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26.11.24

Hafiz, aquele que fala do que nos transcende

O amor não tem limites, é eterno, é para sempre.

Hafiz acreditava no amor como a causa de todas as coisas.

Khwaja Shamsuddin Mohammad Hafiz Shirazi (c. 1315 – 1390), conhecido como Hafiz, é um dos mais célebres poetas persas, cujos poemas capturaram os corações e as mentes de inúmeras pessoas ao longo dos séculos. Sua coleção de poemas acerca do amor rivaliza tão somente com Jalal ud-Din Rumi em termos de popularidade e influência (Rumi foi um poeta místico do séc. XIII que viveu na atual Turquia).

A energia mística do amor e da paixão em seus poemas tem sido uma fonte de inspiração para muitos poetas, compositores e artistas em geral. A poesia de Hafiz é um precioso tesouro de riquezas simbólicas, mas também traz consigo uma paradoxal ambiguidade de imagens. Ele se vale de tais ferramentas para transmitir as emoções mais profundas da melhor maneira possível.

As odes de Hafiz, conhecidas como gazeis (ou gazals), são muitas vezes carregadas de emoções variadas, e revelam o poeta na sua busca por Allah (ou Deus) em sua própria alma.

Ó belo garçom,
traga a taça de vinho,
coloque-a em meus lábios.

A via do amor parecia fácil em seu início,
mas o que surgiu dela
foram as mais diversas provações.

Hafiz foi um escritor e cientista que viveu na cidade de Shiraz (no atual Irã) no séc. XIV, quando ela fazia parte do antigo reino persa. O nome de seu pai era Baha ud-Din Muhammad, um comerciante de carvão, mas ele morreu de forma trágica quando o poeta ainda era uma criança. Em sua adolescência, Hafiz foi aprendiz de padeiro e viveu uma vida cheia de dificuldades junto com a mãe. Com o tempo, no entanto, ele dominou todos os aspectos religiosos e científicos ao seu alcance, de modo que no início da fase adulta ele já era reconhecido como um grande expoente da literatura e das ciências em toda a região.

É interessante saber que ele havia memorizado por completo o Alcorão, o livro sagrado do Islam, e foi justamente por isso que lhe deram o nome de Hafiz, cuja tradução é “memorizador”.

Ele também era conhecido como Lesan Al-Ghayb, ou “aquele que fala sobre o oculto, o desconhecido, o que nos transcende” (séculos depois, o criador da série de ficção científica Duna, Frank Herbert, emprestou esse conceito para o personagem principal da trama). Hafiz parecia falar daquilo que existe além das palavras.

Um cavaleiro sombrio, o medo das ondas,
um redemoinho tão implacável!
Como pode o fardo tão leve das praias
saber da angústia em nossas profundezas?

A visão de mundo do poeta é inseparável do contexto do Islam medieval, assim como do gênero da poesia de amor persa, mas ainda assim é impossível defini-lo com exatidão. Hafiz é um místico que zomba dos místicos. Ele é conhecido como aquele que compreendeu o Alcorão com o coração, e mesmo assim não se cansa de fazer graça com a hipocrisia dos religiosos. Ele demonstra sua própria vocação espiritual, enquanto sua poesia está repleta de referências à intoxicação do vinho, algo que pode ser literal para alguns, e puramente simbólico para outros.

Vá, vá e cuide dos seus próprios assuntos.
Por que você me culpa?
Meu coração se rendeu ao amor,
o que você sabe sobre tal rendição?

O aspecto mais sublime da poesia de Hafiz é justamente a sua ambiguidade. Em seus poemas, os temas são organizados de forma tão intrincada que podem ter diferentes impactos na alma do leitor, de acordo com o seu estado emocional no ato da leitura.

Muitos dos seus poemas são até hoje usados como provérbios e ditados, sobretudo na região da antiga Pérsia, atual Irã. Já o seu senso travesso de ironia atraiu muitos poetas e compositores ocidentais ao longo dos séculos – incluindo Goethe, Brahms e Wagner.

O Divan (termo persa que significa literalmente “coleção de poemas”) de Hafiz contém 500 sonetos, 42 quadras e diversas odes que ele escreveu ao longo de meio século. Ele foi publicado em dezenas de variações, sendo improvável que qualquer uma delas possua de fato a totalidade de sua obra poética.

O seu túmulo está localizado ao norte de Shiraz, em um belo monumento cercado de bosques, onde a fragrância das flores se faz presente na maior parte do ano. Nos dias atuais, é uma das atrações turísticas mais importantes e visitadas do Irã.

Hafiz acreditava que o caminho para Allah residia nos mistérios do amor. Para ele, o amor não apenas criou este mundo, como é a resposta para todas as questões que afligem nossa alma.

Eu segui pelo meu próprio caminho no amor,
e hoje tenho uma má reputação.
Mas como poderia um segredo permanecer oculto,
se rodasse pelas línguas de todas as rodas de fofoca?

Se é a presença do Amado o que busca, Hafiz,
por que se importar com o que dirão de ti?
Permaneça junto Aquele que reside em seu coração,
deixe de lado os delírios de grandeza.

***

Após ter lançado dois livros com poemas de Rumi selecionados e traduzidos de versões inglesas, chegou a hora de mergulhar na poesia de Hafiz. Ao longo de 2025 estarei intercalando outras traduções com mais uma jornada no misticismo sufi. Assim que tiver mais notícias, trarei aqui no blog.

Rafael Arrais

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Crédito das imagens: Mahmoud Farshchian (artista iraniano inspirado pela obra de Hafiz)

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11.11.24

Lançamento: Raízes do Estoicismo (os clássicos de Sêneca, Epicteto e Marco Aurélio)

As Edições Textos para Reflexão lançam o seu primeiro box de filosofia estoica.

O estoicismo ficou conhecido como a filosofia que ajuda as pessoas a atravessarem momentos de crise, mas em realidade vai muito além disso: ensina-nos a viver. Esta edição traz traduções comentadas das principais obras do estoicismo: dois dos mais celebrados textos de Sêneca, o Manual de Epicteto e as Meditações do imperador Marco Aurélio.

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