da mesma família ideológica brigam entre si como irmãos raivosos, e creem piamente que um é o oposto do outro. O irmão da “direita” acusa o outro de “haver tomado controle do parquinho, e não querer mais sair de jeito nenhum”; já o irmão da “esquerda” retruca que “todos os garotos ricos estão com vocês, e eles falam um monte de mentiras para tentar convencer os garotos pobres de que queremos controlar os brinquedos, e isso não é verdade!”.

A verdade... A verdade é uma coisa complicada em Política. Uma das principais razões da criação da Política e da Democracia, e que pareceu clara aos filósofos gregos, é que “ninguém é o dono da verdade, até mesmo porque não existe verdade absoluta”. Desta forma, a Política nasceu como forma de criar um diálogo muito necessário entre os pensamentos e crenças opostas, de forma que não seja necessária uma guerra ou matança para decidir quem, afinal, “tinha razão”. E, da mesma forma, os acordos servem para que a vontade da maioria seja realizada, sem que no entanto a vontade da minoria seja ignorada, ridicularizada, ou censurada...

O maior divertimento para quem, como eu, se equilibra na mureta do caminho do meio, é observar como as pessoas raivosas de um lado muitas vezes se comportam como o reflexo das pessoas raivosas do outro. Isto nunca foi tão evidente quanto quando Marina Silva surgiu como possibilidade de “terceira via” para o governo do Brasil.

Antes de mais nada, devo dizer que eu não voto em Marina no primeiro turno das eleições de 2014. Mas não deixo de votar nela porque a abomino, deixo de votar nela simplesmente porque acredito que exista um candidato imensamente superior a ela e a todos os demais, que se chama Eduardo Jorge. Eu poderia lhes trazer mais parágrafos e parágrafos explicando o motivo pelo qual Eduardo, assim como tantos outros bons candidatos que não abandonaram suas ideologias na Política do país, dificilmente vencerá alguma eleição enquanto não jogar o jogo do Grande Negócio Eleitoral, e aceitar os milhões de financiamento das empreiteiras e outras grandes empresas, e então ser eleito com o rabo preso (e etc.), mas acredito que isto todos vocês já estão cansados de saber. Então, prossigamos...

Quando Marina tentou criar sua Rede, preferiram liberar para o Kassab e encrencar com ela. Quando Marina se aliou a Eduardo Campos, disseram que “ela jamais aceitaria ser vice” e que “ela quer somente o poder”. Quando, finalmente, a tragédia em Santos nos privou da companhia do neto do grande Miguel Arraes na vida política brasileira, Marina despontou como possibilidade altamente viável para vencer as eleições para a presidência. E adivinhem o que ocorreu? Os extremistas passaram a acusá-la de “pertencer ao outro lado”. Eu não sei quanto a vocês, mas eu me divirto muito comparando frases como estas [2]:

“Depois de Collor de Mello e FHC, Marina é o novo ilusionismo da direita.” (Sergio Saraiva)

“Confesso ao leitor: tenho calafrios com a imagem de um segundo turno entre Dilma e Marina. É uma visão assustadora.” (Rodrigo Constantino)

Daqui a pouco podem ser grandes amigos...

Se é quase automático o repúdio da extrema direita a candidatura de Marina, é um tanto quanto irônico que muitos “direitistas” se vejam quase que obrigados a apoiá-la num segundo turno, por aparentemente (segundo as pesquisas de opinião) ser a única capaz de retirar a presidenta Dilma Rousseff do poder.

É mais hilário, no entanto, ver a extrema esquerda se comportar exatamente como a direita, só que para atacar uma adversária que, até outro dia, estava brincando no mesmo parquinho.

É hilário ver as línguas venenosas nos blogs chapa branca e nas redes antissociais alertarem para “a teocracia evangélica que se aproxima”, enquanto quase que ao mesmo tempo, vemos Dilma se dirigir nestes termos aos religiosos da Assembleia de Deus [3]:

“O Brasil é um Estado laico, mas, citando um salmo de Davi, eu queria dizer que feliz é a nação cujo Deus é o Senhor.” (Dilma Rousseff)

Eu quero crer que Dilma estava apenas lendo um discurso do seu “marqueteiro” de campanha. Pois além da frase já não fazer o menor sentido, denota no mínimo um grau enorme de falsidade, considerando que a presidenta sempre foi, para dizer o mínimo, “católica não praticante”. O que o Grande Negócio Eleitoral não faz pelas ideologias e as crenças dos políticos...

Agora, vejamos o que a própria Marina, que sempre foi extremamente religiosa (só que de verdade: antes católica, e depois evangélica), tem a dizer sobre a relação entre a fé e o Estado [4]:

“Eu acho que a grande conquista do nosso país é ser um Estado Laico. Um Estado Laico não pode ser confundido com um estado ateu. Um Estado Laico serve para defender os direitos de quem crê e de quem não crê. E a construção da laicidade do Estado é uma construção da Reforma Protestante, é uma pena que as pessoas tenham esquecido disso. Havia uma Igreja oficial que na época estava intimamente ligada ao Estado, e esta foi uma grande contribuição do protestantismo, o conceito de separação entre Igreja e Estado.” (Marina Silva)

Então, Marina é conta às pesquisas com células-tronco? Contra a legalização do aborto? Contra o casamento gay? Muito provavelmente... Porém, ao contrário de outros políticos de ideologias maquiadas pelo marketing eleitoral, ela **sempre** defendeu suas convicções, e não mudou de ideia para ganhar votos. Da mesma forma, nada, absolutamente nada, indica que o fato de ela ser eleita acarretará no arquivamento ditatorial destas ideias. Ela pode fazer plebiscitos (aliás, como Dilma propõe em muitas áreas essenciais), vetar de forma ditatorial, jamais (e ainda que fosse o caso, o próprio PT, na oposição, ajudaria em muito a derrubar qualquer veto do tipo).

Finalmente, temos o costumeiro ataque da “esquerda” que visa associar Marina aos grandes empresários e banqueiros, como se isto por si só fizesse dela uma “bruxa do mal”... Quanto a esta última questão, prefiro deixar uma frase do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva para que reflitam, e aproveito para encerrar esta minha breve excursão pelo pântano da política brasileira [5]:

“Não tem lugar no mundo onde o [banco] Santander esteja ganhando mais dinheiro que no Brasil” (ex-presidente Lula)

***

[1] Em realidade um trecho de A última tentação de Cristo, de Nikos Kazantzakis. Porém, acho verossímil que Jesus tivesse uma visão parecida. Em todo caso, o que importa aqui é a mensagem em si.

[2] Escolhi dois jornalistas que dão voz a opiniões de extrema esquerda (Luis Nassif Online) e extrema direita (Rodrigo Constantino/Veja). Não quero aqui fazer nenhum tipo de comparação entre eles para além disso. A frase de Saraiva foi retirada do artigo O discreto charme de Marina Silva, publicado no blog de Luis Nassif. A frase de Contantino foi retirada de sua coluna para a Veja, intitulada Marina vem aí? Ou: A Rede da demagogia.

[3] Fonte: Reuters Brasil.

[4] Retirado de vídeo que anda viralizando no YouTube, intitulado Marina Silva - Democracia, laicidade e não preconceito (o trecho inicia em torno de 01:45). Fiz uma ligeira adaptação ao final para deixar mais clara a citação.

[5] Fonte: Estadão. O ex-presidente Lula citava o episódio envolvendo o banco Santander, que emitiu, uma semana antes, um comunicado sugerindo que se a presidente Dilma Rousseff fosse reeleita haveria uma deterioração na economia brasileira.

Crédito das imagens: [topo] raph (montagem com imagens de Che Guevara e Aaron Swartz); [ao longo] raph (montagem em cima de cartaz do filme Malévola da Disney, com Angelia Jolie)

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