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6.4.15

Lançamento: A espiritualidade do dia a dia

As Edições Textos para Reflexão retornam com nosso primeiro livro em coautoria.

Em A espiritualidade do dia a dia, Marco Marcon, teólogo e ex-participante do BBB15, convida Rafael Arrais, autor deste blog, para um diálogo acerca de Deus, do sentido da vida, da fé, da espiritualidade e do sacrifício.

Um livro já disponível nas versões digital (Amazon Kindle) e impressa (Clube de Autores):

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(*) Obs.: Recomendamos que realizem a compra no Clube de Autores através de um Laptop ou PC, pois o site tem problemas com a versão para celulares e tablets. Podemos garantir que a compra é segura.

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A seguir, um trecho da Introdução da obra:

Por muitos anos eu assisti o Big Brother Brasil, da Rede Globo, esperançoso que em meio às intrigas e fofocas, e a despeito de ser um jogo social, alguns participantes mais esclarecidos pudessem levantar temas importantes para o debate nacional, ou que falassem de arte, filosofia, religião etc.

Quando meu amigo, Marco Marcon, foi chamado para o programa deste ano de 2015, achei que minha esperança finalmente se concretizaria. Afinal, eu já havia conversado com ele sobre a mística católica [1] e diversos outros assuntos espirituais, filosóficos e até mesmo políticos, e eu sabia que ali estava, enfim, “um sujeito esclarecido no BBB”.

Mas me decepcionei de início. Percebi que seria praticamente impossível que algum assunto mais profundo pudesse ser discutido após os participantes passarem a madrugada enfurnados num carro. Então, num belo dia (na verdade, numa noite) eu sintonizei no canal Multishow da minha TV a cabo e, durante cerca de 15 minutos de transmissão ao vivo da casa, pude apreciar um belo diálogo sobre a arte sacra no país, entre Marco, seu amigo poeta, Adrilles, e o casal Fernando e Aline.

A conversa, que falava sobre como a experiência da contemplação da arte, particularmente a arte sagrada, não poderia ser “normatizada” pela razão, nem tampouco ser descrita em palavras, mas tão somente vivenciada, não devia em nada a documentários sobre o tema, ou mesmo a entrevistas com especialistas. Finalmente, um assunto realmente profundo dentro do BBB...

Mas nenhum segundo desses 15 minutos jamais entrou na edição do programa para a TV aberta. Ali de fato percebi que o BBB não era exatamente o habitat natural de alguém como meu amigo Marco: ele havia entrado ali para plantar uma semente.

Eu me chamo Rafael Arrais e, assim como Marco, tenho tentado plantar sementes. Sei bem que não podemos obrigar as pessoas a gostarem de filosofia, muito menos as evangelizar forçadamente a alguma doutrina religiosa. Tais gestos brutos podem até mesmo reproduzir um exército de clones, ou seja, pessoas que pensam aquilo que lhes mandaram pensar. A nossa missão é um tanto mais complexa: precisamos plantar sementes para que as pessoas aprendam a pensar e sentir por si mesmas. É uma tarefa árdua, que exige muitos sacrifícios de ambas as partes envolvidas. De fato, a espiritualidade genuína necessita ser plantada e regada, constantemente praticada, dia após dia, mas é a única arte verdadeiramente recompensadora...

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[1] Eu e Marco já participamos do Hangout Gnóstico sobre o misticismo católico e o Papa Francisco.


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22.2.10

BBB: Cativeiro social

Há muito tempo que os “intelectuais de plantão” se questionam como os reality shows alcançaram tanto sucesso na televisão mundial e, da mesma forma, na brasileira. Infelizmente não podemos nos orgulhar do nível intelectual do nosso programa mais longevo no ramo, o Big Brother Brasil – se, nessas dez edições, conseguimos completar um único dia de conversas consistentes sobre artes, filosofia, ciência ou religião, terá sido muito. Na maior parte do tempo o BBB mais parece uma novela onde os “mocinhos” tentam chegar a um “final feliz”, enquanto os “bandidos” tem seu momento de trunfo, mas sempre são eliminados ao final.

E porque será que gostamos tanto, enquanto sociedade e audiência televisiva, de observar a vida alheia e suas relações sociais – sejam ou não uma “realidade”? Porque será que certas pessoas da camada mais humilde da população chegam até a confundir realidade e ficção quando, ao encontrar pessoalmente um ator ou atriz que fazem algum papel de destaque em uma novela, os alertam para “tomar cuidado com o bandido” ou os atacam por serem eles mesmos os “bandidos” da história?

Talvez a resposta seja “que não temos escolha, pois está em nossos genes” [1]: Segundo a antropologia moderna, a empatia e a imitação talvez tenham sido a base do mecanismo que nos tornou humanos. Ao observarem outras pessoas em seu grupo social, nossos ancestrais começaram a tentar desvendar o que se passava em suas mentes – e, para tal, tiveram que imaginar cada qual como um indivíduo em separado. Segundo a teoria da mente, pela primeira vez nossos ancestrais adquiriram a capacidade de julgar a intencionalidade de outro indivíduo, passando a “pensar como se fossem outra pessoa”, na tentativa de antever suas ações.

Steven Mithen, em seu célebre livro “A pré-história da mente”, teoriza que os hominídeos pré-humanos apresentaram variadas gradações de módulos de inteligência – a inteligência geral, a naturalista, a técnica e a social. Porém, somente nos homo sapiens esses módulos da mente se unificaram em um único grande conjunto, de modo a possibilitar o surgimento da cultura, da arte e da religião humanas. No entanto, observando outras espécies ainda próximas em nosso galho evolutivo, como bonobos e chimpanzés, sabemos que de todos esses módulos, o que mais contribuiu na evolução cognitiva da mente humana foi, sem dúvida, o social.

Nas relações tribais antigas, sabemos que infelizmente estivemos muito mais próximos dos chimpanzés, e sua organização hierárquica em torno dos machos alfa, do que dos bonobos, e sua organização anárquica em torno da troca de favores sexuais, que apesar de escandalizar muitos “moralistas de plantão”, é sim muito benéfica no sentido de amenizar – ou até mesmo, erradicar – a violência entre os membros da mesma tribo, e inclusive entre tribos diferentes. Sim, ao contrário dos bonobos, não resolvemos nossas desavenças com sexo, e sim com força bruta – ou pelo menos assim tem sido nos últimos milhares de anos.

Porém, acima de tudo, sabemos que as relações sociais são baseadas primordialmente em confiança e desconfiança, em alianças e traições. Isso tem sido válido desde as primeiras tribos de hominídeos no sul da África até aos grandes impérios erguidos por seus descendentes, que atreveram-se a cruzar o Oriente Médio e eventualmente alcançar o restante do mundo. Nas relações tribais, muitos defeitos são relevados, mas quase nunca a falsidade e a dissimulação: todo chefe tribal e todo homo sapiens bem sucedido em relações sociais há que ter desenvolvido, em todos esses anos, uma capacidade sem igual de julgar as intenções alheias. Uma expressão falsa, um olhar dissimulado, um sorriso amarelo, e toda a nossa desconfiança entra em ação – algumas vezes, sem necessidade.

Mas nem sempre podemos estar cientes das intenções alheias. Ficamos preocupados, principalmente, em procurar compreender o que os outros pensam e falam sobre nós quando não estão em nossa presença. Nas relações tribais, a intriga e o jogo de alianças podem significar a sobrevivência do indivíduo e seu grupo de amigos. Como então estar à par do que os outros – principalmente os grupos rivais – pensam de nós?

Estima-se que, ainda na época atual, as pessoas passem em torno de 2/3 de seu tempo de interação com outras pessoas falando sobre assuntos de cunho social – ou, em outras palavras, fofocando [2]. Isso surpreendeu até mesmo os maiores entusiastas da psicologia evolutiva. E a explicação para isso é simples: foi através de nossas interações sociais ancestrais, desde as pequenas tribos africanas de onde viemos, que desenvolvemos a linguagem. E a linguagem sim, é o grande catalisador de tudo o que veio depois.

Ainda que mal saibamos nos expressar em bom português (ou no idioma nativo de cada um), é através da análise minuciosa das “sutilezas” da linguagem que nos tornamos animais com módulos de inteligência social especializados. É preciso não só compreender o que é falado, mas também reconhecer o tom de voz, a intencionalidade das expressões, a sinceridade do olhar, etc.

Mesmo com os esforços quase épicos de Pedro Bial, é muito difícil que um dia o BBB se torne um Café Filosófico [3]... Entretanto, não é sem razão que este jogo de cativeiro social nos atrai tanto, contanto que traga os ingredientse que nos excitam as idéias e memórias ancestrais: intrigas, alianças, traições, julgamentos, etc.

Ao contrário das novelas, e ironicamente mais próximo da mitologia, os reality shows raramente trazem personagens que podem ser reduzidos a “mocinhos” e “bandidos”. No uso de suas máscaras de personalidade, no entanto, os mais aptos são aqueles que, apesar de seus inúmeros defeitos morais, se mostram mais alinhados com a coerência e retidão de suas ações, mais fiéis aos amigos e menos dissimulados para com os oponentes. Apesar do peso do carisma e de um sorriso verdadeiro, não há quem sobreviva na tribo sendo falso; e por isso até hoje, após tantos anos, ainda somos capazes de nos irritar tanto com a falsidade.

Seguindo uma lógica parecida, podemos também compreender porque geralmente os excluídos da tribo são os que despertam a maior compaixão do público. Em nossos genes talvez ronde o horror que nossos ancestrais sentiram ao se encontrar nessa posição, sozinhos em meio a natureza selvagem, sem o seu grupo de caça, e dependendo apenas de si mesmos – e de seus deuses – para sobreviver. No BBB, o público faz o papel "divino" de interceder e mudar a história dos excluídos e injustiçados. Nesse caso, a voz do povo é realmente "a voz de deus".

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[1] Na verdade, não exatamente, mas isso é uma outra história...

[2] Segundo a série de documentários “Evolução”, da NOVA, lançada no Brasil pela editora Duetto.

[3] Meu programa preferido na televisão aberta, da TV Cultura.

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Crédito da foto: Divulgação (Pedro Bial, apresentador e jornalista).

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22.3.07

Big Brother

Muitos criticam o Big Brother, dizendo se tratar de um programa que não acrescenta nem um pouco de cultura para seus telespectadores. Realmente, de cultura em geral não acrescenta muita coisa, mas de entendimento das relações humanas pode acrescentar bastante... Por mais dissimulados que os participantes sejam, e por mais que se trate de um jogo com um prêmio em dinheiro, poder observar as interações humanas e as qualidades, defeitos e preconceitos de nós mesmos enquanto sociedade, sempre me pareceu pelo menos digno de reflexão.

Mas minha reflexão se dá num plano bem maior. É muito comum no programa os participantes falarem um coisa enquanto face a face, e outra por trás, esquecendo que estão sendo filmados todo o tempo. Também é bastante peculiar como muitas vezes tentam esconder suas verdadeiras naturezas, tentando conquistar a simpatia do público, apenas para falhar miseravelmente... Interessante também notar que são extamente aqueles que agem com mais naturalidade, como se pudessem aceitar tanto ganhar quanto perder, que acabam chegando nos últimos dias do programa.

Pois imaginemos então... Se em nossas casas e nossa escola ou trabalho, estivessemos sendo vigiados por câmeras todo o tempo também, e que tudo o que falássemos ou sentissemos fosse sempre evidente para quem quer que esteja nos assistindo, mesmo que esses que nos assistem não possam interferir diretamente em nossa vida. Gostaríamos de nos fazer passar por "mocinhos" para esses tais, mesmo que em nosso íntimo soubéssemos que temos mesmo nossos defeitos?

Será que valeria a pena criar uma máscara para esconder nosso verdadeiro eu? Ou não seria melhor que todos nos enxergassem exatamente como somos, de modo que apenas aqueles que realmente se identicassem conosco, ou que pelo menos quisessem verdadeiramente nos ajudar a evoluir, se aproximariam de nós? De que adiantaria colocarmos máscaras e viver uma vida irreal se lá em nosso íntimo saberíamos sempre exatamente onde estamos?

Talvez nós sejamos os telespectadores de nós mesmos, e talvez devessemos sim assumir que temos sim grandes defeitos, mas que admiti-los e mostra-los é muitas vezes a melhor forma de extermina-los de nossas vidas, de nosso íntimo... E, mesmo que não nos sintamos aptos a tal julgamento, talvez existam telespectadores mais evoluidos que nós, que enxergam tudo o que há e sempre esteve por trás de nossas máscaras.

Escrito, manchado em nossas almas, está todo o bem e todo mal que podemos irradiar, e não há máscara que possa esconde-los por muito tempo, nem completamente de tudo e de todos. Saibamos que estamos sim sendo vigiados eternamente, as vezes por nós mesmos, mas sempre por aqueles que querem o nosso bem, e precisam encontrar a melhor forma de nos colocar no caminho adiante.

O Big Brother é aqui e agora, é tempo de deixar as máscaras cairem e assumir que nós somos responsáveis por nós mesmos, e por tudo de bom e ruim que trazemos a este mundo... Que, seja bom ou mal, todo aquele que assume a si mesmo verdadeiramente estará na via da remediação e da construção de sua própria história... Assim sendo, não há como temer nenhum "paredão" vindouro.

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