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21.12.15

Estudos

Hoje eu estudo,
sobretudo,
essa tal eterialidade
da luz da cidade
que atravessa a janela
e ilumina os seios dela,
sem no entanto nada tocar,
nada encostar,
exatamente como se dá
com o meu olhar...

E ainda que eu fosse até seu leito
me encostar em seu peito,
e assim, corpo a corpo,
sentir sua respiração,
e escutar o ritmo de seu coração,
ainda não haveria um átomo sequer
a se chocar,
nenhuma explosão,
nenhum incidente nuclear...

Hoje eu estudo,
sobretudo,
essa fantasmagoria
de tudo que há;
tudo o que foi ou seria,
o que é ou poderia,
tudo o que baila pelo ar,
e como um perfume perene
nos incita a voar,
a subir, nos elevar,
e flutuar e dançar
junto a todos os momentos
e pensamentos da imensidão:
tudo que existe é imaginação,
o todo é mente,
e tudo o que vemos
é informação.


raph'15

***

Crédito da imagem: Serge Marshennikov

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11.12.15

Jesus na Índia

Suponha que você seja um detetive, e se depara com um caso incomum. Não se trata de um caso de identidade incerta ou de pessoa desaparecida; trata-se de um histórico incerto, de anos sem qualquer tipo de registro, onde os detalhes são poucos... Dia de nascimento: desconhecido. Ano de nascimento: desconhecido; presumido entre 8 e 4 a.C. Lugar de nascimento: incerto; acredita-se que seja Belém.

No entanto, a história da humanidade é dividida pelo seu nascimento: antes de Cristo, depois de Cristo... Este não é um caso simples, é uma investigação sobre a vida de uma das pessoas mais influentes da História. Agora você já deve saber no que está se metendo...

É assim que Edward Martin inicia a narração do seu instigante documentário sobre os chamados “anos perdidos” da vida de Jesus de Nazaré, isto é, tudo o que pode ter ocorrido durante os cerca de 18 anos de sua vida que simplesmente não aparecem em nenhum trecho do Novo Testamento.

De fato, só há um único episódio da infância de Jesus, relatado em Lucas 2:42-51, onde o garoto, então com meros 12 anos, é encontrado pelos pais num templo de Jerusalém (após haver se perdido por alguns dias), conversando com rabinos mais velhos, enquanto “todos os que o ouviam admiravam a sua inteligência e respostas”. Logo depois, em Lucas 3, já está adulto, sendo batizado por João Batista.

Uma das hipóteses “que se recusa a morrer” acerca do que teria feito Jesus nessas quase duas décadas de intervalo é a que afirma que ele rumou para a Índia, onde se instruiu tanto no hinduísmo quanto no budismo com grandes mestres, e depois retornou para reformar o judaísmo.

Na época de Jesus, se alguém quisesse sair de Israel para aprender sobre outros costumes, culturas e religiões em regiões mais afastadas, a rota mais segura e conhecida sem dúvida seria a chamada Rota da Seda, que já existia há milhares de anos, principalmente em sua via terrestre. Ora, esta rota terminava precisamente no coração da Índia, e podia ser feita a pé, ou na carona de caravanas de mercadores. A hipótese, portanto, é bem mais verossímil do que parece a primeira vista.

Mas há mais: no final do século 19, o jornalista e explorador russo Nicolas Notovich disse haver encontrado manuscritos milenares no Tibete, dentre os quais um chamado A Vida do Santo Issa, que ele traduziu e publicou no Ocidente. Ora, Issa é o nome de Jesus no Oriente e também entre os muçulmanos [1].

Até hoje acusam Notovich de haver inventado a história toda, pois os manuscritos originais nunca foram encontrados. No entanto, fato é que em pleno século 21 ainda circulam muitas “lendas” acerca da passagem de Jesus pela Índia. Será que podemos deduzir, neste caso, que “onde há fumaça, há fogo”?

Isso é o que esse documentário investigativo tenta descobrir. Apesar de se arrastar nalguns momentos e de ser bem mais longo do que merecia, tem a vantagem de praticamente esgotar o assunto, e ainda fazer um belíssimo elogio ao ecumenismo, já pelo final... Assistam com a alma aberta. Feliz Natal, e Namastê!

***

[1] Apesar da grafia diferente, Jesus, Issa (ou Isa) e Yeshua (seu nome original em hebraico) provavelmente tinham pronúncias muito parecidas há milênios atrás. “Jesus” poderia ter o “J” pronunciado como “IÊ”, formando algo como “Iêzu”, nada tão distante de “Yeshu”. Já “Issa” pode ter surgido da mistura com as pronúncias árabes e/ou persas.

Crédito da imagem: Google Image Search

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9.12.15

Memes para reflexão, parte final

« continuando da parte 4

(clique nas imagens abaixo para abri-las em nossa galeria de memes no Facebook)

De que adianta ser um mestre?
Há uma ideia recorrente de uma visão superficial do misticismo que vê o mestre espiritual como um grande ser iluminado, digno de toda reverência, cujos ensinamentos praticamente não podem ser questionados... Mas em quê exatamente isso auxilia o cominho dos discípulos do mestre, e do próprio mestre?

Nenhum mestre chamaria a si mesmo de mestre, pois sabe que, se chegou aonde chegou, foi não somente pelo auxílio dos caminhantes de outrora, como pela lenta lapidação de si mesmo, da própria alma, um pensamento de cada vez, um passo de cada vez.

E, se aceita que outros lhe chamem assim, “mestre”, é porque sabe muito bem que houve época em sua andança espiritual em que ele mesmo também teve a necessidade de crer que existia algum guru espiritual que o pegaria pela mão e caminharia junto dele, sem que houvesse necessidade de ir a fundo de si mesmo, e encarar a própria sombra, os próprios medos, as próprias culpas, inteiramente só...

Mas então, depois que descobriu que não existem mestres, e que cada um só pode mesmo ser o mestre de si, também passou, quase que na mesma passada, a compreender que o único mestre é o amor:

Pois o amor é paciente, o amor é gentil. Ele não é ciumento, nem invejoso, nem soberbo, nem rancoroso. Ele sempre aguarda; ele sempre confia; ele sempre persiste; e ele jamais acaba. (Paulo de Tarso, Carta aos Coríntios)

É assim que podemos conhecer a fundo toda exegese bíblica, uma centena de mantras hindus, todas as nobres verdades de Buda e tudo o que se comentou sobre elas ao longo dos séculos, toda a filosofia grega, toda a simbologia do tarô, toda a história da ciência moderna, e muito mais, mas, sem a vivência de tais conhecimentos, sem a conexão com a essência da realidade, sem o mergulho íntimo nesse amor eterno, o que seríamos? Seríamos realmente mestres de alguma coisa?

É assim que chegamos a este meme de Yoda, um mestre jedi que também não chama a si mesmo de mestre, e que é a própria imagem da força espiritual: ela vem de dentro, não de fora. Ela é oculta, não aparente. E ela jamais acaba...

Pertencer a uma Ordem Iniciática não faz de você uma pessoa melhor;
ter muitos conhecimentos magísticos não faz de você uma pessoa melhor;
estar em uma religião não faz de você uma pessoa melhor;
ser uma pessoa melhor faz de você uma pessoa melhor.
(Frater Alef)


O que pode ser mudado
Recentemente surgiu nas redes sociais uma espécie de movimento filosófico  que prega o “ficar de boas”, ou seja, o “estar em paz com a vida”. Ele foi chamado, como muitos devem saber, deboísmo.

O que nem todos devem saber, no entanto, é que o sucesso do deboísmo se deve em grande parte a sua similaridade com outra corrente filosófica muito mais antiga, o estoicismo:

Este mundo é uma única cidade, a substância da qual ele é feito é una e, necessariamente, existe uma revolução periódica, os seres cedem lugar uns aos outros, uns se dissolvem enquanto outros aparecem, uns estão fixos e outros em movimento. Tudo está repleto de amigos, antes de tudo os deuses, em seguida os homens que a natureza uniu intimamente uns aos outros. Uns são dados a viver juntos, outros a se separar; é preciso regozijar-se por estar juntos, e não se afligir por dever se separar. O homem, além de sua grandeza natural e de sua faculdade de desprezar o que não depende da sua escolha, possui ainda esta propriedade de não criar raízes e de não estar amarrado à terra, mas de ir de um lugar a outro, seja pressionado pelas necessidades, seja simplesmente para poder contemplar. (Discursos de Epicteto, III, 24)

A condição principal para a pacificação da alma, tanto no estoicismo como em diversas outras correntes filosóficas e/ou religiosas, é justamente a compreensão de que somos apenas pequenos atores em uma peça teatral cujo roteiro supera em muito a nossa atual compreensão. Não nos cabe querer dirigir o que não compreendemos, e ademais seria inútil tentar: há sim muitas coisas que escapam ao nosso controle, a nossa decisão, ao nosso poder.

Mas é justamente nesse “deixar levar” das coisas que não temos realmente controle que nós passamos a voltar nosso foco mental, nossa atenção, para aquilo que é realmente importante, aquilo que podemos mudar: a nossa reação interna, a forma como interpretamos o mundo; em suma, cada um de nossos pensamentos que surge, genuinamente, de nossa mente, de nossa alma, e que “não veio de fora para nos importunar”.

E é precisamente nesse entendimento, nessa compreensão do que pode e do que não pode ser mudado, que iniciamos finalmente na via da sabedoria; e então, se a total pacificação da alma pode ainda se encontrar distante, fato é que a cada passo neste caminho nos tornamos mais confiantes, mais tranquilos, mais “deboas”...

As coisas se dividem em duas: as que dependem de nós e as que não dependem de nós. Dependem de nós o que se pensa de alguma coisa, a inclinação, o desejo, a aversão e, em uma palavra, tudo o que é obra nossa. Não dependem de nós o corpo, a posse, a opinião dos outros, as funções públicas, e, numa palavra, tudo o que não é obra nossa. O que depende de nós é, por natureza, livre, sem impedimento, sem contrariedade, enquanto o que não depende de nós é fraco, escravo, sujeito a impedimento, estranho. (Manual de Epicteto, I)


Deuses dançarinos
Uma vez Friedrich Nietzsche, o grandioso bigodudo da filosofia alemã, disse que “só poderia crer num Deus que soubesse dançar”.

O que o alemão criticava não era a religiosidade, tampouco a espiritualidade poética de deuses dançarinos, mas antes a sisudez e a ortodoxia do cristianismo de sua época, em que os fiéis se abstinham quase que totalmente de suas experiências místicas, de suas danças sagradas, para reler os relatos antigos das experiências dos outros, de muitos séculos atrás.

Fato é que o cristianismo, de lá para cá, acabou realmente se tornando menos sisudo, menos ortodoxo, e mais carismático, em muitos sentidos, e talvez isso agradasse Nietzsche... Ele certamente preferiria dançar ao lado de Jesus do que ouvir a uma missa, se levantando, sentando e gesticulando junto com os demais, em momentos pré-estabelecidos.

No fundo, o que este e os demais memes quiseram lhes trazer é tão somente uma reflexão bem humorada acerca de tais assuntos transcendentes. Levar a vida muito a sério, sem dançar de vez em quando, não parece ser o caminho mais eficiente para a espiritualidade...

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Crédito das imagens: Raph/Google Image Search

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3.12.15

O amigo terrorista

Na Arábia Saudita, o cinema é proibido, e não há escolas de arte. No entanto, sabe-se lá como, há uma cena artística saudita que vem crescendo e se tornando cada vez mais ativa na crítica ao regime monarquista.

Apesar do governo saudita tentar abafar ao máximo tudo o que ocorre dentro de seu território que atenta flagrantemente contra os direitos humanos, está cada vez mais difícil esconder absolutamente tudo... Recentemente um caso em particular criou certa comoção online – nele, um poeta foi condenado à morte:

Um tribunal saudita ordenou no final de Novembro (2015) a execução de Ashraf Fayadh, poeta palestino que vive na Arábia como refugiado. Ele tem agora pouco menos de 30 dias para recorrer da decisão. Mas ativistas que vêm acompanhando o processo contam que no momento lhe é vedado o acesso a representantes legais, e todas as visitas são proibidas.

Com 35 anos, Fayadh é um dos responsáveis pela associação cultural e artística Edge of Arabia, e já organizou várias exposições na Europa, inclusive na Bienal de Veneza, mas foi a sua poesia que o levou à prisão, primeiro em Agosto de 2013, e novamente em Janeiro de 2014.

Em Maio de 2014, um tribunal de Abha, no sudoeste da Arábia Saudita, condenou-o a quatro anos de prisão e 800 chicotadas. Mas Fayadh voltou a ser julgado no mês passado e um novo juiz resolveu lhe condenar à morte após ler trechos do seu livro de poemas publicado em 2008, cujo título pode ser traduzido para algo como Instruções no Interior.

A forma brutal com a qual a justiça saudita costuma aplicar sua pena capital – usualmente decapitações –, aliada ao fato de termos um poeta condenado a esse tipo de pena, levou muitos internautas europeus a denunciarem o caso no twitter. Um britânico chegou a comparar a Arábia Saudita ao Estado Islâmico, e o governo saudita ameaçou processá-lo.

De fato, se pararmos para uma rápida reflexão, poderemos constatar que a grande diferença entre o Estado Islâmico e a Arábia Saudita é o fato do primeiro ser considerado um estado não oficial, terrorista, e o último ser, basicamente, um aliado do Ocidente, uma espécie de “amigo terrorista” com quem ninguém quer realmente criar problema. E, claro, ambos se declaram islâmicos, mas certamente usam isso, hoje em dia, mais para justificar uma espécie de feudalismo arcaico do que propriamente para seguir os preceitos do Corão.

Afinal, um verdadeiro seguidor do Corão jamais condenaria um poeta à morte por decapitação. Ponto.

Dizem que Fayadh foi condenado porque sua poesia “prega o ateísmo”. Mas não é exatamente isso que sentimos ao ler seus poemas. Abaixo, segue um trecho do livro traduzido pelo jornalista Jorge Pontual e lido, pelo próprio, no programa GloboNews em Pauta:

Asilo,
ficar de pé no fim da fila
para receber um pedaço de pão.

De pé, como seu avô ficava,
sem saber porquê...
O pedaço de pão?

Você.

A pátria:
Um cartão para por na sua carteira.
Dinheiro:
Papéis com fotos de líderes.
A foto?

O que substituí você,
até o seu retorno...

E o retorno?
Uma criatura mitológica,
daquelas histórias que a sua vó contava.

O petróleo é inofensivo,
a não ser pela pobreza que deixa em seu rastro.
No dia em que os rostos
dos que descobrem mais um poço
ficarem escuros,
e quando soprarem vida no seu coração
para que possam extrair mais petróleo
da sua alma, para uso público:
Esta será a verdadeira promessa do petróleo.

Você é inexperiente,
lhe faltam as gotas de chuva
para lavar os restos do seu passado
e liberá-lo do que chamam “devoção”;
daquele coração capaz de amar e brincar,
e de interagir com sua obscena retirada
daquela flácida religião;
daquela pregação falsa
de deuses que perderam o orgulho...

Os profetas se aposentaram,
então não espere que os seus
venham até você.
Porque para você os monitores trazem
os seus relatórios diários,
e mostram seus altos salários...

Como o dinheiro é importante para uma vida digna!
Meu avô fica de pé, nu, todos os dias,
sem banimento, sem criação divina...
Fui ressuscitado
sem um sopro de Deus na minha imagem,
sou a experiência do Inferno na Terra.

A Terra
é o Inferno
preparado para os refugiados...


Se este blog fosse hospedado na Arábia Saudita, já não existiria mais.
Se eu morasse por lá, escrevendo tudo o que escrevo, provavelmente já teria sido preso, quem sabe executado.
Mas mesmos nós, os poetas, se somos executados, somos encaminhados ao livramento... do refúgio neste mundo de chumbo.
Mas ai daqueles que matam os poetas em nome de Deus – para eles, o Inferno já se faz presente, e não há realmente escapatória: o Inferno está em seus próprios corações negros, e todos os seus pensamentos são podridão.

***

Crédito da imagem: Google Image Search

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